Como um
escândalo sexual expôs uma ditadura africana
A
pequena nação da Guiné Equatorial, uma ex-colônia espanhola na costa oeste da
África, raramente desperta a atenção da imprensa internacional, destacando-se
ocasionalmente no noticiário por violações de direitos humanos e pelos
estratosféricos níveis de corrupção.
Mas,
no fim de outubro, o país apareceu no noticiário por causa de outro tipo de
escândalo: o vazamento de centenas de vídeos de conteúdo sexual, que atingiram
em cheio parte da elite do regime de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, o segundo
mais longevo ditador do mundo, que governa a Guiné Equatorial com mão de ferro
desde 1979.
Os
vídeos mostram um sobrinho-neto do ditador em momentos íntimos com dezenas de
mulheres, incluindo esposas e parentes de outros membros do regime. Jornais de
países vizinhos citam a divulgação de pelo menos 400 arquivos. Alguns deles
registrados em prédios governamentais.
As
imagens começaram a inundar as redes sociais da Guiné Equatorial no fim de
outubro, provocando frenesi entre a população do país – que não conta com
imprensa livre –, mas também expondo intrigas palacianas pela sucessão de
Mbasogo e despertando reações misóginas contra as mulheres envolvidas.
• "Bello",
o sobrinho-neto do ditador no centro do escândalo
O
principal protagonista dos vídeos – e presumível responsável pelas gravações –
é Baltasar Ebang Engonga, também conhecido como "Bello".
Sobrinho-neto
do ditador Teodoro Obian Mbasogo, Bello, de 54 anos, ocupava até o final de
outubro a chefia da Agência Nacional de Investigação Financeira (ANIF) de Guiné
Equatorial, órgão que supostamente deveria investigar e combater casos de
corrupção no país.
Boa
parte dos cargos estratégicos do país são ocupados por parentes do ditador
Mbasogo. O pai de Bello, Baltazar Engonga Edjo, é sobrinho do ditador, e já
ocupou diversos cargos ministeriais, além de ser uma figura influente no
partido governante, o PDGE.
Em
25 de outubro, Bello foi destituído do cargo e preso pelo regime, acusado de
desvio de verba pública e depositar os valores em contas secretas em paraísos
fiscais. Ele acabou sendo enviado para a notória prisão de Playa Negra, na
capital, Malabo, o principal centro de punição para opositores do regime e que
é frequentemente citada em relatórios de direitos humanos por suas condições
brutais.
Agentes
do regime também apreenderam computadores e telefones que pertenciam a Bello.
Logo depois, os vídeos começaram a aparecer no Telegram e em outras redes
sociais do país, tornando-se um dos assuntos mais comentados de Guiné
Equatorial e de outros países africanos, superando em buscas temas como as
eleições nos EUA.
Jornais
de países vizinhos e usuários de redes sociais logo identificaram algumas das
mulheres, apontando que seriam esposas e parentes de figuras que ocupam cargos
administrativos na Presidência, no aparato de segurança do regime e na
petrolífera estatal.
Várias
imagens parecem indicar que algumas mulheres sabiam que estavam sendo filmadas
por Bello. Não se sabe exatamente por que ele gravou os vídeos – alguns deles
registrados no seu antigo escritório na ANIF. Alguns usuários de redes sociais
especularam se os registros poderiam ser algo além de um mero fetiche, e que
Bello poderia estar acumulando material para chantagear as mulheres ou seus
maridos.
• Disputa
familiar pelo poder
O
vazamento dos vídeos também provocou especulações sobre quem poderia estar por
trás da divulgação depois da prisão de Bello e apreensão dos seus equipamentos
– e os motivos.
Com
a idade avançada do ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo – 82 anos –, há
crescentes especulações sobre quem vai substitui-lo. Ativistas no exílio
apontam que há uma luta interna pela sucessão e especularam que o vazamento
pode ter sido feito para destruir a imagem dos envolvidos.
Bello
era apontado como um dos nomes para assumir o comando do país. Poucos ativistas
acreditam que acusações de corrupção tenham realmente motivado a prisão,
considerando que toda a elite do regime tem as mãos sujas com enriquecimento
ilícito.
No
momento, o herdeiro presumível do regime é o filho mais velho do ditador,
Teodoro Obiang Mangue, conhecido como "Teddy", que no passado já
enfraqueceu outros parentes na disputa pela sucessão, incluindo um meio-irmão
que foi afastado da chefia do poderoso Ministério de Energia no ano passado.
Com
56 anos, Teddy ocupa o cargo de vice-presidente e é conhecido pelo estilo de
vida extravagante, com predileção por iates, motos e carros de luxo, sendo
rotineiramente citado como um dos membros mais notórios da cleptocracia que
comanda Guiné Equatorial.
Em
2018, uma comitiva de Teddy foi flagrada no aeroporto de Viracopos, no Brasil,
transportando 1,4 milhão de dólares em espécie e relógios avaliados em 15
milhões. Nos anos 2000, o Departamento de Justiça dos EUA também investigou o
filho do ditador por suspeita de lavagem de dinheiro na compra de um triplex em
São Paulo, avaliado em R$ 70 milhões.
Em
2018, agentes da Polícia Federal realizaram uma operação no imóvel de luxo. Em
2012, uma mansão do filho do ditador avaliada em 100 milhões de euros nos
arredores de Paris foi confiscada pelas autoridades francesas.
Teddy
ainda enfrenta sanções no Reino Unido e já teve outros bens confiscados nos
EUA, entre eles um par de luvas incrustradas com joias que havia pertencido ao
cantor Michael Jackson, arrematado em um leilão por 275 mil dólares.
• Regime usa
episódio para fortalecer controle das redes
Ainda
que o vazamento dos vídeos possa ter servido a um propósito político, o regime
logo percebeu que o episódio havia atraído uma atenção internacional
indesejada, com o país sendo alvo de zombaria e opositores no exílio usando o
caso como um exemplo de decadência de membros da classe dominante.
Alguns
dias após o vazamento dos vídeos, Teddy ordenou que as companhias de
comunicação do país retirassem as imagens do ar em 24 horas.
"Não
podemos continuar a assistir famílias se desintegrarem sem tomar nenhuma
atitude", escreveu Teddy na rede X.
O
regime da Guiné Equatorial também anunciou que ordenou a "suspensão
imediata de todos os funcionários que tiveram relações sexuais nos gabinetes
dos ministérios do país".
Mas
ativistas lamentaram o temor que as medidas para suprimir os vídeos também
possam ser usadas em um esforço mais amplo para enfraquecer o acesso às redes
sociais no país, que são um dos poucos redutos para a circulação de informações
na ausência de uma imprensa livre.
No
mês de julho, o regime já havia limitado totalmente o acesso à internet e a
redes de celular na ilha de Annobón, após moradores locais se queixarem sobre
atividades predatórias de mineração na região. Em 2013 e 2017, o regime também
bloqueou redes sociais após a eclosão de protestos.
• Misoginia
O
caso também escancarou uma atitude misógina no país e nas redes sociais.
Enquanto as mulheres envolvidas foram alvo de críticas e julgamentos, Bello, a
figura central de todas as gravações, recebeu elogios pela sua
"performance".
Alguns
usuários escreveram que ele era digno de receber uma premiação ao estilo
"Bola de Ouro", enquanto jornais de países vizinhos fizeram textos em
tom de zombaria especulando sobre qual seria o segredo para conseguir ter
relações com tantas mulheres.
Até
mesmo o vice Teddy fez um julgamento quando ordenou que os vídeos fossem
suprimidos. "São mulheres casadas participando e se filmando em atos que
denigrem a sua reputação e dignidade", disse, em uma publicação no X.
• Guiné
Equatorial: rico em petróleo e notório pela corrupção
Com
1,7 milhão de habitantes e um território com tamanho semelhante ao estado
brasileiro de Alagoas, Guiné Equatorial é o único país da África onde o
espanhol é falado pela maioria da população.
Outras
línguas oficiais incluem o francês e o português. Antes de passar a ser uma
colônia espanhola entre 1778 e 1968, a região ficou por mais de dois séculos
sob domínio do Império Português, quando foi transformada num centro de tráfico
de escravizados enviados para o Brasil – em 2015, o regime patrocinou o desfile
da escola de samba Beija-Flor, provocando críticas de organizações de defesa
dos diretos humanos.
Em
1968, ao se tornar independente da Espanha, a Guiné Equatorial realizou aquela
que até hoje é sua única eleição presidencial livre.
No
pleito, venceu Francisco Macías Nguema, que rapidamente transformou o país em
uma ditadura brutal, responsável pelo assassinato de dezenas de milhares de
pessoas, levando Guiné Equatorial a ser apelidada de "Dachau
africana", em referência ao campo de concentração nazista. Francisco
Macías chegou a ser descrito como louco e "psicopata" por serviços
estrangeiros de inteligência.
No
final dos anos 1970, ele começou a se voltar contra membros da sua família,
ordenando a execução de vários parentes. Em 1979, fartos com o comportamento
errático de Francisco Macías, parentes e membros do regime organizaram um golpe
palaciano. Ele acabou deposto por Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, seu sobrinho,
então com 37 anos, que assumiu as rédeas do regime familiar que persiste até
hoje. Francisco Macías acabou sendo executado no mesmo ano.
No
poder, Mbasogo adotou uma abordagem um pouco menos brutal que a do seu tio, mas
seu governo também se notabilizou pela perseguição de opositores, assassinatos,
prisões arbitrárias, ausência de eleições livres, culto à personalidade e
corrupção.
Nos
anos 1990, uma companhia de petróleo americana descobriu vastas reservas no
país, que hoje respondem por 97% das exportações. Mas os lucros nunca
beneficiaram a maior parte da população, e ficaram concentrados nas mãos da
elite do regime. Hoje, o país ocupa a 133° posição no Índice de Desenvolvimento
Humano das Nações Unidas – mais de 40 posições atrás do Brasil.
Em
2009, um artigo no jornal New York Times apontou que "poucos países do
mundo representam tão bem a corrupção e o nepotismo movido a petróleo como a
Guiné Equatorial". O país aparece na 172° posição entre os 180 países do
ranking de corrupção da ONG Transparência Internacional, à frente apenas de
nações como Síria e Venezuela.
Fonte:
DW Brasil
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