quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Jorge Folena: O cinismo das autoridades e a normalização do fascismo no Brasil

O atentado ocorrido em Brasília, na noite de 13 de novembro de 2024, em frente à sede do Supremo Tribunal Federal, foi consequência da normalização do fascismo pelas instituições brasileiras.

Digo isto, porque na manhã daquele mesmo dia, no evento “Desafios para um Brasil melhor e mais sustentável”, promovido pelo 247 e o Lide, em Brasília, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, referiu-se ao projeto de anistia aos golpistas do 8 de janeiro dizendo com “naturalidade” e em tom de normalidade institucional que, “se o Congresso está discutindo anistia, o local é mesmo o Congresso”, por ser “o lugar de fazer críticas às instituições”, dentro do processo democrático.

Contudo, no dia seguinte ao atentado, o mesmo ministro expressou que “não se pode anistiar, sem haver ainda condenação” e perguntou: “onde foi que perdemos a luz da nossa alma afetuosa, alegre e fraterna para a escuridão do ódio, da agressividade e da violência?”.  A única resposta que encontro para essa retórica é: cinismo.

É bom recordar que o ministro Barroso, no auge das atividades da operação lava jato, dizia que “era preciso ouvir as vozes das ruas”, apresentadas como justificativa para a revisão “evolutiva” da jurisprudência do STF, utilizada para restringir o instituto constitucional da presunção de inocência, que manteve o indevido encarceramento do presidente Lula, impediu sua participação na eleição de 2018 e possibilitou a chegada de um fascista declarado à presidência da República.

No dia 14 de novembro deste ano, o Procurador Geral da República, Dr. Paulo Gonet, disse no STF que “o desrespeito às instituições continua a ter sinistros desdobramentos”. Constatação curiosa da parte de quem, em resposta a críticas sobre a demora na tomada de qualquer medida contra o ex-presidente, manifestou que não queria que as investigações e a propositura de denúncia criminal fossem contaminadas pela política. Porém, depois do atentado da noite de 13 de novembro, percebeu finalmente os “sinistros desdobramentos” dos atos golpistas do 8 de janeiro de 2023.

Na mesma toada de cinismo, no domingo anterior ao atentado, o jornal Folha de São Paulo, que recentemente cunhou o termo fascismo “moderado”, abriu espaço para o ex-presidente inelegível debochar da democracia no país, logo ele, um defensor ardoroso da ditadura de 1964/1985, da tortura e dos torturadores.

O fascismo tem sido normalizado no país e cito como exemplo dois episódios inaceitáveis, dentre muitos casos. Em 02/07/2024, circulou um vídeo de treinamento de policiais militares de Minas Gerais, em que eles corriam pelas ruas cantando o refrão “cabra safado, petista maconheiro”.

O fato configura um absurdo atentatório à Constituição, pelo qual todos os envolvidos deveriam ter sido imediatamente afastados das suas funções, inclusive sendo determinadas prisões disciplinares, e, em seguida, sendo processados administrativa e criminalmente.

Outro caso esdrúxulo foi o de um desembargador do Paraná, que em sessão de julgamento derramou sua misoginia ao criticar o posicionamento “de uma mulher” (na verdade, uma menina de 12 anos, que requereu medida protetiva contra o assédio promovido por um professor), dizendo que seria uma “manifestação feminista” e afirmando que nos dias de hoje são as mulheres que estão “correndo atrás de homens”; depois pediu desculpas, como sempre fazem quando expostos, porém é sempre tarde demais, pois o estrago foi feito.

Esses maus indivíduos são adeptos da mesma escola do ex-presidente da república, que em diversas oportunidades agiu de modo semelhante ao interagir com pessoas do sexo feminino. Por exemplo, quando disse a uma congressista que ela não merecia ser estuprada por ser feia; quando referiu-se a meninas com menos de 15 anos de idade, dizendo que tinha pintado “um clima”; quando fez um vídeo ao vivo com uma menina de cerca de 10 anos de idade, à época, apresentada como suposto exemplo de empreendedorismo, tendo feito comentários maliciosos usando o termo “furo” em relação à criança; nas muitas vezes em que dirigiu sua fúria contra mulheres jornalistas etc.

O caso é que, quando se trata de ações fascistas, todas são normalizadas no país, como ocorreu com o não processamento dos verdugos da última ditadura; com os integrantes da famigerada operação lava jato; com a demora injustificada da conclusão das diversas investigações e consequente processamento criminal contra o ex-presidente e todo o seu séquito golpista, que até hoje não respondem por seus atos, já passados quase dois anos que saíram do governo.

É preciso dizer a verdade: o fascismo foi naturalizado no país! E sem nenhum pudor ou escrúpulo por parte da classe dominante. O exemplo mais claro desse fato foi o intervalo de 2019 a 2022, quando tivemos o governo do ex-presidente inelegível, período indevidamente definido por alguns como um “estado de loucura”, mas que, na verdade, não foi bem uma perda generalizada do sentido da razão; ao contrário, tudo constituiu uma jogada de ação política e governamental, muito bem arquitetada para fortalecer a extrema-direita no país e incentivar pessoas como Francisco Wanderley, filiado ao Partido Liberal de Bolsonaro, célula que abriga diversos fascistas hoje no Brasil.

Os fascistas estão aparelhados e entranhados nas instituições do país, como vimos na atuação da lava jato e vemos nas manifestações de juízes, militares, policiais, servidores públicos, empresários, religiosos e até mesmo em segmentos da classe trabalhadora, infelizmente cooptados por décadas de manipulação e desinformação.

Para nos libertarmos do fascismo, que é a maior batalha a ser travada pelo campo democrático, popular e progressista no Brasil, precisaremos de muita disposição política para promover educação de base e criar consciência política e de classe social.

A batalha não será fácil aqui, pois, desde a colônia, o país convive com um sem-número de atrocidades impostas às camadas mais empobrecidas, subjugadas por uma violência que, infelizmente, acabou se normalizando no inconsciente popular.

Afirmo que as autoridades são condescendentes com o fascismo e entendo que, desde 30 de março de 2023, quando Bolsonaro retornou ao Brasil, vindo dos Estados Unidos, ele deveria ter sido preso preventivamente, como garantia da ordem pública e diante de todas as evidências da sua participação na liderança da trama golpista que culminou no 8/1/23.

Na verdade, o ex-presidente inelegível constitui um grave risco à sociedade, pois representa um estímulo aos adeptos do fascismo, como esse Francisco Wanderlei, que promoveu o atentado à bomba em Brasília no dia 13 de novembro de 2024, além de muitos outros que, todos os dias, enviam ameaças de ataques ao STF, aos seus ministros e até mesmo aos seus familiares.

As informações que vieram à tona falam de planos para destruição de estações geradoras e distribuidoras de energia elétrica e realização de atentados a bomba em aeroportos (ao custo de quantas vidas?), do aprisionamento e execução de expoentes da vida pública e da política no país etc. Diante de ameaças desse porte, agora agravadas pela materialização do homem-bomba, perguntamos: até quando as autoridades vão continuar a contar com a sorte?

 

•                                    Reação institucional está aquém da gravidade do ato terrorista. Por Jeferson Miola

A reação política e institucional ao atentado perpetrado pelo bolsonarista radicalizado Francisco Wanderley Luiz está muito aquém da gravidade do ataque terrorista ao STF.

Chama atenção o silêncio do presidente Lula a esse respeito. E nenhuma autoridade se pronunciou oficialmente em nome do governo federal.

Não foi um ato qualquer. E não foram meras “explosões”, como se referiram ao acontecido os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco.

Menos ainda pode ser considerado um quase poético “desatino”, como o procurador-geral da República Paulo Gonet inacreditavelmente classificou o ocorrido.

O que aconteceu foi um evento de máxima gravidade: foi um atentado terrorista com todas características descritas em manual, ou seja, um ato de terror político executado com violência e emprego de explosivos para produzir danos impactantes e matar pessoas com o objetivo de causar pânico e disseminar um clima de medo na sociedade.

As autoridades policiais concluíram tratar-se de terrorismo. Ainda que tenha sido executado in loco por um único indivíduo radicalizado, não foi um ato isolado, mas um evento associado a uma estratégia de ação política violenta, vocalizada pelas lideranças extremistas, Bolsonaro à frente.

A auto-explosão do autor não tem o significado de um suicídio convencional, porque foi um ato extremado, de auto-imolação, que evidencia que o bolsonarista radicalizado estava determinado a fazer tudo que fosse necessário para concretizar seu ataque terrorista, inclusive o “gesto glorioso” de exterminar a própria vida.

Francisco Wanderley Luiz seguiu as palavras do líder-mor do extremismo, Bolsonaro, que se beneficia da demora do PGR em instaurar ações penais contra ele para andar pelo país fazendo pregações contra o STF e conclamando seus seguidores extremistas a “acabar com a própria vida pela nossa liberdade”.

O ato terrorista de 13 de novembro não tem a mesma magnitude do 8 de janeiro, mas também é gravíssimo e precisa ser analisado no contexto da radicalização crescente da extrema-direita bolsonarista e das ameaças constantes ao Estado de Direito.

Por enquanto, a resposta da institucionalidade democrática a este grave acontecimento ainda é bastante tíbia, quando poderia representar uma oportunidade para uma vigorosa ofensiva democrática contra o extremismo cada vez mais radicalizado.

Os setores comprometidos com a democracia e com a defesa do Estado de Direito precisam se unir acima das diferenças ideológicas para construírem respostas contundentes às ameaças extremistas.

O sepultamento do PL da Anistia, a retomada do PL 2630 de regulamentação das fake news, e a reivindicação de funcionamento verdadeiramente “normal” das instituições, em especial da PGR, no julgamento justo dos criminosos que atentaram contra a democracia, são algumas das medidas que precisam ser urgentemente concretizadas.

A população brasileira precisa ser alertada sobre o significado deste atentado terrorista, sua conexão com o 8 de janeiro e sobre os riscos que o extremismo representa para a sobrevivência da democracia. O extremismo não pode continuar sendo normalizado e naturalizado.

A ausência de respostas eficazes das instituições, dos partidos políticos, das organizações sociais e da sociedade encoraja a escalada do extremismo com seus terrorismos.

 

•                                    O que vem depois do homem-bomba. Por Moisés Mendes

Há faíscas por toda parte, desde muito antes do golpe de 2016, anunciando que alguma coisa grave pode acontecer a qualquer momento. Muitas já aconteceram e é fácil desconfiar que outros eventos traumáticos estão engatilhados.

Mas quem previu algo parecido com o caso do homem que se explodiu em Brasília? Enquanto parte da imprensa embarca no psicologismo mais raso e tenta desvendar os problemas psíquicos do morto, o que temos, entre tantas hipóteses para o futuro imediato, é que algo semelhante ou mais grave pode acontecer mais adiante.

As excitações e o cenário são propícios ao aparentemente imponderável. Temos um ex-presidente inspirador, que poderia ter ficado calado, depois da morte na Praça dos Três Poderes. E temos o entorno dele, impune e revigorado pela vitória do trumpismo.

Se tivesse silenciado, diriam que Bolsonaro preferiu se proteger e logo sua mudez seria esquecida. Mas ele não conteve o impulso e largou um manifesto, horas depois do fato.

Fez uma declaração que é sempre arriscada em circunstâncias como as que envolveram o homem-bomba. O que falar logo depois de fatos com essa dimensão, sem correr o risco de dizer o que não deveria?

Bolsonaro se arriscou e tornou público um pedido de socorro. O apelo pela pacificação provocou o que qualquer um poderia prever: memes, ironia, deboche e descaso.

Desprezaram o apelo, porque Bolsonaro não está pedindo paz, está pedindo ajuda, com uma mensagem que não tem coerência com o que sempre pregou, mesmo nos piores momentos da pandemia. Milhares morriam, ele ria, negava vacina e menosprezava a dor das famílias.

Sempre, em todas as situações em que foi chamado a ser solidário, antes de tentar ser estadista, Bolsonaro manifestou os piores sentimentos de indiferença, arrogância, ódio, omissão e crueldade. Mas agora quer a pacificação.

Nem seus aliados que sobraram, e são poucos com alguma relevância, levaram a sério seu apelo. A quem Bolsonaro dirigiu o pedido de paz? Aos brasileiros em geral? Aos ministros do Supremo, às elites econômicas ou ao Congresso?

O manifesto pela pacificação é uma farsa da primeira à última palavra e só teve o efeito de expor o que não foi explicitamente declarado: Bolsonaro está acuado e com as munições esgotadas. E sabe que, por incitação, algo grave pode voltar a acontecer.

Esgotaram-se como tática da gritaria as aglomerações organizadas por Malafaia. Foi um desastre a aposta feita em seus candidatos nas eleições municipais. E o apoio de líderes que sempre estiveram ao seu lado é frágil e retraído, enquanto suas estruturas se fracionam, com dissidências ressentidas, de Ronaldo Caiado a Ricardo Salles.

Sobra como chance de resistência a eleição de Trump. Mas quem acredita que o líder do fascismo mundial poderá mesmo ajudar a salvar Bolsonaro? Com recados ao Supremo, ao lado de Elon Musk?

É nesse ambiente em que Bolsonaro ainda respira que a velha e gasta frase dos vaticínios genéricos se reapresenta: tudo pode acontecer. Tudo, em meio à impunidade dos líderes e à agitação permanente dos ativistas de cidades de ondem saem os homens atormentados em direção a Brasília.

Teremos logo, se as previsões se confirmarem, a apresentação da denúncia oferecida pelo procurador Paulo Gonet pelos crimes de Bolsonaro como golpista. É previsível que as reações serão fortes e desafiadoras da autoridade do procurador e de Alexandre de Moraes. É fácil prever que a extrema direita tentará produzir novos fatos.

Enquanto isso, parte do jornalismo patrocina simpósios virtuais sobre os transtornos do homem-bomba. Quando os transtornos que importam agora são os coletivos, que o levaram a se explodir diante da estátua da Justiça.

Se houvesse um esforço para pelo menos espiar o mundo de onde veio o homem-bomba, lá nas pequenas paróquias fabricantes de delírios extremistas, poderíamos compreender melhor o que ele e similares já fizeram e o que outros poderão fazer mais adiante. Mesmo sem bombas e sem gestos espetaculares.

 

•                                    Fiquei na dúvida se foi suicídio ou execução. Por Alex Solnik

Depois de ver novas imagens das câmeras de segurança do STF, fiquei na dúvida se o “Coringa” de Brasília de fato se matou.

As imagens divulgadas hoje captam a cena mais de perto que as de ontem, muito distantes.

O terrorista é flagrado, de corpo inteiro, na área do Congresso Nacional, de pé, de frente para o STF, observado, de longe, por agentes da segurança.

De repente, ele tira alguma coisa da mochila que traz nas costas. É uma espécie de tocha que ele arremessa, acesa, em direção ao STF, não em direção à estátua da Justiça. Não dá para ver onde a tocha cai.

Em seguida, ele volta-se para trás e se ajoelha. Apanha outro artefato na mochila, é outra tocha que ele tenta arremessar, ao mesmo tempo em que tenta se levantar, mas não consegue completar o gesto, cai para trás e a tocha, que continua na sua mão, acesa, cai na sua cabeça.

E finalmente explode.        

Seu movimento de deitar não é natural, ele mais cai que se deita. Mas é impossível afirmar se a queda foi provocada por algum projétil. Não há vestígios de sangue no cimento.

Mistério.

Só o atestado de óbito vai dizer se foi suicídio ou execução.

 

Fonte: Brasil 247

 

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