terça-feira, 26 de novembro de 2024

Marcia Carmo: Mujica foi decisivo para retorno da esquerda à Presidência do Uruguai

O presidente eleito do Uruguai, Yamandú Orsi, de 57 anos, contou com o apoio decisivo do ex-presidente José ‘Pepe’ Mujica para vencer o segundo turno da eleição deste domingo (24). Logo após a confirmação do resultado, uma multidão saiu às ruas de Montevidéu, carregando bandeiras do país e gritando: “Uruguai”, “Orsi” e “Pepe”.

Mujica, de 89 anos, foi um dos primeiros a chegar para votar na manhã deste domingo, no segundo turno da eleição presidencial. E foi quem fez o discurso que levou os uruguaios às lágrimas, há um mês, no dia 22 de outubro. “Estou lutando contra a morte. Mas eu tinha que vir aqui hoje (no palanque de Orsi). E estou feliz porque quando meus braços não se levantem mais, haverá milhares de braços continuando nesta luta”, disse Mujica.

O ex-professor de história, criado na zona rural do país, ele foi prefeito de Canelones, a segunda maior cidade do Uruguai, depois da capital, Montevidéu. E entrou no radar de Mujica há cerca de trinta anos, quando passou a se interessar pela política e passou a integrar o Movimento de Participação Popular (MPP), liderado pelo ex-presidente. Orsi, admirador do ex-presidente, é um defensor da justiça social, da educação pública, da geração de empregos, principalmente para os jovens, e da maior segurança pública para os uruguaios.

Neste país de cerca de 3,4 milhões de habitantes, onde o voto é obrigatório e não se pode votar no exterior, muitos viajaram para a terra natal somente para a jornada de eleição. Um dos primeiros a reconhecer a vitória de Orsi foi o atual presidente do país, Lacalle Pou. Ele passará a faixa presidencial para o político da Frente Ampla em março de 2025. O país estará completando 40 anos de retorno à democracia.

Ex-guerrilheiro, preso numa solitária na ditadura militar (1973-1985), Mujica já foi tema de uma série de livros e de filmes. E, naquele palanque, há um mês, ao lado de Orsi, lembrou que os apoiadores da justiça social no país não pararam de crescer desde aqueles anos dominados pelos ditadores. Para Mujica, Orsi o representa. A Frente Ampla governou o Uruguai durante quinze anos e retornará à Presidência após o intervalo de cinco anos de gestão de Lacalle Pou. No ‘paisito’, como os uruguaios chamam carinhosamente o próprio país, o diálogo entre os políticos de diferentes linhas ideológicas é costumeiro. A transição deve ser sem sustos. E observada por Mujica. Na entrevista exclusiva que concedeu ao Brasil 247, em sua casa (e que continua disponível no canal no Youtube), nos arredores de Montevidéu, ele disse que a justiça social e a juventude devem ser prioridades. Orsi promete seguir suas recomendações.

 

¨      A proposta de Ortega para mudar Constituição e ganhar poderes absolutos na Nicarágua

O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, determinou nesta quarta-feira (20/11) uma ampla reforma na Constituição de seu país que concederia a ele e à esposa, Rosario Murillo, poder absoluto sobre os três Poderes do Estado.

O governo Ortega apresentou a proposta à Assembleia Nacional com pedido de urgência, segundo informou a imprensa local.

Com a reforma, Rosario Murillo, hoje vice-presidente do país, passaria a ser “copresidente”, nova figura que seria incorporada à Carta Magna.

O casal governante passaria a ser “coordenador” dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário — os quais, até o momento, a Constituição coloca como independentes.

O presidente da Assembleia Nacional, Gustavo Porras, anunciou que a lei deve ser aprovada na próxima segunda-feira (25/11).

O parlamento nicaraguense é amplamente controlado pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), o partido de Ortega e Murillo: 75 dos 91 membros são da FSLN, e os restantes não costumam fazer oposição.

Caso as mudanças sejam efetivadas, a bandeira da FSLN seria oficializada como símbolo nacional junto com a bandeira, o hino e o brasão do país.

Outra das alterações propostas permitirá a destituição de funcionários públicos que discordem dos “princípios fundamentais” do regime, prática que já ocorria de forma não oficial, segundo observadores.

A reforma limitaria ainda mais a liberdade de expressão, condicionando-a à definição da proposta de que esse direito não deve "transgredir o direito de outra pessoa, da comunidade e os princípios de segurança, paz e bem-estar estabelecidos na Constituição”.

A reforma afetará mais de 100 artigos da atual Constituição, que o governo Ortega já alterou 12 vezes desde 2007.

Rosario Murillo assumiu a vice-presidência em 2017 e o casal renovou o mandato em 2021, durante eleições onde os principais candidatos de oposição foram suspensos ou presos.

Ortega, hoje com 79 anos, defende-se de acusações de autoritarismo afirmando ser alvo de perseguição política de países como os Estados Unidos.

Para seus apoiadores, ele continua sendo visto como um verdadeiro patriota. Eles o chamam de Comandante Daniel, em um misto de reverência e carinho.

·        Escalada autoritária e afastamento de Lula

No poder desde 2007, o governo Ortega consolidou sua guinada autoritária por volta de 2018, quando houve protestos contra reformas previdenciárias anunciadas pelo governo.

A repressão foi dura, inclusive com a participação de paramilitares pró-governo, segundo vários relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Em meio a este conflito, a brasileira Raynéia Gabrielle da Costa, médica residente na capital Manágua, foi morta a tiros em julho de 2018. Um homem foi condenado pela morte dela, mas depois anistiado. De acordo com entrevistados pela BBC News Brasil, ele era ligado ao regime de Ortega.

No Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu governo têm se afastado de Ortega, de quem o petista foi por muitos anos aliado.

No início de agosto, o governo Ortega expulsou o embaixador brasileiro na Nicarágua, Breno Dias da Costa — um movimento considerado drástico no mundo diplomático. Em movimento recíproco, o Brasil expulsou também a embaixadora da Nicarágua.

Um diplomata brasileiro disse à BBC News Brasil em caráter reservado que o motivo oficial da expulsão teria sido o fato de Costa não ter participado da festa de celebração dos 45 anos da Revolução Sandinista.

Este diplomata, no entanto, afirma que o não comparecimento de Costa foi determinado pelo Itamaraty e fez parte da política de distanciamento que o governo brasileiro já vinha adotando em relação à Nicarágua desde 2023.

A ordem, segundo ele, era manter as relações em níveis mínimos, evitando situações que pudessem demonstrar o apoio do Brasil ao governo da Nicarágua. Dessa forma, o embaixador era orientado a não participar de eventos públicos de caráter político.

Um dos motivos para essa posição foi o recrudescimento do regime contra a oposição e membros da Igreja Católica que se posicionam de forma crítica ao governo de Ortega.

Em junho de 2023, ao se encontrar com o papa Francisco, Lula disse que conversaria com Ortega para interceder pelo bispo de Matagalpa, Rolando José Alvarez, que havia sido preso pelo governo da Nicarágua.

"Vou tentar ajudar, se puder ajudar. Nem todo mundo é grande para pedir desculpas; a palavra é simples, mas exige grandeza", disse Lula a jornalistas na ocasião.

O bispo Álvarez foi condenado por um tribunal nicaraguense por "desestabilizar o país". Ortega, por sua vez, chamou a Igreja Católica de "ditadura perfeita".

O bispo foi solto em julho de 2023, após a fala de Lula, mas voltou a ser preso dois dias depois. Notícias do início de 2024 dão conta de que ele está exilado em Roma, no Vaticano.

Esse distanciamento contrasta com a proximidade que Lula e Ortega cultivaram entre o final dos anos 1970 e início dos 1980, quando eram vistos como dois dos principais líderes de esquerda da América Latina.

Enquanto Lula liderou greves durante os últimos anos da ditadura militar no Brasil e participou da fundação do PT, Ortega foi um dos principais comandantes da guerrilha sandinista que derrubou a ditadura da família Somoza na Nicarágua antes de ser eleito presidente.

No poder, Lula foi o primeiro presidente brasileiro a visitar a Nicarágua, em 2007, quando Ortega já estava na Presidência.

Em 2010, foi a vez de Ortega ser recebido por Lula, em Brasília. Na ocasião, Lula chamou o presidente nicaraguense de "companheiro" e "amigo".

 

¨      Os bartolinos e Evo Morales. Por Raúl Zibechi

Um dos graves problemas da esquerda realmente existente, essa centrada no Estado e nas eleições, é a sua absoluta falta de autocrítica, que, na realidade, encarna a falta de respeito que tem pelo povo e até pelos seus próprios eleitores. O que está acontecendo na Bolívia, a luta fratricida de Evo Morales contra o “seu” governo do MAS presidido por Luis Arce (e vice-versa), é um bom exemplo da perda generalizada de valores no progressismo da nossa região.

É apenas uma luta pelo poder. Nela, Morales critica o governo por ter se vendido ao imperialismo e à direita, ao passo que a Justiça o acusa de violências contra mulheres menores de idade. Nada de novo para nós que acompanhamos a trajetória do progressismo boliviano.

Surgem análises que conseguem explicar a tendência profundamente sexista e patriarcal de Morales e seus seguidores, apesar de algumas feministas na região ainda preferirem desviar o olhar, mesmo quando se trata de abusos e violações evidentes. Refiro-me a um livro intitulado Nosotras hablamos lo que queremos hablar. Violencia contra mujeres de organizaciones campesinas del Alto Valle de Cochabamba (Nós falamos o que queremos falar. Violência contra as mulheres das organizações camponesas do Alto Valle de Cochabamba), publicado em 2023 e escrito por Nelvi Aguilar, Mónica Rocha e Huáscar Salazar.

Em resumo, no Alto Valle de Cochabamba, a Federação de Mulheres Camponesas Bartolina Sisa (fundada há quase 40 anos) tem há muito tempo uma forte presença e influência na vida política da região, bem como em quase toda a Bolívia. Mas agora os homens questionam a existência de organizações só para mulheres e permitem-se interferir nelas com o argumento de que as mulheres também participam da organização mista, a CSUTCB (Confederação Única de Sindicatos dos Trabalhadores Camponeses da Bolívia).

Esta presença masculina em cargos da organização de mulheres conhecidas popularmente como “bartolinas” tem sido chamada de “bartolinos”, ou seja, “esses homens que acabam participando de maneira orgânica e em diferentes níveis nas estruturas do sindicalismo das mulheres camponesas”.

Para que isso aconteça, elas são pressionadas a cumprir apenas funções de cozinha ou limpeza, ao passo que aquelas que participam mais ativamente “são estigmatizadas e acusadas de fornecerem favores sexuais para ascender politicamente”, como afirma um artigo anterior intitulado “Bartolinos: el patriarcado del sindicalismo y la pandemia machista” (Bartolinos: o patriarcado do sindicalismo e a pandemia machista).

A violência sofrida pelas mulheres organizadas representa um esforço duplo para que possam continuar na atividade política e sindical. Com a pandemia, sua situação piorou, pois os cuidados recaíram sobre elas. Um exemplo: “Antes da pandemia, as convocatórias para congressos e assembleias eram socializadas abertamente e em documentos físicos”. Agora, ao contrário, as convocatórias são divulgadas entre os dirigentes pelo WhatsApp e publicadas com apenas alguns dias de antecedência. Estas informações nem sempre chegam às bases e quando chegam, muitas mulheres não conseguem ter acesso a elas, uma vez que tiveram que ceder os celulares para os seus filhos e filhas poderem ter acesso virtual à educação.

“Por meio deste e de outros mecanismos semelhantes, as dirigentes delegam a representantes sem consultar as suas bases. Esses delegados, em geral, são homens”, finaliza o artigo acima citado.

Neste contexto, que fala de um patriarcado profundamente instalado no sindicalismo, é necessário questionar a atitude de violência sistemática de Evo Morales contra as mulheres, bem como compreender (o que não é justificar) o apoio que continua a ter. O ex-presidente nunca negou que teve relações com menores de 16 anos. “Uma vez eu disse que termino meus anos de gestão com minha coca, minha garota e meu charango”. Frase que o então vice-presidente Álvaro García repetiu em um discurso em 2015.

Portanto, ninguém pode se sentir enganado quando Morales é acusado de estupro e abuso. Duas questões deveriam nos fazer pensar: como o apego ao poder produz monstros capazes de destruir um movimento e até um país e, em segundo lugar, a necessidade de denunciar a interferência machista e patriarcal nas organizações de mulheres, as violências relacionadas com essa atitude e o que fazer com isso.

O apoio ao progressismo não pode e não deve servir de pretexto para esconder qualquer violência.

 

¨      Haiti: violência e ameaças da polícia forçam MSF a suspender atividades na área metropolitana de Porto Príncipe

Uma série de ameaças da polícia contra a equipe de Médicos Sem Fronteiras (MSF) forçou a organização a suspender suas atividades na área metropolitana de Porto Príncipe, capital do Haiti.

Policiais pararam veículos de MSF várias vezes e ameaçaram diretamente os integrantes da equipe, incluindo ameaças de morte e violência sexual. Os incidentes ocorreram na semana seguinte a um ataque a uma ambulância de MSF que resultou na execução de pelo menos dois pacientes e danos físicos à nossa equipe, em 11 de novembro.

Essas agressões reiteradas incidentes obrigaram a organização a suspender até segunda ordem as admissões e transferências de pacientes em suas cinco instalações médicas na capital do Haiti a partir de 20 de novembro. Os ataques ilustram de forma evidente que nossa equipe e pacientes são um alvo no Haiti.

“Como profissionais de MSF, aceitamos trabalhar em condições de insegurança, mas quando até mesmo as forças de segurança se tornam uma ameaça direta, não temos outra opção senão suspender as admissões de pacientes em Porto Príncipe até que as condições [de segurança] nos permitam retomar”, explicou Christophe Garnier, coordenador-geral do projeto de MSF no Haiti.

“Cada dia que não conseguimos retomar as atividades é uma tragédia, pois somos um dos poucos prestadores de uma ampla gama de serviços médicos que permaneceram funcionando durante este ano extremamente difícil. No entanto, não podemos mais continuar trabalhando em um ambiente onde nossa equipe corre o risco de ser atacada, violentada ou até mesmo morta!”, enfatizou Garnier.

Após o incidente de 11 de novembro, em apenas uma semana MSF enfrentou os quatro incidentes listados a seguir, que não nos deixaram outra escolha a não ser suspender nossas atividades em Porto Príncipe:

1. Em 12 de novembro, duas ambulâncias de MSF foram paradas por oficiais da Brigade de Recherche et D’Intervention (BRI), da Polícia Nacional Haitiana, que ameaçaram matar a equipe de MSF em um futuro próximo.

2. Em 16 de novembro, na região de Delmas 33, um de nossos motoristas foi verbalmente atacado por policiais à paisana, que nos alertaram sobre futuros ataques às nossas ambulâncias.

3. Em 17 de novembro, pouco antes da meia-noite, outra ambulância de MSF transportando um paciente foi parada perto do Boulevard Toussaint Louverture por uma equipe da SWAT do Haiti, que ameaçou matar o paciente no local. Após intensas negociações, a ambulância foi autorizada a continuar sua jornada para o hospital de MSF em Tabarre.

4. Em 18 de novembro, em Carrefour Rita, um carro da Polícia Nacional Haitiana dirigido por um policial à paisana armado com uma pistola parou um veículo de MSF que levava a equipe para o local de trabalho. Ele ameaçou os profissionais de MSF a bordo, dizendo que na semana seguinte as forças policiais começariam a executar e queimar nossos profissionais, pacientes e ambulâncias.

Também houve ataques em várias ocasiões às ambulâncias e à equipe de MSF por paramilitares armados, incluindo em 11 de novembro.

Médicos Sem Fronteiras oferece atendimento a todos com base apenas nas necessidades médicas. A cada semana, MSF atende em média a mais de 1.100 pacientes ambulatoriais, 54 crianças com condições de emergência e mais de 80 sobreviventes de violência sexual e de gênero na área metropolitana de Porto Príncipe.

MSF está suspendendo todos os serviços médicos, exceto para pacientes já internados em suas cinco unidades médicas e suas clínicas móveis na área metropolitana de Porto Príncipe, que continuarão recebendo nossos cuidados. Nossas atividades de saúde materna no sul do país, em Port-a-Piment, também continuarão.

"Estamos no Haiti há mais de 30 anos, e essa decisão é tomada com o coração pesado, pois os serviços de saúde nunca foram tão limitados para as pessoas no Haiti. Muitas pessoas perderão o acesso aos serviços de MSF porque não podemos trabalhar com segurança em Porto Príncipe”, lamentou o coordenador-geral Christophe Garnier.

“Continuamos comprometidos com o povo do Haiti, mas não podemos retomar as admissões de novos pacientes em nossas instalações em Porto Príncipe a menos que tenhamos a garantia de segurança irrestrita e o respeito ao nosso mandato médico e humanitário por parte de grupos armados, membros de grupos paramilitares e policiais”, concluiu Garnier.

MSF é uma organização médico-humanitária internacional que oferece cuidados médicos a pessoas necessitadas, independentemente de sua origem, religião ou filiação política. MSF está presente no Haiti há mais de 30 anos, oferecendo cuidados de saúde gerais, atendimento a traumas, tratamento de queimaduras, assistência materna e apoio a sobreviventes de violência sexual.

 

Fonte: Brasil 247/ News/DW Brasil/Ascom MSF

 

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