Ronald
Vizzoni Garcia: Especialistas de sofá
O evento da vitória de Donald Trump tem elementos de sobra para
refletirmos sobre como consumimos as análises de especialistas. Nessas horas, o
produto mais buscado é a figura do “especialista”, do “intelectual”, do
“pesquisador”. É curioso que videntes, astrólogos e líderes religiosos não
sejam consultados nesse momento. Só na virada do ano, videntes, astrólogos e
líderes religiosos apresentarão as suas previsões para política e economia.
Do lado dos consumidores da informação, a pessoa que está
chegando àquele assunto pelo impacto inicial não tem muito como separar o
“especialista que estuda o tema há anos” e o youtuber que fala
sobre tudo. Aqui não há uma crítica ao fato de todos opinarem; isso é a parte
boa. A questão é como as redes sociais afetam como as pessoas se informam. As
informações circulam de maneiras diferentes. Ideias aparentemente simples e
incorretas, mas que confirmam as crenças das pessoas, se espalham rapidamente.
É difícil qualificar fontes diversas ao receber muita
informação. A pessoa provavelmente se apegará à fonte mais familiar, que
confirma os seus valores básicos. Infelizmente, muitos temas têm definições e
questões contraintuitivas para o senso comum. Fica difícil perceber que aquele
raciocínio com o qual “qualquer um deveria concordar” é errado e parte do
problema. A sua solução simples é testada várias vezes, em diferentes
contextos, sempre com resultados desagradáveis. Nas redes sociais, essas ideias
se propagam com força porque refletem crenças arraigadas. O fenômeno ganha
escala quando é fonte rápida de riqueza e de controle de grupos.
Um exemplo: o efeito “pedagógico” de castigos físicos contra
crianças. Nenhum especialista sério defenderá qualquer vantagem do seu uso.
Ninguém ganha com o uso de violência nos lares. O Brasil possui legislação que
proíbe castigos físicos (a “lei da palmada”). Porém, não precisa procurar muito
para encontrar no cotidiano pessoas falando sobre “como o mundo está se
perdendo” e como foi bom para a sua educação o uso de castigos físicos por seus
responsáveis. Isso fala mais sobre aquilo no qual a pessoa acredita do que
sobre educação de crianças.
O problema é agravado quando se pode explorar comercial ou
politicamente esse sentimento. São aqueles momentos em que aparece um médico,
um psicólogo, um líder religioso, um coach pedindo a sua
mobilização para lutar contra essa lei que vem “atrapalhando” a estrutura
familiar brasileira. A cruzada em defesa da “cura gay” foi exatamente isso.
Parte do público, após consumir muita informação sobre um mesmo
assunto, se considera “quase especialista”. Temos as caricaturas dos juristas
de WhatsApp, os estrategistas da geopolítica de comentários do YouTube, os
economistas que ensinam macroeconomia, com o exemplo do orçamento familiar e
assim por diante. Pessoas dispostas a não dormir enquanto não ganharem a última
discussão sobre o detalhe de um assunto o qual até a semana passada nem
conheciam. Mais engajamento, mas riqueza para terceiros. É disso que vive a
publicidade nas redes sociais.
Discutimos até aqui o consumo de ideias e de análises, mas uma
parte crucial desse “mercado de ideias” define o sucesso ou o fracasso de um
intelectual público: a capacidade de fazer previsões. Motivo pelo qual muitos
preferem não se comprometer para além da zona de conforto.
·
Quem acerta as
previsões?
Em política, um assunto ganha projeção quando desperta
incerteza, ansiedade e expectativas quanto ao futuro. Você quer saber se o
político A ou B ganhará a eleição. Precisa saber isso, porque há consequências
se A ou B vencer. Pessoas comuns consomem essas ideias com um objetivo prático:
ter segurança em relação ao futuro.
O que se pode esperar? Nada mais justo do que recorrer a quem de
fato parece entender. Sabemos como é complicado fazer essa separação nas redes
sociais. Digamos que, de fato, trabalhamos com quem domina o assunto. Podemos
garantir que a análise seja boa e que as previsões sejam confiáveis? Mas e se
boa parte do time de especialistas fizer previsões com um método muito parecido
com o dos especialistas consultados no fim do ano (videntes, astrólogos etc.)?
Até aqui, pode ter parecido que eu valorizava os especialistas
em detrimento das pessoas comuns. Esse é um ótimo exemplo de questão que parece
muito simples, basta escolher um dos lados, mas não é. Usemos as expectativas
em torno do governo de Donald Trump.
Vejamos algumas conclusões gerais com base no noticiário:
“Donald Trump é isolacionista, e vai reduzir a presença americana nas guerras”.
“Donald Trump tem boa relação com Putin”. “Donald Trump prometeu na campanha
fazer coisas muito piores, do que no primeiro mandato”. “Donald Trump reduzirá
os impostos dos ricos e colocará barreiras para produtos chineses e europeus”.
“Grupos neonazistas estavam presentes em toda a campanha de Donald Trump e
devem se fortalecer”. “A família Bolsonaro é ligada a Donald Trump e Jair
Bolsonaro será beneficiado”. “Lula sempre se relacionou melhor com republicanos
e será beneficiado”. “Donald Trump deve corroer a democracia usando a Suprema
Corte e o congresso americano”. “Elon Musk terá um cargo no governo de Donald
Trump e deve querer revidar a derrota que passou com o ministro Alexandre de
Moraes”. Sim, tudo isso são possibilidades reais. Enfatizo: possibilidades
reais. O noticiário e as conversas cotidianas mencionam essas possibilidades.
Essas previsões típicas não têm uma forma específica, data ou
previsão de seu impacto real. Em um retrospecto de quatro anos, qualquer
especialista poderá citar algumas “análises que se concretizaram”, por um
motivo muito simples: são extremamente genéricas. Nada impede que, em diversos
momentos e de formas variadas, Jair Bolsonaro e Lula produzam fatos políticos,
que possam ser atribuídos à relação com Donald Trump ou o governo americano. A
gestão terminada, será fácil interpretar eventos passados como confirmação da
análise. Essas previsões genéricas, realmente, nos preparam para o que está por
vir?
Com a imprecisão de comentários gerais, o conhecimento de uma
conjuntura específica se reduz a escolher entre análises e previsões otimistas
ou pessimistas. As flutuações de humor afetam a preferência de quem é o
intérprete ideal para explicar a situação. A superficialidade da previsão
permite fazer emendas ao longo do tempo. Quando a realidade se impõe, podemos
reinterpretar a previsão inicial. Será possível fazer previsões, que a exatidão
não se deva ao acaso ou à reinterpretação posterior?
·
Superprevisores
Phillip E. Tetlock, psicólogo que atua no campo da ciência
política, vem conduzindo uma série de estudos sobre previsões. O mais clássico
fez um levantamento com diversos analistas nos mais variados campos e lhes
colocou a necessidade de estimativas sobre o futuro muito específicas em termos
práticos e cronológicos. Nada de previsões genéricas e sem data. Resultado: no
longo prazo (três a cinco anos), especialistas fazendo previsões são piores que
chimpanzés atirando dardos em alvos.
Uma segunda conclusão: quanto mais ideológica a pessoa, mais
rígida a sua análise e pior a qualidade da previsão. Ironicamente, são essas
análises que fazem mais sucesso, segundo o autor. Isso pelo motivo de serem
feitas de forma direta e simples, por pessoas muito confiantes sobre si mesmas.
Algo que combina bem com programas e noticiários da TV e de redes sociais.
Phillip Tetlock vem desenvolvendo torneios de previsões para o
governo americano. Nesses torneios, você pode ter pessoas comuns fazendo
previsões mais certas do que funcionários bem graduados do governo.
Qualquer um pode entrar e realizar as suas previsões. Com essa base de dados
dos resultados, ele afirma ter identificado os “superprevisores” e seus métodos
capazes de acertar muito acima da média.
·
Como prever?
De forma muito abreviada, superprevisores olham para o mundo
como um conjunto de eventos inter-relacionados em que cada um tem
probabilidades diversas de se desenrolar. Conforme as coisas vão ocorrendo,
essas probabilidades mudam. Então, por exemplo, para uma previsão como “Trump
vai fechar o congresso americano”, vários pré-requisitos serão necessários. Não
basta uma pessoa, num dado momento, dizer que fará isso. Mesmo que essa pessoa
seja o presidente recém-eleito dos EUA. Hoje essa hipótese é perto de zero,
pois se o presidente elegeu a maioria, é estranho que entre em atrito com o
congresso. Como disse, não é uma questão de sim ou não, mas de probabilidades.
Conforme outras coisas vão ocorrendo, as chances mudam. Imagine
uma guerra civil, como antecipado no cinema; isso muda tudo. No entanto, uma
guerra civil tem vários elementos para poder ocorrer. O trabalho dos
superprevisores é estabelecer essa cadeia de pré-requisitos necessários,
estabelecer probabilidades e ir atualizando conforme a situação vai mudando.
Isso requer estudo da situação específica e flexibilidade analítica para
perceber a situação de diversos ângulos. Você pode encontrar a descrição detalhada
desses métodos na principal obra do autor (Escrita em parceria com Dan
Gardner), Superprevisões: a arte e a ciência de antecipar o futuro (Editora
Objetiva).
·
Donald Trump é o caos?
No caso específico das previsões sobre Donald Trump, o que
percebo nas análises triviais é: (i) antecipação de tudo de ruim ou de bom que
já foi feito ou verbalizado pelo político. (ii) pouco valor se dá aos outros
atores sociais e as suas escolhas. (iii) O acaso, a incerteza e a ignorância
são removidos da equação. (iv) Uma emoção central é estabelecida para
classificar o personagem e a situação. Vejamos esses pontos.
Quando pegamos tudo de errado ou certo que uma mudança drástica
pode proporcionar, estamos esquecendo dos processos de que essas mudanças
precisam para ocorrer. Elas não vão se tornar reais em um mês.
É provável que o primeiro ano de governo seja o mais
propositivo. Existem duas mudanças de cenário, que pouco são consideradas. A
experiência do primeiro governo e o fato de Donald Trump não poder se
candidatar à reeleição. No primeiro mandato, houve muita confusão, embaixadas
ficaram sem nomeação de embaixadores e funcionários de alto escalão deixaram o
governo criticando Trump.
Donald Trump tem uma relação tensa e destrutiva com a sua
equipe. Não sabemos se isso continuará e que importância terá. Por outro lado,
quem é escolhido e aceita conhece esses casos. Isso serve tanto para se
municiar melhor de provas, para problemas futuros, como para tolerar mais
situações crônicas. Como Donald Trump não pode se reeleger, surge um problema:
quem o sucederá? Possíveis candidatos já articulam estratégias, incluindo
ataques a rivais do próprio partido. Mesmo sendo do mesmo partido, as lideranças
republicanas com maioria no congresso buscarão influência e destaque sobre o
governo. Essas pequenas fissuras podem se transformar em grandes perturbações.
O item dois é bem interessante: se eu, pessoa comum no Brasil,
sei que o governo “Trump” pode tanta coisa. Imagina os governos da União
Europeia, da Ucrânia, da China e do Brasil. É bem razoável crer que esses
atores também vão se preparar e tomar medidas. Enquanto escrevo, a Ucrânia
reavalia a proposta de paz para a guerra com a Rússia, promovida pelo Brasil e
pela China. A polícia realiza uma operação contra o gabinete de Benjamin
Netanyahu. A coalizão de governo na Alemanha se desfaz.
No Brasil, Jair Bolsonaro, o político que sofreu a maior derrota
nas eleições municipais de 2024, volta a ser cogitado para 2026. O governo
Lula, que esperava uma disputa com poucos candidatos, agora se depara com a
possibilidade de uma eleição pulverizada à direita. Aquilo que parecia ruim
pode ser vantajoso.
O item três é o mais importante. Nas discussões sobre história,
há uma anedota sobre se o nariz de Cleópatra fosse menor, a sua relação com os
romanos Júlio César e Marco Antônio seria outra, logo a história do mundo seria
muito diversa. Especulações à parte, o que boa parte das análises triviais
esconde é o tamanho do que não se sabe, aquilo que não pode prever. Temos
dificuldades de lidar com isso; preferimos a história com início, meio e fim.
Para os cientistas, epidemias são certas, mas o mundo político não as esperava,
nem sabia como enfrentá-las. Eventos imprevisíveis, como acidentes, escândalos,
crises e catástrofes, podem mudar as nossas vidas profundamente, mas raramente
pensamos nisso.
Por fim, tendemos muito a ter expectativas positivas em relação
a um determinado evento e adquirimos uma certa cegueira para perceber
como “aquela coisa boa” nos levou a outros cenários desagradáveis. É importante
discutirmos os nossos julgamentos morais, mas a história não se molda pela
nossa moralidade. Só no médio e longo prazo é possível dimensionar o alcance de
mudanças importantes. Ailton Krenak explica como o apego à nossa sociedade nos
impede de enxergar o passado e o futuro. Reconheçamos que o futuro é incerto,
independentemente das nossas previsões.
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Mercenarismo dos
colombianos em conflitos por todo o mundo expõe problemas sociais do país
A experiência dos militares colombianos no combate às guerrilhas
e ao tráfico de drogas os tornou favoritos das empresas militares privadas e os
levou a participar de guerras do Oriente Médio e da África até a Ucrânia.
Enquanto, em seu país, a violência normalizada como um modo de
vida leva à estigmatização dos veteranos, disse à Sputnik o pesquisador e
especialista em segurança Andrés Macías, da Universidade Externado da Colômbia.
Ele afirmou que muitos militares colombianos aposentados têm
habilidades excepcionais.
"Embora haja uma percepção positiva das capacidades das
Forças Armadas colombianas no exterior, essa mesma reputação os torna atraentes
para empregadores internacionais. Eles adquiriram habilidades confiáveis que se
mostraram eficazes em várias situações, principalmente durante o conflito
armado na Colômbia", disse Macías.
De acordo com o pesquisador, a qualidade de vida e o bem-estar
na Colômbia nem sempre são suficientes para desencorajar os cidadãos a buscar
renda no exterior, entre outras coisas, devido às políticas precárias de
segurança social para veteranos.
No entanto, os motivos para recorrer ao mercenarismo não são
apenas econômicos, pois há também um interesse direto em lutar.
"A maioria deles não se enquadra na definição internacional
de mercenário. Por exemplo, os colombianos que vivem nos Emirados Árabes Unidos
e fazem parte das Forças Armadas regulares não são considerados mercenários,
assim como os estrangeiros que fazem parte das Forças Armadas dos EUA",
explicou.
A diáspora mercenária, como apontou o especialista, parece ser
um fenômeno importante para a Colômbia contemporânea.
Socialmente, ela normaliza a violência como um modo de vida e
reforça a militarização da sociedade, contribuindo para a estigmatização dos
veteranos, que são vistos como perigos em potencial em vez de cidadãos que
merecem oportunidades.
O interlocutor da agência observou que, na esfera política, a
participação de colombianos em conflitos internacionais pode ter sérias
consequências diplomáticas.
Por exemplo, o assassinato do presidente haitiano Jovenel Moise
em 2021 com a participação de ex-soldados colombianos afetou a imagem do país
no exterior, que passou a ser associado a uma rede de mercenários e operações
secretas.
"Não há estatísticas ou registros precisos de militares
colombianos aposentados que participam de conflitos internacionais. Isso
demonstra a falta de uma regulamentação e de um registro claros na Colômbia
para acompanhar essas atividades. As políticas de bem-estar e o monitoramento
desses veteranos precisam ser fortalecidos", acredita Macías.
Como fenômeno, o mercenarismo apresenta sérios dilemas éticos e
legais.
De acordo com Macías, os colombianos envolvidos em conflitos
como o ucraniano não são protegidos pelo direito internacional humanitário
porque não são membros das forças regulares.
Assim, eles enfrentam processos por crimes de guerra, enquanto
as famílias dos mercenários estão em um limbo jurídico e econômico.
A repatriação dos corpos dos mercenários mortos também é
problemática, pois não há obrigação internacional de devolvê-los.
"É impossível erradicar esse fenômeno na prática, pois não
é algo novo. Ao longo da história, nenhum Estado teve controle absoluto sobre o
uso da força em seu território. Desde a década de 1990, a participação de
empresas militares privadas em conflitos vem aumentando, o que reforça a
necessidade de uma regulamentação mais eficaz", enfatizou o especialista.
Previamente, o ministro das Relações Exteriores da Colômbia,
Luis Gilberto Murilo, informou, à margem da Cúpula do G20 no Brasil, que seu
país e a Rússia vão criar um grupo para analisar a situação dos mercenários
colombianos detidos pelo Serviço Federal de Segurança da Rússia na zona de
operação militar especial.
O Ministério da Defesa da Rússia declarou repetidamente que Kiev
usa mercenários estrangeiros como "bucha de canhão", e os militares
russos continuarão a eliminá-los em toda a Ucrânia.
Aqueles que foram lutar por dinheiro admitiram em muitas
entrevistas que os militares ucranianos não coordenam bem suas ações e que a
chance de sobreviver aos combates é pequena, pois a intensidade do conflito não
é comparável à do Afeganistão e do Oriente Médio, aos quais estão acostumados.
Fonte: Sputnik Brasil
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