A relação
de 'amor e ódio' entre Trump e Xi Jinping
Em
uma academia ao ar livre, perto das paredes vermelhas e telhas azuis brilhantes
que rodeiam o Templo do Céu em Pequim, na China, encontramos um grupo de aposentados
fazendo exercícios.
Um
dos homens termina suas flexões na barra fixa. "Tenho 74 anos e espero que
isso me ajude a viver por muito tempo", diz ele.
Um
vento frio sopra as folhas dos ciprestes espalhados pelo parque e atrapalha
outro homem, que praticava ioga em posição invertida. As mulheres pegam suas
luvas e casacos para se pendurarem em turnos em uma trilha de obstáculos
suspensos.
No
passado, os imperadores chineses visitavam este local sagrado da dinastia Ming
(1368-1644) para rezar, pedindo uma boa colheita. Agora, o parque é usado pelos
moradores locais para aproveitar sua aposentadoria, depois de passarem décadas
contribuindo para o espetacular crescimento da China.
Eles
assistiram à abertura do seu país para o mundo e suas fábricas impulsionaram a
economia chinesa. Hoje, a China segue logo atrás dos Estados Unidos, em busca
de se tornar a maior economia do mundo.
Mas
algumas pessoas, agora, estão temerosas sobre o que as promessas do presidente
eleito dos Estados Unidos, Donald Trump – de elevar as
tarifas alfandegárias sobre os produtos chineses – podem significar para a
economia do país, que é voltada à exportação.
·
A visão de Trump, na
prática
Para
boa parte dos chineses, Trump é motivo de piada. Seus memes dançando ao som de
Y.M.C.A., do grupo Village People, são largamente compartilhados nas redes
sociais.
Mas
outros estão preocupados. Para eles, Trump é totalmente imprevisível.
"Eu
gosto de Trump, mas ele é instável. Quem sabe o que ele poderá fazer?",
questiona o aposentado de 74 anos (seu nome será mantido em sigilo).
Algumas
das escolhas de Trump para seu gabinete já foram anunciadas desde sua vitória
eleitoral. E, sem dúvida, elas deixam as pessoas ainda mais preocupadas.
O
senador Marco Rubio, escolhido por Trump para ser seu secretário de Estado,
chamou Pequim de "a ameaça que irá definir este século". Ele também
recebeu sanções da China.
Já
o deputado Mike Waltz, escolhido por Trump como Conselheiro de Segurança
Nacional, escreveu no início de novembro que os Estados Unidos deveriam
"urgentemente" colocar fim aos conflitos na Ucrânia e no Oriente
Médio, para poderem "finalmente concentrar a atenção estratégica onde ela
deveria estar: combater a ameaça maior do Partido Comunista Chinês".
Para
muitas pessoas na China, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump,
é conhecido pelas brincadeiras. Na imagem, Trump aparece visitando a Cidade
Proibida, em Pequim, durante seu primeiro mandato.
Mas
a China vem se preparando para um segundo mandato de Trump, segundo a
pesquisadora Yu Jie, do think tank (centro de pesquisa e debates) Chatham
House, com sede em Londres.
Apesar
das preocupações existentes nas ruas, ela afirma que o retorno de Trump à Casa
Branca "não é surpresa" para Pequim. Mas ela alerta que o mundo ainda
deverá "esperar o desenrolar de um relacionamento do tipo
'montanha-russa'", quando Trump tomar posse, em 20 de janeiro.
·
O alerta de 'guerra
fria' para Washington
A
concorrência entre as duas nações vem aumentando há algum tempo, bem antes de
Trump vencer as eleições.
Ela
se tornou particularmente tensa durante o governo Joe Biden, devido às tarifas
alfandegárias e aos desentendimentos geopolíticos, que variam da invasão da
Ucrânia pela Rússia até o futuro de Taiwan.
Mas,
ainda assim, houve diálogo. Diversas autoridades americanas importantes
visitaram Pequim nesse período.
O
presidente chinês Xi Jinping prometeu trabalhar com o próximo governo Trump,
mas também usou sua última reunião com o presidente Biden para alertar
Washington que uma "nova guerra fria não deve ser travada e não pode ser
vencida".
E
Xi acrescentou que "conter a China não é inteligente, é inaceitável e seu
destino é o fracasso".
Há
muito tempo, Pequim vem acusando os Estados Unidos e seus aliados de tentarem
conter a China.
Os
chineses consideram que as tarifas impostas às importações de produtos da
China, as leis que restringem o acesso do país aos chips avançados de
inteligência artificial e as alianças militares no mar do Sul da China e em
outras regiões fazem parte desta política.
E a
decisão de Trump de trazer Rubio e Waltz para o seu governo indica que o novo
presidente irá "adotar uma abordagem robusta e muito mais agressiva em
relação à China", segundo Lyle Morris, do Centro de Análise da China da
organização Asia Society.
"Embora
Trump considere seu relacionamento pessoal com Xi Jinping como uma avenida para
negociações, ele provavelmente irá contar com Waltz e Rubio para elaborar uma
política mais agressiva e inflexível em relação à China", afirma ele.
Rubio
e Waltz estão longe de serem as únicas vozes em Washington que consideram a
China uma ameaça para a segurança e a economia dos Estados Unidos – uma visão
que surpreende o cidadão médio de Pequim.
"Você
está muito melhor aqui do que nos Estados Unidos, agora", diz o senhor de
74 anos no parque, antes de partir para o seu alongamento.
·
Culpa pela covid e
concorrência nuclear
Perto
do Templo do Céu, fica a Cidade Proibida. Lá, moraram os imperadores chineses
por quase 500 anos.
Foi
ali que, em 2017, o presidente Xi recebeu Donald Trump, que recebeu honrarias
nunca antes concedidas a nenhum presidente americano, desde a fundação da
República Popular da China.
Xi
fechou o local e levou Trump para uma visita às acomodações imperiais. Todos os
momentos foram transmitidos ao vivo pela TV estatal chinesa.
O
presidente americano comeu frango xadrez no jantar e, em troca, levou um vídeo
da sua neta, Arabella Kushner, cantando uma música chinesa que viralizou nas
redes sociais.
Os
dois lados consideraram a ocasião um ponto alto nas relações entre a China e os
Estados Unidos. Mas tudo azedou rapidamente quando surgiu a pandemia de covid
em Wuhan, na região central da China, em 2020.
Trump
se referiu repetidamente ao que ele chamava de "vírus chinês" e
culpou Pequim pelo surto global. Ele também deu início a uma guerra comercial
"olho por olho", com a aplicação de tarifas a mais de US$ 300 bilhões
(cerca de R$ 1,7 trilhões) em mercadorias importadas da China. Estas tarifas
permanecem em vigor até hoje.
Quando
Trump iniciar seu segundo mandato, ele irá encontrar um Xi mais forte. Ele
consolidou sua posição no comando da China com um histórico terceiro mandato e
a possibilidade de permanecer no poder pelo resto da vida.
Pequim
detém o maior exército e a maior marinha do planeta. Por isso, a preocupação de
Washington é que a China esteja ampliando seu arsenal nuclear.
Enquanto
Trump divulgava seu novo gabinete, a imprensa estatal chinesa publicava vídeos
da maior apresentação aérea do novo caça furtivo do país – o J35-A – voando
verticalmente e de cabeça para baixo.
A
China é apenas o segundo país a se vangloriar de ter dois caças furtivos na sua
frota. O outro são os Estados Unidos. E também foi exibido o primeiro caça
furtivo com dois lugares do mundo, o J20-S.
Em
meados de novembro, pesquisadores do Instituto de Estudos Internacionais de
Middlebury em Monterey, na Califórnia (EUA), encontraram imagens de satélites
indicando que a China está desenvolvendo propulsão nuclear para um novo
porta-aviões.
Os
estudos "despertaram sérias preocupações sobre a possível adoção por
Pequim de uma estratégia de primeiro uso e aumento das ameaças nucleares,
despertando forte apoio para uma ampliação significativa das capacidades
nucleares americanas em resposta", segundo Tong Zhao, do think tank Fundo
Carnegie para a Paz Internacional.
Para
ele, "a menos que Trump intervenha pessoalmente, o que parece improvável,
as duas nações parecem estar à beira de uma competição nuclear muito mais
intensa, com implicações de longo alcance para a estabilidade
internacional".
·
O caso de Taiwan
Nos
últimos anos, sob a liderança de Xi Jinping, a China também passou a ser mais
assertiva nas suas reivindicações territoriais sobre Taiwan e o mar do Sul da
China.
Uma
preocupação é que Pequim possa estar aumentando seu exército para invadir
Taiwan, considerada pela China uma província dissidente que, um dia, ficará sob
seu controle.
Mas,
com Trump e seu gabinete, os Estados Unidos estariam dispostos a defender
Taiwan? Esta pergunta costuma ser formulada a todos os presidentes americanos.
Trump
escapou deste questionamento. Ele declarou que não precisaria usar a força
militar porque Xi sabe que ele é "maluco" e iria impor tarifas que
paralisariam as importações chinesas, se fosse o caso.
Apesar
da indisposição de Trump de participar de guerras externas, a maioria dos
especialistas espera que Washington continue a fornecer assistência militar a
Taiwan. Primeiramente, os Estados Unidos são obrigados por lei a vender armas
defensivas para a ilha. E, em segundo lugar, o primeiro governo Trump foi o que
mais vendeu armas para Taiwan até hoje.
"Existe
forte apoio entre os dois partidos para a continuidade do apoio militar a
Taiwan", afirma Morris. "Não espero que Trump altere
significativamente o curso das vendas de armas para Taiwan."
·
O que Trump realmente
pensa de Xi
Colocando
de lado estas diferenças notórias, Trump realmente parece admirar a imagem de
homem forte do presidente chinês.
Em
2020, Donald Trump declarou que ele e Xi Jinping "se amam", mesmo em
meio a uma amarga guerra comercial com a China.
"Tive
uma relação muito forte com ele", confirmou o presidente eleito em recente
entrevista ao The Wall Street Journal.
É
difícil saber o que pensa o presidente Xi. Ele fala muito pouco sobre o seu
relacionamento e raramente menciona Trump pelo nome.
Em
2018, a TV estatal chinesa CGTN mencionou diretamente o líder americano,
publicando um vídeo pouco lisonjeiro com um título sarcástico: "Obrigado,
sr. Trump, você é ótimo!"
A
censura chinesa retirou o vídeo do ar posteriormente.
Mas
o que sabemos é que os dois líderes projetam uma espécie de nacionalismo
robusto.
O
sonho de Xi é o "grande rejuvenescimento da nação chinesa", enquanto
Trump acredita que só ele pode "tornar a América grande novamente".
Ambos
defendem que estão trabalhando rumo a uma nova idade de ouro para seus países.
Mas a "idade de ouro" de Trump para os Estados Unidos inclui tarifas
de importação de 60% sobre produtos chineses.
E a
China não está disposta a enfrentar uma segunda guerra comercial. Afinal, ela
já tem os seus próprios problemas internos.
·
A economia fraca e o
fator Musk
O
sonho de prosperidade do presidente chinês está ameaçado.
A
economia chinesa está enfraquecida. O setor imobiliário está afundando, quase
20% dos jovens do país enfrentam dificuldades para encontrar emprego e sua
população é uma das que mais envelhecem do mundo.
Parte
dessas dificuldades econômicas surge claramente no Tempo do Céu.
Nós
acompanhamos as multidões de turistas chineses que passam pelos portões de
mármore branco do local. Agora, é moda entre os jovens se vestir com roupas da
dinastia Qing (1644-1912), mesmo que as longas túnicas de seda, muitas vezes,
não consigam esconder outra grande tendência – os grandes tênis brancos.
Dezenas
de grupos escolares ouvem atentamente os guias sobre a empolgante história da
cidade. Forma-se uma fila em torno do altar para fazer pedidos.
Vejo
uma mulher de meia idade vestida de preto chegar à sua vez. Ela se vira por
três vezes, junta as mãos, fecha os olhos e se volta para o céu.
Mais
tarde, nós perguntamos o que ela havia pedido. Ela conta que muitas pessoas vêm
até aqui para pedir para seus filhos conseguirem emprego ou para que entrem em
uma boa escola.
"Desejamos
melhorar de vida e ter melhores perspectivas", segundo ela.
A
China afirma ter erradicado a pobreza extrema, mas milhões de trabalhadores em
fábricas e escritórios de todo o país, que contribuíram para o crescimento
chinês, estão preocupados com o que está por vir.
O
futuro dela e da economia chinesa pode depender, em parte, da seriedade de
Donald Trump sobre suas tarifas de importação. Mas, desta vez, a China está
preparada, segundo Yu Jie.
"A
China já começou a diversificar suas fontes de importações agrícolas
(especialmente do Brasil, Argentina e Rússia) e aumentou seu volume de
exportação para países não aliados aos Estados Unidos", explica ela.
"No
plano doméstico, a recente recapitalização das dívidas dos governos locais
também está abrindo o caminho para compensar os impactos negativos da provável
guerra comercial com o governo Trump."
Os
líderes chineses podem se perguntar se Elon Musk poderá trazer moderação aos
impulsos comerciais de Donald Trump.
Pequim
pode também ter outra esperança, já que o bilionário Elon Musk parece contar
com a confiança de Donald Trump.
A
Tesla, empresa de Musk, depende da China para sua produção. Cerca da metade dos
seus veículos elétricos é fabricada no país.
E
os líderes chineses podem se perguntar se Musk poderá amenizar os impulsos
comerciais do presidente eleito.
Mas
esta é a maior luta de poder do século 21 e ela não se resume ao comércio. Um
dos sonhos do presidente Xi é também fazer com que a China passe a ser a
potência dominante do planeta.
Alguns
especialistas acreditam que é neste ponto que o segundo mandato de Trump pode
oferecer uma oportunidade para Pequim.
·
A China no cenário
mundial
"Os
líderes chineses irão reforçar a narrativa de que os Estados Unidos são a única
e mais perturbadora fonte de instabilidade global", segundo Yu Jie,
"retratando a China como uma potência mundial responsável e de
confiança."
O
presidente Biden passou quatro anos fortalecendo amizades pela Ásia, com a
Coreia do Sul, o Japão, as Filipinas e o Vietnã. Tudo isso, em um esforço para
conter a China.
No
passado, a doutrina de Trump – "América em primeiro lugar" – isolou e
enfraqueceu as alianças americanas. Ele optou por acordos em pontos delicados
da diplomacia e, muitas vezes, cobrou preços pelas amizades dos Estados Unidos.
Em
2018, por exemplo, ele exigiu mais dinheiro da Coreia do Sul para continuar a
manter tropas americanas no país.
A
China já estabeleceu alianças com economias emergentes. O país também tenta
reparar suas relações com o Reino Unido e a Europa, além de compensar queixas
históricas com seus vizinhos asiáticos – a Coreia do Sul e o Japão.
Se
a influência de Washington pelo mundo diminuir, esta poderá ser uma vitória
para o presidente Xi.
Mas
voltemos ao parque, onde discutimos, agora, o resultado das eleições
americanas.
Um
homem levanta quatro dedos: "ele só tem quatro anos", diz ele.
"Os Estados Unidos estão sempre trocando de líderes. Na China, temos mais
tempo."
O
tempo está realmente do lado da China. Xi pode ser presidente pelo resto da
vida. Com isso, ele tem condições de fazer progressos lentos, mas estáveis,
rumo aos seus objetivos.
E,
mesmo se Trump se puser no seu caminho, ele não irá ficar por muito tempo.
Fonte:
BBC News Mundo
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