As bets, a
política monetária e o desespero das famílias
Desde
que o Banco Central divulgou que brasileiros gastaram entre R$ 18 e 21 bilhões
por mês em apostas com jogos de ambiente virtual nos meses de janeiro a agosto
deste ano, o tema ganhou as manchetes de grandes jornais e tomou conta da
agenda de autoridades. Só em agosto, 3 bilhões de apostas vieram de
beneficiários do Bolsa-Família.
A
ministra da Saúde Nísia Trindade afirmou que o país vive uma pandemia, pois o
vício do jogo gera dependência e deveria ser tratado com o mesmo rigor com que
se encarou o tabagismo. No entanto, ao contrário desse importante alerta, esse
vício tem sido instigado por intensa propaganda, inclusive com a participação
de famosas celebridades de distintas áreas, e facilitado pela disponibilidade
para apostar anonimamente, via celular, na palma da mão, 24 horas por dia. Já
considerada uma ameaça social sob vários aspectos, as bets alcançam também
jovens estudantes que estão sendo vítimas do vício instalado no país, como
noticiado , o que é gravíssimo.
Além
disso, há que ser considerado o fato de que o nível salarial do povo brasileiro
é muito baixo; muitas pessoas não conseguem se sustentar e acabam sendo levadas
a tentar um ganho fácil com apostas que, na maioria das vezes, apenas servem
para consumir parte de sua renda, que já é insuficiente para suprir
necessidades básicas, aumentando ainda mais o drama familiar.
O
governo tem acionado vários ministérios e anunciou que estaria estudando
diversas medidas para tentar impor limites a essas apostas virtuais, modalidade
criada pela Lei 13.756/2018 e regulamentada por meio da Lei 14.790/2023.
As
empresas que operam esse tipo de apostas – conhecidas como “bets”, palavra do
idioma inglês para “apostas” – teriam que preencher uma série de requisitos
previstos em lei, no entanto, a imensa maioria opera de forma irregular. De um
universo anunciado de mais de 3 mil operadoras de bets no Brasil, apenas cerca
de 200 empresas, ou seja, menos de 7% do total, estariam devidamente
registradas no Ministério da Fazenda.
Parlamentares
já reconheceram que erraram na regulamentação. Na época, a justificativa era
arrecadatória, embora a taxação estabelecida seja pífia. De acordo com a Lei
14.790/2023, “Do produto da arrecadação após a dedução das importâncias de que
tratam os incisos III [prêmios pagos a apostadores] e V [imposto de renda sobre
prêmios pagos a apostadores] do caput deste artigo, 88% (oitenta e oito por
cento) serão destinados à cobertura de despesas de custeio e manutenção do
agente operador da loteria de apostas de quota fixa e demais jogos de apostas,
excetuadas as modalidades lotéricas previstas nesta Lei, e 12% (doze por cento)
terão as seguintes destinações: (…) áreas sociais como educação, segurança
pública, esporte, seguridade social”.
Ou
seja, de tudo que as operadoras de bets arrecadam de apostadores, deduzem os
valores dos prêmios pagos e o imposto de renda incidente sobre esses prêmios, e
ficam com 88% da sobra. Apenas 12% dessa sobra são destinados a investimentos
sociais. Assim, a arrecadação com essas apostas não é tão significativa assim,
se comparada ao dano que têm provocado às pessoas, famílias e à economia.
Estudo
da Confederação Nacional do Comércio (CNC) fez várias comparações que
relacionaram a queda no consumo das famílias com o aumento no volume das
apostas virtuais e comprovou que essas apostas têm provocado prejuízo
bilionário ao comércio. O estudo evidencia que as pessoas estão deixando de
adquirir bens de consumo e deixando de pagar suas dívidas para gastar com
apostas.
Esse
prejuízo ao comércio, comprovado pela CNC, afeta as contas públicas, tendo em
vista que os tributos incidentes sobre o consumo também deixam de ser
arrecadados. Prejudica também as famílias, tendo em vista que se o setor vende
menos, empregará menos.
Por
sua vez, o Banco Central (BC) tem monitorado os dados que relacionam o aumento
da inadimplência com o crescimento acelerado do volume de apostas. Tem também
monitorado os impactos inflacionários das apostas virtuais. O mais grave é que
o BC tem usado esses componentes da inadimplência e da inflação para justificar
insanas elevações de juros e, dessa forma, afeta de forma negativa todo o
conjunto da economia.
Antes
da divulgação dos exagerados volumes de apostas pelo BC, o governo justificava
a regulamentação dessas bets dizendo que poderia arrecadar R$ 12 bilhões
anuais. Porém, além de não computar os graves danos e prejuízos que essas
apostas têm provocado, essa possível arrecadação de R$ 12 bilhões equivale a
apenas 2 dias e algumas horas de pagamento de juros e amortizações da dívida
pública federal, que tem sido um ralo constante de recursos públicos,
direcionados principalmente para grandes bancos e corporações que usufruem dos
mecanismos financeiros desse Sistema da Dívida, a exemplo da Bolsa-Banqueiro.
Os
sucessivos governantes e parlamentares se negam a cumprir a Constituição e
auditá-la, o que possibilitaria reduzir as desigualdades sociais e reforçar a
função social do Estado, ao contrário do que fazem as apostas virtuais, que têm
levado a uma degradação ainda mais profunda do tecido social no Brasil.
Em
resumo, o exagerado volume de apostas tem significado um drama para famílias
que lidam com o vício; tem provocado impacto negativo ao comércio, e, ao
influenciar no patamar dos juros, prejudica toda a economia do país.
O
sociólogo e professor da USP, Prof. José Pastore, afirma que a dependência a
jogos já está consagrada na literatura psicológica, tal como a dependência a
entorpecentes e drogas. Por isso, ele questiona: “As apostas devem ser
regulamentadas (para arrecadar algum tributo) ou proibidas?”
Diante
dos danos que vão do desespero familiar à política monetária do país, passando
por graves desajustes que assumem distintos aspectos, as apostas virtuais
deveriam ser urgentemente proibidas.
• 'Cometemos o
erro de colocar cassinos dentro das casas das pessoas', diz presidente da CPI
das Bets
Comissão
parlamentar de inquérito (CPI) teve a primeira reunião na terça-feira (12) no
Congresso Nacional. Ao abrir os trabalhos, o presidente da comissão, o senador
Dr. Hiran (PP-RR), informou que mais de 100 requerimentos já foram apresentados
pelos parlamentares.
Considerado
o maior mercado mundial de apostas esportivas e casas de jogos on-line no
mundo, conforme a H2 Gambling Capital, o Brasil retomou nos últimos meses
discussões sobre a necessidade de limites à atuação das empresas do setor, que
só tiveram regulamentação iniciada pelo governo em outubro. Diante disso, o
Congresso iniciou uma CPI para investigar a atuação das bets no país.
Na
abertura dos trabalhos, Dr. Hiran ressaltou a dificuldade em identificar a
origem e o destino dos recursos usados nas apostas e lembrou que os jogos de
azar são proibidos no país, salvo os casos definidos na legislação. "Não
aprovamos cassinos físicos, que são mais rastreáveis, e cometemos o erro de
colocar cassinos dentro das casas das pessoas", criticou à Agência Brasil.
Para
o senador, o país vive uma "epidemia de ludopatia", que são as
doenças relacionadas aos jogos de apostas. "Precisamos mitigar o
sofrimento dessas pessoas", acrescentou, ao lembrar que sequer o Banco
Central consegue controlar as transações envolvidas nas bets.
A
relatoria da CPI é da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), que lembrou do
apoio do governo federal aos trabalhos na Casa. "O que é algo raro de se
ver é o Poder Executivo concordando com uma CPI. E o Poder Executivo concorda
com esta CPI, tamanha importância dela e tamanha sua necessidade",
pontuou.
Já
o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, garantiu a
disponibilidade de equipes da corporação para combater crimes como lavagem de
dinheiro e associação da jogatina com organizações criminosas.
A
Procuradoria-Geral da República (PGR) chegou a acionar o Supremo Tribunal
Federal (STF) por conta da "exploração e divulgação indiscriminada"
das casas de jogos e apostas esportivas no país, principalmente relacionadas ao
futebol.
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O que são essas bets?
Palavra
do inglês que significa "aposta" e se popularizou no país para
definir os cassinos on-line, as bets registraram um crescimento de 89% no país
entre 2020 e 2024, conforme pesquisa da PwC Brasil. A legalização de apostas
esportivas em cotas fixas foi feita pelo Congresso em 2018 e, desde então, fez
do Brasil o maior mercado consumidor do mundo.
Dados
divulgados pelo Banco Central recentemente escancararam o problema social
gerado pela livre atuação das empresas no Brasil, que só agora começam a ganhar
uma regulamentação: cerca de 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família já
desembolsaram em pagamentos via Pix até agosto R$ 10,5 bilhões do benefício
para apostar.
Enquanto
isso, as bets também têm se apropriado cada vez mais de uma paixão nacional
para lucrar: o futebol.
Diversos
times contam com patrocínio master de casas de apostas, e outros chegaram a
lançar as próprias plataformas em parceria com as empresas.
Fonte:
Por Maria Lucia Fattorelli, no Correio da Cidadania/Sputnik Brasil
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