sexta-feira, 22 de novembro de 2024

G20 recoloca Brasil no tabuleiro geopolítico

O encerramento da cúpula do G20, que reuniu representantes das 20 maiores economias do mundo no Rio de Janeiro, entre segunda e terça-feira (18/11-19/11) mostrou que o Brasil conseguiu recuperar espaço no tabuleiro geopolítico global ao incluir reivindicações da diplomacia brasileira na declaração final do encontro, de acordo com a avaliação de especialistas ouvidos pela DW.

"Havia um problema em governos anteriores, nos quais perdemos um certo protagonismo internacional. O atual governo também vinha derrapando na política internacional e, por isso, reunir diversos governos foi importante para o país como forma de recolocar o Brasil no xadrez global novamente", avalia o cientista político e professor do Insper, Leandro Consentino.

declaração final do G20, aprovada na segunda-feira (18/11), aborda os conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia e, também, inclui temas que eram primordiais para o governo brasileiro, que ocupa a Presidência rotativa do grupo.

O documento menciona temas da agenda brasileira, como o combate à fome e à pobreza, sustentabilidade e mudanças climáticas e reforma da governança global – e várias outras questões, como a proposta de taxação dos super-ricos e a inteligência artificial, dentre outros.

·        Brasil de volta?

Para o cientista político Maurício Santoro, o governo Lula buscou recalcular a rota, após um começo controverso em temas espinhosos, e mostrar força dentro de um contexto global difuso como forma de diferenciação e da instabilidade política que vigorou nas presidências de Michel Temer e Jair Bolsonaro, sobretudo, pela ruptura em temas como meio ambiente e direitos humanos.

"O presidente Lula cometeu erros graves em seus posicionamentos sobre as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, e tem falhado em lidar com dois dos vizinhos em crise do Brasil, Argentina e Venezuela. Contudo, teve sucesso ao realizar a cúpula do G20, negociando pautas sociais na agenda final do grupo e retomando a realização de grandes eventos diplomáticos no Brasil, após quase uma década de eventos", disse.

Guilherme Casarões, professor de Política Internacional da FGV EAESP, concorda com a avaliação sobre a retomada da influência brasileira na geopolítica e afirma que o país conseguiu construir uma agenda global de longo prazo baseada em bandeiras históricas da esquerda brasileira.

"A presidência brasileira do G20 foi bastante valorizada pelo governo Lula, que a considerou uma oportunidade não somente de fortalecer a relevância internacional do Brasil, mas também de avançar agendas importantes, em que o Brasil desempenha um papel de liderança, como o combate à fome e à pobreza, mudanças climáticas e reforma da governança global. Essas são bandeiras históricas do país e bastante associadas ao governo Lula, permitindo que se construa um legado global de longo prazo", avalia.

Além disso, a cúpula do G20 também demonstra que o país terá a capacidade de sediar outros eventos e pautar temas internacionais, mesmo em meio a desafios que deverão surgir no curto prazo.

"No terceiro mandato de Lula, o Brasil terá sediado duas cúpulas diplomáticas importantes: o G20 e a COP30 em Belém, em novembro de 2025. A próxima será mais difícil, porque o tema do enfrentamento às mudanças climáticas será muito enfraquecido com o novo governo Trump nos Estados Unidos", afirma Santoro.

·        Consensos possíveis

As expectativas em relação à cúpula eram de dúvida, especialmente ligadas à eleição de Trump nos EUA e à atuação do presidente argentino Javier Milei. Para Guilherme Casarões, no entanto, o Brasil conseguiu um desfecho vitorioso ao apostar nos consensos possíveis de um mundo multipolar.

"Em vez de idealizar uma declaração ambiciosa e irrealizável, o Brasil foi capaz de buscar os chamados ‘consensos possíveis', concentrando seus esforços em temas importantes da pauta internacional, como combate à fome e mudanças climáticas, em que o posicionamento coletivo do G20 é bastante valioso", afirma Casarões.

Para Maurício Santoro, o principal destaque do G20 foi a criação da Aliança Global contra a Fome, um tema caro ao presidente Lula, que se destaca em sua trajetória política e no legado das políticas sociais de seus dois primeiros governos.

"O Brasil também foi bem-sucedido em colocar em realce os temas sociais na agenda do G20, como pobreza, desigualdade e justiça tributária, e de estabelecer um bom diálogo com a sociedade civil por meio do G20 Social", diz.

Já no tema ambiental, os analistas afirmam que os resultados concretos são mais difíceis de atingir, uma vez que são compromissos voluntários que dependem da disposição política de cada país em observá-los. "De todo modo, uma declaração política de peso reforça o compromisso coletivo no combate às mudanças climáticas e ao financiamento às medidas de mitigação e adaptação", diz Casarões.

Apesar das boas intenções e do relativo sucesso brasileiro, o G20 busca apenas colocar temas na agenda global de negociações, não tendo a capacidade de implementar decisões, que deverão ser tratadas na Organização das Nações Unidas (ONU) e em outras organizações internacionais. Por isso, analistas são céticos em relação ao impacto direto das decisões do encontro na vida cotidiana.

"Tanto a busca pelo combate à fome, quanto na governança global e na transição energética, todas as mudanças são no plano retórico, sem compromisso de fato concreto. Medidas e sinalizações importantes ainda ficam no campo da retórica e precisamos esperar o longo prazo para termos qualquer resultado concreto", diz Consentino.

·        Encontros bilaterais

Para além do consenso entre as 20 principais economias do mundo, o presidente Lula também buscou uma agenda de dezenas de encontros bilaterais com líderes de diversos países presentes no Rio de Janeiro.

Para os especialistas, o encontro com o presidente francês, Emmanuel Macron, deve fortalecer a agenda climática e a cooperação com a União Europeia. "Nas negociações bilaterais, o acordo mais importante foi entre Argentina e Brasil, para a exportação do gás natural argentino da reserva de Vaca Muerta para o Brasil, a preços vantajosos para os brasileiros", diz Santoro. "Foi importante também a declaração do presidente da França dizendo que retirou suas objeções ao acordo de livre comércio entre Mercosul e UE", completa.

Além disso, a reunião entre Lula e o presidente chinês Xi Jinping também chamou a atenção dos analistas dado a imagem que o encontro deve passar ao mundo. "A reunião entre Lula e Xi Jinping, que demonstra a centralidade da China na estratégia brasileira e antecipa um movimento do Brasil em direção a laços políticos mais fortes com o gigante asiático diante da eleição de Trump nos EUA", conclui Casarões.

 

¨      Lula sai duplamente premiado no G20 e na prisão de generais golpistas em 2023. Por César Fonseca

O presidente Lula marcou dois pontos políticos relevantes para fortalecer sua luta pela reeleição em 2026 com programa desenvolvimentista: 1 – sucesso no comando do G20 e 2 – desbaratamento dos generais golpistas de 2023, que tentaram derrubá-lo e matá-lo.

No G20, o recado brasileiro do combate global à fome foi absorvido politicamente pelas 82 nações presentes no encontro internacional.

O rosário de reivindicações no comunicado final do G20 expressa a demanda mundial contra o neoliberalismo na sua fase agressiva financista especulativa.

Lula colhe fortalecimento político interno, com uma agenda internacional que teve o consenso unânime dos participantes do encontro.

O combate à fome e a taxação dos mais ricos para bancar essa transferência de renda arrastou todos os presentes do G20.

Ele se fortalece, sobretudo, para lutar contra os banqueiros que querem impor-lhe um arrocho fiscal neoliberal que o impede de cumprir o compromisso de combater a fome.

É a polarização de classe expressa no palco do G20.

A população mundial está ávida por justiça social e prega o fim imediato da desigualdade.

Lula colocou a fome para brigar com as armas.

Combate à fome salva com pouco dinheiro mais de 700 milhões de miseráveis, enquanto uma minoria de trilionários que manda na economia capitalista financeirizada especulativa engole 75% do produto bruto global, fazendo guerras.

Combate à fome, fortalece a paz; estímulo ao armamentismo eterniza guerra.

VISÃO SOCIAL PREDOMINANTE

A super concentração da renda e a superexploração do trabalho são as âncaras do comunicado do G20 que colocou em evidência a economia política lulista de caráter social com ampla aceitação global.

A austeridade neoliberal cai diante do discurso do presidente brasileiro.

Ele prega tirar dos mais ricos para dar aos mais pobres, taxado em 2% indivíduos que não sabem mais onde pôr seu dinheiro.

Educação, saúde, infraestrutura, produção, consumo e distribuição equitativa da riqueza mundial, com taxação sobre quem tem mais para dar para quem tem menos é a agenda-sucesso do G20.

Com ela, Lula fortalece a democracia ocidental, ameaçada pela guerra comercial protecionista que o império americano promete praticar para enfrentar a competição com a China, para a qual está perdendo.

O combate à fome e a taxação dos ricos é pró-China, que, com sua proposta Rota da Seda, promete diversificação mundial de investimentos chineses no desenvolvimento econômico sustentável.

Ao mesmo tempo, a agenda lulista é anti-americana, no sentido de que a proposta dos Estados Unidos, apresentada durante G20, potencializa a guerra, com autorização do presidente Joe Biden, em território brasileiro, de permitir a Ucrânia atacar a Rússia com mísseis americanos.

Biden agiu como brucutu.

A proposta de Lula, assim como a de Xi Jinping é voltada para o interesse da união dos povos; a de Biden é a destruição dos povos.

Trata-se de remédio eficaz e eficiente para atacar a fome e promover a integração econômica pelo desenvolvimento das forças produtivas e não pela destruição delas, como está fazendo a financeirização neoliberal rentista de guerra, que impede a sustentabilidade econômica.

GOLPISTAS NA CADEIA

O outro ponto político importantíssimo que Lula marcou, mas, indiretamente, no sentido de fortalecer sua candidatura à reeleição em 2026, foi a prisão dos “Kids Pretos”, pela Polícia Federal.

Os “Kids”, militares super treinados e destemidos para atuarem como tropa de assalto para dar golpe de estado, conforme pretendia o ex-presidente fascista Jair Bolsonaro e seus generais, favorecem politicamente, o presidente Lula.

O porão do poder nazi-fascista bolsonarista resistiu à derrota de 2022 e queria impedir o presidente Lula de começar a governar a partir de 2023, com apoio popular e legitimação democrática.

Certamente, de agora em diante os procedimentos para processar os golpistas serão acelerados pelas próprias circunstâncias políticas extraordinárias criadas pela Polícia Federal ao desbaratar a quadrilha político-militar golpista.

O bolsonarismo cavou mais um palmo na sua sepultura.

A opinião pública está sob o impacto da descoberta policial de que o governo Bolsonaro era dirigido, na prática, pelos militares golpistas, empenhados em impedir o exercício democrático por meio de Lula eleito.

O Congresso falou pelo seu presidente, senador Rodrigo Pacheco(PSD-MG), sobre a necessidade de que a lei seja cumprida.

Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal vai falar em defesa da democracia ameaçada e dar poder de investigação ao ministro Alexandre de Moraes, que se notabilizou na investigação dos golpistas bolsonaristas, jurado de morte por eles.

A direita e a ultradireita, comandadas por Bolsonaro, no poder, com disposição golpista à flor da pele, estavam ou não compactuadas com o golpe?

Governaram autoritariamente de 2018 a 2022 usufruindo do poder fascista para se enriquecerem enquanto os trabalhadores foram sufocados em seus direitos pelas reformas neoliberais.

Os trabalhadores foram roubados pela mudança da legislação e pelo rebaixamento dos salários, por meio da exploração da mais valia relativa - tempo de trabalho não pago - elevada pelo golpe neoliberal de 2016.

Os liberais e neoliberais, maiores favorecidos pela proteção dos “Kids Pretos”, prontos para dar golpe e se apoiar na burguesia fascista, trabalharam ou não contra a democracia, ao apoiarem o bolsonarismo?

Por que não denunciaram, se sabiam de alguma coisa, relativa aos ataques à democracia, quando o país disputava eleição presidencial em 2022?

O fato é que Lula sai fortalecido para disputa eleitoral em 2026: primeiro, pela realização do G20, que assumiu suas propostas; segundo pelas diligências da Polícia Federal, que implodiu o esquema golpista, fortalecendo a sempre ameaçada democracia tupiniquim.

 

¨      G20, um modelo falido.  Por Eduardo Vasco

A reunião de cúpula do G20, no Rio de Janeiro, foi marcada por muitas negociações, e negociações dificílimas. O governo brasileiro considerou que a declaração final foi uma vitória de sua diplomacia, por manter a essência das principais ideias que têm sido difundidas pelo presidente Lula, como a necessidade do diálogo em vez da guerra, do combate à desigualdade social e da sustentabilidade climática.

De fato, a declaração final pode ser mesmo considerada uma vitória da diplomacia brasileira. Alguns afirmam ainda que foi uma vitória diplomática de todo o “Sul Global”, particularmente porque os negociadores dos BRICS resistiram às tentativas ocidentais de impor uma linguagem até mesmo agressiva contra a Rússia.

O Brasil também inovou, em sua presidência, ao lançar o G20 Social e estabelecer uma Aliança Global contra a Fome. Essas iniciativas podem ser debitadas diretamente na conta do presidente Lula, pois têm a sua marca, a de um reformador social.

No entanto, é preciso lidar com a realidade. E ela é cruel para quem sonha em reformar as instituições da governança global. Eu não tenho a menor esperança de que qualquer compromisso firmado pelos membros do G20 saia do papel. As próprias negociações, encarniçadas, demonstram a falta de disposição de alguns dos seus membros em colocar essas políticas em prática.

E não falo apenas de Javier Milei, que se comprovou um boneco de ventríloquo de Donald Trump. Relatos na imprensa dão conta de que os países ricos tentaram também reduzir a sua responsabilidade na contribuição para o combate às mudanças climáticas. Como Lula já indicou algumas vezes, é sobre eles que mais pesa essa responsabilidade, uma vez que historicamente foram os que mais exploraram a natureza. Porém, tendo eles já se beneficiado da intervenção sobre a natureza para se industrializar e desenvolver sua economia e sua sociedade, agora tentam impedir os outros de fazer o mesmo, utilizando a chantagem climática.

Recentemente, o russo Vladimir Putin declarou que, quando o antigo G8 ainda funcionava, os países do G7 (as potências capitalistas) sempre se reuniam antes, a portas fechadas, para discutir como seria a sua política conjunta contra a Rússia, o outro país daquele grupo. Portanto, na prática não havia uma discussão verdadeira e uma negociação de igual para igual dentro do G8, mas sim um complô de uma parte do bloco contra a outra.

Somente os ingênuos podem pensar que no G20 seja diferente. As informações sobre as negociações que foram divulgadas pela imprensa corroboram essa suspeita. A composição do grupo e a situação internacional fortalecem ainda mais esse ponto de vista. O G20, assim, tem a ingrata tarefa de equilibrar os interesses das nações ditas emergentes (do BRICS, da União Africana etc.) com os das nações ricas, o que, em última instância, é impossível, ainda mais em um cenário de polarização internacional entre essas duas categorias de países.

Essa polarização afeta todo o trabalho do G20, uma vez que os interesses dessas duas categorias de países vêm se tornando cada vez mais contraditórios, senão antagônicos. E a tendência é que isso continue, pois a polarização geopolítica entre nações ricas e pobres é irreversível. Logo, as negociações do G20 se tornarão mais difíceis e, certamente, inúteis. É bem possível que ele deixe de existir em breve, assim como o famigerado G8.

Mesmo os aspectos que poderiam ser considerados positivos – as vitórias brasileiras – não passam de meros engodos. A Aliança Global contra a Fome, por exemplo, tem como parceiras instituições ligadas umbilicalmente ao Deep State americano, o setor mais podre e fétido do obscuro sistema imperialista dos Estados Unidos (como as fundações Rockefeller e Gates). O G20 Social, por sua vez, é um arremedo de frente de movimentos sociais que serve de fachada para fingir que a população tem alguma participação nas decisões. A “sociedade civil” representada no G20 Social é nada menos do que George Soros e a CIA, por meio da Open Society e da Fundação Ford.

Assim, os fóruns do G20, como a sua reunião de cúpula, servem mais como palanque de transmissão das ideias e reivindicações de Lula sobre um mundo menos desigual do que uma plataforma para intervir na realidade. Apesar de que até esse palanque se mostrou contraproducente, diante das barbaridades neoliberais propagadas por Milei.

O G20 é uma organização falida e sem futuro nenhum. Aliás, seu modelo é falido e sem futuro. É uma demonstração da impossibilidade de se reformar a governança global a partir de dentro das instituições dessa governança, como sonha o presidente Lula. Não é possível reformá-las. Precisam ser substituídas por outras com modelos absolutamente distintos, fora do controle ditatorial de meia dúzia de nações que as utilizam para impor seus desígnios e submeter as demais.

 

Fonte: DW Brasil/Brasil 247

 

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