Elisabeth
Lopes: Configurações perigosas X Reações progressistas
O
mundo está inundado por configurações perigosas que acarretam à vida no planeta
um desafio enorme, sobretudo, para o maior contingente da população que vive à
margem de uma existência digna. O acúmulo de riqueza nas mãos de uma minoria,
não tem limites. A desumanização causada pela elite gananciosa e sem escrúpulos
assusta até o mais crédulo otimista da vontade e pessimista da razão.
A
correlação de forças nunca foi tão preocupante. De um lado a direita
oportunista convenientemente conservadora, reforçada pela indecorosa extrema
direita fascista e de outro lado, o campo progressista em minoria.
Lembro
dos folhetins infantis maniqueístas da luta entre o bem e o mal, em que depois
de muitas agruras vividas pelas heroínas e heróis, eles, por sua coragem e
determinação conseguem vencer nas últimas páginas os seus algozes do mal.
Todavia,
no mundo real concordo com o Maquiavel que se afasta da classificação
maniqueísta, valorizando o conhecimento no desvelamento dos fenômenos bons ou
maus que envolvem a política. Para Maquiavel “não há um bem absoluto, em
contrapartida, também o mal não é sempre um mal incontrastado” (O Príncipe –
Nicolau Maquiavel).
Assim,
na atual materialidade da inclinação de expressiva parte do povo em escolher
seus futuros algozes da direita liberal e da extrema direita, reside a tarefa
de conhecer, analisar e interpretar as muitas páginas do real, a fim de
desnudar a engrenagem que move tais escolhas. Em certa medida, o povo
vislumbrou algo de bom que os atraiu às forças ultra liberais conservadoras.
Como refere Nicolau Maquiavel o mal não é sempre um mal incontrastado.
Cabe
questionar o que está acontecendo nas mentes dessa maioria desiludida, que tem
optado por governantes autoritários, por políticos interesseiros em manter a
realidade contrária as suas reais necessidades de vida e de trabalho. O que
cega a racionalidade dos sentidos dessas pessoas?
Que
poções mágicas, preparadas e oferecidas pela direita liberal e extrema direita
ao povo, que são bebidas sem vacilo? Nesse mundo que digitaliza promessas
inverossímeis sobre as consciências desavisadas do povo, que antídotos são
possíveis para barrar os efeitos venenosos e enganadores?
Nesta
semana, a esquerda marcou um gol com a tese defendida sobre o fim da escala de
trabalho 6x1. Essa proposta de Emenda à Constituição, colocada pela deputada
Erika Hilton (PSOL-SP), explodiu nas redes sociais. A turma da direita liberal
e extrema direita contrária à proposta foi massacrada. O deputado Nikolas
Ferreira (PL-MG) foi um dos alvos atingidos, inclusive por seus eleitores, que
se posicionaram arrependidos por terem votado em quem é contra as escalas
extenuantes de trabalho que impedem os trabalhadores a viver com dignidade, sem
a exploração a que se submetem.
Nessa
escala fica infinitamente impossível ao trabalhador buscar outras qualificações
para melhorar suas possibilidades no mercado de trabalho, de ter lazer, de
conviver e cuidar da família. É extremamente desumana, coisificando a pessoa do
trabalhador.
Em
pouco tempo, principalmente pela pressão popular, a proposta da PEC do fim da
escala 6X1 obteve mais 171 assinaturas dos deputados federais, inclusive de
alguns conservadores. Portanto, está apta para iniciar sua tramitação no
congresso. Mesmo que não prospere até ser definitivamente aprovada, a
iniciativa retira o campo da esquerda da letargia propositiva para um evidente
protagonismo em defesa dos direitos sociais.
Em
outros países essa exaustiva jornada de trabalho já foi superada, como na
Holanda, Alemanha, Itália, França, entre outros. Segundo o Professor da
Universidade Estadual de Campinas, José Dari Krein, em entrevista ao Instituto
Conhecimento Liberta, “a organização econômica não pode pensar o trabalho só
como elemento na produção da riqueza, mas preservar a vida de quem trabalha”.
Infelizmente o empresariado brasileiro ainda está anos luz desse argumento, o
que vale é a extração da mais valia relativa.
Os
argumentos para manter a condição escrava de trabalho, são pífios, tais quais
os que foram vociferados pela elite econômica há 61 anos, durante a implantação
do 13º salário no governo João Goulart. De lá pra cá, ficou comprovado o quanto
o 13º tem contribuído para o crescimento econômico do país. Só no ano passado,
de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese), foram injetados na economia brasileira R$ 291
bilhões.
Nessa
perspectiva, é viável referir que uma postura propositiva por parte do campo
progressista seja um dos caminhos de inibição do avanço das ingerências da
direita fisiológica e extrema fascista ao longo do tempo.
Outro
aspecto a considerar é propiciar a constante mobilização da sociedade para o
recrudescimento das pautas reacionárias. O congresso conservador tem uma base
popular que o elegeu, portanto é necessário e imprescindível, trazer à baila,
temas que suscitem reações populares. Atualmente a esquerda tem mais reagido do
que protagonizado frente ao domínio da ala da direita e extrema direita. A PEC
do fim da escala 6X1 neste sentido está sendo alentador para deter a dormência
popular.
O
bloco progressista do país não pode deixar de problematizar as práticas de
retrocesso no universo do trabalho, como as ocorridas durante o governo do
usurpador Michel Temer (MDB) que promoveu uma reforma trabalhista que prometia
mais empregos que não aconteceram, além de precarizar enormemente o campo do
trabalho. As alterações efetivadas pela Lei 13467/2017 nos dispositivos da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) atenderam apenas os interesses do
empresariado e da elite financeira do país. Mesmo com a farta comprovação
estatística dos resultados catastróficos dessa reforma, há políticos que a
defendem em seus discursos interesseiros que marcam nitidamente o lado elitista
que defendem com unhas e dentes, como o pronunciamento da Vice Governadora do
Distrito Federal, Celina Leão (PPB-DF) em demasiados elogios ao ex presidente
Temer em evento desta semana ocorrido em Brasília, Fórum Brasil: inovação,
inteligência artificial e segurança jurídica. Nesse sentido, o professor José
Dari Krein em seu artigo “O desmonte dos direitos, as novas configurações do
trabalho e o esvaziamento da ação coletiva - Consequências da reforma
trabalhista” nos adverte ao referir que: “A reforma amplia a liberdade dos
empregadores em determinar as condições de contratação, o uso da força de
trabalho e a remuneração dos trabalhadores”. Nesse horizonte adversário ao
desenvolvimento e ao devido reforço dos direitos sociais, à diminuição da
desigualdade social, à vida saudável no planeta frente à crise climática, à
redistribuição de renda, permanentemente concentrada nas mãos de uma minoria,
ao rompimento do ciclo de avanço do atraso conservador em várias direções da
vida, tanto na política brasileira, como na de diversos países do continente
europeu e recentemente no EUA, remete ao campo progressista análises complexas,
mas obrigatórias mediante as oscilações que tem marcado os avanços e recuos
civilizatórios. É imprescindível a luta pelo retorno de agendas promissoramente
justas e profícuas em políticas públicas que atendam verdadeiramente a
realidade concreta do povo.
• A
perversidade da escala 6×1. Por Igor Felippe Santos
A
campanha contra a escala 6×1, que impõe seis dias de trabalho para um dia de
descanso, tem ganhado força na sociedade e impulsionado uma agenda universal da
classe trabalhadora, abrindo uma janela para a retomada do debate sobre
relações trabalhistas e diminuição da jornada.
A
petição pública online, lançada pelo movimento Vida Além do Trabalho (VAT),
ultrapassou 2 milhões de assinaturas. Depois da aprovação da lei da política de
valorização permanente do salário mínimo, sancionada pela presidenta Dilma
Rousseff em 2012, é a primeira vez que uma pauta com o caráter de conquista de
direitos trabalhistas demonstra apelo popular e força na cena política.
Nesse
período, o Brasil passou por uma ofensiva da burguesia, que levou ao
impeachment de Dilma Roussef em 2016. Um dos principais objetivos foi diminuir
o custo da força de trabalho. A reforma trabalhista em 2017, bastante
desfavorável para os trabalhadores, foi uma reação à queda do desemprego e ao
aumento da participação dos salários no PIB, que teve um crescimento de 4%
entre 2004 e 2013, retomando o patamar de 1995.
Desde
então, a agenda dos direitos trabalhistas ficou obstruída, inclusive no debate
com a sociedade. A ofensiva ideológica para impor o desmonte da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT) prometia “modernizar” a legislação, diminuir a
burocracia e aumentar a oferta de vagas de emprego. Não foi o que aconteceu.
Estudo
de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), publicado em 2022 com base
na simulação de cenários comparativos do Brasil com países da América Latina e
do Caribe, apontou que a reforma não apresentou efeito estatisticamente
significativo sobre a taxa de desemprego. Caiu mais uma mistificação
neoliberal.
Agora,
a adesão à campanha pelo fim da escala 6×1 e a diminuição da jornada de
trabalho é um fato novo que coloca em movimento a luta em defesa dos direitos
da classe trabalhadora. O primeiro sinal da força dessa bandeira foi a eleição
de Rick Azevedo (Psol-RJ), líder do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), com
uma votação expressiva de 29 mil votos para vereador na cidade do Rio de
Janeiro.
O
jovem de 30 anos ganhou notoriedade nas redes sociais com denúncias da
exploração que sofreu quando trabalhava no comércio na escala 6×1. A partir
disso, assumiu a luta com centralidade, criou o movimento Vida Além do Trabalho
(VAT) e passou a fazer uma ação permanente nas redes sociais e em regiões do
comércio no Rio para conversar com os trabalhadores. É o famigerado trabalho de
base.
Agora,
ganha um novo impulso com a repercussão da Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) da deputada federal Erika Hilton (Psol-SP), que propõe acabar com a
escala de trabalho 6×1 com a redução da jornada de trabalho para 36 horas
semanais, sem alteração na carga máxima diária de oito horas e com a manutenção
dos salários.
Uma
ação nas redes sociais pressiona parlamentares a assinar o texto para que a PEC
possa ser protocolada. São necessárias 171 assinaturas para o projeto ser
apresentado à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. Depois de hibernar por
meses, obteve nos últimos dias mais de 200 assinaturas.
Até
mesmo parlamentares de extrema direita, como Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Nikolas
Ferreiras (PL-MG) e André Fernandes (PL-CE), sofreram constrangimentos e
receberam críticas por não assinarem o texto da PEC. Como justificar que um
trabalhador tenha apenas um dia por semana para descansar?
A
jornada de 44 horas em seis dias na semana simboliza a perversidade da
exploração da classe trabalhadora em pleno século XXI. Nada justifica que um
trabalhador tenha apenas um dia para descansar e ficar com a família. É o elo
fraco da classe dominante no debate sobre as relações trabalhistas.
Esse
regime de trabalho é comum, sobretudo, no comércio e no varejo. Somente nesse
segmento são mais de 19 milhões de trabalhadores, que estão empregados em
lojas, supermercados e shoppings que permanecem abertos praticamente todos os
dias.
No
entanto, não é uma exclusividade do comércio. Indústrias que atuam com produção
contínua (petroquímica, alimentícia, farmacêutica etc.), serviços de saúde como
hospitais e clínicas, setor de transporte e logística, setor de hotelaria e
turismo, serviços de segurança e vigilância e até mesmo na construção civil
exigem essa escala.
A
tramitação da PEC tem vários passos e a aprovação depende do apoio de pelo
menos 3/5 dos deputados federais (308) e senadores (49). Por isso, requer uma
intensa mobilização da sociedade brasileira, com protagonismo do movimento
sindical e uma forte adesão da classe trabalhadora.
É
uma oportunidade, inclusive, para o governo Lula sair das cordas e mudar a
agenda nacional, diante da pressão do capital financeiro e dos meios de
comunicação empresariais para fazer um ajuste fiscal com o corte de benefícios
sociais. Por que não abraçar e estimular uma luta pela diminuição da jornada de
trabalho que pode colocar seus inimigos na defensiva?
A
luta pelo fim da escala 6×1 tem potencial de reconectar as organizações do
campo democrático-popular com segmentos expressivos da classe trabalhadora. É
uma bandeira simples, justa e direta, que incide sobre uma prática desumana que
expõe a exploração do mercado de trabalho na atualidade.
Um
movimento nacional para acabar com a exploração da escala 6×1 pode colocar a
classe trabalhadora em movimento e mudar a correlação de forças. Marchar para
obter uma vitória pode resgatar a auto-estima dos trabalhadores e a esperança
na organização e na luta.
• Por uma
jornada mais justa e mais humana. Por Julimar Roberto
A
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece o fim da jornada de
trabalho 6x1 e institui uma jornada de quatro dias de trabalho e três de
descanso é uma vitória significativa para a classe trabalhadora. Esta luta,
apoiada pela CUT, pela Contracs e demais entidades sindicais, marca uma
trajetória de anos em defesa de uma jornada que priorize não só o bem-estar e a
dignidade dos trabalhadores e trabalhadoras, mas também a construção de uma
sociedade mais justa e equilibrada.
Ao
alcançar as 171 assinaturas necessárias para iniciar a tramitação no Congresso,
a PEC deu seu primeiro passo rumo a uma realidade que sempre foi desejada e
defendida por aqueles que se dedicam à valorização do trabalho e dos direitos
humanos. A luta, no entanto, está apenas começando. Para que a matéria avance
no Congresso, será preciso muita mobilização, pressão e união de toda a classe
trabalhadora. E é neste ponto que reside a força da nossa luta: cada
trabalhador e trabalhadora que se levanta em defesa do 4x3 deve se juntar a
essa corrente histórica, que há décadas busca a valorização do trabalho e da
vida além dele. Este é um movimento que carrega os valores de justiça social e
respeito aos direitos humanos e que seguirá forte até a conquista plena de uma
jornada de trabalho digna.
E
quanto ao medo – plenamente difundido – de que a proposta acabaria com a
economia brasileira e levaria pequenas e médias empresas à falência? Balela! Em
1888, disseram o mesmo sobre a abolição da escravatura, assim como afirmaram
que em 1936, a criação de um salário mínimo quebraria o país. Em 1962, não foi
diferente e houve forte oposição ao pagamento do 13º. Isso só comprova que,
quando é para beneficiar o trabalhador, os esforços da elite dominante são
sempre contrários.
Sem
contar com as inúmeras experiências exitosas no mundo que já comprovaram que
com jornada reduzida, o trabalhador tem melhor desempenho. No Reino Unido, por
exemplo, uma iniciativa piloto envolvendo 61 empresas revelou que 71% dos
empregados reduziram sintomas de burnout e 54% acharam mais fácil conciliar a
vida pessoal e profissional. No Brasil, empresas participantes do projeto da
"4 Day Week Brazil" relataram melhorias na energia dos profissionais
(82,4%), redução do estresse (62,7%) e aumento da disposição para momentos de
lazer (78%). A experiência britânica demonstrou que 92% das firmas continuarão
com a semana de quatro dias, enquanto no Brasil, 61,5% das empresas notaram
melhoria na execução de projetos, e 58,5% observaram mais criatividade e inovação.
Isso reflete que trabalhadores e trabalhadoras mais descansados e menos
estressados são, na verdade, mais produtivos e inovadores.
Na
realidade, a proposta oferece uma visão coerente com as transformações no mundo
do trabalho. Com os avanços tecnológicos e as novas dinâmicas produtivas, não é
mais justificável que a classe trabalhadora siga submetida a jornadas
exaustivas que comprometem o convívio familiar, o autocuidado e o lazer.
Trata-se de um marco que visa respeitar a dignidade humana e que reconhece a
importância do tempo livre.
Esta
PEC é uma resposta necessária às demandas de uma sociedade que valoriza o
bem-estar e a produtividade em equilíbrio. Assim como em outros países, onde já
se observam avanços na redução das jornadas de trabalho, comprovando que essa
mudança, além de saudável, pode ser proveitosa e sustentável, o Brasil, com sua
força de trabalho diversificada e dedicada, também merece avançar nesse
sentido, garantindo aos seus trabalhadores e trabalhadoras uma rotina mais
digna.
A
aprovação desta PEC representa mais do que uma mudança de escala; é uma
afirmação de que o nosso país valoriza o trabalho, mas acima de tudo valoriza a
vida. Conquistar o fim da jornada 6x1 não será fácil, mas estamos juntos,
firmes e determinados. É hora de fazermos história e de garantirmos uma vida
melhor para todos, todas e todes.
Fonte:
Brasil 247/A Terra é Redonda
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