Bepe
Damasco: Mídia trata com deferência os cúmplices do terror bolsonarista no
Congresso Nacional
Em qualquer
democracia ao redor do mundo a existência e a atuação das oposições são muito
bem-vindas. Como toda unanimidade é burra, como diria o dramaturgo Nelson
Rodrigues, o contraponto, a disputa por projetos diferentes e as críticas de
quem não está no governo são peças importantes do jogo democrático.
Entretanto,
no Brasil, chega a provocar engulhos ver a mídia corporativa naturalizando a
atuação de deputados e senadores que apoiam Bolsonaro, tratando-os como uma
oposição institucional séria e pautada por premissas republicanas, coisas que
decididamente não são.
"Ah,
mas os deputados e senadores da extrema-direita foram eleitos pelo voto
popular", dirão os jornalistas da Globo, Folha, Estadão e Veja.
Claro
que sim. Estão lá pela vontade do povo.
Mas,
é da falta de credenciais que estou falando. Vamos aos fatos:
1)
Nenhum deputado ou senador da extrema-direita subiu à tribuna para criticar as
concentrações golpistas em frente aos quartéis.
2)
Não se tem notícia de discursos ou declarações à imprensa de suas excelências
da extrema-direita condenado os ataques de milícias bolsonaristas à sede da
Polícia Federal, em 12 de dezembro de 2022, dia da diplomação de Lula e
Alckmin.
3)
Tampouco a tentativa de explosão do aeroporto de Brasília, atentado terrorista
que faria um grande número de vítimas e que só não se consumou porque a bomba
falhou, foi objeto de qualquer reação de parlamentares e lideranças
bolsonaristas.
4)
Em vez de condenar a intentona golpista de 8 de janeiro, que provocou a
destruição das sedes dos Poderes da República, deputados e senadores
extremistas de direita se movimentam para garantir anistia, ou seja, a impunidade dos que usaram a violência para
tentar abolir o estado democrático de direito.
5)
Nem mesmo as fartas evidências de que Bolsonaro surrupiou as joias que
pertenciam ao Estado brasileiro foram capazes de incomodar as bancadas que
apoiam Bolsonaro no Congresso Nacional.
6)
A ação do homem bomba, o terrorista bolsonarista que atacou o STF e acabou
morrendo, na semana passada, não mereceu um comentário crítico sequer dos
apoiadores de Bolsonaro no Legislativo.
6)
Nesta terça-feira o país acordou estarrecido ao tomar conhecimento dos planos
de militares graduados de assassinar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin
e o ministro Alexandre de Moraes, dar um golpe de Estado e implantar um
ditadura. Coisa de bandido, de delinquente da pior espécie. No entanto, alguém
ouviu algum parlamentar da extrema-direita lamentar o episódio? Como sempre,
apelaram para a cantilena mentirosa e covarde segundo a qual Bolsonaro, o chefe
da organização criminosa, não sabia de nada. Mais uma afronta à inteligência
alheia.
Moral
da história: os que são tratados pela imprensa, com todas as deferências, como
oposição não passam, em sua grande maioria, de cúmplices do banditismo
bolsonarista.
Isso
quando não têm participação ativa nos ataques à democracia e nas conspirações
criminosas para rasgar a Constituição da República.
• Extrema-direita:
"...está lá o corpo estendido no chão!". Por Francisco Teixeira
Entre
historiadores e cientistas políticos assoma cada vez mais clara a fragilidade
das instituições republicanas no Brasil. As declarações de que as instituições
são fortes e estão em funcionamento – além do “non sense” de que não há
ideologia encobrindo as ameaças armadas contra a República – feitas por
ministros, políticos e analistas não mais enganam ninguém. Em democracias
funcionais não se explodem bombas em tribunais, não se depredam os palácios de
governo ou se trama megaoperações de magnificídios de seus dirigentes.
Enfrentamos,
em verdade, uma forte oposição de tipo fascista – palavra que apenas o
presidente Lula usa para caracterizar o atual terrorismo - contra as bases
constitucionais da Nova República, cuja Constituição, de 1988, é uma colcha de
retalhos – a cada emenda emerge mais uma face de Frankenstein constitucional.
Hoje já são 134 emendas, numa média de 3.7 emendas por ano. Não só o principal
partido no Congresso Nacional – o PL bolsonarista - busca alterar e restringir
as liberdades e direitos estabelecidos pelos constituintes, como por vezes são
os próprios governos da Nova
O
presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal
(STF), ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que o golpismo, o atentado contra
as instituições e contra os agentes públicos que as integram nada têm a ver com
"ideologia ou com opções políticas”. Tais declarações do Ministro Barroso
apenas explicitam a tentativa de apagar o fascismo como uma ameaça real hoje.
República
que buscam, por finalidades fiscalistas, descaracterizar o ímpeto de mudança de
1988. Em verdade, uma República “nova”, social no plano dos direitos e liberal
no plano das liberdades, perdeu largamente apoio na opinião pública. A maioria
esmagadora da população não distingue o Congresso Nacional de uma eventual
melhor ou pior legislatura – como a atual, fisiológica, reacionária e
plutocrata. Condena-se a República pelos males daqueles eleitos em voto direto
popular. Não temos hoje uma maioria eleitoral ou parlamentar que sustente a
construção permanente de uma democracia minimamente representativa e sólida.
Isso não decorre de um pretenso caráter conservador do povo brasileiro – e
Darcy Ribeiro já apontava para isso – mas, da ausência de informações, da má
qualidade da Educação e do socioleto fascista – para além de fake news - que
impregna os meios de comunicação.
Todos
estes males, incluindo a ressurgência da oposição armada de Extrema-Direita,
decorrem da forma com que se moldaram as instituições de transição entre a
ditadura militar, de 1964, e a Nova República. Entre 1979, com o Decreto da
Anistia, até a Promulgação da Constituição, em 1988 – quase dez anos de uma
infinita transição marcada pelo descalabro do Governo do general-ditador João
Figueiredo (1979-1985) – erguemos a conciliação, a impunidade e o “virar a
página” como método, régua e compasso da criação de uma Democracia minimamente
funcional. A transição da ditadura militar para um regime democrático deu-se
sob forma de um amplo acordo, um pacto entre as forças exaustas do arbítrio e
os representantes do movimento popular nas ruas. Tal transição, contudo,
negociou o inegociável: incorporou o monstrengo do chamado “Pacote de Abril”,
imposto por Geisel em 1977; fechou os olhos para a tentativa de Golpe no Golpe
do General Sílvio Frota (com seu fiel escudeiro, o então Capitão Augusto
Heleno), também de 1977, aceitou os termos infamantes da Anistia de 1979 e a
existência de parlamentares biônicos e de um Colégio Eleitoral que consolidava
o poder oligárquico e as clientelas políticas.
Foram
com tais bases que se começou a construir a democracia no Brasil. Nem isso
bastava, contudo. A impunidade estabelecida no Ato da Anistia de 1979 impunha o
“esquecimento” dos atos dos torturadores, daqueles que sequestraram e mataram,
que ocultaram corpos ou os eliminaram em “voos da morte”. Da mesma forma,
estabeleceu-se a intocabilidade de funcionários do Estado que foram
responsáveis por brutal endividamento do país e pela amplíssima corrupção
pública, sangrando obras como Itaipu e a Ponte Rio-Niterói. . O duplo
apagamento – dos crimes contra os Direitos Humanos e crimes contra a Fazenda
Pública – permitiram a emergência de uma “narrativa” fraudada sobre probidade
administrativa da ditadura, a excelência de sua gestão econômica – apagada a
tremenda inflação da Era Figueiredo – e o excelente nível de preços e salários,
sem menção aos 15% da população que integravam os famintos do país. Tudo
envolto em opacidade, que historiadores hoje desmentem, mas que alimentam a
falsa memória de uma utopia regressiva, militarista e autoritária.
Contudo,
o mais tremendo dos erros foi a impunidade por crimes contra a Humanidade. Não
só se buscou apagar o passado como, ainda, os homens acusados de ações
criminosas foram mantidos no serviço do Estado, mesmo promovidos e gozam de
ótimas aposentadorias. O Ato de Anistia de 1979 legitima, para horror jurídico,
não só os atos cometidos até a data da sua publicação, como também anistiou os
atos vindouros contra a democracia e seus defensores. Entre 1980 e 1983 uma
onda de atentados, sequestros e espancamentos – atingindo DCEs, a OAB, a ABI,
igrejas, Câmaras Municipais, bancas de revistas – sacudiram o país. Nenhum de
tais atentados – da chamada “Direita Explosiva” – foi apurado 6 . Seus
perpetradores, embora todos os fios soltos apontassem para os chamados “porões
da ditadura” – os serviços de espionagem e de perseguição política da
cidadania, como Deops/Deops, Batalhão de Forças Especiais (significativamente
institucionalizado em 1983, em plena transição), DOI, Operação Oban, SNI, DSI,
inteligência militar e policial – transitaram incólumes pela transição
democrática. Todos estes organismos tiveram proteção da parte das Forças
Armadas – como os acampamentos ditos “patrióticos”, organizados pelos “Kids
pretos” em 2022 até o fatídico 8 de janeiro de 2023. São os mesmos que
insistiram na tese da “página virada da História”, mesmo que tais páginas ainda
não estivessem escritas. Muitos dos perpetradores, e daqueles que os encobriam,
eram homens treinados em “Operações Especiais” seja no Departamento de Operações
de Inteligência/DOI, seja em “Operações Especiais”, com cursos em Fort Benning,
Estados Unidos, e passagem intensa pela formação de “kids pretos”. Tudo sob uma
cuidada mentalidade de Guerra Fria, com aulas e cursos ministrados por
torturadores, em dependências militares mesmo depois de 1991. Ou seja, a
semente dos golpes falhados de 1954, 1958, 1959, 1961 floresceram em 1964 e não
foram desentranhadas do solo do Brasil, voltando a vicejar em 1981-1983, 1988
e, agora, assombram aqueles que acreditaram no apagamento e no acordo com o
fascismo, literalmente explodindo nos seus portões.
A
presença de políticos, militares e empresários que colaboraram com a ditadura
foi fundamental para caracterizar a transição brasileira como “pactada”.
Tratou-se de um “acórdão”, vigiado de perto pelo surgimento de um bloco
parlamentar que caracterizaria a Nova República ainda mais que a disputa PT
versus PSDB. O chamado “Centrão” foi o responsável, inicialmente, pela
limitação dos avanços da Transição Democrática e, hoje, pela revogação na
Constituição, dos institutos mais avançados impostos aos legisladores por um
movimento social que, então, ocupava as ruas. No entanto, nada foi feito nem
para esclarecer a tortura, sequestros e desaparecimentos entre 1964 e 1985 e
tão pouco pelos atentados terroristas entre 1981 e 1983.
A
semente adormecida esperava um momento oportuno.
A
impunidade tornou-se a marca mais visível da transição democrática. Neste
sentido, a transição já tão acanhada em seus objetivos, e por isso mesmo dita
“pactuada” - como na Espanha, Chile, negando a possibilidade de uma ampla
ventilação dos ditos porões, como aconteceu em Portugal, Grécia e Argentina -
com as forças da Ditadura, tornou- se, em verdade, numa transição “falhada” 7 .
A transição não conseguiu, de um lado, esclarecer, identificar e recuperar
corpos de oponentes da Ditadura e, por outro lado, identificar e exigir, ao
menos, um pedido de desculpas dos perpetradores. Ao contrário,ante a bazófia e
o deboche, aqueles que exigiam o respeito e o arrependimento, como o ministro
da Defesa José Viegas, em 2004, pagaram com a demissão o peso da tutela militar
explícita sobre as instituições 8 . A própria Comissão Nacional da Verdade,
criada pelo Congresso Nacional com inacreditável retardo em face de suas
congêneres mundiais, foi, ao final, acusada de desestabilizar a República e
transformada em argumento chave para a deposição de Dilma Roussef em 2016.
Em
suma, um passado de impunidade e de apagamento constituiu-se nas bases de uma
República que acreditou na negociação e pactuação como meio de garantia de sua
própria existência, negando-se a ampliar suas bases sociais e políticas e expor
ao sol os desmandos da Ditadura. O ocultamento de tais ações terroristas, e de
seus perpetradores, implicou na imunidade entre 1981 e 1985 e num certo recuo
da Extrema-Direita, embora não houvesse um silêncio, posto que o 31 de março de
1964 continuou a ser comemorado no “santo dos santos” de quartéis, em ordens do
dia, em placas de bronze e em cerimônias “cívicas”, incluindo as PMs e até
mesmo corpo de bombeiros.
Ao
contrário, nas escolas e na mídia, a memória de 1964, das vítimas de 1981-1983
– entre os quais os operários Carlos Augusto, Walmir e Williams mortos na
invasão da CSN em 1988 – o ano da nova Constituição – começou a ser apagada. As
Direitas ergueram-se em armas contra o ensino da História, com censura e
imposições de versões de tipo patriótico-militares-religiosas, impuseram,
também, decálogos contra uma inexistente “Ideologia de Gênero”, museus e casas
de memória foram invadidos, surgiu o Projeto “Escola Sem Partido” e, hoje, a
reforma castradora do chamado “Novo Ensino Médio”, uma coleção de platitudes,
de empreendedorismo e de apagamento.
O
corpo de Francisco Wanderley ficou lá, em frente aos portões do STF, o mesmo
STF que em 2010 confirmou a validade do Ato da Anistia da Ditadura. Francisco,
o “Tiü França”, por treze horas exposto ao vento e a chuva que caia sobre
Brasília. Sua exposição é a melhor metáfora da impunidade e da política de
apagamento da História em curso hoje no Brasil.
Fonte:
Brasil 247
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