Alerta das
florestas: vegetação pode estar perdendo capacidade de absorver carbono
Florestas
e outros biomas terrestres não conseguiram absorver gás carbônico em ritmo
suficiente para fazer frente às emissões de combustíveis fósseis em 2023,
levando a uma taxa de crescimento de CO2 na atmosfera 86% maior do que no ano
anterior, segundo estudo europeu publicado na revista National Science Review,
em outubro.
Os
pesquisadores concluíram que a alta foi provocada por um enfraquecimento na
capacidade dos ecossistemas de absorver o gás do efeito estufa. Isso ocorreu em
um ano que foi extremamente quente, com secas intensas na floresta amazônica e
enormes incêndios florestais no Canadá.
O
estudo acendeu um alerta logo antes da 29ª Conferência da ONU sobre Mudanças
Climáticas (COP29), que começou na segunda-feira, 11 de novembro, em Baku,
capital do Azerbaijão. Dos 143 países com metas de redução de emissões, que
serão novamente discutidas a partir da COP, pelo menos 118 deles dependem de
suas florestas para atingir os objetivos e evitar que a Terra aqueça mais de
1,5 ºC na comparação com a temperatura média do período pré-industrial.
Por
décadas a fio, as florestas, a vegetação e o solo dos biomas vêm ajudando a
humanidade nessa tarefa, absorvendo grande parte – cerca de 30% – das emissões
de gás carbônico provocadas pela queima de combustíveis fósseis. Isso acontece
naturalmente por meio da fotossíntese – processo de “alimentação” das plantas,
por meio do qual elas absorvem o CO2 na atmosfera para produzir a matéria-prima
necessária para seu crescimento.
O
estudo europeu e outras pesquisas, no entanto, apontam que essa absorção pode
estar enfraquecendo, pelo menos em algumas partes do mundo.
<><>
Por que isso importa?
• As florestas
absorvem grande parte do gás carbônico que está na atmosfera. O gás contribui
para o efeito estufa, aumentando a temperatura global.
• Se as
florestas absorverem menos carbono, será preciso mais ações para impedir o
aumento da temperatura, que torna eventos extremos cada vez mais comuns.
Ainda
há muitas dúvidas na comunidade científica sobre o tamanho desse
enfraquecimento, suas causas, se ele varia ao longo do tempo e se seria
reversível. Mas as evidências preliminares, caso confirmadas, preocupam.
“Se
as florestas e os oceanos deixarem de remover o gás carbônico como vinham
removendo há décadas, nossas metas teriam que ser muito mais ambiciosas,
teríamos que dar uma superacelerada no corte de emissões – e estamos muito
longe disso”, diz o meteorologista Carlos Nobre, um dos maiores especialistas
brasileiros em mudanças climáticas.
No
ano passado, as emissões cresceram 1,3%. Segundo o relatório mais recente da
ONU sobre o tema, se todas as metas dos países fossem realmente cumpridas,
ainda estaríamos caminhando para um aquecimento de 2,6 ºC até o fim do século
na comparação com a era pré-industrial.
Se
2023 já tinha sido o ano mais quente registrado na história, este ano promete
ser ainda pior. Segundo levantamento do observatório Copernicus, da União
Europeia, 2024 deve se tornar o primeiro ano a registrar um aumento da
temperatura média global acima de 1,5 ºC.
Nesse
cenário – e enquanto falhamos miseravelmente em cortar as emissões – estamos
todos contando com a absorção realizada pelas florestas.
• Amazônia
pode estar se tornando fonte de carbono
Para
Philippe Ciais, um dos autores do estudo publicado em outubro e diretor do
Laboratório para Ciências Climáticas e Ambientais, instituto de pesquisa
francês, a grande pergunta é como essa capacidade de absorção varia no tempo e
se ela continuará retirando da atmosfera a mesma quantidade de gás carbônico
das emissões humanas como fez no passado.
Em
artigo publicado em agosto, outro grupo de pesquisadores europeus indicou uma
perda de força de 25% na absorção de florestas e vegetação da Europa entre 2000
e 2010.
“Essa
redução parece ser impulsionada por uma combinação de fatores: aumento na
intensidade do manejo florestal (extração controlada de madeira e outros
produtos florestais) e uma elevação na frequência e gravidade de distúrbios
naturais”, explicou Ronny Lauerwald, da universidade francesa Paris-Saclay e um
dos autores do estudo, em entrevista à Pública.
“No
entanto, quantificar com precisão a contribuição de cada um desses fatores para
a capacidade decrescente de absorção de CO₂ das florestas europeias continua
sendo um desafio significativo”, disse ele.
No
Brasil, alguns levantamentos científicos também apontam para um enfraquecimento
da floresta amazônica. Pior ainda: algumas partes da floresta, principalmente
as mais afetadas por queimadas e desmatamento, já estariam se tornando fonte de
carbono, como mostram os trabalhos conduzidos pela cientista Luciana Gatti,
coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe).
“As
estimativas do balanço de carbono da Amazônia na última década indicam que a
Amazônia como um todo é agora uma fonte de carbono (ou seja, perde carbono para
a atmosfera) na ordem de 1,1 Gt CO2 por ano”, diz um artigo recente assinado
por Gatti e outros pesquisadores.
“A
Amazônia vem atuando historicamente como sumidouro [absorvendo carbono], porém
isso vem perdendo força, uma redução de 30% desde os anos 1990”, diz o ecólogo
David Lapola, pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas
Aplicadas à Agricultura da Unicamp e coordenador do AmazonFACE, um experimento
de campo inédito que quer, justamente, entender até onde vai a absorção de CO2
pela floresta.
Por
meio de grandes torres equipadas com sensores em uma área de floresta madura, o
experimento vai expor a vegetação a uma concentração maior de CO2 do que a
atual para entender o que pode acontecer com a floresta no futuro. Em tese,
quanto mais CO2, mais eficiente é a fotossíntese.
“Mas
as observações estão mostrando que esse efeito tem seus limites”, diz Lapola. O
pesquisador explica que as principais hipóteses para essa limitação são duas: a
primeira seria a da falta de nutrientes no solo, que impede a absorção efetiva
do carbono pela planta. Na Amazônia, o principal problema pode ser a ausência
de fósforo.
A
segunda hipótese é a mudança climática, com o aumento dos extremos (mais dias
de temperaturas muito altas, secas intensas seguidas por chuvas também
extremas), que estaria afetando a capacidade da floresta de funcionar como
funcionou por milhares de anos.
“Quando
falamos da Amazônia como sumidouro [que absorve CO2], estamos falando o quanto
a floresta vai nos ajudar a conter a mudança do clima. Mas tem o outro lado
dessa moeda, que é a floresta em si estar vulnerável à mudança climática”,
afirma Lapola.
O
pesquisador Marcos Costa, professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e
um dos autores do último grande relatório do Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas (IPCC), que reúne as evidências científicas de ponta sobre
o clima, afirma que é preciso olhar para o balanço global para avaliar o
tamanho do problema.
“Aparentemente,
os enfraquecimentos dos sumidouros de carbono [biomas que atuam absorvendo o
gás] são locais, ainda não vemos uma tendência global.”
“Na
Amazônia está enfraquecendo? Muito provavelmente está, temos os artigos
indicando até a mudança de sinal, de sumidouro para fonte, o que é muito
preocupante. Mas globalmente o que importa é que, se perdeu a capacidade aqui,
outras florestas ainda estão compensando”, explica Costa.
• Faltou
combinar com a floresta: modelos desatualizados e metas irreais
Em
nível local, o enfraquecimento dos sumidouros importa para os países em seus
esforços de conter emissões. O caso da Finlândia é ilustrativo.
O
país nórdico se comprometeu a se tornar carbono neutro até 2035 – cortando
emissões e compensando as restantes com a capacidade de absorção de sua vasta
cobertura florestal. Faltou, porém, combinar com a floresta. Entre 2009 e 2022,
a absorção por floresta, vegetação e solo diminuiu 90%, segundo um levantamento
do jornal britânico The Guardian. Assim, apesar de o país ter cortado 43% das
emissões em todos os setores, o balanço líquido está aproximadamente no mesmo
nível da década de 1990.
Um
alívio para os países que usam as remoções florestais para calcular suas metas
de cortes de emissões é que ainda falta consenso científico sobre o tamanho das
limitações na capacidade comprovada das florestas de absorver CO2.
Pelas
diretrizes atuais, nas quais os países se baseiam para reportar suas emissões,
florestas em pé absorvem carbono. O Brasil, por exemplo, contabiliza as
remoções feitas pela vegetação de áreas protegidas, como unidades de
conservação e terras indígenas.
Marcos
Costa, da UFV, aponta que faltam recursos para melhorar os modelos de
vegetação, sobre os quais ainda há “grandes incertezas”. Por anos ele trabalhou
nesses cálculos, mas diz que, na última década, os investimentos caíram muito,
estagnando o desenvolvimento.
E
há ainda um passo anterior, diz Costa: para alimentar os modelos, seria
necessário produzir muito mais dados com experimentos de campo sobre a
capacidade de absorção das florestas e suas limitações – como o AmazonFACE, que
deve começar a operar no ano que vem.
“Os
modelos precisam considerar melhor o fogo, a degradação florestal e a
mortalidade causada pelas secas, que estão no geral ausentes das equações”, diz
Ciais, do Laboratório para Ciências Climáticas e Ambientais. Para ele, essas
ausências tornam essas projeções “muito otimistas” em relação aos sumidouros
terrestres.
Enquanto
isso, diferentes países, como o Brasil, continuam contando com a capacidade de
suas florestas de absorver carbono para limitar o aquecimento global.
“A
pergunta prática mais urgente é se medidas eficazes podem ser implementadas
para evitar a degradação adicional dos sumidouros de carbono”, afirma o
pesquisador Lauerwald. “Abordar essa questão pode fornecer orientações críticas
para a política climática.”
No
caso brasileiro, garantir que a Amazônia continue absorvendo carbono passa,
obrigatoriamente, por conter o desmatamento e a degradação da floresta. A boa
notícia é que pelo menos a primeira parte dessa tarefa vem sendo cumprida.
Segundo os dados oficiais do Inpe, a taxa de desmatamento na Amazônia Legal
caiu 30,6% entre agosto de 2023 e julho de 2024, atingindo a menor área desde
2015. Trata-se da terceira queda consecutiva, um ganho indispensável para a
manutenção da floresta.
Fonte:
Por Isabel Seta, da Agencia Pública
Nenhum comentário:
Postar um comentário