quinta-feira, 21 de novembro de 2024

A epidemia de ansiedade com matemática no Brasil e no mundo revelada por estudo da OCDE

A principal pesquisa internacional sobre educação, feita pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mostra que os estudantes estão desenvolvendo uma postura cada vez mais negativa em relação ao aprendizado de matemática.

O Pisa (Programa para a Avaliação Internacional dos Estudantes, na sigla em inglês) mostra que houve um aumento acentuado no nível de ansiedade em relação à matemática entre os alunos da grande maioria dos 81 países avaliados, especialmente no Brasil.

Na média dos países da OCDE e parceiros, 65% dos estudantes têm ansiedade em relação às suas notas em matemática e cerca de 40% dos estudantes ficam nervosos, tensos ou desamparados resolvendo problemas matemáticos. No Brasil, esses índices são ainda mais altos: 79,5% e 62,3% respectivamente.

Divulgados nesta quarta (13/11), os dados mostram uma análise mais profunda dos resultados dos testes aplicados em 2022, pouco após o fim da epidemia de covid-19.

O relatório é a continuação da primeira parte do estudo, publicada em 2023. O Pisa é realizado a cada três anos pela OCDE em 81 países, entre membros e parceiros da organização. Na edição de 2022, que teve participação de cerca de 700 mil estudantes de 15 e 16 anos, a matemática foi o foco da prova.

Na maioria dos países houve um aumento nesses índices de ansiedade em relação à matemática em comparação com 2012, com Europa e América Latina tendo aumentos significativos. Coreia do Sul, Singapura e Tailândia foram os únicos países onde os índices de ansiedade caíram entre 2012 e 2022.

Segundo a OCDE, esses resultados são preocupantes. “Isso pode impactar não apenas desempenho, mas sua prontidão para o aprendizado ao longo da vida”, diz o relatório. “Essa descoberta também sugere que o bem-estar dos jovens se deteriorou, e são necessárias políticas públicas para cuidar da saúde mental dos alunos.”

A cada edição, o Pisa escolhe um tema para fazer um aprofundamento — em 2022, o estudo se dedicou a entender como os alunos lidam com estratégias de aprendizado e quais suas posturas em relação à vida.

•                                    Questão de confiança

Um dos principais índices analisados foi a chamada autoeficácia dos alunos: “o quanto os alunos acreditam em suas habilidades e capacidades de praticar certas atividades e realizar tarefas, mesmo quando encontram dificuldades”.

“A autoeficácia tem a ver com o aluno aprender a controlar seus impulsos e emoções para ter disciplina de aprendizagem voltada para o atingimento de metas”, explica a especialista em educação Cláudia Costin, ex-diretora global de Educação do Banco Mundial.

“Tem a ver com o quanto o aluno consegue ser o protagonista da própria vida escolar para realizar seu projeto de vida”, explica Costin.

O Pisa 2022 mostrou que paises com os menores níveis de autoeficácia foram também os que tiveram maiores níveis de ansiedade com a matemática. É o caso da Argentina, do Brasil, de Brunei, Camboja, Chile, Costa Rica, República Dominicana, Guatemala, Malásia, México e Filipinas.

“Alunos mais confiantes e alunos menos ansiosos fazem mais perguntas quando não entendem algo que está sendo ensinado”, diz o relatório. “Eles são mais proativos e mais motivados em seu aprendizado.”

“Todas as estratégias de aprendizado e motivações sustentadas ao longo da vida estão relacionadas a alunos que se sentem mais confiantes para resolver tarefas matemáticas e menos ansiosos sobre matemática, independentemente de seu desempenho”, destaca o trabalho.

•                                    Pensar matematicamente

No Brasil, os problemas no ensino da matemática vão ainda mais longe, afirma Claudia Costin.

“Temos um problema grave de ensino de matemática independentemente de ansiedade e independente da pandemia”, afirma ela.

Nos resultados da primeira parte do Pisa 2022, que mostravam o desempenho dos alunos nas provas, a média de pontos do Brasil (veja os gráficos abaixo) foi de 379 em Matemática, 93 pontos abaixo da média da OCDE (de 472 pontos).

Como em todas as outras edições da avaliação, realizada desde 2000, os resultados de 2022 mostram que a condição socioeconômica dos alunos está diretamente relacionada ao desempenho em matemática. O fator socioeconômico é responsável por 15% da variação no desempenho dos alunos tanto no Brasil quanto na média da OCDE.

No entanto, mesmo os alunos mais ricos no Brasil tiveram um desempenho em matemática abaixo da média da OCDE. Os alunos brasileiros em todos os estratos sociais tiveram um desempenho em matemática abaixo dos alunos com perfil socioeconômico parecido em países com o mesmo perfil do Brasil, como Turquia e Vietnã, diz o relatório da OCDE.

“Os resultados mostraram que 73% dos alunos brasileiro não chegaram ao nível básico de conhecimento. Isso é gravíssimo, realmente inaceitável”, diz Costin.

A especialista aponta que este resultado está ligado ao fato de que no Brasil não ensinamos os alunos a pensar matematicamente.

“É uma questão de método e de preparo do professor. É preciso que os professores tenham uma didática específica para matemática, que ensine os alunos a pensar matematicamente em vez de apenas resolver exercícios”, afirma ela.

Como o ensino de matemática no Brasil é muito focado em fórmulas e na resolução de exercícios, diz Costin, o aluno memoriza e sabe responder nas provas, mas em uma prova minimamente diferente, como a do Pisa, ou na aplicação do conhecimento na vida real, o aluno fica perdido.

Os resultados do Pisa sobre a ansiedade mostraram essa dificuldade: mesmo os alunos que se mostraram confiantes em sua habilidade de resolver exercícios na sala de afirmaram ter pouca confiança para aplicar os conhecimentos no dia a dia.

Para mudar esse cenário, é fundamental que o Brasil mude a formação que os professores têm recebido na faculdade, segundo Costin. Além de uma didática específica para matemática, é preciso maior diálogo entre teoria e prática.

“Os professores precisam ser ensinados da mesma forma que vão ensinar os alunos”, afirma. “Como o professor vai passar confiança, melhorar a autoeficácia dos alunos, se muitas vezes ele próprio não tem essa autoeficácia?”

Para Costin, outro fator é o tempo de aula.

“Países com bons sistemas educacionais têm entre sete e nove horas de aula por dia. No Brasil, o ensino fundamental tem só quatro horas de aula. Isso é muito insuficiente”, afirma Costin.

Segundo a OCDE, países que tiveram menores índices de ansiedade e melhor desempenho em matemática, como Coreia do Sul e Singapura, se destacaram também pela relação positiva dos professores com os alunos.

“Países como Coreia e Singapura demonstraram que é possível estabelecer um sistema educacional de primeira linha mesmo partindo de um nível de renda relativamente baixo, priorizando a qualidade do ensino e com mecanismos de financiamento que alinham recursos com necessidades”, escreve Mathias Cormann, secretário-geral da OCDE, no relatório.

Para garantir que todos os alunos atinjam um nível mínimo de conhecimento, Singapura oferece opções de aulas diferentes para alunos de acordo com seu grau de aprendizado.

Segundo o estudo, isso faz com que os alunos com mais dificuldade recebam o reforço necessário para ter os conhecimentos que vão usar durante a vida, ao mesmo tempo que fornece aprofundamento para os que têm mais interesse e aptidão.

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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