A epidemia
de ansiedade com matemática no Brasil e no mundo revelada por estudo da OCDE
A principal pesquisa internacional sobre educação, feita pela
OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mostra que os
estudantes estão desenvolvendo uma postura cada vez mais negativa em relação ao
aprendizado de matemática.
O Pisa (Programa para a Avaliação Internacional dos Estudantes,
na sigla em inglês) mostra que houve um aumento acentuado no nível de ansiedade
em relação à matemática entre os alunos da grande maioria dos 81 países
avaliados, especialmente no Brasil.
Na média dos países da OCDE e parceiros, 65% dos estudantes têm
ansiedade em relação às suas notas em matemática e cerca de 40% dos estudantes
ficam nervosos, tensos ou desamparados resolvendo problemas matemáticos. No
Brasil, esses índices são ainda mais altos: 79,5% e 62,3% respectivamente.
Divulgados nesta quarta (13/11), os dados mostram uma análise
mais profunda dos resultados dos testes aplicados em 2022, pouco após o fim da
epidemia de covid-19.
O relatório é a continuação da primeira parte do estudo,
publicada em 2023. O Pisa é realizado a cada três anos pela OCDE em 81 países,
entre membros e parceiros da organização. Na edição de 2022, que teve
participação de cerca de 700 mil estudantes de 15 e 16 anos, a matemática foi o
foco da prova.
Na maioria dos países houve um aumento nesses índices de
ansiedade em relação à matemática em comparação com 2012, com Europa e América
Latina tendo aumentos significativos. Coreia do Sul, Singapura e Tailândia
foram os únicos países onde os índices de ansiedade caíram entre 2012 e 2022.
Segundo a OCDE, esses resultados são preocupantes. “Isso pode
impactar não apenas desempenho, mas sua prontidão para o aprendizado ao longo
da vida”, diz o relatório. “Essa descoberta também sugere que o bem-estar dos
jovens se deteriorou, e são necessárias políticas públicas para cuidar da saúde
mental dos alunos.”
A cada edição, o Pisa escolhe um tema para fazer um
aprofundamento — em 2022, o estudo se dedicou a entender como os alunos lidam
com estratégias de aprendizado e quais suas posturas em relação à vida.
• Questão
de confiança
Um dos principais índices analisados foi a chamada autoeficácia
dos alunos: “o quanto os alunos acreditam em suas habilidades e capacidades de
praticar certas atividades e realizar tarefas, mesmo quando encontram
dificuldades”.
“A autoeficácia tem a ver com o aluno aprender a controlar seus
impulsos e emoções para ter disciplina de aprendizagem voltada para o
atingimento de metas”, explica a especialista em educação Cláudia Costin,
ex-diretora global de Educação do Banco Mundial.
“Tem a ver com o quanto o aluno consegue ser o protagonista da
própria vida escolar para realizar seu projeto de vida”, explica Costin.
O Pisa 2022 mostrou que paises com os menores níveis de
autoeficácia foram também os que tiveram maiores níveis de ansiedade com a
matemática. É o caso da Argentina, do Brasil, de Brunei, Camboja, Chile, Costa
Rica, República Dominicana, Guatemala, Malásia, México e Filipinas.
“Alunos mais confiantes e alunos menos ansiosos fazem mais
perguntas quando não entendem algo que está sendo ensinado”, diz o relatório.
“Eles são mais proativos e mais motivados em seu aprendizado.”
“Todas as estratégias de aprendizado e motivações sustentadas ao
longo da vida estão relacionadas a alunos que se sentem mais confiantes para
resolver tarefas matemáticas e menos ansiosos sobre matemática,
independentemente de seu desempenho”, destaca o trabalho.
• Pensar
matematicamente
No Brasil, os problemas no ensino da matemática vão ainda mais
longe, afirma Claudia Costin.
“Temos um problema grave de ensino de matemática
independentemente de ansiedade e independente da pandemia”, afirma ela.
Nos resultados da primeira parte do Pisa 2022, que mostravam o
desempenho dos alunos nas provas, a média de pontos do Brasil (veja os gráficos
abaixo) foi de 379 em Matemática, 93 pontos abaixo da média da OCDE (de 472
pontos).
Como em todas as outras edições da avaliação, realizada desde
2000, os resultados de 2022 mostram que a condição socioeconômica dos alunos
está diretamente relacionada ao desempenho em matemática. O fator
socioeconômico é responsável por 15% da variação no desempenho dos alunos tanto
no Brasil quanto na média da OCDE.
No entanto, mesmo os alunos mais ricos no Brasil tiveram um
desempenho em matemática abaixo da média da OCDE. Os alunos brasileiros em
todos os estratos sociais tiveram um desempenho em matemática abaixo dos alunos
com perfil socioeconômico parecido em países com o mesmo perfil do Brasil, como
Turquia e Vietnã, diz o relatório da OCDE.
“Os resultados mostraram que 73% dos alunos brasileiro não
chegaram ao nível básico de conhecimento. Isso é gravíssimo, realmente
inaceitável”, diz Costin.
A especialista aponta que este resultado está ligado ao fato de
que no Brasil não ensinamos os alunos a pensar matematicamente.
“É uma questão de método e de preparo do professor. É preciso
que os professores tenham uma didática específica para matemática, que ensine
os alunos a pensar matematicamente em vez de apenas resolver exercícios”,
afirma ela.
Como o ensino de matemática no Brasil é muito focado em fórmulas
e na resolução de exercícios, diz Costin, o aluno memoriza e sabe responder nas
provas, mas em uma prova minimamente diferente, como a do Pisa, ou na aplicação
do conhecimento na vida real, o aluno fica perdido.
Os resultados do Pisa sobre a ansiedade mostraram essa
dificuldade: mesmo os alunos que se mostraram confiantes em sua habilidade de
resolver exercícios na sala de afirmaram ter pouca confiança para aplicar os
conhecimentos no dia a dia.
Para mudar esse cenário, é fundamental que o Brasil mude a
formação que os professores têm recebido na faculdade, segundo Costin. Além de
uma didática específica para matemática, é preciso maior diálogo entre teoria e
prática.
“Os professores precisam ser ensinados da mesma forma que vão
ensinar os alunos”, afirma. “Como o professor vai passar confiança, melhorar a
autoeficácia dos alunos, se muitas vezes ele próprio não tem essa
autoeficácia?”
Para Costin, outro fator é o tempo de aula.
“Países com bons sistemas educacionais têm entre sete e nove
horas de aula por dia. No Brasil, o ensino fundamental tem só quatro horas de
aula. Isso é muito insuficiente”, afirma Costin.
Segundo a OCDE, países que tiveram menores índices de ansiedade
e melhor desempenho em matemática, como Coreia do Sul e Singapura, se
destacaram também pela relação positiva dos professores com os alunos.
“Países como Coreia e Singapura demonstraram que é possível
estabelecer um sistema educacional de primeira linha mesmo partindo de um nível
de renda relativamente baixo, priorizando a qualidade do ensino e com
mecanismos de financiamento que alinham recursos com necessidades”, escreve
Mathias Cormann, secretário-geral da OCDE, no relatório.
Para garantir que todos os alunos atinjam um nível mínimo de
conhecimento, Singapura oferece opções de aulas diferentes para alunos de
acordo com seu grau de aprendizado.
Segundo o estudo, isso faz com que os alunos com mais
dificuldade recebam o reforço necessário para ter os conhecimentos que vão usar
durante a vida, ao mesmo tempo que fornece aprofundamento para os que têm mais
interesse e aptidão.
Fonte: BBC News Brasil
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