G20
recoloca Brasil no tabuleiro geopolítico
O
encerramento da cúpula do G20, que reuniu representantes das 20 maiores
economias do mundo no Rio de Janeiro, entre segunda e terça-feira (18/11-19/11)
mostrou que o Brasil conseguiu recuperar espaço no tabuleiro geopolítico global
ao incluir reivindicações da diplomacia brasileira na declaração final do
encontro, de acordo com a avaliação de especialistas ouvidos pela DW.
"Havia
um problema em governos anteriores, nos quais perdemos um certo protagonismo
internacional. O atual governo também vinha derrapando na política
internacional e, por isso, reunir diversos governos foi importante para o país
como forma de recolocar o Brasil no xadrez global novamente", avalia o
cientista político e professor do Insper, Leandro Consentino.
A declaração final do G20, aprovada
na segunda-feira (18/11), aborda os conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia e,
também, inclui temas que eram primordiais para o governo brasileiro, que ocupa
a Presidência rotativa do grupo.
O
documento menciona temas da agenda brasileira, como o combate à fome e à
pobreza, sustentabilidade e mudanças climáticas e reforma da governança global
– e várias outras questões, como a proposta de taxação dos super-ricos e a
inteligência artificial, dentre outros.
·
Brasil de volta?
Para
o cientista político Maurício Santoro, o governo Lula buscou recalcular a rota,
após um começo controverso em temas espinhosos, e mostrar força dentro de um contexto
global difuso como forma de diferenciação e da instabilidade política que
vigorou nas presidências de Michel Temer e Jair Bolsonaro, sobretudo, pela
ruptura em temas como meio ambiente e direitos humanos.
"O
presidente Lula cometeu erros graves em seus posicionamentos sobre as guerras
na Ucrânia e no Oriente Médio, e tem falhado em lidar com dois dos vizinhos em
crise do Brasil, Argentina e Venezuela. Contudo, teve sucesso ao realizar a
cúpula do G20, negociando pautas sociais na agenda final do grupo e retomando a
realização de grandes eventos diplomáticos no Brasil, após quase uma década de
eventos", disse.
Guilherme
Casarões, professor de Política Internacional da FGV EAESP, concorda com a
avaliação sobre a retomada da influência brasileira na geopolítica e afirma que
o país conseguiu construir uma agenda global de longo prazo baseada em
bandeiras históricas da esquerda brasileira.
"A presidência brasileira do G20 foi bastante valorizada pelo
governo Lula, que a considerou uma oportunidade não
somente de fortalecer a relevância internacional do Brasil, mas também de
avançar agendas importantes, em que o Brasil desempenha um papel de liderança,
como o combate à fome e à pobreza, mudanças climáticas e reforma da governança
global. Essas são bandeiras históricas do país e bastante associadas ao governo
Lula, permitindo que se construa um legado global de longo prazo", avalia.
Além
disso, a cúpula do G20 também demonstra que o país terá a capacidade de sediar
outros eventos e pautar temas internacionais, mesmo em meio a desafios que
deverão surgir no curto prazo.
"No
terceiro mandato de Lula, o Brasil terá sediado duas cúpulas diplomáticas
importantes: o G20 e a COP30 em Belém, em novembro de 2025. A próxima será mais
difícil, porque o tema do enfrentamento às mudanças climáticas será muito
enfraquecido com o novo governo Trump nos Estados Unidos", afirma Santoro.
·
Consensos possíveis
As
expectativas em relação à cúpula eram de dúvida, especialmente ligadas à
eleição de Trump nos EUA e à atuação do presidente argentino Javier Milei. Para Guilherme Casarões, no entanto, o Brasil conseguiu um
desfecho vitorioso ao apostar nos consensos possíveis de um mundo multipolar.
"Em
vez de idealizar uma declaração ambiciosa e irrealizável, o Brasil foi capaz de
buscar os chamados ‘consensos possíveis', concentrando seus esforços em temas
importantes da pauta internacional, como combate à fome e mudanças climáticas,
em que o posicionamento coletivo do G20 é bastante valioso", afirma
Casarões.
Para
Maurício Santoro, o principal destaque do G20 foi a criação da Aliança Global contra a Fome,
um tema caro ao presidente Lula, que se destaca em sua trajetória política e no
legado das políticas sociais de seus dois primeiros governos.
"O
Brasil também foi bem-sucedido em colocar em realce os temas sociais na agenda
do G20, como pobreza, desigualdade e justiça tributária, e de estabelecer um
bom diálogo com a sociedade civil por meio do G20 Social", diz.
Já
no tema ambiental, os analistas afirmam que os resultados concretos são mais
difíceis de atingir, uma vez que são compromissos voluntários que dependem da
disposição política de cada país em observá-los. "De todo modo, uma
declaração política de peso reforça o compromisso coletivo no combate às
mudanças climáticas e ao financiamento às medidas de mitigação e
adaptação", diz Casarões.
Apesar
das boas intenções e do relativo sucesso brasileiro, o G20 busca apenas colocar
temas na agenda global de negociações, não tendo a capacidade de implementar
decisões, que deverão ser tratadas na Organização das Nações Unidas (ONU) e em
outras organizações internacionais. Por isso, analistas são céticos em relação
ao impacto direto das decisões do encontro na vida cotidiana.
"Tanto
a busca pelo combate à fome, quanto na governança global e na transição
energética, todas as mudanças são no plano retórico, sem compromisso de fato
concreto. Medidas e sinalizações importantes ainda ficam no campo da retórica e
precisamos esperar o longo prazo para termos qualquer resultado concreto",
diz Consentino.
·
Encontros bilaterais
Para
além do consenso entre as 20 principais economias do mundo, o presidente Lula
também buscou uma agenda de dezenas de encontros bilaterais com líderes de
diversos países presentes no Rio de Janeiro.
Para
os especialistas, o encontro com o presidente francês, Emmanuel Macron, deve
fortalecer a agenda climática e a cooperação com a União Europeia. "Nas
negociações bilaterais, o acordo mais importante foi entre Argentina e Brasil,
para a exportação do gás natural argentino da reserva de Vaca Muerta para o
Brasil, a preços vantajosos para os brasileiros", diz Santoro. "Foi
importante também a declaração do presidente da França dizendo que retirou suas
objeções ao acordo de livre comércio entre Mercosul e UE", completa.
Além
disso, a reunião entre Lula e o presidente chinês Xi Jinping também chamou a
atenção dos analistas dado a imagem que o encontro deve passar ao mundo.
"A reunião entre Lula e Xi Jinping, que demonstra a centralidade da China
na estratégia brasileira e antecipa um movimento do Brasil em direção a laços
políticos mais fortes com o gigante asiático diante da eleição de Trump nos
EUA", conclui Casarões.
¨
Lula sai duplamente
premiado no G20 e na prisão de generais golpistas em 2023. Por César Fonseca
O
presidente Lula marcou dois pontos políticos relevantes para fortalecer sua
luta pela reeleição em 2026 com programa desenvolvimentista: 1 – sucesso no
comando do G20 e 2 – desbaratamento dos generais golpistas de 2023, que
tentaram derrubá-lo e matá-lo.
No
G20, o recado brasileiro do combate global à fome foi absorvido politicamente
pelas 82 nações presentes no encontro internacional.
O
rosário de reivindicações no comunicado final do G20 expressa a demanda mundial
contra o neoliberalismo na sua fase agressiva financista especulativa.
Lula
colhe fortalecimento político interno, com uma agenda internacional que teve o
consenso unânime dos participantes do encontro.
O
combate à fome e a taxação dos mais ricos para bancar essa transferência de
renda arrastou todos os presentes do G20.
Ele
se fortalece, sobretudo, para lutar contra os banqueiros que querem impor-lhe
um arrocho fiscal neoliberal que o impede de cumprir o compromisso de combater
a fome.
É a
polarização de classe expressa no palco do G20.
A
população mundial está ávida por justiça social e prega o fim imediato da
desigualdade.
Lula
colocou a fome para brigar com as armas.
Combate
à fome salva com pouco dinheiro mais de 700 milhões de miseráveis, enquanto uma
minoria de trilionários que manda na economia capitalista financeirizada
especulativa engole 75% do produto bruto global, fazendo guerras.
Combate
à fome, fortalece a paz; estímulo ao armamentismo eterniza guerra.
VISÃO SOCIAL PREDOMINANTE
A
super concentração da renda e a superexploração do trabalho são as âncaras do
comunicado do G20 que colocou em evidência a economia política lulista de
caráter social com ampla aceitação global.
A
austeridade neoliberal cai diante do discurso do presidente brasileiro.
Ele
prega tirar dos mais ricos para dar aos mais pobres, taxado em 2% indivíduos
que não sabem mais onde pôr seu dinheiro.
Educação,
saúde, infraestrutura, produção, consumo e distribuição equitativa da riqueza
mundial, com taxação sobre quem tem mais para dar para quem tem menos é a
agenda-sucesso do G20.
Com
ela, Lula fortalece a democracia ocidental, ameaçada pela guerra comercial
protecionista que o império americano promete praticar para enfrentar a
competição com a China, para a qual está perdendo.
O
combate à fome e a taxação dos ricos é pró-China, que, com sua proposta Rota da
Seda, promete diversificação mundial de investimentos chineses no
desenvolvimento econômico sustentável.
Ao
mesmo tempo, a agenda lulista é anti-americana, no sentido de que a proposta
dos Estados Unidos, apresentada durante G20, potencializa a guerra, com
autorização do presidente Joe Biden, em território brasileiro, de permitir a
Ucrânia atacar a Rússia com mísseis americanos.
Biden
agiu como brucutu.
A
proposta de Lula, assim como a de Xi Jinping é voltada para o interesse da
união dos povos; a de Biden é a destruição dos povos.
Trata-se
de remédio eficaz e eficiente para atacar a fome e promover a integração
econômica pelo desenvolvimento das forças produtivas e não pela destruição
delas, como está fazendo a financeirização neoliberal rentista de guerra, que
impede a sustentabilidade econômica.
GOLPISTAS NA CADEIA
O
outro ponto político importantíssimo que Lula marcou, mas, indiretamente, no
sentido de fortalecer sua candidatura à reeleição em 2026, foi a prisão dos
“Kids Pretos”, pela Polícia Federal.
Os
“Kids”, militares super treinados e destemidos para atuarem como tropa de
assalto para dar golpe de estado, conforme pretendia o ex-presidente fascista
Jair Bolsonaro e seus generais, favorecem politicamente, o presidente Lula.
O
porão do poder nazi-fascista bolsonarista resistiu à derrota de 2022 e queria
impedir o presidente Lula de começar a governar a partir de 2023, com apoio
popular e legitimação democrática.
Certamente,
de agora em diante os procedimentos para processar os golpistas serão
acelerados pelas próprias circunstâncias políticas extraordinárias criadas pela
Polícia Federal ao desbaratar a quadrilha político-militar golpista.
O
bolsonarismo cavou mais um palmo na sua sepultura.
A
opinião pública está sob o impacto da descoberta policial de que o governo
Bolsonaro era dirigido, na prática, pelos militares golpistas, empenhados em
impedir o exercício democrático por meio de Lula eleito.
O
Congresso falou pelo seu presidente, senador Rodrigo Pacheco(PSD-MG), sobre a
necessidade de que a lei seja cumprida.
Mais
uma vez, o Supremo Tribunal Federal vai falar em defesa da democracia ameaçada
e dar poder de investigação ao ministro Alexandre de Moraes, que se notabilizou
na investigação dos golpistas bolsonaristas, jurado de morte por eles.
A
direita e a ultradireita, comandadas por Bolsonaro, no poder, com disposição
golpista à flor da pele, estavam ou não compactuadas com o golpe?
Governaram
autoritariamente de 2018 a 2022 usufruindo do poder fascista para se
enriquecerem enquanto os trabalhadores foram sufocados em seus direitos pelas
reformas neoliberais.
Os
trabalhadores foram roubados pela mudança da legislação e pelo rebaixamento dos
salários, por meio da exploração da mais valia relativa - tempo de trabalho não
pago - elevada pelo golpe neoliberal de 2016.
Os
liberais e neoliberais, maiores favorecidos pela proteção dos “Kids Pretos”,
prontos para dar golpe e se apoiar na burguesia fascista, trabalharam ou não
contra a democracia, ao apoiarem o bolsonarismo?
Por
que não denunciaram, se sabiam de alguma coisa, relativa aos ataques à
democracia, quando o país disputava eleição presidencial em 2022?
O
fato é que Lula sai fortalecido para disputa eleitoral em 2026: primeiro, pela
realização do G20, que assumiu suas propostas; segundo pelas diligências da
Polícia Federal, que implodiu o esquema golpista, fortalecendo a sempre
ameaçada democracia tupiniquim.
¨
G20, um modelo
falido. Por Eduardo Vasco
A
reunião de cúpula do G20, no Rio de Janeiro, foi marcada por muitas
negociações, e negociações dificílimas. O governo brasileiro considerou que a
declaração final foi uma vitória de sua diplomacia, por manter a essência das
principais ideias que têm sido difundidas pelo presidente Lula, como a
necessidade do diálogo em vez da guerra, do combate à desigualdade social e da
sustentabilidade climática.
De
fato, a declaração final pode ser mesmo considerada uma vitória da diplomacia
brasileira. Alguns afirmam ainda que foi uma vitória diplomática de todo o “Sul
Global”, particularmente porque os negociadores dos BRICS resistiram às
tentativas ocidentais de impor uma linguagem até mesmo agressiva contra a
Rússia.
O
Brasil também inovou, em sua presidência, ao lançar o G20 Social e estabelecer
uma Aliança Global contra a Fome. Essas iniciativas podem ser debitadas
diretamente na conta do presidente Lula, pois têm a sua marca, a de um
reformador social.
No
entanto, é preciso lidar com a realidade. E ela é cruel para quem sonha em
reformar as instituições da governança global. Eu não tenho a menor esperança
de que qualquer compromisso firmado pelos membros do G20 saia do papel. As
próprias negociações, encarniçadas, demonstram a falta de disposição de alguns
dos seus membros em colocar essas políticas em prática.
E
não falo apenas de Javier Milei, que se comprovou um boneco de ventríloquo de
Donald Trump. Relatos na imprensa dão conta de que os países ricos tentaram
também reduzir a sua responsabilidade na contribuição para o combate às
mudanças climáticas. Como Lula já indicou algumas vezes, é sobre eles que mais
pesa essa responsabilidade, uma vez que historicamente foram os que mais
exploraram a natureza. Porém, tendo eles já se beneficiado da intervenção sobre
a natureza para se industrializar e desenvolver sua economia e sua sociedade,
agora tentam impedir os outros de fazer o mesmo, utilizando a chantagem
climática.
Recentemente,
o russo Vladimir Putin declarou que, quando o antigo G8 ainda funcionava, os
países do G7 (as potências capitalistas) sempre se reuniam antes, a portas
fechadas, para discutir como seria a sua política conjunta contra a Rússia, o
outro país daquele grupo. Portanto, na prática não havia uma discussão
verdadeira e uma negociação de igual para igual dentro do G8, mas sim um complô
de uma parte do bloco contra a outra.
Somente
os ingênuos podem pensar que no G20 seja diferente. As informações sobre as
negociações que foram divulgadas pela imprensa corroboram essa suspeita. A
composição do grupo e a situação internacional fortalecem ainda mais esse ponto
de vista. O G20, assim, tem a ingrata tarefa de equilibrar os interesses das
nações ditas emergentes (do BRICS, da União Africana etc.) com os das nações
ricas, o que, em última instância, é impossível, ainda mais em um cenário de
polarização internacional entre essas duas categorias de países.
Essa
polarização afeta todo o trabalho do G20, uma vez que os interesses dessas duas
categorias de países vêm se tornando cada vez mais contraditórios, senão
antagônicos. E a tendência é que isso continue, pois a polarização geopolítica
entre nações ricas e pobres é irreversível. Logo, as negociações do G20 se
tornarão mais difíceis e, certamente, inúteis. É bem possível que ele deixe de
existir em breve, assim como o famigerado G8.
Mesmo
os aspectos que poderiam ser considerados positivos – as vitórias brasileiras –
não passam de meros engodos. A Aliança Global contra a Fome, por exemplo, tem
como parceiras instituições ligadas umbilicalmente ao Deep State americano, o
setor mais podre e fétido do obscuro sistema imperialista dos Estados Unidos
(como as fundações Rockefeller e Gates). O G20 Social, por sua vez, é um
arremedo de frente de movimentos sociais que serve de fachada para fingir que a
população tem alguma participação nas decisões. A “sociedade civil”
representada no G20 Social é nada menos do que George Soros e a CIA, por meio
da Open Society e da Fundação Ford.
Assim,
os fóruns do G20, como a sua reunião de cúpula, servem mais como palanque de
transmissão das ideias e reivindicações de Lula sobre um mundo menos desigual
do que uma plataforma para intervir na realidade. Apesar de que até esse
palanque se mostrou contraproducente, diante das barbaridades neoliberais
propagadas por Milei.
O
G20 é uma organização falida e sem futuro nenhum. Aliás, seu modelo é falido e
sem futuro. É uma demonstração da impossibilidade de se reformar a governança
global a partir de dentro das instituições dessa governança, como sonha o
presidente Lula. Não é possível reformá-las. Precisam ser substituídas por
outras com modelos absolutamente distintos, fora do controle ditatorial de meia
dúzia de nações que as utilizam para impor seus desígnios e submeter as demais.
Fonte:
DW Brasil/Brasil 247
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