Moisés
Mendes: Um plano de fé de Braga Netto - golpear Lula e depois Bolsonaro
Fez
aniversário nessa segunda-feira a pregação de fé do general Braga Netto a
patriotas que o cercaram na entrada do Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro
havia se entrincheirado depois da eleição.
Foi
no dia 18 de novembro de 2022. Um grupo abordou o general cobrando atitude dos
líderes golpistas, porque a militância acampada esperava um gesto forte para
continuar agitando e conspirando.
Braga
Netto foi assertivo e fez uma recomendação em tom religioso, depois de dizer
que o presidente estava bem:
“Vocês,
não percam a fé. É só o que eu posso falar para vocês agora, tá bom?”
Uma
mulher disse que os acampados estavam sob chuva e no sufoco. O general vice na
chapa derrotada de Bolsonaro a acalmou:
“Eu
sei, senhora. Tem que dar um tempo, tá bom? Eu não posso conversar”.
O
tom era de um general falando com segurança aos soldados sobre a batalha que se
avizinhava. Braga Netto passou confiança aos golpistas amontoados diante do QG
do Exército em Brasília.
Agora,
se sabe que seis dias antes, em 12 de novembro, ele havia feito uma reunião
para tratar de detalhes da trama em sua casa, incluindo o assassinato de Lula,
Alckmin e Alexandre de Moraes. E a sequência é conhecida por todos.
Os
bloqueios de estradas. A tentativa de invasão da sede da Polícia Federal no dia
12 de dezembro. A bomba colocada num caminhão-tanque, na véspera do Natal, no
aeroporto de Brasília. Os ataques às torres de transmissão de energia. A fuga
de Bolsonaro para os Estados Unidos e a invasão do 8 de janeiro.
Com
o poder da fé, Braga Netto, que se habilitara a ocupar o lugar do inconfiável
Hamilton Mourão de vice, havia mostrado a cara, com prova em vídeo. Só faltou
dizer que um golpe estava sendo tramado.
Mas
só um golpe, apenas um? É agora que se apresenta, com mais consistência, uma
boa dúvida que merece mais atenção: o plano completo poderia estar prevendo um
golpe contra o próprio Bolsonaro.
O
alarido dos comandantes pouco antes da reunião na casa de Braga Netto, com
declaração de guerra em manifesto contra as instituições, a sequência de atos
violentos e a postura de Braga Netto indicavam, até o final do ano, que o golpe
era levado a sério, antes ou depois da posse de Lula.
Bolsonaro
foge, o 8 de janeiro vira uma baderna, sem a adesão e os efeitos previstos, e o
golpe falha. Se tivesse prosperado, Bolsonaro estaria fora do país. Voltaria
para ser seu líder?
Braga
Netto e seus parceiros devem saber que o desfecho previsto talvez não fosse
esse. É quase certo que o general e seus comandados estavam prontos, com um bem
planejado gabinete de crise para golpear o próprio Bolsonaro.
Aos
que perguntarem se os militares não dependiam do poder político de Bolsonaro,
porque ele é quem tinha votos e quase vencera a eleição de novo, a resposta é
essa: golpes não dependem do voto de ninguém.
Se
os assassinatos e o 8 de janeiro tivessem funcionado, mais por imposição dos
militares do que pela participação vacilante de Bolsonaro, os generais poderiam
se livrar do líder frouxo.
Deixariam
de ser tutores de um tenente que eles mesmos consideravam incompetente. Eles
seriam os protagonistas.
A
falha do golpe pode ter impedido que o bolsonarismo virasse outra coisa,
aperfeiçoado por uma ditadura clássica. Ainda com o poder da fé, mas sem
Bolsonaro acima de tudo e de todos.
• Golpe
continuado incluiu plano de sequestro e morte do presidente. Por Denise Assis
Hoje,
quando vem à tona o detalhamento da conspiração do golpe que seria impetrado
contra o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito naquele ano de
2022, é preciso percorrer os passos dessa história. A Polícia Federal amanheceu
na porta de cinco conspiradores de altíssima periculosidade, mas faltam
generais nesse rol de investigados. E estamos esperando o momento em que eles
serão levados para prestar contas do plano bárbaro que engendraram.
Por
enquanto, foram presos: o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, que comandava a
3ª Companhia de Forças Especiais em Manaus, destituído do cargo em fevereiro
deste ano; o general e ex-ministro interino da Secretaria-Geral, Mário
Fernandes; o secretário-executivo da PR e major reformado Rafael Martins de
Oliveira, ex-assessor do deputado Eduardo Pazuello; e um membro das Forças
Especiais do Exército. Ele negociou com o coronel Mauro Cid, ex-ajudante de
ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, o pagamento de R$ 100 mil para custear
a ida de manifestantes a Brasília. Por fim, o major Rodrigo Bezerra de Azevedo
e o policial federal Wladimir Matos Soares.
Primeiro,
é importante deixar claro que, ao contrário da tentativa feita pelo desastrado
e covarde Jair Bolsonaro em setembro de 2021 — que não se preparou para o
"day after" e, quando viu que teria sucesso com a ajuda do bloqueio
de rodovias por caminhoneiros, trancou-se no closet de Michelle, até a chegada
de Michel Temer. Bolsonaro se deu conta de que não sabia o que fazer com o
poder. Michel o resgatou do vexame — porque de golpe ele entende. Já no de
2022, havia plano para os desdobramentos.
Tanto
Hélio Ferreira Lima — com estatura de ministro e livre trânsito no Palácio —,
como o general Walter Braga Netto, e o colega Augusto Heleno, experiente em
conspiração, pois ajudou o general Silvio Frota na tentativa de golpear o
ditador Ernesto Geisel (1974/1979), pensaram em tudo. Principalmente em
reeditar o “Comando Supremo da Revolução”, instituído no "day after"
de 1964, quando, no primeiro dia dos anos de terror que se seguiriam, já
prepararam listas e mais listas de cassados e perseguidos.
Só
na Petrobras foram afastados mais de três mil funcionários (sem remuneração, a
bem do serviço público). Na Marinha, 4.700; no Exército, em torno de sete mil.
No Congresso, Darcy Ribeiro e o deputado do PTB, Almino Afonso, puxavam uma
lista interminável de deputados e autoridades, todos cassados. Em 2022, Braga
Netto e Heleno não fariam diferente. Pelo plano, teriam poder absoluto sobre
nossas vidas.
O
autodenominado Comando Supremo da Revolução (o golpe de 1964) foi um
triunvirato governamental composto pelos três ministros militares, dois dias
depois da derrubada do presidente João Goulart: Artur da Costa e Silva,
ministro do Exército; Augusto Rademaker Grünewald, ministro da Marinha; e
Francisco de Assis Correia de Melo, ministro da Aeronáutica.
Dessa
vez, as peças-chave seriam os "Kids Pretos", para executar a tocaia
que sequestraria e mataria o presidente Lula, o vice Alckmin, impedindo a linha
sucessória, e o ministro e árbitro do pleito de 2022, no TSE, na eleição de 30
de outubro, Alexandre de Moraes.
A
grande dúvida era se desfechavam o plano antes ou depois da eleição ocorrida e
dos fatos consumados. Mário Fernandes tinha pressa. Numa reunião convocada no
dia 22 de julho daquele ano, de forma ilegal, pois usaram o “próprio” do
Planalto, um espaço público, portanto, para conspirar, ele conclamou ansioso:
“Daqui a pouco nós estamos nas vésperas do primeiro turno. E aí, com a própria
pressão internacional, a liberdade de ação do senhor e do governo vai ser bem
menor. A população vai começar a acreditar: 'Não, tá tranquilo, o governo não
tomou a medida mais radical, tá tranquilo'. Então, eu acho que realmente nós
temos que ter um prazo para que isso aconteça (...)."
As
conversas e conchavos prosseguiram, até que a eleição chegou e o “golpe” só
rolava no WhatsApp, como protestou um dos oficiais, em conversas trocadas com
Mauro Cid: “Seremos leões de Zap”, debochou. Era preciso ação, e ela não tardou
a chegar. No dia 30 de outubro, data do segundo turno da eleição, Silvinei
Vasques, o diretor da Polícia Rodoviária Federal indicado por Flávio Bolsonaro,
colocou a tropa na rua e desencadeou um plano, amparado pelo ministro da
Justiça, Anderson Torres, para impedir o acesso dos eleitores nas áreas de
maior concentração de adeptos de Lula. Onde as pesquisas apontavam 75% de
adesão ao então candidato petista, lá estava uma patrulha para impedi-los de
chegar às urnas. Mas, a despeito das “inspeções” ilegais, eles chegaram e deram
a vitória a Lula.
No
dia 31 de outubro, com o resultado favorável a Lula — vitória, inclusive,
reconhecida pelos EUA desde o primeiro minuto —, também com o apoio da PRF, os
"Kids Pretos" ocuparam as principais rodovias, levando a reboque
grupos de adeptos fanáticos de Bolsonaro, impedindo o ir e vir da população.
Nem ambulâncias com parturientes passavam. Vasques deu ordem para que não se
mexessem para coibir as barricadas.
Os
protestos resvalaram para as portas dos quartéis e não só foram tolerados, como
incentivados e apoiados com banheiros químicos, fogões industriais, carne a
rodo para os acampados e até sala de massagem para relaxamento. E luz e água, é
claro. Aos que estranharam e buscaram explicações junto aos comandos militares,
eles responderam com uma carta timbrada, no dia 11 de novembro de 2022.
Assinavam a missiva: o comandante da Marinha, almirante Garnier; da
Aeronáutica, Batista Júnior; e do Exército, Marcio Freire Gomes. Na carta, os
três comandos defendiam os acampamentos e a “liberdade de expressão” dos que
ali arquitetavam a conspiração contra a posse de Lula.
• Revisão e
“pitacos”
Enquanto
isso, Anderson Torres, Bolsonaro, Mário Fernandes, Braga Netto e Heleno
revisavam e alteravam — com “pitacos” de Freire Gomes, como está descrito nos
documentos —, uma minuta de golpe, um roteiro para o desenrolar dos
acontecimentos. Em seu depoimento à Polícia Federal, o comandante do Exército
nega que tenha apoiado as ideias golpistas. Ele pode ter revisto sua posição a
partir das advertências do Comando Sul dos EUA, de que não estavam de acordo e
tampouco apoiariam o golpe no Brasil. O que ele não pode negar é que viu, leu e
revisou a minuta.
Não
só. Depois da carta dos três comandos ter sido veiculada na sociedade, os
adeptos do complô continuaram com a conspiração no playground do apartamento do
general Braga Netto, onde foi elaborada outra carta. Dessa vez, para mobilizar
as fileiras da reserva e da ativa, com 220 assinaturas de oficiais, com
patentes de generais, coronéis, brigadeiros, almirantes. Recentemente, três
“patos” foram indiciados por tê-la escrito, com o aval para punição do
comandante Tomás Paiva. Apesar de ter uma versão na íntegra, com as 220
assinaturas, publicada na mesma semana de sua circulação, no 247, o general
Paiva ainda pediu “investigação” da existência da carta, talvez para protelar a
punição.
A
diplomação do presidente Lula estava programada para o dia 15 de dezembro.
Porém, chegaram ao ministro Alexandre de Moraes notícias de que estavam
planejando algo para impedir a cerimônia. Alexandre de Moraes resolveu
antecipar a diplomação para o dia 12, quebrando o plano — que era o de
sequestrá-lo e matá-lo nesse dia —, conforme agora se soube. É possível que
Moraes não soubesse da extensão do plano, mas, ao antecipar a diplomação,
desmobilizou o golpe e salvou a própria pele, além da democracia, nosso bem
maior.
Naquela
noite, Brasília assistiu a um quadro de horror. De acordo com uma fonte da PF
que deu um depoimento à Revista Fórum, sob anonimato, por ordem do general
Heleno, "Kids Pretos" espalharam botijões de gás por vários pontos da
capital, tacaram fogo em ônibus e carros de particulares, fecharam as rodovias
e forçaram a prisão do indígena cacique Sererê, que fazia parte do plano. Por
não terem autonomia, os indígenas não podem permanecer presos. Um personagem
perfeito para simular uma “injustiça”, Sererê forçou a própria prisão fazendo
agito no aeroporto de Brasília. Foi a desculpa para os “protestos” na cidade.
Na imagem colhida no celular de George Washington, o autor do atentado ao
aeroporto, pela Polícia Civil do DF, tem-se ideia de como o cacique foi usado:
• Sequestro e
morte do presidente
Ainda
assim, a tropa não se mobilizou para a ação do golpe. O plano, no entanto,
seguia seu curso, prevendo: sequestro e morte do presidente — já eleito, Luiz
Inácio Lula da Silva —, do seu vice, Geraldo Alckmin, e do ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF), na época na condição de presidente do TSE, responsável
pela lisura da eleição. O plano incluía envenenamento, no caso de sobrevivência
de algum deles, ao ataque. Essa mensagem, divulgada na primeira leva de
depoimentos do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o coronel Mauro Cid, nos dá
bem a dimensão do quanto mais violento esse golpe seria:
A
posse do presidente Lula se aproximava e os golpistas não agiam, para desespero
do general Braga Netto, que chegou a classificar os que não aderiam de
“c...ões”. No dia 22 de dezembro, eles se reuniram no playground do general
candidato a vice derrotado, onde foi elaborada a minuta de uma carta apelando
para o golpe, assinada por 220 oficiais. No dia seguinte, Braga Netto apareceu,
ao lado de Bolsonaro, pedindo que tivessem fé, pois algo iria acontecer por
aqueles dias. Nada aconteceu. Faltava adesão. Meio Alto Comando estava fora do
golpe, o que os levou a serem chamados nas redes sociais de “melancias”: verdes
por fora, mas vermelhinhos por dentro.
Não
se pode afirmar se o algo que Braga Netto prometeu foi o atentado à bomba no
aeroporto de Brasília, mas certo é que, na véspera de Natal, depois que o
deputado general Girão (RN) pediu que os fanáticos colocassem os seus
sapatinhos na janela, porque teriam uma boa surpresa na noite natalina, o
motorista de um caminhão estacionado próximo à pista do aeroporto de Brasília
denunciou à Polícia Civil-DF que em seu caminhão haviam instalado um artefato.
Sorte é que não explodiu. A bomba foi colocada por George Washington, que
recebeu instruções e o material para confeccioná-la no acampamento em frente ao
Comando Central do Exército, de um "Kid Preto".
No
intervalo até a posse do presidente eleito, como bem lembrou o deputado Rogério
Correia, Marcio Gomes Freire designou para o batalhão dos "Kids
Pretos", em Goiânia, o coronel Mauro Cid, que garantiria o ataque a
Brasília. (Lula soube, não aceitou e pediu que isso fosse desfeito). O ministro
da Defesa, José Múcio, tentou impedir que Mauro Cid fosse destituído. Quase
queima na largada o seu cargo. O país teria saído no lucro.
A
posse transcorreu em segurança e em clima de euforia, sob gritos de mais de um
milhão: “sem anistia”! Uma semana depois, ainda saboreando o clima de alegria e
tranquilidade da posse, o presidente Lula foi surpreendido pelas cenas de
terrorismo, vandalismo, do golpe de Estado do dia 8 de janeiro. Desnecessário
descrevê-las, exceto para acrescentar que a atuação dos "Kids Pretos"
para abrir caminho aos vândalos, nas cenas do golpe, foi fundamental. Sem
dúvida, o imobilismo da Polícia do governador Ibaneis Rocha, que mandou abrir a
Praça dos Três Poderes aos golpistas, foi estratégico. Escadas eram
improvisadas com os gradis para facilitar a entrada no segundo andar dos
palácios. Granadas escondidas no gramado da Praça eram lançadas por gente
treinada, com luvas de rede metálica, para evitar queimaduras. O resto está por
ser apurado, mas já é história. E como dói.
• Bolsonaro é
a cereja do bolo. Por Alex Solnik
O
preso mais importante na operação da Polícia Federal é o general de Brigada
Mário Fernandes, que fez parte do governo Bolsonaro e era próximo do então
presidente da República.
Ele
chegou a dizer, ao microfone, numa reunião ministerial, que “alguma coisa”
tinha que ser feita “antes da posse” do novo presidente.
E
com ele foram encontrados, como soubemos hoje, planos detalhados para matar o
presidente e o vice eleitos e o presidente do TSE, com a consequente formação
de um “governo provisório” comandado pelos generais Augusto Heleno e Braga
Netto.
O
plano só não se consumou, embora tenha sido detonado, com o monitoramento de
Lula e de Alexandre de Moraes, porque os comandantes do Exército e da Marinha
rejeitaram a proposta de Bolsonaro.
A
prisão do general Mário Fernandes é “preventiva”. Não pode passar de 81 dias. É
o período que a Polícia Federal terá para arrancar dele novos detalhes do plano
e implicar mais gente na conspiração e, em caso extremo, fazer uma delação
premiada contra Bolsonaro e Braga Netto, os dois principais interessados no
sucesso da conspiração.
Bolsonaro
e Braga Netto não foram presos hoje porque eles são as cerejas do bolo. Estão
no topo da pirâmide, não têm a quem delatar. E, de mais a mais, ficariam presos
por apenas 81 dias.
Serão
presos, sim, mas só depois do trânsito em julgado do processo, e vão cumprir
penas muito maiores.
Fonte:
Brasil 247
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