quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Brasil cria legado inédito no G20 com taxação dos super-ricos e combate à fome, apontam analistas

A Cúpula do G20 no Rio de Janeiro chegou ao fim nesta terça-feira (19), no Rio de Janeiro, com documento final e iniciativas brasileiras aprovadas por unanimidade pelas maiores economias mundiais.

As 19 nações, ao lado da União Europeia e da União Africana, toparam integrar a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, concordaram que é necessária uma reforma da governança global multilateral, o combate à emergência climática com desenvolvimento sustentável e até a taxação dos bilionários.

Apesar do sucesso da cúpula em alcançar consenso, quais os efeitos práticos para o mundo desses compromissos e princípios acordados? Afinal, é possível fortalecer o multilateralismo no grupo ou o contexto atual exige alternativas?

Para debater essas questões e fazer um balanço do encontro, a Sputnik Brasil ouviu estudiosos a respeito.

O professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e Fundação Getúlio Vargas (FGV) Vinícius Rodrigues Vieira argumentou que o Brasil teve mais êxito que seus antecessores, Indonésia e Índia, ao lograr um documento final com compromissos e metas firmados a nível ministerial.

A menção inédita à taxação dos super-ricos foi outro diferencial dessa cúpula, ressaltou a pesquisadora Beatriz dos Santos Abreu, mestre em relações internacionais pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila):

"Nunca antes, em nenhum encontro desde 2008, essas pautas haviam sido levantadas com tanta visibilidade. E a proposta de taxação dos ultrarricos e um possível reinvestimento dessa tal taxação em projetos que possivelmente diminuam cenários de fome no mundo é uma proposta enorme", opinou.

O formato do G20 Social promovido pelo Brasil foi assinalado como iniciativa inovadora pelos pesquisadores.

"Traz a sociedade civil e ela vinha sendo apartada dos mecanismos de governança global pelo menos desde a crise de 2008. Nos anos 2000 havia toda uma presença da sociedade civil na OMC [Organização Mundial do Comércio], na ONU, mas isso foi caindo ao longo do tempo, então também se for mantido para os próximos encontros do G20, é um legado interessante", comentou Vieira.

"Muito se pode aprender a partir dos movimentos sociais camponeses no Brasil, dos movimentos indígenas, porque uma vez que a gente está pensando um desenvolvimento sustentável, a gente tem que pensar a nossa relação com o meio ambiente", opinou Abreu.

Para o pesquisador do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE) Késsio Lemos, o documento oficial aponta uma tentativa de reafirmar o multilateralismo em um contexto de crescente fragmentação geopolítica.

Os entrevistados também ressaltaram o êxito brasileiro em lograr que o presidente da Argentina, Javier Milei, aderisse às propostas da cúpula, que ele havia criticado antes e durante o encontro, como promoção da igualdade de gênero e taxação das grandes fortunas.

"O encontro pré-cúpula entre Javier Milei e Donald Trump, por exemplo, levantou preocupações de que a Argentina não assinasse o documento final, o que seria um revés para uma cúpula que depende de consenso. A condução brasileira evitou esse cenário e garantiu o sucesso do evento", disse Lemos.

Entretanto, a proposta de pautas abrangentes, como desenvolvimento sustentável e cooperação global, pode ser ignorada pelo próximo líder dos Estados Unidos, Donald Trump, alertou o pesquisador.

"Um maior desengajamento por parte dos EUA pode acelerar a fragmentação da ordem global atual, privilegiando agendas bilaterais e regionais em detrimento de fóruns globais mais amplos, como o próprio G20."

Já Vieira ponderou que a Aliança contra a Fome e a Pobreza deve sobreviver "mesmo a solavancos que virão a ser provocados por Donald Trump na política internacional".

"Embora os três eixos apresentados pelo país – desigualdade, fome e meio ambiente – sejam pouco controversos, o maior mérito foi a capacidade de neutralizar o contraditório", destacou Lemos.

A aprovação unânime da declaração final deve ser interpretada com cautela, acrescentou ele, devido ao histórico de cúpulas anteriores cujos acordos multilaterais ainda enfrentam barreiras significativas, devido a divergências de interesse e limitações de recursos.

Bastidores do G20

Enquanto os documentos finais da Cúpula costumam ser genéricos e vagos, os encontros bilaterais geralmente produzem resultados práticos, sinalizaram os analistas.

"A inauguração do megaporto chinês no Peru e a visita de Xi Jinping [presidente da China] a Brasília, por exemplo, ilustram o fortalecimento da presença da China na América do Sul. Outro ponto de destaque foi a liberação dos EUA para que a Ucrânia utilize mísseis de longo alcance contra a Rússia, evidenciando como as grandes potências aproveitam a visibilidade de encontros como o G20 para projetar mensagens geopolíticas estratégicas", disse Lemos.

Dentre os acordos bilaterais, Vieira destacou o memorando assinado entre Brasil e Argentina para ampliar a importação de gás natural do gasoduto de Vaca Muerta.

"Realmente, o G20 acaba servindo de oportunidade para reforçar esse relacionamento bilateral. Mas o interesse é justamente talvez por conta desse relacionamento bilateral, material, econômico, que os países-membros do grupo continuam a fazer interações entre si."

Os pesquisadores ouvidos pela Sputnik Brasil avaliaram que é, sim, possível tornar o G20 um espaço mais multipolar que contribua para instâncias mais democráticas e mais participativas dos atores no sistema internacional, no médio e longo prazo.

"Na falta de algo melhor", comentou Vieira, o G20 é a plataforma possível para fortalecer o multilateralismo.

"O G20 é um multilateralismo possível, com algum grau de flexibilidade reunindo as principais economias do mundo, em uma complementação aos mecanismos que estão obsoletos, como a própria ONU, Banco Mundial e a FMI", opinou ele.

Abreu defendeu que o diálogo e a diplomacia nesses espaços são fundamentais para diminuir o acirramento das disputas entre as grandes potências, principalmente pela disputa do petróleo, no processo atual que chamou de transição hegemônica.

"Quando a gente vai observar as guerras no Oriente Médio, elas têm esse viés de disputa por influência política regional, justamente para facilitar a concessão de petróleo. E essa é a tendência nos próximos anos, que se acirre a disputa por esse recurso energético não renovável entre as grandes potências em muitas regiões do mundo."

 

¨      Lula afirma que investimento com guerras é mil vezes maior do que com saúde, em evento com a OMS

Países ricos gastam mil vezes mais para destruir do que para curar e prevenir, lamentou nesta terça-feira (19) presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante evento com o Diretor-Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, e a Ministra da Saúde, Nísia Trindade, no encerramento da Cúpula do G20, no Rio de Janeiro.

De acordo com Lula enquanto o orçamento anual da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de cerca de US$ 2,5 bilhões (cerca de R$ 12 bilhões) por ano, o investimento global em conflitos armados é de US$ 2,4 trilhões (cerca de R$ 13,85 trilhões).

"Para destruir vidas e para destruir a infraestrutura que levou anos para ser construída por pessoas, os países ricos investem muito mais do que para salvar vidas. Essa é a contradição do mundo em que vivemos hoje. É por isso que trouxemos o tema da desigualdade, do combate à fome e à pobreza para o G20", disse Lula.

Esta foi a última agenda oficial de Lula no G20. Ao lembrar de sua infância pobre e dificuldades de acesso à saúde no sertão pernambucano, Lula refletiu que combater a pobreza não é prioridade na agenda dos governantes mundiais, porque eles nunca experimentaram fome e pobreza:

"Isso não está no dia a dia deles, então é secundário. Na mesa deles não se senta ninguém para colocar esses problemas [...] Esse debate sobre a saúde no G20 é um caminho extremamente importante para investir em doenças que não deveriam mais existir".

Lula lembrou que em países ricos sobrou vacinas da Covid-19, enquanto em países no continente africano, pessoas morreram por não terem tido acesso à vacinação. "O problema não é falta de dinheiro", afirmou ele.

Na ocasião, o dirigente da OMS informou os resultados da Rodada de Investimentos da OMS que visa arrecadar US$ 7,1 bilhões para os próximos quatro anos, adicional ao orçamento projetado por outras fontes de receita (cerca de US$ 2,5 bilhões).

Ele celebrou o fato de que nações e entidades "prometeram" nessa cúpula aporte financeiro de um total de US$ 1,7 bilhão (R$ 9,81 bilhões).

A ministra da Saúde lembrou que o apoio à Rodada de Investimentos da OMS está na declaração final de líderes do G20 e afirmou que o incentivo foi uma das prioridades do Brasil na cúpula, assim como a reforma da governança global para favorecer a equidade e a justiça entre os países, fortalecendo organismos multilaterais, como a OMS e a saúde no planeta.

 

¨      Presidente Lula tem encontros bilaterais com líderes de Reino Unido, Japão e Índia à margem do G20

Cúpula dos chefes de Estado do G20 terminou nesta terça-feira (19) no Rio de Janeiro, data em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também participou de diversas reuniões bilaterais.

A primeira agenda à margem do G20 do presidente Lula foi com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, quando também participaram os ministros brasileiros Mauro Vieira (Relações Exteriores), Alexandre Silveira (Minas e Energia), Fernando Haddad (Fazenda) e Luciana Santos (Ciência e Tecnologia). A Índia foi um dos países que aderiu à Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, iniciativa inédita viabilizada durante a presidência brasileira do grupo.

Na ocasião, Lula e Modi conversaram sobre temas como cooperação no setor de biocombustíveis, defesa e aeroespacial. Já o primeiro-ministro indiano elogiou o Brasil pelo trabalho realizado ao longo do ano no grupo e os avanços conquistados.

"O presidente Lula falou do seu desejo de, em 2025, fazer uma visita à Índia, com uma comitiva do governo, da comunidade científica e de empresários para ampliar as relações entre os dois países em setores como energia e fármacos, e também o intercâmbio de universidades e a transferência de tecnologia. O primeiro-ministro Modi disse que a Índia terá um grande prazer em receber a visita do presidente Lula e de sua comitiva no ano que vem, e que vai trabalhar para também fazer uma visita de Estado ao Brasil em 2025", informou em nota o Palácio do Planalto.

Encontro com primeiro-ministro do Japão

Na sequência, o presidente Lula recebeu o primeiro-ministro do Japão, Shigeru Ishiba, que assumiu o cargo no país em outubro deste ano. Os líderes marcaram uma visita de Estado de Lula ao Japão em março do próximo ano. "Participaram da reunião, do lado brasileiro, os ministros Mauro Vieira (Relações Exteriores) e Carlos Fávaro (Agricultura), além do secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Márcio Elias Rosa", acrescentou o Planalto.

Lula e Ishiba discutiram sobre carros híbridos e movidos a hidrogênio, além da cooperação entre os dois países na área de agricultura e indústria e financiamentos para o setor agrícola do país.

No segundo encontro com o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, Lula também recebeu o líder britânico quando discutiram a integração entre os dois países e novas oportunidades de investimentos em várias áreas.

"Lula e Keir Starmer conversaram sobre a COP29 e a COP30 e sobre as metas dos dois países em relação à redução de carbono. A ministra Marina Silva cumprimentou o Reino Unido pelas metas ambiciosas na redução de emissões de carbono. O primeiro-ministro também falou sobre iniciativas legislativas britânicas para melhorar direitos trabalhistas no Reino Unido", informou o Planalto.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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