Câncer,
malformação, “viroses”: a crise de saúde puxada por agrotóxicos na terra da
soja
No
“Nortão” de Mato Grosso, o uso de agrotóxicos é comum em cidades dominadas pelo
agronegócio como Lucas do Rio Verde, Sinop e Sorriso. Moradores relatam que
pelo menos duas vezes por ano passam pelo mesmo problema de saúde: náuseas,
vômitos e diarreia. Para trabalhadores rurais e quem vive nos limites dessas
cidades, ao lado das lavouras de algodão, milho e soja, o mal-estar se repete
mais vezes a cada ano, geralmente na mesma época do plantio das novas safras.
Mas há outros casos, ainda mais graves e recorrentes, neste trecho da rodovia
BR-163.
Multiplicam-se
episódios de malformação de bebês, com mortes de recém-nascidos e internações,
sem sucesso, em unidades de tratamento intensivo (UTI). Ocorrem ainda repetidos
casos de aborto espontâneo no início da gestação, entre a 9a e 12a semanas.
Mas
no protocolo de perguntas às pacientes que perdem seus bebês, por exemplo, não
há orientação para que se questione sobre a exposição da paciente a substâncias
químicas, como os agrotóxicos despejados sistematicamente nas lavouras que
invadem as cidades.
Para
pesquisadores e profissionais de saúde ouvidos pela Agência Pública na região,
tanto os casos graves quanto a recorrência de episódios de mal-estar provariam
uma intoxicação em massa pelo abuso de agrotóxicos. Mas para o agronegócio e
grande parte da elite local a resposta é outra: são apenas “viroses” e
fatalidades que naturalmente acometem a população.
“Na
época do plantio das novas safras, é normal as pessoas passarem mal sem
procurar atendimento médico. Por aqui, tudo não passa de ‘virose’ que se trata
em casa mesmo, com uma dipirona ou paracetamol, e não uma intoxicação em
massa”, disse à Pública um dos profissionais de saúde ouvidos na condição de
anonimato, por temor de retaliações.
“Infelizmente,
aqui é comum que pessoas sejam diagnosticadas com câncer do sistema nervoso
central, câncer linfático e leucemia, por vezes fulminantes, com pacientes
levados a óbito em poucas semanas após o diagnóstico. Os sinais de algumas
destas doenças graves são ignorados – como por exemplo fortes dores de cabeça,
que são vistas como coisas corriqueiras, ao invés de servirem de alerta para a
realização, com urgência, de exames de alta complexidade para um diagnóstico
rápido e preciso”, afirmou à Pública outro profissional de saúde que atua na
região.
• Epidemia de
câncer em crianças e adolescentes
Estudos
recentes agravam o cenário quanto à saúde da população em diversas das cidades
na rota da BR-163 em Mato Grosso. Enfermeira, professora e pesquisadora da
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Mariana Soares estuda casos de
câncer infantojuvenil no estado, especialmente em regiões marcadas pelo uso
ostensivo de agrotóxicos como Lucas do Rio Verde, Sinop e Sorriso.
Segundo
Soares, o foco em crianças e jovens se explica pela ausência de hábitos
associados a outros tipos de câncer, como consumo de substâncias alcoólicas ou
dependência de nicotina, por exemplo – o que dificultaria uma análise precisa
das causas da doença nos pacientes infantojuvenis.
“A
partir de dados oficiais do Ministério da Saúde e do IBGE, já identificamos
que, quanto maior o uso de agrotóxicos em uma região, proporcionalmente aumenta
a incidência de câncer infantojuvenil no mesmo local”, disse à Pública a
pesquisadora.
Os
estudos dela evoluíram para uma pesquisa com pacientes já diagnosticados e em
tratamento contra o câncer, para identificar a exposição de adultos a
substâncias tóxicas por causa de suas profissões.
“Quem
foi exposto a agrotóxicos e intoxicado tinha associação com determinados tipos
de cânceres, o que foi importante para provar que pessoas expostas
ocupacionalmente tiveram maior incidência de câncer”, afirmou Soares.
Segundo
ela, prontuários oficiais e dados territoriais de incidência da doença revelam
que 68% dos pacientes infantojuvenis do Hospital do Câncer em Cuiabá (MT) vêm
do interior – especialmente de regiões tomadas pelo agronegócio, como Lucas do
Rio Verde e outras cidades no eixo da BR-163.
“Nossas
pesquisas atuais já sugerem que, quando os pais dos pacientes infanto-juvenis
têm ocupações expostas a agrotóxicos, aumentam as chances de cânceres como
leucemias e linfomas”, disse Soares.
“Mais
grave ainda é notar que crianças de 0 a 4 anos representam 26%, mais de um
quarto do público atingido, o que reforça a possibilidade de eventuais mutações
genéticas nos progenitores antes mesmo da gestação dos bebês”, afirmou a
pesquisadora da UFMT.
• Perseguição
contra pesquisadores de saúde
Há
12 anos, o médico e professor da UFMT Wanderlei Pignati revelou a contaminação
por agrotóxicos do leite materno de mulheres em Lucas do Rio Verde, uma das
cidades mais importantes para o agro no Nortão.
Ao
fim, a pesquisa resultou na proibição da presença dele e de pesquisadores do
Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador (Neast), da UFMT, na cidade
dali em diante – com riscos à integridade física dos pesquisadores como um
todo.
“Não
se trata do agronegócio em Mato Grosso desacreditar a ciência: ele trabalha
incansavelmente para desregulamentar todas as leis de proteção à população, aos
animais, às águas e ao meio ambiente”, disse o professor da UFMT.
“Anos
atrás, quando percorri a região com uma colega da Fiocruz, fomos ameaçados,
sim. Houve cidade que saímos às pressas, quando pessoas de lá souberam do
objetivo de nossa pesquisa, e depois soubemos que profissionais que apoiaram
nossos estudos tinham sido demitidas”, disse Pignati à Pública.
Entre
as pesquisas realizadas por ele e sua equipe, destaque também para a
identificação de resíduos de glifosato – agrotóxico associado a casos de
depressão, infertilidade, Alzheimer, Parkinson e câncer, usado em lavouras de
soja – nos bebedouros de escolas em locais com produção agrícola de alimentos
em grande escala.
“Já
divulgamos inúmeros dados alarmantes quanto à incidência, acima da média
nacional, de casos de intoxicação aguda, câncer infantil, malformação de
recém-nascidos, mas a consequência foi uma repressão ainda maior por parte do
agronegócio – diretamente ligada aos poderes Executivo e Legislativo na região
– para que servidores ‘subnotificassem’ casos nos anos seguintes”, afirmou o
pesquisador da UFMT.
• Bolsonarista
quer afrouxar legislação de agrotóxicos
Enquanto
eleitores de Mato Grosso voltavam suas atenções para a corrida eleitoral de
2024, deputados estaduais deram sinal verde para um projeto de lei sobre
agrotóxicos que traz riscos à saúde de todos.
Proposto
pelo homem de confiança do clã Bolsonaro no Nortão, o deputado Gilberto Cattani
(PL), o projeto quer reduzir as distâncias mínimas para a aplicação terrestre
de agrotóxicos em áreas próximas a cidades e mananciais de água, dos atuais 300
metros para meros 25 metros.
Além
disso, o projeto quer substituir o termo “agrotóxicos” por “defensivos
agrícolas”, uma mudança que “alinha-se às tendências atuais do setor e reflete
os avanços tecnológicos na produção de produtos menos tóxicos”, segundo o
relator da proposta, o deputado Carlos Avalone (PSDB) – que emitiu um parecer
favorável ao projeto no último dia 13 de agosto.
“Na
prática, estamos pensando apenas em melhorar as condições dos pequenos
produtores, que estão com dificuldades em manter suas produções”, disse à
Pública o responsável pela proposta, Gilberto Cattani.
Indagado
sobre o impacto de seu projeto, caso aprovado, na saúde coletiva da população
de Mato Grosso, considerando-se o avanço de casos graves e a suspeita de
silenciamento e subnotificação de intoxicações, Cattani minimizou quaisquer
danos.
Sem
apresentar evidências, o deputado disse que alertas quanto aos malefícios do
uso ostensivo de agrotóxicos no Nortão são “mentiras”.
“Não
é uma questão ideológica, é uma questão de lógica: se isso [doenças ligadas ao
abuso de agrotóxicos] não acontece com nenhum dos meus parentes e meus amigos,
que trabalham com agricultura, só pode ser algo ‘montado’ para culpar o
agronegócio”, afirmou o deputado.
A
tentativa de afrouxar a legislação estadual quanto à proibição de uso de
agrotóxicos em áreas urbanas e mais povoadas em Mato Grosso segue a linha do
governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
À
época da gestão da hoje senadora pelo Mato Grosso do Sul Teresa Cristina (PP),
o Ministério da Agricultura reduziu a distância mínima em relação a vilas,
povoados e cidades para aplicação de produtos do tipo – de 500 metros para 250
metros. A decisão saiu no Diário Oficial da União logo no início da pandemia de
covid-19.
Para
o pesquisador da UFMT Wanderlei Pignati, a proposta do deputado bolsonarista
revela a voracidade do agronegócio em Mato Grosso, ao mesmo tempo que pode
gerar consequências não previstas pelo setor.
“Nós
pesquisamos as condições de saúde em três municípios marcados pelo agronegócio
no Nortão e, neles, quem mora a até 300 metros de onde há aplicação de
agrotóxicos tem o dobro de chances de desenvolver diabetes, aumentam as chances
de malformação de bebês e casos de câncer infantil… Isso na legislação atual.
Se o limite baixar para 25 metros, eles vão aplicar nos quintais, ao lado dos
mananciais, nas escolas. O problema só vai aumentar”, afirmou Pignati.
“Se
essa lei passar, haverá um retrocesso muito grande não só aqui no estado, como
para o agronegócio nacional, de modo mais amplo. Vai repercutir negativamente
nas exportações de commodities, nos índices de saúde do trabalhador e da
própria população… Temos um agronegócio insaciável e inconsequente”, disse
ainda.
• Mulher
descobre câncer agressivo quando estava prestes a dar à luz
Laura
Hudson estava grávida de 36 semanas da primeira filha quando descobriu que
tinha uma forma agressiva de câncer de mama.
Em
questão de dias, ela estava se preparando não apenas para uma cesariana para
dar à luz, mas também para se submeter a um tratamento de quimioterapia e a uma
mastectomia.
Laura,
que mora em Astley, na Inglaterra, mal consegue acreditar no que aconteceu com
ela ao relembrar os acontecimentos dos últimos 12 meses.
Ela
e o marido, Sam, estão comemorando juntos o primeiro aniversário de Aurora, e o
casal está incrivelmente aliviado por Laura ter sido declarada livre do câncer.
<><>
'Muito chocados'
Laura,
agora com 34 anos, disse que percebeu que algo estava errado quando sentiu um
caroço no seio direito.
Ela
não ficou muito preocupada, mas comentou com seu clínico geral, que achou que
"provavelmente tinha a ver com a gestação" — e pediu que ela
retornasse após duas semanas.
"Na
consulta seguinte, achei que (o nódulo) havia aumentado, e o médico concordou.
Ele enviou então um pedido para mais exames", lembra Laura.
Ela
contou à Radio Manchester, da BBC, que teve sorte de encontrar o nódulo e de
"seguir seus instintos", indo ao médico.
Os
especialistas logo perceberam que ela tinha câncer.
Como
o nódulo havia crescido muito rápido, os médicos quiseram iniciar o tratamento
o mais rápido possível no centro oncológico The Christie NHS Foundation Trust,
em Wigan.
Laura
disse que ela e Sam ficaram "muito chocados, porque isso não é algo que se
espera, especialmente durante a gravidez".
"Meu
primeiro pensamento foi em relação à minha bebê", acrescentou.
Aurora
nasceu saudável com 37 semanas de gestação.
Embora
a família recém-ampliada tenha conseguido passar alguns dias reunida, Laura
precisou rapidamente iniciar a quimioterapia, antes de fazer a mastectomia e a
reconstrução da mama.
O
tratamento, realizado no Royal Albert Edward Infirmary, em Wigan, foi
bem-sucedido, o que significa que Laura e Sam puderam concentrar todas as suas
energias na filha.
Claire
Kelly, oncologista que tratou dela no The Christie, descreveu Laura como uma
"mulher inspiradora" que, ao compartilhar sua história, também
aumentou a conscientização sobre a doença.
"Um
nódulo não é o único sintoma de câncer de mama, por isso é importante que as
pessoas se autoexaminem regularmente, e saibam o que é normal para elas",
acrescenta Kelly.
De
acordo com o site do NHS, sistema público de saúde britânico, os principais
sintomas de câncer de mama são:
-
Nódulo ou inchaço no seio, no peito ou na axila;
-
Alterações na pele da mama, como covinhas (pode ter aparência de casca de
laranja) ou vermelhidão (pode ser mais difícil de ver na pele negra ou morena);
-
Mudança no tamanho ou no formato de um ou ambos os seios;
-
Secreção no mamilo (se você não estiver grávida ou amamentando), que pode
conter sangue;
-
Mudança na forma ou aparência do mamilo, como virar para dentro (mamilo
invertido) ou erupção cutânea (pode parecer eczema);
Dor
na mama ou na axila que não passa — a dor na mama que vai e vem geralmente não
é um sintoma de câncer de mama.
Laura
disse que estava "muito contente" por ter sido examinada depois de
encontrar o caroço no seio.
"Não
sei onde estaria se não tivesse", completou.
"A
grande mensagem para as mulheres é que não deixem de verificar."
Laura
afirmou que a vida com a filha tem sido "incrível".
"Ela
fez o último ano valer a pena."
"Ela
é minha Aurora no sentido mais verdadeiro da palavra, uma linda luz na
escuridão."
• Câncer de
pâncreas: a personalização do cuidado
Há
não muito tempo, o tratamento do câncer de pâncreas era definido a partir de
dois critérios básicos: apenas quimioterapia para os casos com metástase (o
câncer já atingiu outros órgãos) e quimioterapia prévia seguida de cirurgia nos
quadros sem metástase ou cirurgia direto. Esse modelo de cuidado “tamanho
único” funcionava bem para alguns indivíduos e não para outros. Por quê? Assim
como outros cânceres, os de pâncreas são diferentes entre si.
Hoje,
diversas mutações associadas aos tumores nesse órgão podem ser identificadas a
partir do sequenciamento genético de uma amostra do tecido extraída por biópsia
ou por meio da biópsia líquida, exame feito a partir da coleta de sangue para
analisar o DNA tumoral circulante na corrente sanguínea. Com o diagnóstico
molecular e genético do câncer, é possível fazer um tratamento direcionado, com
medicamentos específicos, inclusive imunoterapia, que estimula o próprio
sistema imunológico a atacar as células tumorais.
Mas
a personalização do cuidado não se limita à escolha da medicação que será mais
eficaz. Por exemplo, será que a conduta padrão adotada para pacientes com
câncer de pâncreas não metastático é a melhor alternativa para todos? A
resposta é negativa. Um estudo feito pelo Einstein com base na compilação de
dados internos do histórico de 20 anos de atendimentos mostrou que cerca de 10%
dos pacientes submetidos à quimioterapia prévia perdiam a chance de serem
operados. Ou seja, para esse grupo, a abordagem padrão baseada em evidências e
adotada globalmente não funcionava como o esperado. Segundo o Dr. Fernando
Moura, coordenador da medicina de precisão do Einstein, isso acontece porque a
doença progride durante a quimioterapia ou esta debilita o paciente já fragilizado
pelo câncer, tornando-o inelegível ao procedimento cirúrgico.
No
Einstein, todos os pacientes com câncer de pâncreas não metastático passaram a
ser avaliados por um conjunto de especialistas. A partir de informações como
quadro clínico, perfil genético do paciente, diagnóstico molecular do tumor,
esse grupo discute as alternativas e define qual abordagem é a mais indicada em
cada caso – e que pode não ser, obrigatoriamente, a conduta padrão com
quimioterapia pré-operatória. As discussões geram decisões mais assertivas para
oferecer o melhor tratamento possível, com maior segurança para o paciente.
Um
trabalho posterior, desta vez uma revisão sistemática da literatura, abrangendo
perto de 3.500 casos, apontou resultado semelhante ao do estudo inicial. O novo
passo para aprofundar esses conhecimentos virá do estudo que o Einstein
desenvolverá usando uma base de dados muito mais abrangente, possivelmente com
40/50 mil casos: o da Mayo Clinic Platform Connect, uma plataforma de dados
anonimizados compartilhados entre as instituições que a compõem. Além da
norte-americana Mayo Clinic e do Einstein, também integram o Sheba (Israel), a
Universidade Health Network (Toronto) e o Mercy (EUA).
Uma
plataforma desse tipo potencializa a capacidade de gerar conhecimento a partir
de dados. Seja na oncologia ou em qualquer outra especialidade, cada vez mais
seremos capazes de conjugar o que há de melhor na tradicional medicina baseada
em evidências com os recursos da genética e da medicina de precisão para
oferecer cuidados personalizados, desenhados sob medida para cada paciente. Com
isso, aumenta-se a efetividade dos tratamentos e as chances de cura. E, mesmo
quando a cura não é possível, a medicina personalizada ajuda a evitar terapias
e procedimentos que não trarão resultados e identificar caminhos para assegurar
a melhor qualidade de vida possível.
Fonte:
Por Caio de Freitas, da Agencia Pública/BBC News/Futuro da Saúde
Nenhum comentário:
Postar um comentário