Brasil
cria legado inédito no G20 com taxação dos super-ricos e combate à fome,
apontam analistas
A Cúpula do G20 no Rio de Janeiro chegou ao fim nesta
terça-feira (19), no Rio de Janeiro, com documento final e iniciativas
brasileiras aprovadas por unanimidade pelas maiores economias mundiais.
As 19 nações, ao lado da União Europeia e da União Africana,
toparam integrar a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, concordaram que é
necessária uma reforma da governança global multilateral, o combate à
emergência climática com desenvolvimento sustentável e até a taxação dos
bilionários.
Apesar do sucesso da cúpula em alcançar consenso, quais os
efeitos práticos para o mundo desses compromissos e princípios acordados?
Afinal, é possível fortalecer o multilateralismo no grupo ou o contexto atual
exige alternativas?
Para debater essas questões e fazer um balanço do encontro, a
Sputnik Brasil ouviu estudiosos a respeito.
O professor de relações internacionais da Fundação Armando
Alvares Penteado (FAAP) e Fundação Getúlio Vargas (FGV) Vinícius Rodrigues
Vieira argumentou que o Brasil teve mais êxito que seus antecessores, Indonésia
e Índia, ao lograr um documento final com compromissos e metas firmados a nível
ministerial.
A menção inédita à taxação dos super-ricos foi outro diferencial
dessa cúpula, ressaltou a pesquisadora Beatriz dos Santos Abreu, mestre em
relações internacionais pela Universidade Federal da Integração
Latino-Americana (Unila):
"Nunca antes, em nenhum encontro desde 2008, essas pautas
haviam sido levantadas com tanta visibilidade. E a proposta de taxação dos
ultrarricos e um possível reinvestimento dessa tal taxação em projetos que
possivelmente diminuam cenários de fome no mundo é uma proposta enorme",
opinou.
O formato do G20 Social promovido pelo Brasil foi assinalado
como iniciativa inovadora pelos pesquisadores.
"Traz a sociedade civil e ela vinha sendo apartada dos
mecanismos de governança global pelo menos desde a crise de 2008. Nos anos 2000
havia toda uma presença da sociedade civil na OMC [Organização Mundial do
Comércio], na ONU, mas isso foi caindo ao longo do tempo, então também se for
mantido para os próximos encontros do G20, é um legado interessante",
comentou Vieira.
"Muito se pode aprender a partir dos movimentos sociais
camponeses no Brasil, dos movimentos indígenas, porque uma vez que a gente está
pensando um desenvolvimento sustentável, a gente tem que pensar a nossa relação
com o meio ambiente", opinou Abreu.
Para o pesquisador do Instituto Sul-Americano de Política e
Estratégia (ISAPE) Késsio Lemos, o documento oficial aponta uma tentativa de
reafirmar o multilateralismo em um contexto de crescente fragmentação
geopolítica.
Os entrevistados também ressaltaram o êxito brasileiro em lograr
que o presidente da Argentina, Javier Milei, aderisse às propostas da cúpula,
que ele havia criticado antes e durante o encontro, como promoção da igualdade
de gênero e taxação das grandes fortunas.
"O encontro pré-cúpula entre Javier Milei e Donald Trump,
por exemplo, levantou preocupações de que a Argentina não assinasse o documento
final, o que seria um revés para uma cúpula que depende de consenso. A condução
brasileira evitou esse cenário e garantiu o sucesso do evento", disse
Lemos.
Entretanto, a proposta de pautas abrangentes, como
desenvolvimento sustentável e cooperação global, pode ser ignorada pelo próximo
líder dos Estados Unidos, Donald Trump, alertou o pesquisador.
"Um maior desengajamento por parte dos EUA pode acelerar a
fragmentação da ordem global atual, privilegiando agendas bilaterais e
regionais em detrimento de fóruns globais mais amplos, como o próprio
G20."
Já Vieira ponderou que a Aliança contra a Fome e a Pobreza deve
sobreviver "mesmo a solavancos que virão a ser provocados por Donald Trump
na política internacional".
"Embora os três eixos apresentados pelo país –
desigualdade, fome e meio ambiente – sejam pouco controversos, o maior mérito
foi a capacidade de neutralizar o contraditório", destacou Lemos.
A aprovação unânime da declaração final deve ser interpretada
com cautela, acrescentou ele, devido ao histórico de cúpulas anteriores cujos
acordos multilaterais ainda enfrentam barreiras significativas, devido a
divergências de interesse e limitações de recursos.
Bastidores do G20
Enquanto os documentos finais da Cúpula costumam ser genéricos e
vagos, os encontros bilaterais geralmente produzem resultados práticos,
sinalizaram os analistas.
"A inauguração do megaporto chinês no Peru e a visita de Xi
Jinping [presidente da China] a Brasília, por exemplo, ilustram o
fortalecimento da presença da China na América do Sul. Outro ponto de destaque
foi a liberação dos EUA para que a Ucrânia utilize mísseis de longo alcance
contra a Rússia, evidenciando como as grandes potências aproveitam a
visibilidade de encontros como o G20 para projetar mensagens geopolíticas
estratégicas", disse Lemos.
Dentre os acordos bilaterais, Vieira destacou o memorando
assinado entre Brasil e Argentina para ampliar a importação de gás natural do
gasoduto de Vaca Muerta.
"Realmente, o G20 acaba servindo de oportunidade para
reforçar esse relacionamento bilateral. Mas o interesse é justamente talvez por
conta desse relacionamento bilateral, material, econômico, que os
países-membros do grupo continuam a fazer interações entre si."
Os pesquisadores ouvidos pela Sputnik Brasil avaliaram que é,
sim, possível tornar o G20 um espaço mais multipolar que contribua para
instâncias mais democráticas e mais participativas dos atores no sistema
internacional, no médio e longo prazo.
"Na falta de algo melhor", comentou Vieira, o G20 é a
plataforma possível para fortalecer o multilateralismo.
"O G20 é um multilateralismo possível, com algum grau de
flexibilidade reunindo as principais economias do mundo, em uma complementação
aos mecanismos que estão obsoletos, como a própria ONU, Banco Mundial e a
FMI", opinou ele.
Abreu defendeu que o diálogo e a diplomacia nesses espaços são
fundamentais para diminuir o acirramento das disputas entre as grandes
potências, principalmente pela disputa do petróleo, no processo atual que
chamou de transição hegemônica.
"Quando a gente vai observar as guerras no Oriente Médio,
elas têm esse viés de disputa por influência política regional, justamente para
facilitar a concessão de petróleo. E essa é a tendência nos próximos anos, que
se acirre a disputa por esse recurso energético não renovável entre as grandes
potências em muitas regiões do mundo."
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Lula afirma que
investimento com guerras é mil vezes maior do que com saúde, em evento com a
OMS
Países ricos gastam mil vezes mais para destruir do que para
curar e prevenir, lamentou nesta terça-feira (19) presidente Luiz Inácio Lula
da Silva durante evento com o Diretor-Geral da Organização Mundial da Saúde
(OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, e a Ministra da Saúde, Nísia Trindade, no
encerramento da Cúpula do G20, no Rio de Janeiro.
De acordo com Lula enquanto o orçamento anual da Organização
Mundial da Saúde (OMS) é de cerca de US$ 2,5 bilhões (cerca de R$ 12 bilhões)
por ano, o investimento global em conflitos armados é de US$ 2,4 trilhões
(cerca de R$ 13,85 trilhões).
"Para destruir vidas e para destruir a infraestrutura que
levou anos para ser construída por pessoas, os países ricos investem muito mais
do que para salvar vidas. Essa é a contradição do mundo em que vivemos hoje. É
por isso que trouxemos o tema da desigualdade, do combate à fome e à pobreza
para o G20", disse Lula.
Esta foi a última agenda oficial de Lula no G20. Ao lembrar de
sua infância pobre e dificuldades de acesso à saúde no sertão pernambucano,
Lula refletiu que combater a pobreza não é prioridade na agenda dos governantes
mundiais, porque eles nunca experimentaram fome e pobreza:
"Isso não está no dia a dia deles, então é secundário. Na
mesa deles não se senta ninguém para colocar esses problemas [...] Esse debate
sobre a saúde no G20 é um caminho extremamente importante para investir em
doenças que não deveriam mais existir".
Lula lembrou que em países ricos sobrou vacinas da Covid-19,
enquanto em países no continente africano, pessoas morreram por não terem tido
acesso à vacinação. "O problema não é falta de dinheiro", afirmou
ele.
Na ocasião, o dirigente da OMS informou os resultados da Rodada
de Investimentos da OMS que visa arrecadar US$ 7,1 bilhões para os próximos
quatro anos, adicional ao orçamento projetado por outras fontes de receita
(cerca de US$ 2,5 bilhões).
Ele celebrou o fato de que nações e entidades
"prometeram" nessa cúpula aporte financeiro de um total de US$ 1,7
bilhão (R$ 9,81 bilhões).
A ministra da Saúde lembrou que o apoio à Rodada de
Investimentos da OMS está na declaração final de líderes do G20 e afirmou que o
incentivo foi uma das prioridades do Brasil na cúpula, assim como a reforma da
governança global para favorecer a equidade e a justiça entre os países,
fortalecendo organismos multilaterais, como a OMS e a saúde no planeta.
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Presidente Lula tem
encontros bilaterais com líderes de Reino Unido, Japão e Índia à margem do G20
Cúpula dos chefes de Estado do G20 terminou nesta terça-feira
(19) no Rio de Janeiro, data em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
também participou de diversas reuniões bilaterais.
A primeira agenda à margem do G20 do presidente Lula foi com o
primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, quando também participaram os
ministros brasileiros Mauro Vieira (Relações Exteriores), Alexandre Silveira
(Minas e Energia), Fernando Haddad (Fazenda) e Luciana Santos (Ciência e
Tecnologia). A Índia foi um dos países que aderiu à Aliança Global contra a
Fome e a Pobreza, iniciativa inédita viabilizada durante a presidência
brasileira do grupo.
Na ocasião, Lula e Modi conversaram sobre temas como cooperação
no setor de biocombustíveis, defesa e aeroespacial. Já o primeiro-ministro
indiano elogiou o Brasil pelo trabalho realizado ao longo do ano no grupo e os
avanços conquistados.
"O presidente Lula falou do seu desejo de, em 2025, fazer
uma visita à Índia, com uma comitiva do governo, da comunidade científica e de
empresários para ampliar as relações entre os dois países em setores como
energia e fármacos, e também o intercâmbio de universidades e a transferência
de tecnologia. O primeiro-ministro Modi disse que a Índia terá um grande prazer
em receber a visita do presidente Lula e de sua comitiva no ano que vem, e que
vai trabalhar para também fazer uma visita de Estado ao Brasil em 2025",
informou em nota o Palácio do Planalto.
Encontro com primeiro-ministro do Japão
Na sequência, o presidente Lula recebeu o primeiro-ministro do
Japão, Shigeru Ishiba, que assumiu o cargo no país em outubro deste ano. Os
líderes marcaram uma visita de Estado de Lula ao Japão em março do próximo ano.
"Participaram da reunião, do lado brasileiro, os ministros Mauro Vieira
(Relações Exteriores) e Carlos Fávaro (Agricultura), além do
secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio,
Márcio Elias Rosa", acrescentou o Planalto.
Lula e Ishiba discutiram sobre carros híbridos e movidos a
hidrogênio, além da cooperação entre os dois países na área de agricultura e
indústria e financiamentos para o setor agrícola do país.
No segundo encontro com o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir
Starmer, Lula também recebeu o líder britânico quando discutiram a integração
entre os dois países e novas oportunidades de investimentos em várias áreas.
"Lula e Keir Starmer conversaram sobre a COP29 e a COP30 e
sobre as metas dos dois países em relação à redução de carbono. A ministra
Marina Silva cumprimentou o Reino Unido pelas metas ambiciosas na redução de
emissões de carbono. O primeiro-ministro também falou sobre iniciativas
legislativas britânicas para melhorar direitos trabalhistas no Reino
Unido", informou o Planalto.
Fonte: Sputnik Brasil
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