sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Agrotóxicos: agricultoras do Paraná têm risco 60% maior de desenvolver câncer de mama

Mulheres do campo que vivem no sudoeste do Paraná têm cerca de 60% de chances de desenvolverem câncer de mama e risco de metástase aumentado em 220%. A região, caracterizada pela agricultura familiar e o uso intensivo de agrotóxicos, possui uma incidência de diagnósticos da doença 41% superior à taxa média do Brasil; o índice de mortalidade é 14% maior.

Os resultados da pesquisa “Exposure to Pesticides and Breast Cancer in an Agricultural Region in Brazil” foram publicados na Environmental Science & Technology, uma das três revistas mais importantes do mundo na área de Ciências Ambientais. O estudo, o primeiro realizado com perfil feminino no país, foi feito com 758 mulheres, divididas entre expostas e não expostas a pesticidas.

“A pesquisa evidencia a ligação direta entre a exposição a agrotóxicos e a alta incidência de câncer de mama nessas mulheres agricultoras. Embora essa mulher não pulverize o agrotóxico, ela fica responsável pela descontaminação dos equipamentos de proteção e lavagem das roupas utilizadas. Este contato sem uso de luva é suficiente para a contaminação”, diz Carolina Panis, coordenadora do estudo realizado pelo Laboratório de Biologia de Tumores da Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná) e pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

O Brasil é considerado um país onde o mercado de agrotóxicos é menos restritivo. Atualmente, há 42 ingredientes ativos de agrotóxicos autorizados para comercialização no país que são considerados provavelmente cancerígenos, e outros 27 classificados como possivelmente cancerígenos pela Environmental Protection Agency e pela IARC (Agência Internacional de Pesquisa em Câncer).

No Paraná, entre os dez pesticidas mais utilizados entre 2013 e 2020, destaca-se o glifosato, correspondendo a quase 50% de todo o comércio de agrotóxicos, segundo informações da Adapar (Agência de Defesa Agropecuária do Paraná). Na metodologia do estudo, a pesquisadora Panis observou amostras de urina das mulheres agricultoras positivas para glifosato, atrazina e 2,4-D.

A IARC categoriza o glifosato  como provavelmente cancerígeno para humanos, além de desregulador endócrino. O 2,4-D é classificado como possivelmente cancerígeno e há indícios de que eleva a incidência de sarcoma de células reticulares de camundongos fêmeas. Já a atrazina, quinto princípio ativo mais utilizado no Paraná em 2020, também pode induzir a desregulação endócrina.

No Brasil, a atrazina possui um limite máximo de resíduo cinco vezes maior do que o liberado na União Europeia. Esta comparação é ainda mais permissiva para o glifosato: no cultivo da soja brasileira, são liberados resíduos 200 vezes maiores que na União Europeia — 10 mg/kg e 0,05 mg/kg, respectivamente.

“As análises de urina dessas mulheres revelaram contaminação por glifosato, atrazina e/ou 2,4-D, resultado da exposição desprotegida durante a lavagem e descontaminação de itens utilizados na aplicação dos agrotóxicos na lavoura. Além disso, foi identificado um risco  quase 60%maior de desenvolvimento de câncer de mama entre as mulheres do campo (expostas) em comparação com as da cidade (não-expostas)”, explica Panis.

•                                    Impactos invisíveis e silenciosos

Maria Elizete Chaud, 51, mora com o marido em uma propriedade rural a 6 km da cidade de Planalto (PR), na região sudoeste do estado. Ela cresceu na roça, rodeada pela lavoura de fumo. As plantações de tabaco são conhecidas pela alta concentração de agrotóxicos. “Me criei na roça desde criança, sempre plantamos fumo e usamos muito veneno. Eu nunca apliquei, mas sempre estava no meio. Acho que a gente acaba se acostumando”, diz ela.

Um estudo publicado em 2017 revelou que o cultivo do fumo utiliza, em média, 60 litros de agrotóxicos por hectare, sendo o maior consumo entre os 21 cultivos avaliados na pesquisa. O levantamento foi conduzido por pesquisadores do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), uma instituição de referência nesse campo.

Em 2016, Maria recebeu o diagnóstico de câncer de mama. Fez quimioterapia, radioterapia e três cirurgias. Atualmente ela está curada, mas permanecerá em acompanhamento até 2026. “Nunca tive problema de saúde antes, foi um choque na hora porque é uma doença complicada. Não sei de onde surgiu isso, não sei se foi o veneno”, diz ela.

Embora a mulher do campo não pulverize o agrotóxico, ela está envolvida em atividades secundárias que a expõem a uma contaminação silenciosa. Muitas vezes é ela quem prepara a calda dos produtos químicos para aplicação, acompanha o marido na pulverização ou, principalmente, realiza a descontaminação dos utensílios que são utilizados na lavoura. O trabalho doméstico também pode levar a uma contaminação tão grande quanto a do homem que pulveriza.

“O nosso estudo revela que ao menos 90% das mulheres responsáveis pela lavagem de roupas utilizadas na pulverização e pela descontaminação de equipamentos de proteção individual (EPIs) não utilizam luvas de proteção, o que se torna a principal via de entrada dos agrotóxicos no corpo dessas pessoas”, explica a pesquisadora.

A agricultora Maria Chaud lembra que teve contato com a roupa contaminada muitas vezes. “Nunca me passou pela cabeça usar a luva. Tudo que vai plantar e colher usa veneno. A necessidade do uso das luvas precisa estar onde vendem esses produtos, mas não tem informação”.

Atualmente, o marido de Maria trabalha na lavoura de milho e soja. Ainda aplica agrotóxicos, mas é ele quem se responsabiliza pelo cuidado na descontaminação das roupas e EPIs. Os homens agricultores, assim como as mulheres, também estão rotineiramente expostos a múltiplos agrotóxicos com efeitos cancerígenos, reprodutivos, neurotóxicos, disruptores endócrinos e respiratórios, entre outros.

No Brasil, há vários estudos que apontam os efeitos cancerígenos e reprodutivos na saúde de homens. Um exemplo é o estudo “Exposição a agrotóxicos e distúrbios reprodutivos”, realizado no município de Farroupilha, no Rio Grande do Sul, que observou que a desregulação do sistema endócrino humano, presente em grande parte dos agrotóxicos, também é capaz de causar câncer de testículo e próstata, além de distúrbios reprodutivos, em homens cronicamente expostos aos pesticidas. A pesquisa foi elaborada na Escola de Saúde Pública e Meio Ambiente da Fiocruz, pelo pesquisador Cleber Cremonese.

“Quando passam o veneno aqui na roça eu sinto o cheiro, fecho toda a casa, mas sinto do mesmo jeito. Todos ao redor passam veneno, em dias de muito vento o cheiro vai longe”, diz a agricultora.

“Os resultados da pesquisa indicam que as mulheres expostas de forma contínua aos agrotóxicos apresentam um risco maior de desenvolver câncer de mama em um perfil mais agressivo, isso reforça a urgência de políticas públicas focadas na prevenção e na vigilância dessas populações”, destaca Panis.

Clarice Wals, 47, mora em São Jorge do Oeste (PR), outro município localizado no sudoeste do Paraná, e precisou mudar de profissão após ser diagnosticada com câncer de mama em 2016. “A minha ficha caiu apenas quando eu tomei banho e me olhei no espelho após a cirurgia”, diz.

Clarice também não vê relação direta entre o câncer e a exposição ao agrotóxico, mas lembra que já sentiu muita dor de cabeça devido ao cheiro forte após a aplicação de agrotóxicos na lavoura, que fica cerca de 200 metros na porta da sua casa. “Eles [agricultores] não avisam antes de passar o veneno e na maioria das vezes começam no clarear do dia. Eu preciso fechar a casa correndo ou ir para a cidade”, diz.

Clarice nunca tinha tido conhecimento da relação entre o desenvolvimento de câncer de mama e a exposição aos agrotóxicos. Ela narra que teve contato com essa informação pela primeira vez no dia em que um funcionário do Centro de Oncologia de Cascavel, cidade onde fez o tratamento, a visitou em casa e realizou coletas de água e urina. “Até então ninguém tinha me falado sobre isso. Aqui na comunidade o pessoal está acostumado com o veneno; tem um vizinho que mora no meio das lavouras e fica lá fora sentado ‘comendo aquela poeira’”, relata.

Outro estudo, também coordenado pela pesquisadora Carolina Panis, em parceria com a Unioeste e Universidade de Harvard, identificou níveis elevados de 11 tipos de agrotóxicos na água que abastece 127 cidades produtoras de grãos no estado do Paraná, onde vivem cerca de 5,5 milhões de pessoas. De acordo com a pesquisa, essa contaminação pode estar relacionada a pelo menos 542 casos de câncer diagnosticados entre os moradores da região no período de 2017 a 2019.

“Fiz a quimioterapia por seis meses e logo após fiz a cirurgia. Após 40 dias comecei a radioterapia e ficou tudo bem. Graças a Deus eu não sofri muito nesse período”, conta Clarice. Ainda faltam dois anos para que ela tenha alta no tratamento.

•                                    Relação entre agrotóxico e câncer

O câncer tem diversas causas, mas estudos apontam que a exposição aos agrotóxicos pode ser um fator que contribui para o desenvolvimento de tumores, segundo a pesquisadora Carolina Panis. Ela explica que as reações do organismo humano variam de acordo com fatores como os níveis de exposição, o tempo de contato e a suscetibilidade de cada indivíduo.

“Sabemos que compostos como glifosato, 2,4-D e atrazina têm relação com cânceres como o de mama, ovário e tireoide, devido às desregulações endócrinas que causam. Há comprovação em estudos com animais de que esses agrotóxicos afetam diretamente o DNA, além de alterar a produção de hormônios. O corpo tenta reparar esses danos, mas, em alguns casos, o próprio sistema de reparo é comprometido, impossibilitando a correção do material genético, por exemplo”, explica Panis.

A doutora Monique Celeste Tavares, do A.C.Camargo Cancer Center, acrescenta que a capacidade de agrotóxicos como o glifosato e a atrazina de causar distúrbios hormonais é um dos fatores que explicam a ligação entre esses compostos e o câncer de mama. “Esses agentes podem mimetizar ou induzir o estrógeno, que é um dos principais hormônios relacionados ao desenvolvimento de câncer de mama”, afirma.

O oncologista clínico Fernando Maluf, membro do comitê gestor do Centro de Oncologia do Hospital Albert Einstein, reforça os danos ao material genético que os agrotóxicos podem causar. “Esses carcinógenos afetam diretamente o DNA, interferindo nos mecanismos de proteção do corpo contra o desenvolvimento de câncer”. Esse efeito, somado a alterações no sistema imunológico, pode comprometer a capacidade do corpo de identificar e eliminar células cancerosas.

A doutora Tavares ressalta ainda a importância dos estudos sobre o risco da exposição aos agrotóxicos em populações rurais. “Divulgar essa informação, especialmente em regiões agrícolas, é essencial para que essas mulheres tenham acesso a medidas de prevenção à exposição”, conclui.

•                                    Educação ambiental para prevenir

Um novo projeto vinculado à pesquisa com as agricultoras do sudoeste paranaense está em desenvolvimento. Ele busca a educação de mulheres do campo em situação de risco, com foco em jovens que ainda não foram diagnosticadas com doenças relacionadas à exposição aos agrotóxicos.

Com o objetivo de conscientizar essas mulheres, estão sendo realizadas palestras para disseminar os resultados do estudo e oficinas práticas sobre conscientização e manejo correto dos agrotóxicos, enfatizando a utilização de luvas de proteção na lavagem e descontaminação de roupas e EPIs. O projeto também se preocupa em distribuir os equipamentos de proteção individual, embora enfrente desafios relacionados ao custeio, que, mesmo apesar do baixo custo, pode ser um obstáculo para sua incorporação na rotina das agricultoras.

A pesquisadora Carolina Panis conta que já treinou mais de 5 mil mulheres da região, levando informação sobre a importância do uso de EPIs ao manusear objetos contaminados por agrotóxicos, principalmente durante os afazeres domésticos. “Apenas o uso de uma simples luva de borracha pode diminuir os índices de contaminação, mas a conscientização não é um trabalho simples”, afirma.

Atualmente, o projeto conta com o apoio da Fundação Araucária, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Itaipu Binacional e de parcerias locais como o Rotary Clube e Cresol, além de editais de pesquisa do Governo do Paraná e do Governo Federal, que financia a iniciativa.

“Nesse projeto, nós levamos os resultados do estudo para as mulheres e explicamos sobre o risco ao qual estão expostas. Abrimos espaço para elas se sentirem confortáveis e conversarem”, afirma Carolina. Ela também menciona a importância de oficinas que ensinam a lavagem correta das roupas, evitando contaminações. “Hoje, a grande força do trabalho está neste projeto de educação. Mostramos os dados, criamos um alerta e propomos um treinamento com o uso de EPIs. Nós oferecemos luvas adequadas para a lavagem das roupas, óculos e aventais, todos próprios para manipular agrotóxicos.”

Para quantificar se os ensinamentos estão sendo assimilados, a pesquisadora coletou amostras de urina de um grupo de mulheres que se declararam extremamente expostas, com a intenção de medir os níveis de contaminação após as oficinas e treinamentos. “Quero mostrar para elas que, com apenas um par de luvas, podemos minimizar essa contaminação”, conclui. Esta etapa do estudo está em andamento, e em breve o grupo pretende apresentá-la em um evento que será organizado para toda a comunidade do sudoeste do estado no próximo ano.

 

Fonte: Mongabay

 

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