Luís
Nassif: Musk e o desmonte do Estado norte-americano
A
França trouxe os primeiros exemplos de formação dos estados e das burocracias
públicas modernas. Mas o modelo institucional que coordenou o Ocidente veio dos
Estados Unidos no final do século 19, com a criação da Interestate Commerce
Commission (ICC). Seu objetivo era coibir os abusos das empresas ferroviárias,
que manipulavam as tarifas e cobravam preços discriminatórios contra pequenos
produtores e comunidades.
A
Agência surgiu nos ecos da Lei Antitruste Sherman (Lei Antitruste Sherman), que
acolheu uma denúncia do Departamento de Justiça contra o poder de monopólio da
Standard Oil.
Com
o tempo, a ICC ampliou suas funções para supervisionar transporte rodoviário,
hidroviário e aéreo.
Em
1995, o Congresso extinguiu a ICC e transferiu algumas funções relevantes para
o Surface Transportation Board (STB). A ICC foi pioneira ao estabelecer o
conceito de regulação independente, influenciando o surgimento de outras
agências regulatórias. Em 1913 foi criado o Federal Reserve (FED); em 1914 a
Comissão Federal de Comércio (FTC); em 1930 a Administração de Alimentos e
Medicamentos (FDA), em 1934 a Comissão Federal de Comunicações e a Comissão de
Valores Mobiliários. Em 1970, a Agência de Proteção Ambiental.
O
advento da era da ultra financeirização diluiu esses controles, já que o comando
de empresas saiu das famílias e das próprias empresas para os fundos de
investimentos.
Mas,
de alguma maneira, essas agências ajudaram a minorar a excessiva concentração
de renda do país e a insuficiência das políticas sociais. E tornaram-se,
mundialmente, alvo de três grupos: a ultradireita, dos supremacistas brancos e
radicais; as ONGs e think tanks conservadores, em geral bancados pela indústria
da mineração e das armas; o crime organizado e as big techs.
Os
controles da concorrência foram reduzidos depois que a Escola de Chicago
consolidou novos conceitos. Diziam seus economistas que, com a flexibilidade
dos investimentos e com as novas tecnologias, nenhuma empresa conseguiria impor
poder de mercado. As grandes seriam conservadoras na inovação, para preservar
seus lucros; e as menores seriam inovadoras, conquistando mercado.
Os
fatos foram em direção contrária. As big techs e os grandes grupos simplesmente
passaram a adquirir competidores, promovendo a maior concentração de poder da
história.
Agora,
com a indicação de Elon Musk, pretende-se um esvaziamento total das agências
reguladoras e o domínio final das grandes corporações sobre uma democracia
capenga.
As
agências serão reguladas em causa própria. Na área aeroespacial, Musk pretende
desregular a FCC, que regula as comunicações por satélite. Musk também é
importante fornecedor e parceiro da quarta arma do Departamento de Defesa, a
Space Force. Criada recentemente, tem o mesmo formato das demais forças e é
incumbida da defesa aeroespacial.
As
relações de Musk com o Estado norte-americano são amplas:
1.
Exploração Espacial (NASA e Defesa Nacional)
- SpaceX : com a NASA.
- Estação Espacial Internacional (ISS)
- Departamento de Defesa dos EUA (DoD)
2.
Transporte e Mobilidade (Departamento de Transportes e Infraestrutura)
- Tesla : Departamento de Transportes dos EUA
(DOT)infraestrutura de carregamento de veículos elétricos e veículos
autônomos .
- Empresa chata, túneis urbanos.
3.
Energia e Sustentabilidade (Departamento de Energia)
- Tesla Energy : baterias de armazenamento de energia
(Powerwall) e sistemas, com Departamento de Energia dos EUA (DOE)
- SolarCity : recebe subsídios e incentivos fiscais .
4.
Inteligência Artificial e Tecnologia (Setor de Tecnologia e Defesa)
- Neuralink : com defesa nacional.
¨
Os desafios políticos
e econômicos que o governo Trump deverá impor ao Brasil, por Guilherme
Casarões
Nos
últimos meses, os brasileiros acompanharam de perto a campanha presidencial dos
Estados Unidos. Pelo menos desde 2016, o que quer que aconteça na política
americana provavelmente se desdobrará no Brasil. De muitas maneiras, o
abismo político americano reflete a polarização política do próprio Brasil.
A
grande vitória de Trump nas eleições dos EUA provocou reações imediatas na
política brasileira. Bolsonaro e seus apoiadores estão em êxtase, pois
acreditam que a maré política mais uma vez virará a seu favor – agora, com uma
pequena ajuda da Casa Branca.
A
esquerda brasileira, por sua vez, está fazendo um exame de consciência.
Depois de sofrer um grande golpe nas eleições municipais de outubro
de 2024, Lula e seus aliados não podem mais contar com os EUA para promover
suas agendas no país e no exterior.
O
novo governo dos EUA apresentará vários desafios ao Brasil. Não se trata apenas
de reconhecer a vitalidade da onda conservadora global. Precisamos agora
entender como as decisões concretas tomadas por Trump afetarão a política
brasileira – e como responder a elas.
<><> O Trumpismo salvará o Bolsonarismo?
Em
outubro de 2023, o Tribunal Superior Eleitoral do Brasil impediu
Bolsonaro de concorrer a um cargo público por oito anos devido a acusações
de abuso de poder político em sua candidatura à reeleição. A decisão do
tribunal foi um choque para o bolsonarismo, que estava prestes a perder o
ímpeto e o apelo eleitoral.
Desde
então, os congressistas pró-Bolsonaro começaram a discutir com seus colegas
pró-Trump como poderiam agir juntos para reverter a inelegibilidade de
Bolsonaro. Eduardo Bolsonaro e seus aliados fizeram visitas oficiais a
Washington três vezes entre novembro de 2023 e maio de 2024.
A
narrativa comum era que as autoridades brasileiras estavam violando os direitos
fundamentais de ativistas e políticos “conservadores”. Para os republicanos, o
enquadramento do Brasil de Lula como estando à beira de uma ditadura foi útil
para mostrar o que poderia acontecer com os EUA caso os democratas
permanecessem no cargo.
A
causa da extrema direita ganhou ainda mais força com a briga entre Elon
Musk e o Ministro da Suprema Corte do Brasil, Alexandre de Moraes. As críticas
de Musk à censura no Brasil energizaram os apoiadores de Bolsonaro, que
vislumbraram um caminho para futuras sanções contra as autoridades brasileiras,
caso Trump voltasse à Casa Branca.
Agora
Bolsonaro e seus seguidores estão convencidos de que o governo Trump, tendo
Musk como peça central, os ajudará a voltar ao poder no
Brasil. Eduardo Bolsonaro estava em Mar-a-Lago comemorando a vitória
de Trump. Nos últimos dias, o ex-presidente tem dado entrevistas como
se fosse apenas uma questão de tempo até que ele tome a presidência mais uma
vez.
<><> Trump está prestes a enfrentar o Brasil?
Mesmo
que a Casa Branca considere sancionar o Brasil para pressionar as autoridades a
permitir a candidatura de Bolsonaro, há outras maneiras de ajudar o aliado mais
fiel de Trump. Por meio da política externa, os EUA poderiam prejudicar o
Brasil e enfraquecer o governo Lula.
O
presidente Lula, é claro, não quer antagonizar Trump. Embora tenha declarado
seu apoio a Kamala Harris “como uma aposta mais segura para a
democracia”, Lula foi rápido em parabenizar o candidato
republicano por sua vitória e disse que esperava uma boa relação de
trabalho entre o Brasil e os EUA.
Lula
sabe que o Brasil não é uma prioridade para Trump, mas também está ciente de
que a promessa de lealdade incondicional de Bolsonaro ao presidente dos EUA
pode ser bastante sedutora.
A política
externa de Trump pode ameaçar o Brasil de pelo menos duas maneiras. A
primeira diz respeito às tarifas. Políticas protecionistas podem prejudicar as
exportações de produtos industriais brasileiros para os EUA. Caso essas
políticas desacelerem a economia chinesa, o setor de agronegócios do
Brasil também se encontrará em dificuldades.
Além
disso, o temor de uma inflação alta nos EUA manterá as taxas de juros
elevadas em ambos os países, levando a menos investimentos estrangeiros
diretos no Brasil e aumentando os desafios para Lula manter a economia
brasileira estável.
A
segunda ameaça imediata tem a ver com o relacionamento de Trump com a
Argentina. Javier Milei nunca escondeu sua antipatia por Lula e
promete abandonar compromissos de longa data com o Brasil, como o Mercosul. Uma
aliança preferencial entre a Casa Branca e a Casa Rosada da Argentina
prejudicará os esforços do Brasil para conduzir a integração sul-americana.
Na
quarta-feira 13, Trump nomeou Marco Rubio para ser o próximo secretário de
Estado. Rubio é um linha-dura, que recentemente chamou Lula de “líder de
extrema esquerda” e criticou a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF,
de suspender a rede social X no Brasil.
<><> Será o fim da democracia no Brasil?
Os
tempos são difíceis para o Brasil e para o mundo – e podem se tornar ainda mais
problemáticos a partir de janeiro do próximo ano. No entanto, podemos olhar
para o copo meio cheio e pensar em caminhos menos apocalípticos para o governo
brasileiro.
A
primeira tarefa é reforçar as regras básicas institucionais da democracia
brasileira. A lista de possíveis acusações criminais contra Bolsonaro é
longa e envolve o planejamento de um golpe de Estado, cujo resultado mais
visível também foi uma insurreição que ocorreu em 8 de janeiro de 2023 – e
quase inteiramente inspirada nos distúrbios de 6 de janeiro de 2021 no
Capitólio.
Apesar
de todo o entusiasmo entre a extrema direita brasileira, não há garantias de
que Bolsonaro poderá concorrer ao cargo – e que ele não será condenado por seus
muitos crimes. Pode haver pressão por parte da Casa Branca, mas seus efeitos
encontrarão limites políticos e legais.
Além
disso, o Brasil pode tirar proveito do isolacionismo de Trump ao reforçar seu
papel de liderança em questões como mudança climática, reforma da governança
global e direitos humanos. A atual presidência do G20 permitiu que o Brasil
encontrasse interlocutores significativos e continuasse a impulsionar essas
agendas.
Essa
é a beleza da política. As marés podem estar mudando, e os desafios certamente
estão aumentando, mas cabe fundamentalmente aos atores políticos moldar seu
próprio futuro. Só podemos esperar que o governo Lula e os defensores da
democracia no Brasil estejam à altura da tarefa.
¨
Contra o “Mega” de
Donald Trump, Por Leonardo Boff
Nossos
ancestrais (hominídeos) irromperam no processo da evolução há cerca de 7-8
milhões de anos. O atual homo sapiens, portador de consciência
reflexa, de inteligência, de capacidade de amor e de linguagem, do qual nós
descendemos, surgiu apenas há 200 mil anos. Antes, por vários milhões de anos
viveu na África. Lá se elaboraram nossas estruturas antropológicas básicas que
constituem nossa humanidade. Por isso, todos somos de alguma forma africanos.
Depois
começou a grande dispersão pelo vasto mundo até ocupar todos os espaços
terrestres. Agora se iniciou o grande caminho de volta para todos se
encontraram na mesma Casa Comum, o planeta Terra. Inaugurou-se nova fase da
humanidade e da Terra, a fase planetária que outros chamam de globalização. Só
em 1521 quando Fernão de Magalhães e seus marinheiros fizeram a circunavegação
marítima, entrou na consciência coletiva de que a Terra é redonda e que podia
ser alcançada de qualquer lugar.
As
potências da época, Portugal e Espanha começaram a sua ocupação/invasão da
África, de Abya Yala e de porções da Ásia. Foram os primeiros passos da
“planetização”.
Essa
planetização foi crescendo se apresenta hoje sob muitas formas. Fala-se da
globalização econômico-tiranossáurica, a globalização humano-social e a
globalização ecozóico-espiritual. A predominante é a econômico-financeira que
chamaria de a fase dinossáurica, pois se concretiza de forma voraz que nos faz
pensar nos dinossauros, pois oprime aos seres humanos e devora a natureza.
Na
verdade, trata-se da ocidentalização do mundo, de seus valores como a
democracia, os direitos humanos, a ciência e tecnologia e também seus defeitos
como a vontade dominação, seu espírito beligerante, seu individualismo (Serge
Latouche, A ocidentalização do mundo, Vozes).
Nunca
o ser humano viveu solitário. O pensador alemão Norbert Elias viu a
sociabilidade nas “unidades de subsistência” (O processo de civilização)
cuja função era garantir o grupo dos riscos existenciais e ao mesmo tempo impor
controle à violência seja interna ao grupo e contra grupos externos.
Convivência solidária e controle da violência estão na base de qualquer
sociedade e civilização.
Estas
“unidades de subsistência” se desenvolveram historicamente em cidades,
metrópoles e nos dias de hoje em megacorporações e potências com poder
econômico fantástico e um poder militar com capacidade de destruir toda a vida
com suas armas nucleares, químicas e biológicas. Estudiosos chegam a ver na
letalidade das armas nucleares uma curiosa função civilizatória no sentido da
preservação da guerra que seria final. “Sua utilidade seria no seu não-emprego”
pois evitaria a “destruição mutuamente assegurada” (Mutually Assured
Destrucion)nas palavras de Stephen Mennel, em Mike Featherstone
(org.), Cultura global, Vozes, p. 389.
A
questão urgente ainda não realizada é a constituição de uma governança
democrática planetária. O fato novo de todos estarem dentro da mesma Casa
Comum, demanda uma instância plural de homens e mulheres, representantes de
todos os povos e interesses para pensaram o destino da humanidade e
principalmente encontrarem soluções globais para problemas globais como o
Covid-19, o atual do aquecimento crescente da Terra e a devastação da
biodiversidade.
Atualmente
vive-se um paradoxo: por um lado verifica-se por todos os meios os
inter-relacionamentos técnicos, econômicos, políticos e culturais da
planetização, a descoberta da única Casa Comum, como um dado irreversível e,
por outro, a preservação das soberanias nacionais, em si obsoletas com guerras
altamente letais para garantir os limites de determinadas nações. Não se formou
a consciência coletiva de que somos “cidadãos planetários” e que “Minha pátria
é a Terra”.
Aqui
reside o real perigo do mantra do futuro presidente dos EUA Donald Trump: “Faça
a América Grande Novamente” (MEGA) ou o aforismo “America first” (“a
América em primeiro lugar”), mas que pensado é: “Só a América”.
Se
a mais poderosa potência econômica, tecno-científica e militar se isolar e não
assumir sua responsabilidade para enfrentar os graves riscos que pesam sobre a
vida e a humanidade, juntos com todos os outros, poderemos ver realizadas as
severas palavras ditas recentemente pelo Secretário Geral da ONU António
Gutérrez: “Ou faremos uma ação coletiva ou então conheceremos o suicídio
coletivo”.
Bem
observou Edgar Morin com seus 93 anos: “Seria preciso uma escalada súbita e
terrível de perigo, e a chegada de uma catástrofe para constituir o choque
elétrico necessário às tomadas de consciência e de decisão” (“Sociedade-mundo
ou império” em Política Externa vol. 1, p. 85).
Donald
Trump e o nosso inelegível são notórios negacionistas que segundo Noam Chomsky,
num museu do mal “deveriam ter uma sala especial” (Como parar o relógio do
Juízo Final?, Editora ICL, p. 22).
No
atual momento somos confrontados com esse dilema: ou fundamos uma paz perene
entre todos e com a comunidade de vida ou então poderemos conhecer um
holocausto nuclear, consequência do negacionismo e da irresponsabilidade.
Quando potências disputam a hegemonia, como no caso EUA, Rússia e China, dizem
os estudiosos, geralmente termina com uma guerra. Se for nuclear poderá ser a
guerra terminal.
Faço
minhas as palavras do astronauta Sigmund Jähn, ao regressar à Terra, “Já são
ultrapassadas as fronteiras políticas, ultrapassadas também as fronteiras das
nações. Somos um único povo e cada um é responsável pela manutenção do frágil
equilíbrio da Terra. Somos seus guardiães e devemos cuidar de nosso futuro
comum”.
¨
Nem tudo o que é bom
para os EUA é bom para o Brasil. Por Denise Assis
Nem
tudo o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil, como na frase do embaixador
brasileiro em Washington, Juracy Magalhães (1964 a 1965), usada por décadas
para ironizar os “entreguistas” da direita e da extrema-direita no Brasil.
Dessa vez, o que os estadunidenses consideraram bom a ponto de querer repetir a
dose – estamos falando da eleição de Donald Trump, para mais um mandato à
frente da Casa Branca -, nos fez muito, mas muito mal mesmo.
Com
a morosidade da Justiça (que no Brasil, além de ter os olhos vendados, é
lerda), o inelegível e ex-presidente Jair Bolsonaro, vai “atenuando” a
indignação contra ele e mais 16 pessoas, envolvidas no suposto esquema de
falsificação de vacinas, no qual foram indiciados em março de 2018 e toda a
enfieira de crimes em que está sendo investigado. Não bastasse a sua
desenvoltura durante as eleições municipais, quando viajou, subiu em palanques,
fez carreatas e cumpriu agenda de chefe de partido, influindo escancaradamente
em algumas praças.
Agora,
com a eleição de Trump, como já foi fartamente comentado, ele se sentiu à
vontade, fortalecido, para colocar a cabeça de fora e se pronunciar em um
espaço em que pisa em ovos: a mídia. Em busca da pauta que persegue desde que
subiu naquele caminhão de som, em fevereiro deste ano - e nós deixamos -,
Bolsonaro só pensa em anistia. Mesmo não tendo ainda a menor ideia do que vem
pela frente nos processos a que responde, e nem sequer tenha sido condenado. E
pela generosidade dos espaços a ele concedido, sua simpatia por Trump (ninguém
sabe se a recíproca é verdadeira, mas por via das dúvidas, melhor
“prestigiar”), o ex-presidente tem vindo às páginas e telas “desenrolar”, como
se diz na linguagem dos marginais, o seu passado recente.
E,
já que mencionamos o jargão, vamos também observar a técnica da sua
argumentação. No “desenrola”, a bandidagem pega o que lhe está sendo imputado,
vira do avesso junta “cacos”, como no teatro, e usa como base da sua própria
defesa. Vamos aqui resgatar, por exemplo, a entrevista dada ao jornal O Globo,
publicada na sexta-feira (08/11). Há pérolas desse método em cada frase em que
tenta escapar, ou imputar a outros o que lhe cabe.
“A
minha preocupação é com quem vai me julgar. Tem de aplicar a lei. Eu não estava
no Brasil no dia 8 de janeiro, Eu estava fora. Se eu estivesse no Brasil, acho
que estaria complicada a situação, né?”. Aqui o cinismo transborda, porque ele
usa o próprio plano, para contra-argumentar. Notoriamente, sua viagem teve
exatamente essa intenção, como todos sabemos, a de servir de álibi.
Na
mesma resposta, Bolsonaro traz o Capitólio, onde aponta: “No Capitólio morreu
gente. Tentaram colocar a culpa no Trump” – para deixar claro que lá foi mais
grave ainda e Trump ficou impune. Também transparecer uma proximidade que
talvez não tenha, mas faz efeito, por aqui.
Mas
é nesta outra resposta, um tanto longa, mas vale a pena ler de novo, é que ele
se entrega. O que descreve é o seu malogrado plano golpista. Límpido como água
da bica, porém ele o descreve para argumentar que não deu certo. Quem lê o seu
“passo a passo”, saberá os caminhos percorridos por ele e sua turma, rumo ao 8
de janeiro:
“Não
estou assumindo que discuti ou não – a minuta do golpe. Estou
questionando. Quem autoriza o decreto de estado de sítio é o Congresso. Eu
falava para os ministros que estavam ao meu lado: ‘Vão buscar os remédios
dentro da Constituição. Entendo que a Constituição é o remédio para os
conflitos institucionais. Agora, falar que eu estava preparando um golpe, pô,
pelo amor de Deus. Você não vai (dar um golpe) depois que o TSE anunciou o
resultado. Ninguém vai contigo. Quando o chefe do Executivo não é reeleito, 80%
dos seus ministros desaparecem. Somente 10% ficam em cima do muro. Não tem como
fazer mais nada. Se convidar para um churrasco, de 23 ministros vão aparecer
três, pô. Como vou dar um golpe num clima desses?”
Está
aqui, descrito pelo próprio, o plano e o real motivo pelo qual o golpe não se
viabilizou. Bolsonaro ficou com a minuta embaixo do braço. Sua ignorância vai a
ponto de ele ter pensado que um decreto de estado de sítio poderia ser um ato
autocrático. Ao saber que havia “rito”, e os militares por não querer
aporrinhação no pós-golpe não iriam com ele, viu que o buraco era mais embaixo.
E tão fundo que deu margem ao comandante tentar posar de herói e ministro da
Defesa se aproveitar do fiasco para defender tese, com veemência, em favor do
Comando que quase embarcou. Sobrou chance de um “desenrola” para todo mundo.
Até para a mídia, que agora restaura a foto do inelegível, a bordo de uma
eleição do outro lado do Atlântico.
É
esperar para ver se, ou quando, o PGR enfim resolver agir, a cobertura vai ser
pró ou contra. Vai ter cobertura de Bolsonaro sendo preso? Vai ter Bolsonaro
preso? Vou pedir ao Papai Noel...
Fonte:
Jornal GGN/A Terra é Redonda/Brasil 247
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