Adelina
Charuteira, a escravizada que ajudava abolicionistas
Não
há muitas informações sobre quem teria sido Adelina, a Charuteira, bem como
nenhuma imagem conhecida dela. Mas é sabido que ela, com sua capacidade de se
infiltrar em diversos pontos de São Luís do Maranhão, auxiliou no movimento
abolicionista que tomava corpo na capital maranhense, sobretudo entre
estudantes da elite.
Em
seu Dicionário da Escravidão Negra no Brasil, o sociólogo Clóvis Moura
(1925-2003), tem um verbete sobre ela. Segundo ele, "Adelina, charuteira
em são Luís do Maranhão, era quem transmitia informação para a associação Clube
dos Mortos”".
Clube
dos Mortos era um grupo abolicionista radical que atuava na capital maranhense,
ajudando a libertação de escravizados.
• O ofício de
charuteira
Adelina
provavelmente nasceu em 1859. O Dicionário Mulheres do Brasil - De 1500 até a
atualidade, organizado pela pedagoga e militante feminista Schuma Schumaher e
pelo psicólogo Érico Vital Brazil, também dedica um verbete à Adelina. Conta
que ela era filha de uma escrava "conhecida como Boca da Noite e de um
rico senhor".
Acredita-se
que o nome verdadeiro da mãe fosse Josepha Tereza da Silva. O pai era João
Francisco da Luz.
"Adelina
era uma escrava inteligente e arguta”, diz o sociólogo Moura. "Sabia ler e
escrever, fazia bordado e costura. Sua mãe criara todos os filhos do senhor e,
no leito de morte, recebera a promessa de que ele libertaria a filha assim que
ela completasse 17 anos, ‘quando já deveria ter juízo e não se perderia
mais'."
Se
a promessa foi ou não cumprida, há divergências. De acordo com o Dicionário
Mulheres do Brasil, não. Mas como durante a sua adolescência o seu pai sofreu
"um revés financeiro, empobreceu e passou a fabricar charutos”, a menina
se tornou a "encarregada das vendas".
Moura
diz que ela se tornou vendedora de charutos aos 16 anos, "poucos meses
antes de obter a própria alforria". Para ele, portanto, Adelina acabou se
tornando uma liberta.
Fato
é que, livre ou cativa, ela sempre teve o álibi de circular pelas ruas de São
Luís. "Duas vezes ao dia, ia pela cidade entregando tabuleiros de charutos
de botequim em botequim, e vendendo avulso para os transeuntes”, informa o
verbete do Dicionário Mulheres.
Um
dos pontos recorrentes de seu circuito de vendas era o Largo do Carmo. Ali
funcionava o tradicional Liceu Maranhense, uma escola de ensino médio que
formava a elite local. Os estudantes se tornaram clientes de Adelina. E Adelina
aprendeu sobre o abolicionismo com eles.
"Aí
teve a oportunidade de assistir a numerosos comícios abolicionistas promovidos
pelos estudantes nas escadarias da escola", completa o Dicionário
Mulheres. "Apaixonou-se pela causa e passou a frequentar manifestações e
passeatas em prol da abolição da escravidão."
Mas
é preciso ter cuidado com o termo abolicionismo, lembra a historiadora Maria
Helena Pereira Toledo Machado, professora na Universidade de São Paulo (USP) e
autora de, entre outros, Geminiana e Seus Filhos - Escravidão, Maternidade e
Morte no Brasil do Século 19.
Para
ela, no Brasil houve abolicionismo "apenas na década de 1880",
"liderado por personagens brancos, políticos", "paternalistas e
autoritários". "Ele [o abolicionismo] é antiescravista mas também
antiescravo, assim como a literatura dita abolicionista no Brasil que retratou
personagens negros como pessoas péssimas”, comenta.
Machado
acrescenta, contudo, "que nem todo mundo pensava igual". E que nesse caldo histórico acabou ocorrendo
"a participação de pessoas livres e populares, e aí encontram-se outras
possibilidades como é o caso da Adelina".
• Uma agente
em movimento
"A
moça fazia charutos que eram vendidos a compradores avulsos ou a casas
comerciais", explica Moura. "Essa atividade lhe dava condições de
acompanhar a movimentação abolicionista e circular nos mais variados meios
sociais da capital maranhense, inclusive entre os escravistas, de cujos planos
informava os abolicionistas, propiciando, assim, a fuga de escravos."
Esse
vaivém pelas ruas fez com que ela formasse "uma vasta rede de
relações" e conhecesse "todos os meandros da cidade", explica o
Dicionário Mulheres. "Sua facilidade em circular pelas ruas tornou-se seu
maior trunfo na luta contra a escravatura, pois possibilitava que os ativistas
do movimento se antecipassem às ações da polícia e articulassem fugas de
escravos”, complementa o verbete.
Ou
seja, seu trânsito-livre fazia dela peça-chave: ela conhecia a todos e atuava
como sentinela, avisando os abolicionistas e os escravizados em fuga quando e
onde havia alguma operação policial.
"Essa
ideia de circulação é bem comum [em histórias relacionadas à lutas contra a
escravidão]. A importância da mobilidade, da capacidade de se deslocar era
determinante para a pessoa poder se envolver nesses movimentos",
contextualiza a historiadora Machado.
Adelina
teria ajudado pessoalmente alguns a escaparem. Um exemplo seria o caso de uma
escravizada conhecida como Esperança. Ela estava grávida de um comerciante
português e queria desesperadamente fugir, para que pudesse viver com ele e
para que o filho do casal nascesse longe do cativeiro. Adelina teria acionado
seus contatos e conseguido uma maneira para que os dois fossem, em segurança, a
uma vila no interior da então província do Ceará.
O
sociólogo Moura coloca ainda Adelina como um lembrete de que "no movimento
abolicionista houve também a participação de mulheres escravas". Não se
tem registro de quando ela morreu.
Fonte:
DW Brasil
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