quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Elisabeth Lopes: Configurações perigosas X Reações progressistas

O mundo está inundado por configurações perigosas que acarretam à vida no planeta um desafio enorme, sobretudo, para o maior contingente da população que vive à margem de uma existência digna. O acúmulo de riqueza nas mãos de uma minoria, não tem limites. A desumanização causada pela elite gananciosa e sem escrúpulos assusta até o mais crédulo otimista da vontade e pessimista da razão.

A correlação de forças nunca foi tão preocupante. De um lado a direita oportunista convenientemente conservadora, reforçada pela indecorosa extrema direita fascista e de outro lado, o campo progressista em minoria.

Lembro dos folhetins infantis maniqueístas da luta entre o bem e o mal, em que depois de muitas agruras vividas pelas heroínas e heróis, eles, por sua coragem e determinação conseguem vencer nas últimas páginas os seus algozes do mal.

Todavia, no mundo real concordo com o Maquiavel que se afasta da classificação maniqueísta, valorizando o conhecimento no desvelamento dos fenômenos bons ou maus que envolvem a política. Para Maquiavel “não há um bem absoluto, em contrapartida, também o mal não é sempre um mal incontrastado” (O Príncipe – Nicolau Maquiavel). 

Assim, na atual materialidade da inclinação de expressiva parte do povo em escolher seus futuros algozes da direita liberal e da extrema direita, reside a tarefa de conhecer, analisar e interpretar as muitas páginas do real, a fim de desnudar a engrenagem que move tais escolhas. Em certa medida, o povo vislumbrou algo de bom que os atraiu às forças ultra liberais conservadoras. Como refere Nicolau Maquiavel o mal não é sempre um mal incontrastado.

Cabe questionar o que está acontecendo nas mentes dessa maioria desiludida, que tem optado por governantes autoritários, por políticos interesseiros em manter a realidade contrária as suas reais necessidades de vida e de trabalho. O que cega a racionalidade dos sentidos dessas pessoas?

Que poções mágicas, preparadas e oferecidas pela direita liberal e extrema direita ao povo, que são bebidas sem vacilo? Nesse mundo que digitaliza promessas inverossímeis sobre as consciências desavisadas do povo, que antídotos são possíveis para barrar os efeitos venenosos e enganadores?

Nesta semana, a esquerda marcou um gol com a tese defendida sobre o fim da escala de trabalho 6x1. Essa proposta de Emenda à Constituição, colocada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), explodiu nas redes sociais. A turma da direita liberal e extrema direita contrária à proposta foi massacrada. O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) foi um dos alvos atingidos, inclusive por seus eleitores, que se posicionaram arrependidos por terem votado em quem é contra as escalas extenuantes de trabalho que impedem os trabalhadores a viver com dignidade, sem a exploração a que se submetem. 

Nessa escala fica infinitamente impossível ao trabalhador buscar outras qualificações para melhorar suas possibilidades no mercado de trabalho, de ter lazer, de conviver e cuidar da família. É extremamente desumana, coisificando a pessoa do trabalhador.       

Em pouco tempo, principalmente pela pressão popular, a proposta da PEC do fim da escala 6X1 obteve mais 171 assinaturas dos deputados federais, inclusive de alguns conservadores. Portanto, está apta para iniciar sua tramitação no congresso. Mesmo que não prospere até ser definitivamente aprovada, a iniciativa retira o campo da esquerda da letargia propositiva para um evidente protagonismo em defesa dos direitos sociais.

Em outros países essa exaustiva jornada de trabalho já foi superada, como na Holanda, Alemanha, Itália, França, entre outros. Segundo o Professor da Universidade Estadual de Campinas, José Dari Krein, em entrevista ao Instituto Conhecimento Liberta, “a organização econômica não pode pensar o trabalho só como elemento na produção da riqueza, mas preservar a vida de quem trabalha”. Infelizmente o empresariado brasileiro ainda está anos luz desse argumento, o que vale é a extração da mais valia relativa.

Os argumentos para manter a condição escrava de trabalho, são pífios, tais quais os que foram vociferados pela elite econômica há 61 anos, durante a implantação do 13º salário no governo João Goulart. De lá pra cá, ficou comprovado o quanto o 13º tem contribuído para o crescimento econômico do país. Só no ano passado, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), foram injetados na economia brasileira R$ 291 bilhões.

Nessa perspectiva, é viável referir que uma postura propositiva por parte do campo progressista seja um dos caminhos de inibição do avanço das ingerências da direita fisiológica e extrema fascista ao longo do tempo.

Outro aspecto a considerar é propiciar a constante mobilização da sociedade para o recrudescimento das pautas reacionárias. O congresso conservador tem uma base popular que o elegeu, portanto é necessário e imprescindível, trazer à baila, temas que suscitem reações populares. Atualmente a esquerda tem mais reagido do que protagonizado frente ao domínio da ala da direita e extrema direita. A PEC do fim da escala 6X1 neste sentido está sendo alentador para deter a dormência popular.

O bloco progressista do país não pode deixar de problematizar as práticas de retrocesso no universo do trabalho, como as ocorridas durante o governo do usurpador Michel Temer (MDB) que promoveu uma reforma trabalhista que prometia mais empregos que não aconteceram, além de precarizar enormemente o campo do trabalho. As alterações efetivadas pela Lei 13467/2017 nos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) atenderam apenas os interesses do empresariado e da elite financeira do país. Mesmo com a farta comprovação estatística dos resultados catastróficos dessa reforma, há políticos que a defendem em seus discursos interesseiros que marcam nitidamente o lado elitista que defendem com unhas e dentes, como o pronunciamento da Vice Governadora do Distrito Federal, Celina Leão (PPB-DF) em demasiados elogios ao ex presidente Temer em evento desta semana ocorrido em Brasília, Fórum Brasil: inovação, inteligência artificial e segurança jurídica. Nesse sentido, o professor José Dari Krein em seu artigo “O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da ação coletiva - Consequências da reforma trabalhista” nos adverte ao referir que: “A reforma amplia a liberdade dos empregadores em determinar as condições de contratação, o uso da força de trabalho e a remuneração dos trabalhadores”. Nesse horizonte adversário ao desenvolvimento e ao devido reforço dos direitos sociais, à diminuição da desigualdade social, à vida saudável no planeta frente à crise climática, à redistribuição de renda, permanentemente concentrada nas mãos de uma minoria, ao rompimento do ciclo de avanço do atraso conservador em várias direções da vida, tanto na política brasileira, como na de diversos países do continente europeu e recentemente no EUA, remete ao campo progressista análises complexas, mas obrigatórias mediante as oscilações que tem marcado os avanços e recuos civilizatórios. É imprescindível a luta pelo retorno de agendas promissoramente justas e profícuas em políticas públicas que atendam verdadeiramente a realidade concreta do povo.

 

•                                    A perversidade da escala 6×1. Por Igor Felippe Santos

A campanha contra a escala 6×1, que impõe seis dias de trabalho para um dia de descanso, tem ganhado força na sociedade e impulsionado uma agenda universal da classe trabalhadora, abrindo uma janela para a retomada do debate sobre relações trabalhistas e diminuição da jornada.

A petição pública online, lançada pelo movimento Vida Além do Trabalho (VAT), ultrapassou 2 milhões de assinaturas. Depois da aprovação da lei da política de valorização permanente do salário mínimo, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em 2012, é a primeira vez que uma pauta com o caráter de conquista de direitos trabalhistas demonstra apelo popular e força na cena política.

Nesse período, o Brasil passou por uma ofensiva da burguesia, que levou ao impeachment de Dilma Roussef em 2016. Um dos principais objetivos foi diminuir o custo da força de trabalho. A reforma trabalhista em 2017, bastante desfavorável para os trabalhadores, foi uma reação à queda do desemprego e ao aumento da participação dos salários no PIB, que teve um crescimento de 4% entre 2004 e 2013, retomando o patamar de 1995.

Desde então, a agenda dos direitos trabalhistas ficou obstruída, inclusive no debate com a sociedade. A ofensiva ideológica para impor o desmonte da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prometia “modernizar” a legislação, diminuir a burocracia e aumentar a oferta de vagas de emprego. Não foi o que aconteceu.

Estudo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), publicado em 2022 com base na simulação de cenários comparativos do Brasil com países da América Latina e do Caribe, apontou que a reforma não apresentou efeito estatisticamente significativo sobre a taxa de desemprego. Caiu mais uma mistificação neoliberal.

Agora, a adesão à campanha pelo fim da escala 6×1 e a diminuição da jornada de trabalho é um fato novo que coloca em movimento a luta em defesa dos direitos da classe trabalhadora. O primeiro sinal da força dessa bandeira foi a eleição de Rick Azevedo (Psol-RJ), líder do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), com uma votação expressiva de 29 mil votos para vereador na cidade do Rio de Janeiro.

O jovem de 30 anos ganhou notoriedade nas redes sociais com denúncias da exploração que sofreu quando trabalhava no comércio na escala 6×1. A partir disso, assumiu a luta com centralidade, criou o movimento Vida Além do Trabalho (VAT) e passou a fazer uma ação permanente nas redes sociais e em regiões do comércio no Rio para conversar com os trabalhadores. É o famigerado trabalho de base.

Agora, ganha um novo impulso com a repercussão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da deputada federal Erika Hilton (Psol-SP), que propõe acabar com a escala de trabalho 6×1 com a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais, sem alteração na carga máxima diária de oito horas e com a manutenção dos salários.

Uma ação nas redes sociais pressiona parlamentares a assinar o texto para que a PEC possa ser protocolada. São necessárias 171 assinaturas para o projeto ser apresentado à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. Depois de hibernar por meses, obteve nos últimos dias mais de 200 assinaturas.

Até mesmo parlamentares de extrema direita, como Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Nikolas Ferreiras (PL-MG) e André Fernandes (PL-CE), sofreram constrangimentos e receberam críticas por não assinarem o texto da PEC. Como justificar que um trabalhador tenha apenas um dia por semana para descansar?

A jornada de 44 horas em seis dias na semana simboliza a perversidade da exploração da classe trabalhadora em pleno século XXI. Nada justifica que um trabalhador tenha apenas um dia para descansar e ficar com a família. É o elo fraco da classe dominante no debate sobre as relações trabalhistas.

Esse regime de trabalho é comum, sobretudo, no comércio e no varejo. Somente nesse segmento são mais de 19 milhões de trabalhadores, que estão empregados em lojas, supermercados e shoppings que permanecem abertos praticamente todos os dias.

No entanto, não é uma exclusividade do comércio. Indústrias que atuam com produção contínua (petroquímica, alimentícia, farmacêutica etc.), serviços de saúde como hospitais e clínicas, setor de transporte e logística, setor de hotelaria e turismo, serviços de segurança e vigilância e até mesmo na construção civil exigem essa escala.

A tramitação da PEC tem vários passos e a aprovação depende do apoio de pelo menos 3/5 dos deputados federais (308) e senadores (49). Por isso, requer uma intensa mobilização da sociedade brasileira, com protagonismo do movimento sindical e uma forte adesão da classe trabalhadora.

É uma oportunidade, inclusive, para o governo Lula sair das cordas e mudar a agenda nacional, diante da pressão do capital financeiro e dos meios de comunicação empresariais para fazer um ajuste fiscal com o corte de benefícios sociais. Por que não abraçar e estimular uma luta pela diminuição da jornada de trabalho que pode colocar seus inimigos na defensiva?

A luta pelo fim da escala 6×1 tem potencial de reconectar as organizações do campo democrático-popular com segmentos expressivos da classe trabalhadora. É uma bandeira simples, justa e direta, que incide sobre uma prática desumana que expõe a exploração do mercado de trabalho na atualidade.

Um movimento nacional para acabar com a exploração da escala 6×1 pode colocar a classe trabalhadora em movimento e mudar a correlação de forças. Marchar para obter uma vitória pode resgatar a auto-estima dos trabalhadores e a esperança na organização e na luta.

 

•                                    Por uma jornada mais justa e mais humana. Por Julimar Roberto

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece o fim da jornada de trabalho 6x1 e institui uma jornada de quatro dias de trabalho e três de descanso é uma vitória significativa para a classe trabalhadora. Esta luta, apoiada pela CUT, pela Contracs e demais entidades sindicais, marca uma trajetória de anos em defesa de uma jornada que priorize não só o bem-estar e a dignidade dos trabalhadores e trabalhadoras, mas também a construção de uma sociedade mais justa e equilibrada.

Ao alcançar as 171 assinaturas necessárias para iniciar a tramitação no Congresso, a PEC deu seu primeiro passo rumo a uma realidade que sempre foi desejada e defendida por aqueles que se dedicam à valorização do trabalho e dos direitos humanos. A luta, no entanto, está apenas começando. Para que a matéria avance no Congresso, será preciso muita mobilização, pressão e união de toda a classe trabalhadora. E é neste ponto que reside a força da nossa luta: cada trabalhador e trabalhadora que se levanta em defesa do 4x3 deve se juntar a essa corrente histórica, que há décadas busca a valorização do trabalho e da vida além dele. Este é um movimento que carrega os valores de justiça social e respeito aos direitos humanos e que seguirá forte até a conquista plena de uma jornada de trabalho digna.

E quanto ao medo – plenamente difundido – de que a proposta acabaria com a economia brasileira e levaria pequenas e médias empresas à falência? Balela! Em 1888, disseram o mesmo sobre a abolição da escravatura, assim como afirmaram que em 1936, a criação de um salário mínimo quebraria o país. Em 1962, não foi diferente e houve forte oposição ao pagamento do 13º. Isso só comprova que, quando é para beneficiar o trabalhador, os esforços da elite dominante são sempre contrários.

Sem contar com as inúmeras experiências exitosas no mundo que já comprovaram que com jornada reduzida, o trabalhador tem melhor desempenho. No Reino Unido, por exemplo, uma iniciativa piloto envolvendo 61 empresas revelou que 71% dos empregados reduziram sintomas de burnout e 54% acharam mais fácil conciliar a vida pessoal e profissional. No Brasil, empresas participantes do projeto da "4 Day Week Brazil" relataram melhorias na energia dos profissionais (82,4%), redução do estresse (62,7%) e aumento da disposição para momentos de lazer (78%). A experiência britânica demonstrou que 92% das firmas continuarão com a semana de quatro dias, enquanto no Brasil, 61,5% das empresas notaram melhoria na execução de projetos, e 58,5% observaram mais criatividade e inovação. Isso reflete que trabalhadores e trabalhadoras mais descansados e menos estressados são, na verdade, mais produtivos e inovadores.

Na realidade, a proposta oferece uma visão coerente com as transformações no mundo do trabalho. Com os avanços tecnológicos e as novas dinâmicas produtivas, não é mais justificável que a classe trabalhadora siga submetida a jornadas exaustivas que comprometem o convívio familiar, o autocuidado e o lazer. Trata-se de um marco que visa respeitar a dignidade humana e que reconhece a importância do tempo livre.

Esta PEC é uma resposta necessária às demandas de uma sociedade que valoriza o bem-estar e a produtividade em equilíbrio. Assim como em outros países, onde já se observam avanços na redução das jornadas de trabalho, comprovando que essa mudança, além de saudável, pode ser proveitosa e sustentável, o Brasil, com sua força de trabalho diversificada e dedicada, também merece avançar nesse sentido, garantindo aos seus trabalhadores e trabalhadoras uma rotina mais digna.

A aprovação desta PEC representa mais do que uma mudança de escala; é uma afirmação de que o nosso país valoriza o trabalho, mas acima de tudo valoriza a vida. Conquistar o fim da jornada 6x1 não será fácil, mas estamos juntos, firmes e determinados. É hora de fazermos história e de garantirmos uma vida melhor para todos, todas e todes.

 

Fonte: Brasil 247/A Terra é Redonda

 

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