Jorge
Folena: O cinismo das autoridades e a normalização do fascismo no Brasil
O
atentado ocorrido em Brasília, na noite de 13 de novembro de 2024, em frente à
sede do Supremo Tribunal Federal, foi consequência da normalização do fascismo
pelas instituições brasileiras.
Digo
isto, porque na manhã daquele mesmo dia, no evento “Desafios para um Brasil
melhor e mais sustentável”, promovido pelo 247 e o Lide, em Brasília, o
presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, referiu-se ao projeto de
anistia aos golpistas do 8 de janeiro dizendo com “naturalidade” e em tom de
normalidade institucional que, “se o Congresso está discutindo anistia, o local
é mesmo o Congresso”, por ser “o lugar de fazer críticas às instituições”,
dentro do processo democrático.
Contudo,
no dia seguinte ao atentado, o mesmo ministro expressou que “não se pode
anistiar, sem haver ainda condenação” e perguntou: “onde foi que perdemos a luz
da nossa alma afetuosa, alegre e fraterna para a escuridão do ódio, da
agressividade e da violência?”. A única
resposta que encontro para essa retórica é: cinismo.
É
bom recordar que o ministro Barroso, no auge das atividades da operação lava
jato, dizia que “era preciso ouvir as vozes das ruas”, apresentadas como
justificativa para a revisão “evolutiva” da jurisprudência do STF, utilizada
para restringir o instituto constitucional da presunção de inocência, que
manteve o indevido encarceramento do presidente Lula, impediu sua participação
na eleição de 2018 e possibilitou a chegada de um fascista declarado à
presidência da República.
No
dia 14 de novembro deste ano, o Procurador Geral da República, Dr. Paulo Gonet,
disse no STF que “o desrespeito às instituições continua a ter sinistros
desdobramentos”. Constatação curiosa da parte de quem, em resposta a críticas
sobre a demora na tomada de qualquer medida contra o ex-presidente, manifestou
que não queria que as investigações e a propositura de denúncia criminal fossem
contaminadas pela política. Porém, depois do atentado da noite de 13 de
novembro, percebeu finalmente os “sinistros desdobramentos” dos atos golpistas
do 8 de janeiro de 2023.
Na
mesma toada de cinismo, no domingo anterior ao atentado, o jornal Folha de São
Paulo, que recentemente cunhou o termo fascismo “moderado”, abriu espaço para o
ex-presidente inelegível debochar da democracia no país, logo ele, um defensor
ardoroso da ditadura de 1964/1985, da tortura e dos torturadores.
O
fascismo tem sido normalizado no país e cito como exemplo dois episódios
inaceitáveis, dentre muitos casos. Em 02/07/2024, circulou um vídeo de
treinamento de policiais militares de Minas Gerais, em que eles corriam pelas
ruas cantando o refrão “cabra safado, petista maconheiro”.
O
fato configura um absurdo atentatório à Constituição, pelo qual todos os
envolvidos deveriam ter sido imediatamente afastados das suas funções,
inclusive sendo determinadas prisões disciplinares, e, em seguida, sendo
processados administrativa e criminalmente.
Outro
caso esdrúxulo foi o de um desembargador do Paraná, que em sessão de julgamento
derramou sua misoginia ao criticar o posicionamento “de uma mulher” (na
verdade, uma menina de 12 anos, que requereu medida protetiva contra o assédio
promovido por um professor), dizendo que seria uma “manifestação feminista” e
afirmando que nos dias de hoje são as mulheres que estão “correndo atrás de
homens”; depois pediu desculpas, como sempre fazem quando expostos, porém é
sempre tarde demais, pois o estrago foi feito.
Esses
maus indivíduos são adeptos da mesma escola do ex-presidente da república, que
em diversas oportunidades agiu de modo semelhante ao interagir com pessoas do
sexo feminino. Por exemplo, quando disse a uma congressista que ela não merecia
ser estuprada por ser feia; quando referiu-se a meninas com menos de 15 anos de
idade, dizendo que tinha pintado “um clima”; quando fez um vídeo ao vivo com
uma menina de cerca de 10 anos de idade, à época, apresentada como suposto
exemplo de empreendedorismo, tendo feito comentários maliciosos usando o termo
“furo” em relação à criança; nas muitas vezes em que dirigiu sua fúria contra
mulheres jornalistas etc.
O
caso é que, quando se trata de ações fascistas, todas são normalizadas no país,
como ocorreu com o não processamento dos verdugos da última ditadura; com os
integrantes da famigerada operação lava jato; com a demora injustificada da
conclusão das diversas investigações e consequente processamento criminal
contra o ex-presidente e todo o seu séquito golpista, que até hoje não
respondem por seus atos, já passados quase dois anos que saíram do governo.
É
preciso dizer a verdade: o fascismo foi naturalizado no país! E sem nenhum
pudor ou escrúpulo por parte da classe dominante. O exemplo mais claro desse
fato foi o intervalo de 2019 a 2022, quando tivemos o governo do ex-presidente
inelegível, período indevidamente definido por alguns como um “estado de
loucura”, mas que, na verdade, não foi bem uma perda generalizada do sentido da
razão; ao contrário, tudo constituiu uma jogada de ação política e
governamental, muito bem arquitetada para fortalecer a extrema-direita no país
e incentivar pessoas como Francisco Wanderley, filiado ao Partido Liberal de
Bolsonaro, célula que abriga diversos fascistas hoje no Brasil.
Os
fascistas estão aparelhados e entranhados nas instituições do país, como vimos
na atuação da lava jato e vemos nas manifestações de juízes, militares,
policiais, servidores públicos, empresários, religiosos e até mesmo em
segmentos da classe trabalhadora, infelizmente cooptados por décadas de
manipulação e desinformação.
Para
nos libertarmos do fascismo, que é a maior batalha a ser travada pelo campo
democrático, popular e progressista no Brasil, precisaremos de muita disposição
política para promover educação de base e criar consciência política e de
classe social.
A
batalha não será fácil aqui, pois, desde a colônia, o país convive com um
sem-número de atrocidades impostas às camadas mais empobrecidas, subjugadas por
uma violência que, infelizmente, acabou se normalizando no inconsciente
popular.
Afirmo
que as autoridades são condescendentes com o fascismo e entendo que, desde 30
de março de 2023, quando Bolsonaro retornou ao Brasil, vindo dos Estados
Unidos, ele deveria ter sido preso preventivamente, como garantia da ordem
pública e diante de todas as evidências da sua participação na liderança da
trama golpista que culminou no 8/1/23.
Na
verdade, o ex-presidente inelegível constitui um grave risco à sociedade, pois
representa um estímulo aos adeptos do fascismo, como esse Francisco Wanderlei,
que promoveu o atentado à bomba em Brasília no dia 13 de novembro de 2024, além
de muitos outros que, todos os dias, enviam ameaças de ataques ao STF, aos seus
ministros e até mesmo aos seus familiares.
As
informações que vieram à tona falam de planos para destruição de estações
geradoras e distribuidoras de energia elétrica e realização de atentados a
bomba em aeroportos (ao custo de quantas vidas?), do aprisionamento e execução
de expoentes da vida pública e da política no país etc. Diante de ameaças desse
porte, agora agravadas pela materialização do homem-bomba, perguntamos: até
quando as autoridades vão continuar a contar com a sorte?
• Reação
institucional está aquém da gravidade do ato terrorista. Por Jeferson Miola
A
reação política e institucional ao atentado perpetrado pelo bolsonarista
radicalizado Francisco Wanderley Luiz está muito aquém da gravidade do ataque
terrorista ao STF.
Chama
atenção o silêncio do presidente Lula a esse respeito. E nenhuma autoridade se
pronunciou oficialmente em nome do governo federal.
Não
foi um ato qualquer. E não foram meras “explosões”, como se referiram ao
acontecido os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco.
Menos
ainda pode ser considerado um quase poético “desatino”, como o procurador-geral
da República Paulo Gonet inacreditavelmente classificou o ocorrido.
O
que aconteceu foi um evento de máxima gravidade: foi um atentado terrorista com
todas características descritas em manual, ou seja, um ato de terror político
executado com violência e emprego de explosivos para produzir danos impactantes
e matar pessoas com o objetivo de causar pânico e disseminar um clima de medo
na sociedade.
As
autoridades policiais concluíram tratar-se de terrorismo. Ainda que tenha sido
executado in loco por um único indivíduo radicalizado, não foi um ato isolado,
mas um evento associado a uma estratégia de ação política violenta, vocalizada
pelas lideranças extremistas, Bolsonaro à frente.
A
auto-explosão do autor não tem o significado de um suicídio convencional,
porque foi um ato extremado, de auto-imolação, que evidencia que o bolsonarista
radicalizado estava determinado a fazer tudo que fosse necessário para
concretizar seu ataque terrorista, inclusive o “gesto glorioso” de exterminar a
própria vida.
Francisco
Wanderley Luiz seguiu as palavras do líder-mor do extremismo, Bolsonaro, que se
beneficia da demora do PGR em instaurar ações penais contra ele para andar pelo
país fazendo pregações contra o STF e conclamando seus seguidores extremistas a
“acabar com a própria vida pela nossa liberdade”.
O
ato terrorista de 13 de novembro não tem a mesma magnitude do 8 de janeiro, mas
também é gravíssimo e precisa ser analisado no contexto da radicalização
crescente da extrema-direita bolsonarista e das ameaças constantes ao Estado de
Direito.
Por
enquanto, a resposta da institucionalidade democrática a este grave
acontecimento ainda é bastante tíbia, quando poderia representar uma
oportunidade para uma vigorosa ofensiva democrática contra o extremismo cada
vez mais radicalizado.
Os
setores comprometidos com a democracia e com a defesa do Estado de Direito
precisam se unir acima das diferenças ideológicas para construírem respostas
contundentes às ameaças extremistas.
O
sepultamento do PL da Anistia, a retomada do PL 2630 de regulamentação das fake
news, e a reivindicação de funcionamento verdadeiramente “normal” das
instituições, em especial da PGR, no julgamento justo dos criminosos que
atentaram contra a democracia, são algumas das medidas que precisam ser
urgentemente concretizadas.
A
população brasileira precisa ser alertada sobre o significado deste atentado
terrorista, sua conexão com o 8 de janeiro e sobre os riscos que o extremismo
representa para a sobrevivência da democracia. O extremismo não pode continuar
sendo normalizado e naturalizado.
A
ausência de respostas eficazes das instituições, dos partidos políticos, das
organizações sociais e da sociedade encoraja a escalada do extremismo com seus
terrorismos.
• O que vem
depois do homem-bomba. Por Moisés Mendes
Há
faíscas por toda parte, desde muito antes do golpe de 2016, anunciando que
alguma coisa grave pode acontecer a qualquer momento. Muitas já aconteceram e é
fácil desconfiar que outros eventos traumáticos estão engatilhados.
Mas
quem previu algo parecido com o caso do homem que se explodiu em Brasília?
Enquanto parte da imprensa embarca no psicologismo mais raso e tenta desvendar
os problemas psíquicos do morto, o que temos, entre tantas hipóteses para o
futuro imediato, é que algo semelhante ou mais grave pode acontecer mais
adiante.
As
excitações e o cenário são propícios ao aparentemente imponderável. Temos um
ex-presidente inspirador, que poderia ter ficado calado, depois da morte na
Praça dos Três Poderes. E temos o entorno dele, impune e revigorado pela
vitória do trumpismo.
Se
tivesse silenciado, diriam que Bolsonaro preferiu se proteger e logo sua mudez
seria esquecida. Mas ele não conteve o impulso e largou um manifesto, horas
depois do fato.
Fez
uma declaração que é sempre arriscada em circunstâncias como as que envolveram
o homem-bomba. O que falar logo depois de fatos com essa dimensão, sem correr o
risco de dizer o que não deveria?
Bolsonaro
se arriscou e tornou público um pedido de socorro. O apelo pela pacificação
provocou o que qualquer um poderia prever: memes, ironia, deboche e descaso.
Desprezaram
o apelo, porque Bolsonaro não está pedindo paz, está pedindo ajuda, com uma
mensagem que não tem coerência com o que sempre pregou, mesmo nos piores
momentos da pandemia. Milhares morriam, ele ria, negava vacina e menosprezava a
dor das famílias.
Sempre,
em todas as situações em que foi chamado a ser solidário, antes de tentar ser
estadista, Bolsonaro manifestou os piores sentimentos de indiferença,
arrogância, ódio, omissão e crueldade. Mas agora quer a pacificação.
Nem
seus aliados que sobraram, e são poucos com alguma relevância, levaram a sério
seu apelo. A quem Bolsonaro dirigiu o pedido de paz? Aos brasileiros em geral?
Aos ministros do Supremo, às elites econômicas ou ao Congresso?
O
manifesto pela pacificação é uma farsa da primeira à última palavra e só teve o
efeito de expor o que não foi explicitamente declarado: Bolsonaro está acuado e
com as munições esgotadas. E sabe que, por incitação, algo grave pode voltar a
acontecer.
Esgotaram-se
como tática da gritaria as aglomerações organizadas por Malafaia. Foi um
desastre a aposta feita em seus candidatos nas eleições municipais. E o apoio
de líderes que sempre estiveram ao seu lado é frágil e retraído, enquanto suas
estruturas se fracionam, com dissidências ressentidas, de Ronaldo Caiado a
Ricardo Salles.
Sobra
como chance de resistência a eleição de Trump. Mas quem acredita que o líder do
fascismo mundial poderá mesmo ajudar a salvar Bolsonaro? Com recados ao
Supremo, ao lado de Elon Musk?
É
nesse ambiente em que Bolsonaro ainda respira que a velha e gasta frase dos
vaticínios genéricos se reapresenta: tudo pode acontecer. Tudo, em meio à
impunidade dos líderes e à agitação permanente dos ativistas de cidades de
ondem saem os homens atormentados em direção a Brasília.
Teremos
logo, se as previsões se confirmarem, a apresentação da denúncia oferecida pelo
procurador Paulo Gonet pelos crimes de Bolsonaro como golpista. É previsível
que as reações serão fortes e desafiadoras da autoridade do procurador e de
Alexandre de Moraes. É fácil prever que a extrema direita tentará produzir
novos fatos.
Enquanto
isso, parte do jornalismo patrocina simpósios virtuais sobre os transtornos do
homem-bomba. Quando os transtornos que importam agora são os coletivos, que o
levaram a se explodir diante da estátua da Justiça.
Se
houvesse um esforço para pelo menos espiar o mundo de onde veio o homem-bomba,
lá nas pequenas paróquias fabricantes de delírios extremistas, poderíamos
compreender melhor o que ele e similares já fizeram e o que outros poderão
fazer mais adiante. Mesmo sem bombas e sem gestos espetaculares.
• Fiquei na
dúvida se foi suicídio ou execução. Por Alex Solnik
Depois
de ver novas imagens das câmeras de segurança do STF, fiquei na dúvida se o
“Coringa” de Brasília de fato se matou.
As
imagens divulgadas hoje captam a cena mais de perto que as de ontem, muito
distantes.
O
terrorista é flagrado, de corpo inteiro, na área do Congresso Nacional, de pé,
de frente para o STF, observado, de longe, por agentes da segurança.
De
repente, ele tira alguma coisa da mochila que traz nas costas. É uma espécie de
tocha que ele arremessa, acesa, em direção ao STF, não em direção à estátua da
Justiça. Não dá para ver onde a tocha cai.
Em
seguida, ele volta-se para trás e se ajoelha. Apanha outro artefato na mochila,
é outra tocha que ele tenta arremessar, ao mesmo tempo em que tenta se
levantar, mas não consegue completar o gesto, cai para trás e a tocha, que
continua na sua mão, acesa, cai na sua cabeça.
E
finalmente explode.
Seu
movimento de deitar não é natural, ele mais cai que se deita. Mas é impossível
afirmar se a queda foi provocada por algum projétil. Não há vestígios de sangue
no cimento.
Mistério.
Só
o atestado de óbito vai dizer se foi suicídio ou execução.
Fonte:
Brasil 247
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