sexta-feira, 22 de novembro de 2024

As bets, a política monetária e o desespero das famílias

Desde que o Banco Central divulgou que brasileiros gastaram entre R$ 18 e 21 bilhões por mês em apostas com jogos de ambiente virtual nos meses de janeiro a agosto deste ano, o tema ganhou as manchetes de grandes jornais e tomou conta da agenda de autoridades. Só em agosto, 3 bilhões de apostas vieram de beneficiários do Bolsa-Família.

A ministra da Saúde Nísia Trindade afirmou que o país vive uma pandemia, pois o vício do jogo gera dependência e deveria ser tratado com o mesmo rigor com que se encarou o tabagismo. No entanto, ao contrário desse importante alerta, esse vício tem sido instigado por intensa propaganda, inclusive com a participação de famosas celebridades de distintas áreas, e facilitado pela disponibilidade para apostar anonimamente, via celular, na palma da mão, 24 horas por dia. Já considerada uma ameaça social sob vários aspectos, as bets alcançam também jovens estudantes que estão sendo vítimas do vício instalado no país, como noticiado , o que é gravíssimo.

Além disso, há que ser considerado o fato de que o nível salarial do povo brasileiro é muito baixo; muitas pessoas não conseguem se sustentar e acabam sendo levadas a tentar um ganho fácil com apostas que, na maioria das vezes, apenas servem para consumir parte de sua renda, que já é insuficiente para suprir necessidades básicas, aumentando ainda mais o drama familiar.

O governo tem acionado vários ministérios e anunciou que estaria estudando diversas medidas para tentar impor limites a essas apostas virtuais, modalidade criada pela Lei 13.756/2018 e regulamentada por meio da Lei 14.790/2023.

As empresas que operam esse tipo de apostas – conhecidas como “bets”, palavra do idioma inglês para “apostas” – teriam que preencher uma série de requisitos previstos em lei, no entanto, a imensa maioria opera de forma irregular. De um universo anunciado de mais de 3 mil operadoras de bets no Brasil, apenas cerca de 200 empresas, ou seja, menos de 7% do total, estariam devidamente registradas no Ministério da Fazenda.

Parlamentares já reconheceram que erraram na regulamentação. Na época, a justificativa era arrecadatória, embora a taxação estabelecida seja pífia. De acordo com a Lei 14.790/2023, “Do produto da arrecadação após a dedução das importâncias de que tratam os incisos III [prêmios pagos a apostadores] e V [imposto de renda sobre prêmios pagos a apostadores] do caput deste artigo, 88% (oitenta e oito por cento) serão destinados à cobertura de despesas de custeio e manutenção do agente operador da loteria de apostas de quota fixa e demais jogos de apostas, excetuadas as modalidades lotéricas previstas nesta Lei, e 12% (doze por cento) terão as seguintes destinações: (…) áreas sociais como educação, segurança pública, esporte, seguridade social”.

Ou seja, de tudo que as operadoras de bets arrecadam de apostadores, deduzem os valores dos prêmios pagos e o imposto de renda incidente sobre esses prêmios, e ficam com 88% da sobra. Apenas 12% dessa sobra são destinados a investimentos sociais. Assim, a arrecadação com essas apostas não é tão significativa assim, se comparada ao dano que têm provocado às pessoas, famílias e à economia.

Estudo da Confederação Nacional do Comércio (CNC) fez várias comparações que relacionaram a queda no consumo das famílias com o aumento no volume das apostas virtuais e comprovou que essas apostas têm provocado prejuízo bilionário ao comércio. O estudo evidencia que as pessoas estão deixando de adquirir bens de consumo e deixando de pagar suas dívidas para gastar com apostas.

Esse prejuízo ao comércio, comprovado pela CNC, afeta as contas públicas, tendo em vista que os tributos incidentes sobre o consumo também deixam de ser arrecadados. Prejudica também as famílias, tendo em vista que se o setor vende menos, empregará menos.

Por sua vez, o Banco Central (BC) tem monitorado os dados que relacionam o aumento da inadimplência com o crescimento acelerado do volume de apostas. Tem também monitorado os impactos inflacionários das apostas virtuais. O mais grave é que o BC tem usado esses componentes da inadimplência e da inflação para justificar insanas elevações de juros e, dessa forma, afeta de forma negativa todo o conjunto da economia.

Antes da divulgação dos exagerados volumes de apostas pelo BC, o governo justificava a regulamentação dessas bets dizendo que poderia arrecadar R$ 12 bilhões anuais. Porém, além de não computar os graves danos e prejuízos que essas apostas têm provocado, essa possível arrecadação de R$ 12 bilhões equivale a apenas 2 dias e algumas horas de pagamento de juros e amortizações da dívida pública federal, que tem sido um ralo constante de recursos públicos, direcionados principalmente para grandes bancos e corporações que usufruem dos mecanismos financeiros desse Sistema da Dívida, a exemplo da Bolsa-Banqueiro.

Os sucessivos governantes e parlamentares se negam a cumprir a Constituição e auditá-la, o que possibilitaria reduzir as desigualdades sociais e reforçar a função social do Estado, ao contrário do que fazem as apostas virtuais, que têm levado a uma degradação ainda mais profunda do tecido social no Brasil.

Em resumo, o exagerado volume de apostas tem significado um drama para famílias que lidam com o vício; tem provocado impacto negativo ao comércio, e, ao influenciar no patamar dos juros, prejudica toda a economia do país.

O sociólogo e professor da USP, Prof. José Pastore, afirma que a dependência a jogos já está consagrada na literatura psicológica, tal como a dependência a entorpecentes e drogas. Por isso, ele questiona: “As apostas devem ser regulamentadas (para arrecadar algum tributo) ou proibidas?”

Diante dos danos que vão do desespero familiar à política monetária do país, passando por graves desajustes que assumem distintos aspectos, as apostas virtuais deveriam ser urgentemente proibidas.

 

•                                    'Cometemos o erro de colocar cassinos dentro das casas das pessoas', diz presidente da CPI das Bets

Comissão parlamentar de inquérito (CPI) teve a primeira reunião na terça-feira (12) no Congresso Nacional. Ao abrir os trabalhos, o presidente da comissão, o senador Dr. Hiran (PP-RR), informou que mais de 100 requerimentos já foram apresentados pelos parlamentares.

Considerado o maior mercado mundial de apostas esportivas e casas de jogos on-line no mundo, conforme a H2 Gambling Capital, o Brasil retomou nos últimos meses discussões sobre a necessidade de limites à atuação das empresas do setor, que só tiveram regulamentação iniciada pelo governo em outubro. Diante disso, o Congresso iniciou uma CPI para investigar a atuação das bets no país.

Na abertura dos trabalhos, Dr. Hiran ressaltou a dificuldade em identificar a origem e o destino dos recursos usados nas apostas e lembrou que os jogos de azar são proibidos no país, salvo os casos definidos na legislação. "Não aprovamos cassinos físicos, que são mais rastreáveis, e cometemos o erro de colocar cassinos dentro das casas das pessoas", criticou à Agência Brasil.

Para o senador, o país vive uma "epidemia de ludopatia", que são as doenças relacionadas aos jogos de apostas. "Precisamos mitigar o sofrimento dessas pessoas", acrescentou, ao lembrar que sequer o Banco Central consegue controlar as transações envolvidas nas bets.

A relatoria da CPI é da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), que lembrou do apoio do governo federal aos trabalhos na Casa. "O que é algo raro de se ver é o Poder Executivo concordando com uma CPI. E o Poder Executivo concorda com esta CPI, tamanha importância dela e tamanha sua necessidade", pontuou.

Já o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, garantiu a disponibilidade de equipes da corporação para combater crimes como lavagem de dinheiro e associação da jogatina com organizações criminosas.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) chegou a acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) por conta da "exploração e divulgação indiscriminada" das casas de jogos e apostas esportivas no país, principalmente relacionadas ao futebol.

<><> O que são essas bets?

Palavra do inglês que significa "aposta" e se popularizou no país para definir os cassinos on-line, as bets registraram um crescimento de 89% no país entre 2020 e 2024, conforme pesquisa da PwC Brasil. A legalização de apostas esportivas em cotas fixas foi feita pelo Congresso em 2018 e, desde então, fez do Brasil o maior mercado consumidor do mundo.

Dados divulgados pelo Banco Central recentemente escancararam o problema social gerado pela livre atuação das empresas no Brasil, que só agora começam a ganhar uma regulamentação: cerca de 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família já desembolsaram em pagamentos via Pix até agosto R$ 10,5 bilhões do benefício para apostar.

Enquanto isso, as bets também têm se apropriado cada vez mais de uma paixão nacional para lucrar: o futebol.

Diversos times contam com patrocínio master de casas de apostas, e outros chegaram a lançar as próprias plataformas em parceria com as empresas.

 

Fonte: Por Maria Lucia Fattorelli, no Correio da Cidadania/Sputnik Brasil

 

Nenhum comentário: