quinta-feira, 21 de novembro de 2024

O trabalho destrutivo não assola só o Sul global

Em maio passado, uma pesquisa descobriu que quase 40% dos profissionais no Canadá estavam sofrendo de burnout crescente. Os dados da empresa de consultoria Robert Half descobriram que as principais causas citadas pelos trabalhadores foram carga de trabalho, má comunicação e suporte da gerência e um ambiente de trabalho tóxico. Consistente com dados dos Estados Unidos e de todo o mundo, a pesquisa canadense descobriu que a Geração Z e os millennials foram os mais afetados pelo burnout. Mas o fenômeno não é exclusivo deles. É uma crise ampla e profunda — e se estende para além do local de trabalho.

Existem várias causas de burnout, mas geralmente é fundamentalmente um problema de desequilíbrio e falta de controle da própria vida. Estar sob o controle de outro pode acabar com a autonomia e aumentar a exposição a condições e ambientes de trabalho excessivamente exigentes e irracionais. Tais condições incluem uma carga de trabalho desequilibrada e falta de tempo livre e descanso. Em suma, somos forçados a trabalhar muito duro, por muito tempo, com suporte e tempo livre limitados.

•                                    Só trabalho, sem diversão

Em nossa sociedade de mercado, o tempo gasto fora do trabalho é frequentemente infiltrado por preocupações relacionadas ao trabalho, perturbando o que deveria ser um tempo e espaço sagrados de descanso. Quando não estamos trabalhando, pensamos em trabalhar, nos preocupamos em trabalhar, verificamos e-mails ou somos solicitados a “fazer um esforço extra” e investir mais tempo. A amarra digital contribuiu consideravelmente para a confusão dos limites entre trabalho e descanso, tornando-nos constantemente disponíveis para as demandas de nossos chefes 24 horas por dia, 7 dias por semana, efetivamente transformando a vida doméstica em um mero trabalho extracurricular.

Tudo isso pressupõe que o custo de vida de uma pessoa permita algum tempo de folga. No Canadá, a crise de acessibilidade — particularmente na habitação — forçou milhões a se empenharem mais e trabalharem mais apenas para manter um teto sobre suas cabeças. Isso, por sua vez, restringe o já escasso tempo livre que alguém pode conseguir garantir. E embora as horas de trabalho em geral não sejam exatamente equivalentes à era Dickensiana, elas estão aumentando. A extensão exata é difícil de avaliar devido ao aumento de bicos temporários e atividades paralelas permitidas pelos desenvolvimentos em tecnologia. A promessa de que a tecnologia liberaria tempo para os trabalhadores ainda não se materializou; em vez disso, contribuiu para uma escalada na exploração.

Em uma pesquisa da Harris Poll em maio, trabalhadores canadenses ofereceram algumas sugestões para prevenir ou aliviar o esgotamento, com um tema comum sendo o controle pessoal e no local de trabalho. Um horário de trabalho flexível liderou a lista, seguido de perto pelo apoio ao tempo livre. Na medida em que o burnout é um problema de controle, transferir mais dele para os trabalhadores é essencial para lidar com a questão. Mais tempo livre também é uma escolha óbvia. Naturalmente, pagar mais aos trabalhadores também é importante — embora isso não resolva necessariamente o problema do excesso de trabalho.

Vivemos em uma cultura que espera e venera horas de trabalho irracionais, apesar de montes de dados que sugerem que trabalhar mais não o torna mais produtivo — e, de fato, muitas vezes o torna menos produtivo. Devemos ser cautelosos com o culto à produtividade, mas as narrativas pró-produtividade no local de trabalho estão frequentemente erradas em seus próprios termos, na medida em que pregam longas horas como a medida do bom trabalho.

•                                    Burnout para as massas trabalhadoras, pagamento para as classes proprietárias

Adicionando insulto à injúria nas narrativas pró-produtividade está a realidade de que, apesar de décadas de melhoria da produtividade nos locais de trabalho na América do Norte, o pagamento dos trabalhadores não refletiu esse crescimento. Entre o início da década de 1970 e o presente, a produtividade aumentou em quase 65%, enquanto os salários por hora tiveram um aumento de apenas 17,3%. Com a produtividade superando o pagamento em 3,7 vezes, pode-se questionar corretamente para onde foi esse excedente substancial na produção. A resposta, previsivelmente, está em seu desvio para acionistas e gerentes corporativos.

Nossas vidas fora do local de trabalho devem ser espaços onde podemos relaxar, reiniciar e nos conectar com as pessoas e coisas que nos dão significado. Excesso de trabalho, salários baixos, exaustão, estresse e ansiedade induzidos por nossas vidas profissionais minam esses espaços e conexões, pois arrastamos o pior de nossas vidas profissionais para nossas vidas pessoais. Então, nosso tempo livre se torna um espaço de raiva e ressentimento purulentos, o que alimenta ainda mais o esgotamento. É um ciclo vicioso que mina nossas vidas profissionais e não profissionais.

No tempo privado que temos, somos frequentemente forçados a confrontar um mundo que testa ainda mais os limites da nossa paciência e sanidade, e nossa capacidade de esperança. Encarar um rio sempre corrente de notícias horríveis em casa e no exterior compromete nossa capacidade de descansar e aproveitar o que há para aproveitar da vida fora do trabalho. A lógica clássica da pessoa boa e cívica exige alguém que esteja consciente e engajado com as notícias do dia — tanto melhor para ser informado, preparado para mobilizar e improvável de ser enganado pelos poderes constituídos. Ou assim diz a teoria.

•                                    O esgotamento enfraquece a democracia

Uma cidadania engajada pressupõe que as pessoas realmente tenham tempo para se manterem a par das notícias e questões políticas. Muitos de nós não temos. Para aqueles que têm, ler, dia após dia, sobre catástrofes climáticas, guerra, instabilidade geopolítica, políticos desequilibrados e qualquer pedaço do inferno que esteja no menu naquele dia é, em si, indutor de ansiedade e raiva. Além disso, em democracias liberais como o Canadá, que priorizam indivíduos como unidades econômicas de produção e consumo e os desprezam como sujeitos políticos ativos, a pessoa acaba se sentindo desamparada acima de tudo.

A maneira como construímos a democracia liberal é extremamente fraca em autogoverno e laços comunitários. Como argumentei antes, ela é tão fraca que talvez não tenha força para se manter de pé a longo prazo, especialmente quando as coisas ficam difíceis. As coisas estão difíceis agora, e só vão piorar.

Mesmo que alguém estivesse inclinado a ir além dessa impotência e se envolver na vida cívica ou política — a expandir os limites da democracia liberal e assumir um papel maior no autogoverno — com que tempo, energia ou recursos os muitos que são levados ao limite no trabalho e em casa estariam fazendo esse trabalho?

Resolver o burnout no Canadá e além — resolver o problema estruturalmente, não apenas substituí-lo por um tempo — começa com democracia e controle no local de trabalho. Os trabalhadores devem ter controle sobre seus horários, quer trabalhem no escritório ou em casa, e sobre os processos, expectativas e normas que moldam suas condições e ambiente de trabalho. Resolver os problemas impostos pelo burnout também requer tempo livre suficiente e forçado, boa remuneração e condições de trabalho seguras.

Combater o esgotamento significa transferir controle e poder aos trabalhadores. Também requer uma mudança mais ampla nas expectativas culturais sobre trabalho e produtividade. Os ganhos de produtividade devem beneficiar os trabalhadores, não apenas os proprietários. No entanto, também precisamos abandonar o culto moderno do taylorismo que desumaniza os trabalhadores e reconhecer que mais horas não equivalem necessariamente a um trabalho melhor — e muitas vezes sinalizam o oposto. Desmantelar os modelos de vigilância arraigados no capitalismo contemporâneo, impulsionados por tecnologias que monitoram e penalizam os trabalhadores por serem humanos, é crucial. Com essa agenda, os trabalhadores podem recuperar suas vidas e redefinir a natureza de seu trabalho.

 

•                                    A lógica escravocrata rege a escala 6x1 e a baixa remuneração no Brasil

A exploração do ser humano e o estado brasileiro estão em simbiose desde quando os primeiros brancos chegaram por aqui. Os indígenas foram os primeiros, após muita resistência, a terem que escolher entre a exploração ou a morte. Com a chacina dos povos originários os portugueses foram atrás de outra mão de obra para explorar, a partir disso começa o tráfico humano do Atlantico.

A escravidão africana ficou vigente no Brasil por mais de 300 anos. Temos mais tempos de negros escravizados do que de negros libertos. Essa herança maldita rege a lógica do trabalho até os dias atuais. Eu não estou dizendo que só pessoas negras são exploradas, tão pouco insinuando que só existe capitalismo em sociedades que se originaram com base na escravização africana. Estou tentando pontuar que a precarização do trabalho no Brasil, que ainda carrega elementos da escravidão.

Países como os Estados Unidos, França, Alemanha e outros do norte global também existem profissões mais valorizadas do que outras, no entanto a remuneração e o respeito com pessoas com ofícios menos glamourizados são muito mais adequados do que no Brasil. Uma pessoa que cuida da limpeza da rua, uma outra que faz faxina, um ajudante de pedreiro, todos conseguem ter uma remuneração adequada, frequentar, consumir e morar do lado de profissões que no Brasil seria inimaginável. Empregada doméstica que dorme na casa, quarto de empregada, talheres separados para serviçais, são todas lógicas racistas herdadas da escravidão. Os trabalhos que pessoas negras faziam outrora ainda hoje são vistos como menores e seguem regras bem diferentes das leis trabalhistas. Não à toa frequentemente acompanhamos notícias de casos análogos da escravidão em fazendas pelo país.

Todos sabem que o capitalismo não quer saber sobre o bem-estar de ninguém. O que ele puder fazer para acumular renda será feito. A exploração de outro ser humano é uma das formas mais eficazes para isso. O burguês paga milhões por tratores agrícolas, mas não quer pagar um valor digno para quem faz a manutenção e quem dirige, já que, nesse método, as pessoas não tem valor, quem tem valor são as coisas. Então o que ele puder sugar daquele indivíduo para acumular capital ele fará e escravizar nunca teve longe dos sonhos da burguesia.

Eu consigo enxergar os senhores de engenho falando que iriam quebrar quando a Lei do Sexagenário e do Ventre Livre foram assinadas. Assim como estamos vendo hoje todo esse mimimi por causa do fim da escala 6x1. Quantos CLT milionários vocês conhecem? Existe bilionário sem exploração humana? Ambas as perguntas são negativas. A maioria dos empregadores tem muito, muito dinheiro. Com a escala 5x2 ele tem capital para contratar outros funcionários para cobrir as horas que faltarão. É muita inocência nossa achar que 50 mil reais a menos por mês impactam nessas grandes empresas.

Pega a linhagem dos mais ricos no Brasil e observa quantos deles têm linhagem com famílias que eram escravocratas. A gente precisa entender que o burguês de ontem e o de hoje tem o mesmo DNA. O que estou dizendo aqui, é que a riqueza produzida em solo brasileiro se iniciou em um período que pessoas negras trabalhavam de graça, logo nenhuma pessoas negra consegue batalhar de igual para igual com essa galera que vem herdando uma fortuna desde a época da escravidão.

A escala 5x2 é um pequeno passo para que as pessoas possam voltar a ser donas do seu tempo, e quando precisar vender o tempo para sobreviver, não seja por qualquer mixaria. A elite do atraso brasileiro tem que investir mais no trabalhador mesmo. Distribuir renda, promover ambiente de trabalho adequado, pagar participação no lucro da empresa. Agora isso jamais partirá deles. Isso tem que ser uma busca nossa, da classe trabalhadora que no Brasil é pavimentada, em sua maioria, pela população negra. Quanto mais luta, mais direito e mais distante do ideal escravagista. Existem 70 bilionários no Brasil e 216 milhões de pessoas. Quem depende de quem? Quem deveria temer a quem?

 

Fonte: Por David Moscrop, na Jacobin Brasil/Redação Nós

 

 

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