Os planos
da Austrália para banir crianças de redes sociais, como X, TikTok e Instagram
"Para
ser honesto, fiquei com muito medo", diz James, descrevendo um incidente
no Snapchat que o deixou
questionando se era seguro ir à escola.
O
menino australiano, de 12 anos, teve um desentendimento com um amigo e, uma
noite, antes de dormir, o menino o adicionou a um grupo de bate-papo com
dois adolescentes mais velhos.
Quase
instantaneamente, seu telefone "começou a ser bombardeado" com uma
série de mensagens violentas.
"Um
deles parecia ter provavelmente 17 anos", contou James à BBC. "Ele me
mandou vídeos dele com um facão… ele estava balançando (o facão). Depois,
recebi mensagens de voz dizendo que eles iriam me pegar e me esfaquear."
James
(nome fictício) entrou no Snapchat pela primeira vez quando tinha 10 anos,
depois que um colega de turma sugeriu que todos em seu grupo de amigos
baixassem o aplicativo. Mas depois de contar
aos pais sobre sua experiência com cyberbullying, que acabou sendo resolvida pela escola, James excluiu sua
conta.
A
experiência dele é um alerta que mostra por que a proibição das redes sociais proposta
pelo governo australiano para menores de 16 anos é necessária, diz sua mãe
Emma, que também está usando um pseudônimo.
O
projeto de lei, que foi apresentado na câmara baixa do Parlamento na
quinta-feira (20/11), foi classificado pelo primeiro-ministro australiano,
Anthony Albanese, como "líder mundial".
Mas
embora muitos pais tenham aplaudido a medida, alguns especialistas questionam
se as crianças devem — ou até
mesmo podem — ser impedidas de acessar as redes sociais, e quais podem ser os
efeitos adversos de fazer isso.
·
O que a Austrália está
propondo?
Albanese
afirma que a proibição — que vai abranger plataformas como X (antigo Twitter), TikTok, Facebook e Instagram — tem como
objetivo proteger as crianças dos "danos" das redes sociais.
"Este
é um problema global, e queremos que os jovens australianos tenham basicamente
uma infância. Queremos que os pais tenham paz de espírito", disse ele na
quinta-feira.
A
nova legislação oferece um "arcabouço" para a proibição. Mas o
documento de 17 páginas, que deve chegar ao Senado na próxima semana, é escasso
em detalhes.
Caberá,
então, ao órgão regulador da internet do país — o
eSafety Commissioner — definir como implementar e fazer cumprir as regras, que
só vão entrar em vigor pelo menos 12 meses após a aprovação da legislação.
De
acordo com o projeto de lei, a proibição vai ser aplicada a todas as crianças
menores de 16 anos — e não haverá qualquer isenção para usuários existentes ou
com consentimento dos pais.
As
empresas de tecnologia vão enfrentar
penalidades de até 50 milhões de dólares australianos (R$ 188 milhões) se não
cumprirem a regra, mas haverá isenções para plataformas que sejam capazes de
criar "serviços de baixo risco" considerados adequados para crianças.
Os critérios para isso ainda não foram definidos.
Os
serviços de mensagens e sites de jogos, no entanto, não vão ser restritos,
assim como alguns sites que podem ser acessados sem uma
conta, como o YouTube, o que levantou questões sobre como os órgãos reguladores vão determinar o que é ou não uma plataforma de rede social em um ambiente em constante
evolução.
Um
grupo que representa os interesses de empresas de tecnologia como Meta,
Snapchat e X na Austrália rejeitou a proibição, classificando-a como "uma
resposta do século 20 aos desafios do século 21".
Uma
legislação deste tipo poderia levar as crianças para "partes perigosas e
não regulamentadas da internet", afirma o Digital Industry Group Inc.
O
mesmo receio também foi manifestado por alguns especialistas.
Julie
Inman Grant, à frente do eSafety Commissioner, reconheceu a tarefa colossal que
sua agência vai enfrentar ao aplicar a proibição, visto que "a mudança
tecnológica sempre vai ultrapassar a política".
"Isso
vai ser sempre fluido, e é por isso que os órgãos reguladores, como o eSafety,
precisam ser ágeis", ela disse à BBC Radio 5 Live.
Mas
Inman Grant também levantou preocupações em relação à ideia central por trás da
política do governo, que é a de que existe uma relação de causalidade entre as
redes sociais e o declínio da saúde mental.
"Eu
diria que a base de evidências não está nada estabelecida", ela afirmou,
indicando uma pesquisa da sua própria agência que constatou que alguns dos
grupos mais vulneráveis, como adolescentes LGBTQ+ ou de povos originários, "se
sentem mais eles mesmos online do que no mundo real".
Este
é um sentimento compartilhado por Lucas Lane, de 15 anos, que administra um
negócio online que vende esmaltes para meninos. "Esta [proibição] destrói…
minhas amizades e a capacidade de fazer as pessoas se sentirem vistas",
disse o adolescente à BBC.
Inman
Grant prefere ver as empresas de tecnologia despoluindo suas plataformas, assim
como mais investimentos em ferramentas educativas para ajudar os jovens a se
manterem seguros online. Ela usa a analogia de ensinar as crianças a nadar, em
vez de proibi-las de entrar na água.
"Não
colocamos cercas no oceano... mas criamos ambientes para natação protegidos,
que oferecem medidas de segurança e ensinam lições importantes desde a mais
tenra idade", disse ela ao Parlamento no início deste ano.
Mas
pais como Emma veem isso de forma diferente.
"Deveríamos
realmente perder nosso tempo tentando ajudar as crianças a navegar por sistemas
difíceis quando as empresas de tecnologia só querem que elas usem esses
sistemas o tempo todo?", ela questiona.
"Ou
deveríamos apenas permitir que elas sejam crianças e aprendam a ser sociáveis umas com as outras ao ar livre, e começar essas discussões mais tarde?"
Amy
Friedlander, mãe de três filhos, do movimento Wait Mate — que
incentiva os pais a adiarem a decisão de dar smartphones aos filhos — concorda.
"Não
podemos ignorar todos os aspectos positivos que a tecnologia trouxe para nossas
vidas. Há vantagens enormes, mas o que realmente não consideramos é o impacto
que está tendo nos cérebros que não estão preparados para isso."
·
'Um instrumento muito
contundente'
Mais
de 100 acadêmicos australianos criticaram a proibição como "um instrumento
muito contundente" — e argumentaram que vai contra a orientação da
Organização das Nações Unidas (ONU), que pede aos governos que garantam que os
jovens tenham "acesso seguro" aos ambientes digitais.
A
proposta também não conseguiu obter o apoio de uma comissão parlamentar
bipartidária que tem analisado o impacto das redes sociais nos adolescentes. Em
vez disso, a comissão recomendou que as gigantes da tecnologia enfrentem
regulamentações mais rigorosas.
Para
abordar algumas dessas preocupações, o governo diz que vai acabar introduzindo
leis de "dever de cuidado digital", que vão tornar uma obrigação
legal para as empresas de tecnologia priorizar a segurança do usuário.
Joanne
Orlando, pesquisadora de comportamento digital, argumenta que embora uma
proibição "possa fazer parte de uma estratégia, ela não pode de forma
alguma ser a estratégia completa".
Ela
diz que "a maior peça do quebra-cabeça" deveria ser educar as
crianças a pensar criticamente sobre o conteúdo que elas veem em seus feeds e
como usam as redes sociais.
O
governo já gastou 6 milhões de dólares australianos (R$ 23 milhões) desde 2022
para desenvolver "ferramentas de alfabetização digital" gratuitas
para tentar fazer exatamente isso. No entanto, pesquisas sugerem que muitos
jovens australianos não estão tendo aulas regularmente.
Orlando
e outros especialistas alertam que também existem obstáculos significativos
para tornar a tecnologia de verificação de idade — necessária para fazer
cumprir a proibição — eficaz e segura, dados os "enormes riscos"
associados ao potencial armazenamento online dos documentos de identificação de
todos os australianos.
O
governo disse que pretende resolver esse desafio por meio de testes para
verificação de idade, e espera apresentar um relatório em meados do próximo
ano. Prometeu ainda que as preocupações com a privacidade vão estar no centro
das atenções, mas ofereceu poucos detalhes sobre que tipo de tecnologia vai ser
realmente testada.
Em
sua orientação, o eSafety Commissioner deu a ideia de usar um serviço
independente para tornar anônima a identidade de um usuário antes que ela seja
repassada a qualquer site de verificação de idade, para "preservar"
sua privacidade.
Mas
Orlando permanece cética. "Não consigo pensar em nenhuma tecnologia que
exista neste momento que possa fazer isso", disse ela à BBC.
·
A Austrália vai
conseguir?
A
Austrália não é, de forma alguma, o primeiro país a tentar restringir a forma
como os jovens acessam determinados sites ou plataformas online.
Em
2011, a Coreia do Sul aprovou uma lei que proibia crianças menores de 16 anos
de jogar games na internet entre 22h30 e 6h, mas as regras — que enfrentaram
reações adversas — foram posteriormente revogadas, citando a necessidade de
"respeitar os direitos dos jovens".
Mais
recentemente, a França introduziu uma legislação que exige que as plataformas
de redes sociais bloqueiem o acesso a crianças menores de 15 anos sem o
consentimento dos pais. Uma pesquisa indicou que quase metade dos usuários
conseguiram burlar a proibição usando uma VPN simples.
Uma
lei no Estado de Utah, nos EUA — que era semelhante à da Austrália — se deparou
com uma questão diferente: foi obstruída por um juiz federal que a considerou
inconstitucional.
Albanese
admitiu que a proposta da Austrália pode não ser infalível e, se for aprovada
no Parlamento, vai estar sujeita a uma revisão.
"Todos
nós sabemos que a tecnologia avança rapidamente, e algumas pessoas vão tentar
encontrar formas de burlar estas novas leis, mas isso não é motivo para ignorar
a responsabilidade que temos", disse ele aos legisladores.
Para
pais como Emma e Friedlander — que fizeram lobby pelas mudanças —, o mais
importante é a mensagem transmitida pela proibição.
"Durante
muito tempo, os pais tiveram esta escolha impossível entre ceder e dar aos seus
filhos um dispositivo viciante ou vê-los isolados e sentindo-se excluídos
socialmente", observa Friedlander.
"Ficamos
presos a uma norma da qual ninguém quer fazer parte."
James
diz que desde que saiu do Snapchat, ele passou mais tempo fora de casa com os
amigos.
E
ele espera que as novas leis possam permitir que mais crianças como ele
"saiam e façam as coisas que amam", em vez de se sentirem
pressionadas a estar conectadas online.
¨
Usuários verificados
do X espalham imagens de abuso sexual infantil livremente, mostra investigação
da BBC
A rede social X, antigo
Twitter, tem permitido que usuários verificados promovam links para sites que
aparentemente vendem vídeos de abuso sexual infantil, mostra uma
investigação da BBC.
Usuários
verificados, distinguidos por um tique azul, pagam uma taxa mensal para tornar
suas contas mais proeminentes na rede social. O X diz que a verificação também
é realizada para garantir "a integridade" do site.
Mas
a BBC encontrou contas verificadas compartilhando links para sites que anunciam
vídeos de abuso para venda.
Todas
as contas ofensivas foram denunciadas ao site e posteriormente bloqueadas.
Um
representante do X afirmou que as contas foram suspensas "de acordo com as
políticas do X."
Mas
o X não respondeu a mais perguntas sobre o processo de verificação da
plataforma.
<><> Palavras-chave de abuso infantil
As
contas verificadas foram encontradas pesquisando palavras-chave em um dialeto
árabe que pedófilos têm usado para interagir uns com os outros no X por pelo
menos seis meses.
Eles
não compartilharam conteúdo ilegal diretamente — mas outros perfis não
verificados usando as mesmas palavras-chave estão postando material de abuso
sexual infantil.
A
investigação do Serviço Mundial da descobriu:
- cinco usuários verificados compartilhando links para sites
aparentemente vendendo conteúdo de abuso infantil
- uma das contas foi verificada por mais de um ano e estava
postando os links havia mais de seis meses, sem que X tomasse nenhuma
atitude
- uma conta verificada postou um vídeo mostrando conteúdo
para venda rotulado como "crianças"
- o X bloqueou uma das palavras-chave durante a investigação
— mas no início deste mês, uma conta verificada foi aberta com uma
variação da mesma palavra-chave como nome de perfil
A
investigação seguiu as diretrizes da BBC e não está divulgando as
palavras-chave.
O
Instagram e o Facebook baniram algumas das palavras-chave na primavera.
E
as pesquisas nessas plataformas — ambas de propriedade da Meta — não levaram ao
conteúdo de abuso infantil.
Mas
não está claro se o X tomará medidas semelhantes agora.
<><> Ampla visualização
Em
maio, a Comissão Europeia enviou ao X uma solicitação formal de informações
sobre a aparente redução na moderação desde que o bilionário Elon Musk cortou o
tamanho da equipe de segurança em sua aquisição da plataforma, em 2022.
O X
introduziu contas verificadas pagas em abril de 2023, cobrando a partir de US$
8 (cerca de R$ 46) por mês.
Usuários
verificados também devem fornecer uma conta bancária e um número de telefone.
Em
troca, suas contas são impulsionadas no algoritmo do site.
Os
perfis verificados vistos pela BBC tinham poucos seguidores — entre dezenas e
centenas.
Mas
suas postagens conseguiram reunir um grande número de visualizações - algumas
com mais de 40 mil.
E
eles postaram promoções e anúncios para canais do Telegram contendo capturas de
tela de arquivos oferecidos com rótulos como "menino novo" e
"menina nova".
A
BBC não comprou acesso a essas pastas do Telegram, então não pôde confirmar se
o conteúdo era de fato abuso.
O
próprio Telegram foi duramente criticado por agências de segurança pública e
instituições de caridade por hospedar atividades ilegais, incluindo
compartilhamento de vídeos de abuso sexual de crianças.
O
presidente-executivo da empresa foi preso em Paris, em agosto, e está sob
investigação por não impedir a criminalidade, incluindo a distribuição de
vídeos de abuso sexual infantil.
Além
das contas verificadas, a BBC também encontrou cerca de uma dúzia de contas
normais compartilhando links sob as mesmas palavras-chave em árabe.
E
algumas delas estavam postando imagens de abuso diretamente em seus perfis no
X.
<><> Confirmação dos vídeos
A
BBC enviou as contas para a Internet Watch Foundation (IWF), que trabalha para
investigar, denunciar e remover imagens de abuso sexual infantil da internet.
Seus
especialistas confirmaram que uma delas estava compartilhando vídeos da
Categoria B, a segunda categoria criminal mais extrema, retratando atividade
sexual sem penetração com crianças.
"Todos
os vídeos foram censurados até certo ponto por um adesivo digital preto e
redondo com o nome de uma loja — mas o suficiente pôde ser visto e avaliado por
nós", disseram os especialistas.
Os
vídeos mostravam meninos e meninas de 7 a 10 anos — não no mesmo vídeo — de
etnias brancas, asiáticas e não identificadas.
As
outras contas que a BBC compartilhou com a instituição de caridade parecem ter
sido suspensas ou tiveram o conteúdo ilegal removido antes da avaliação.
Uma
das contas não verificadas aparentemente estava compartilhando um vídeo da
Categoria A, mostrando sexo com penetração com um menino de cerca de 10 anos.
Fonte:
BBC News
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