sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Matheus Dias: Como a “austeridade” golpeou a União Europeia

Desde sua criação, a União Europeia (UE) vive uma eterna obsessão por regras fiscais. A introdução de um novo regime de austeridade é sempre tido como a solução definitiva para qualquer crise. Foi assim no pós-crise financeira global e agora se repete no pós-crise pandêmica. Entretanto, as décadas de austeridade acabaram com a capacidade de inovação da economia europeia, a tornando cada ano menos competitiva frente à rivalidade sino-americana.

O envolvimento da UE com as regras fiscais começa desde o nascimento do Euro por meio do Tratado de Maastricht de 1992. Para que a união monetária fosse possível, seria necessária a convergência das condições macroeconômicas dos países membros. Os candidatos deveriam estabilizar suas taxas de câmbio, inflação e déficits do setor público a um patamar comum. No caso dos déficits, a meta prevista era de 3% anual e de dívida pública 60% em relação ao PIB. Após a convergência dos indicadores, a nova moeda entraria em circulação e o Banco Central Europeu (BCE) seria responsável pela estabilidade monetária. Essa estabilidade seria adquirida por meio de um regime de meta de inflação, abaixo dos 2%, como sua prioridade.

O que se seguiu na UE após o Tratado foi o surgimento de diversas regras fiscais tanto nacionais quanto supranacionais. A obsessão pela contração fiscal na UE, no entanto, não remonta apenas à criação do Euro, mas também a importantes mudanças históricas e institucionais ocorridas a partir da década de 1970. Com o fim do crescimento econômico do pós-guerra, as economias ricas da Europa começaram a experienciar um crescente aumento nos gastos públicos face a uma estagnação das receitas tributárias. A estagnação das receitas foi uma consequência direta da internacionalização e financeirização da economia, potencializando a mobilidade do capital e, assim, a evasão fiscal.

A teoria da economia do gotejamento, ou trickle down economics, pavimentada nos EUA na administração Reagan e na Inglaterra durante os anos Thatcher, também contribuiu para a erosão da base tributária. Essa teoria política e econômica argumenta que os benefícios advindos de cortes tributários para os ricos e as grandes empresas acabariam por “transbordar” para toda a economia. No Brasil, a teoria da economia do gotejamento se traduziu para o que Delfim Netto, ministro da Fazenda durante a ditadura, cunhou de “fazer o bolo crescer, para depois dividi-lo”. Na prática, a perda estrutural de receita tributária se traduz em pressão permanente sobre a despesa pública.

No lado dos gastos, o envelhecimento da população, juntamente com a maturação do Estado de bem-estar social e o crescimento das despesas obrigatórias, contribuíram para gastos cada vez maiores. Essas mudanças catalisaram o que o sociólogo Wolfgang Streeck chamou de Estado de Consolidação. Frente ao crescente aumento da dívida pública e dos gastos obrigatórios, o corte de investimento público se tornou a principal via de ajustes orçamentários.

A crise financeira global de 2007 marca a primeira crise do modelo de regras fiscais da União Europeia. Quando a crise chega aos bancos europeus, sobretudo britânicos, alemães e franceses, os países-membros da UE injetaram trilhões de euros no sistema financeiro a fim de evitar o colapso do setor bancário e, consequentemente, da economia. A fragilização do setor bancário resultou em uma “seca” no crédito. Essa escassez de crédito contribuiu para a queda da produção, aumento do desemprego e, consequentemente, uma diminuição nas receitas governamentais. Como se não bastasse, os chamados estabilizadores automáticos, isto é, pagamentos de transferência que aumentam em recessões, como o seguro-desemprego, também contribuíram para o aumento do déficit. Essa resposta levou ao crescimento exorbitante da dívida pública nos países-membros, que combinada com endividamento externo nos países da periferia da Zona Euro, colocou países como Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha em risco de falência.

Apesar da crise ser essencialmente financeira, a dívida pública dos países do sul caiu na mira das lideranças da UE, que apontavam a irresponsabilidade fiscal desses países como causa da crise. Diante deste cenário, a chamada troika, articulação entre a Comissão Europeia, o BCE e o Fundo Monetário Internacional, impuseram a austeridade e a desvalorização interna (cortes de salários e aposentadorias) como única saída para o problema do endividamento público e externo. As regras fiscais foram reformuladas para serem mais punitivas e severas, com a inscrição inédita de muitas delas na Constituição de vários países europeus, nomeadamente da Alemanha

Agora, após a “gastança” feita durante a pandemia, as instituições da UE clamam novamente por cortes de gastos e redução de déficits. As novas regras, aprovadas este ano, assim como todas anteriores, clamam ser amigáveis ao investimento e ao desenvolvimento econômico. Na realidade, de acordo com o Instituto Bruegel1, as novas regras fiscais irão impor elevados cortes orçamentários. Apenas quatro países-membros não deverão passar por ajuste fiscal de curto prazo. O nível médio de ajustes fiscais para os países da zona do euro é de 1.9% do PIB entre o período de 2025-20282.

A princípio, a volta das regras lembra muito o ocorrido no pós-crise financeira. No entanto, as similaridades acabam por aí. Uma das diferenças notáveis é a mudança de posição entre os países-membros no que toca ao crescimento econômico. Os países do sul, como Portugal ou Espanha, se beneficiaram pela recuperação internacional do turismo pós-pandemia. Por ser um setor intensivo em trabalho, estes países atualmente registram baixo desemprego e mostram resultados fiscais surpreendentes. Por outro lado, as maiores economias do bloco, ao norte do continente, não tiveram a mesma sorte, vítimas da crise que assolou os seus setores industriais. No mês passado, o rendimento do título público de 10 anos do governo francês ultrapassou o seu homólogo espanhol pela primeira vez desde 2008. Para os investidores, investir na dívida francesa se tornou mais arriscado do que na espanhola.

A Alemanha é o exemplo paradigmático para a atual situação econômica da UE. A maior potência do bloco, cuja economia se sustenta nas exportações, vem consistentemente perdendo espaço no mercado internacional. Esse fenômeno ocorre principalmente na indústria química por conta do aumento do preço da energia após a guerra na Ucrânia, e na automobilística, devido à ascensão das montadoras chinesas. Como consequência, a Volkswagen, maior grupo industrial do país e símbolo do slogan “Made in Germany”, planeja fechar três plantas no país, deixando dezenas de milhares de trabalhadores desempregados. No campo orçamentário as coisas também não vão bem. Por mais que o ajuste orçamentário requerido por conta das novas regras seja relativamente menor que para os demais, o país passa por problemas no que tange à possibilidade gastos para investimento. No ano passado, a suprema corte do país julgou inconstitucional o plano do governo de se utilizar de fundos emergenciais da covid para financiar o projeto de modernização da indústria nacional.

As décadas de cortes no investimento europeu resultaram em uma economia cada vez menos competitiva e dinâmica. Diante desse cenário, não é surpresa que no mês passado, Mario Draghi, ex-presidente do BCE e ex-premier italiano, tenha entregue um relatório ameaçador à presidente da Comissão Europeia. Conforme o relatório, a estagnação econômica que o bloco experienciou nas últimas décadas frente aos EUA, China e demais potências configura um “desafio existencial” para o futuro da UE. Tão longo quanto os líderes europeus continuarem a enxergar o orçamento público como um estorvo e não uma ferramenta para sair da crise, o bloco continuará estagnado.

 

¨      A revolução liberal. Por Ademar Bogo

Há diversas posições políticas em circulação; todas elas procuram dar conta da situação criada pela correlação de forças favoráveis à classe dominante no período pós-eleitoral. Teses como “massa de direita” ou “pobres de direita”, têm invadido os debates, quando, na verdade, são apenas expressões que revelam o imobilismo e misturam certos preconceitos com as incapacidades políticas de perceber os estrangulamentos que estão situados em causas um pouco mais profundas.

Para início de conversa, voltemos um pouco o nosso olhar para o que defenderam Marx e Engels, em 1850, na mensagem à direção da Liga dos Comunistas: “Enquanto os pequeno-burgueses democratas querem concluir a revolução o mais rapidamente possível, depois de terem obtido, no máximo, os reclamos supramencionados, os nossos interesses e as nossas tarefas consistem em tornar a revolução permanente até que seja eliminada a dominação das classes mais ou menos possuidoras, até que o proletariado conquiste o poder do Estado, até que a associação dos proletários se desenvolva, não só num país, mas em todos os países predominantes do mundo, em proporções tais que cesse a competição entre os proletários desses países, e até que pelo menos as forças produtivas decisivas estejam concentradas nas mãos do proletariado”.

Quando as críticas visualizam apenas o tempo presente, devido ao péssimo resultado da tática eleitoral, deixam elas de perceber que, o antes e o depois sempre são tempos imensamente maiores do assombro momentâneo. Por outro lado, para quem formou as suas concepções baseadas num suposto determinismo histórico, ao deparar-se com situações adversas, como as atuais, não vendo os resultados esperados, passa a culpar os deserdados por não acreditarem no paraíso.

Na mensagem acima, defensora da continuidade da revolução liberal, até o ponto de inverter o comando do poder político e, as forças produtivas passarem ao controle dos trabalhadores, não há nenhuma previsão de tempo de conclusão, por isso, aquele processo, pode ter se convertido, nesse longo período, em permanente revolução liberal.

Qual é a explicação que podemos dar para a situação política atual? A mais certa seria considerarmos que a revolução liberal à qual se referem Marx e Engels, em 1850, não foi ainda concluída totalmente, por dois motivos: o primeiro, diz respeito à existência da classe dominante, tendo, a seu favor, o avanço constante das forças produtivas, da ciência e da tecnologia e, se hoje consideramos existir o neoliberalismo, significa confirmar, ainda com maior vigor, a validade e a renovação daqueles princípios liberais.

O segundo motivo decorre do primeiro, sendo que a revolução liberal se prolongou até os nossos dias, veio para muito mais além do que queriam os pequenos burgueses, pois, a dinâmica tecnológica recolocou as forças produtivas em outros patamares de exploração e, as relações de produção liberais influenciam também nas formas de pensar e de fazer política.

O caminho aberto para o proletariado e para as massas populares, dentro dessa permanente revolução liberal, foi mudar periodicamente de táticas; grosso modo, configuradas como: (a) Revoluções e insurreições proletárias e populares. As que foram vitoriosas implantaram o socialismo por algumas décadas, em alguns países; (b) Estratégia das resistências armadas. Frente ao endurecimento dos regimes, diversas formas de organizações guerrilheiras e exércitos revolucionários, foram estruturadas, porém, dissociadas das insurreições, não lograram êxito e desapareceram.

(c) A busca da via pacífica eleitoral. Com o intuito de ir ganhando espaço dentro da permanente revolução liberal até chegar ao poder, a via institucional mostrou-se a mais adequada, principalmente nos últimos quarenta anos. Isso tudo mostra porque esse último fenômeno da decadência das forças de esquerda é mundial e não um simples erro de um ou outro partido. A aceleração da revolução tecnológica provocou esse fenômeno de esgotamento das tentativas de superação do capitalismo. Para continuar há que abrir uma nova forma de ofensiva.

Se de algum modo os três períodos acima representam, mesmo parcialmente o que aconteceu, deveremos concordar que, desde 1848, as gerações se sucederam e enfrentaram sempre as mesmas forças comandadas pelo capital que soube conduzir a permanente revolução liberal. As vitórias que fizeram o poder passar para as mãos das forças socialistas, ocorreram parcialmente em tempos de crises extremadas, que chegaram a produzir as guerras mundiais.

Fora disso, o capital, seja ele produtivo, financeiro ou especulativo, com suas leis tendenciais da: produção, exploração, acumulação, circulação, expansão e especulação, de maneira mais acelerada, ou um pouco mais lenta, seguiu, até os nossos dias, respondendo às necessidades de sua própria reprodução, dando-se o “luxo” de, em certas situações, fazer experimentos de extermínios populacionais, como foi, para citar alguns, o nazismo, o fascismo e, está sendo o sionismo.

Isso não abala o domínio das forças produtivas decisivas, nem afeta mortalmente, apesar das crises, o processo de acumulação. Mesmo em decadência em alguns setores o capitalismo continua reafirmando-se e dando respostas aos problemas que ele mesmo cria.

Se observarmos com maior atenção, veremos ainda que, embora as forças de dominação se embasem na economia, os inimigos simbólicos para as massas populares, sempre estiveram identificados com a política e encastelados na estrutura do Estado. Nesse sentido, se, em certos momentos, enormes esforços foram empenhados para defender-se das forças de repressão, em outros, mesmo a repressão estando presente, valeram mais as táticas reivindicatórias, no sentido de pressionar os capitalistas e os governantes, para, simplesmente garantir ordeiramente alguns direitos e não para tomar-lhes o poder.

Nesse sentido, os partidos políticos de esquerda e as organizações populares e sindicais, aliadas desses partidos, nas últimas décadas, lutaram contra a classe dominante, até quando os governantes passaram a ser os próprios representantes dos trabalhadores. Logo, o comodismo universal que levou e impede a reação contra a revolução liberal, são, pelo menos três: (i) a histórica educação moral cristã e constitucional, voltada para o respeito ao direito sagrado e intocável da propriedade privada; (ii) as lutas ordeiras, pacifistas, de caráter reivindicatório, desferidas contra o capital, sem a mínima intenção de tomá-lo e controlá-lo (iii) a visão do inimigo político, simbolizada pelos governantes ruins que poderiam ser substituídos por governantes bons, criando expectativas de que eles fariam tudo por nós e, a cada mandato renovariam os propósitos para todo o sempre.

Esses três fatores sempre envolveram as massas pobres e fizeram-nas acompanhar os chamados, não por terem consciência, mas, por causa do abandono secular, projetado pelas elites brancas ou por necessidades materiais. Identificadas com a linguagem agressiva, vinda de líderes corajosos capazes de expressarem palavras que batiam contra a fome real, a falta de moradia, as péssimas condições de educação, os descalabros no atendimento à saúde, a carestia, a corrupção etc., lutaram bravamente sempre como forças aliadas.

Ao assumirem os governos e ocuparem o lugar dos inimigos políticos, os representantes de esquerda passaram a falar palavras amenas e a dar supostas soluções insuficientes, como as que davam os seus antecessores de direita, contra os quais as massas protestavam. As mudanças de lugar das forças políticas, no posto governamental elevou a esquerda à condição de situação. Nesses processos liberais, compreendendo contra quem as massas direcionam os seus protestos, podemos concluir que, mesmo cooptadas, a tendência é elas serem de oposição e lutarem contra os políticos vistos como ruins, mansos e hipócritas.

Se quisermos debater como sair da defensiva para a ofensiva, precisamos entender que estamos vivendo, mesmo com diversas crises, uma acelerada ascensão destrutiva da permanente revolução liberal capitalista, para enfrentá-la é preciso pensar a revolução dentro dessa revolução que, provavelmente dar-se-á com o retorno à estratégia das insurreições, enraizadas, mais proximamente, na desobediência civil.

Para isso é preciso atacar as três domesticações: (a) das ideias que impõe o comportamento moral de respeito à propriedade (b) das reivindicações pacíficas invertendo-as para a apropriação do capital e dos meios de produção e, (c) do ilusionismo político eleitoral, demonstrando que a democracia não pode ser representativa, mas participativa e distributiva da riqueza.

As massas não são de direita nem de esquerda, mas, mobilizadas, podem vir a ser contrarrevolucionárias ou revolucionárias. Tudo depende de quem estiver com elas.

 

¨      No vale tudo pelo ajuste fiscal, Faria Lima e mídia agem como partidos políticos. Por Bepe Damasco

A operação sabotagem segue a pleno vapor: a moeda nacional é alvo de crescente movimento especulativo por parte da Faria Lima, jogando o valor do dólar para as alturas e criando um ambiente político propício para colocar o governo Lula na defensiva.

O objetivo é tentar obrigá-lo a aceitar um modelo de ajuste fiscal com base no sacrifício dos mais pobres, tesourando o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o seguro-desemprego e a política de valorização do salário mínimo. 

Enquanto Lula resiste, os sanguessugas do mercado junto com a imprensa comercial, sua sócia na empreitada, aumentam a artilharia. Uma dia desses um comentarista econômico de televisão teve a desfaçatez de dizer que "o mercado perdeu a paciência e resolveu dar uma basta no governo", ou "é bom que o governo saiba que não é qualquer ajuste que vai satisfazer ao mercado".

Afinal, quem essa gente pensa que é? Se é demais pedir respeito pela soberania popular para quem a vida só faz sentido com o ganho fácil do dinheiro, que pelo menos os bancos, fundos de investimento e as corretoras saibam que não lhes cabem perder ou manter a paciência com governos.

Mercado não é partido político, para apoiar ou fazer oposição a governantes eleitos.

Outro objetivo nítido da alta artificial da moeda norte-americana é impactar negativamente os preços, o que acaba elevando os índices inflacionários, trazendo desgaste para o governo.

Tudo indica que os primeiros esboços de ajustes apresentados pelo ministro Haddad não agradaram a Lula. Daí os seguidos adiamentos do anúncio do ajuste fiscal.

Aliás, Lula faz muito bem em cobrar que o Legislativo e o Judiciário participem do esforço de ajuste das contas públicas.

Neste domingo, movimentos sociais, sindicatos e partidos de esquerda, como PT, PSOL, PDT e PCdoB, lançaram um manifesto com críticas às possíveis medidas do ajuste fiscal, chamando a atenção de que elas prejudicarão aposentados e trabalhadores, além de reduzir os recursos destinados à educação, à saúde e ao investimento produtivo. 

O manifesto vai na linha justa de tentar impedir cortes que afetarão os mais vulneráveis socialmente.

Hoje, a imprensa noticia que Lula já aceita limitar algumas despesas obrigatórias. Vamos ver.

Confio no senso de justiça do presidente Lula e no seu compromisso histórico com os direitos da classe trabalhadora e dos aposentados.

 

Fonte: Outras Palavras/A Terra é Redonda/Brasil 247

 

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