Marcia
Carmo: Mujica foi decisivo para retorno da esquerda à Presidência do Uruguai
O
presidente eleito do Uruguai, Yamandú Orsi, de 57 anos, contou com o apoio
decisivo do ex-presidente José ‘Pepe’ Mujica para vencer o segundo turno da
eleição deste domingo (24). Logo após a confirmação do resultado, uma multidão
saiu às ruas de Montevidéu, carregando bandeiras do país e gritando: “Uruguai”,
“Orsi” e “Pepe”.
Mujica,
de 89 anos, foi um dos primeiros a chegar para votar na manhã deste domingo, no
segundo turno da eleição presidencial. E foi quem fez o discurso que levou os
uruguaios às lágrimas, há um mês, no dia 22 de outubro. “Estou lutando contra a
morte. Mas eu tinha que vir aqui hoje (no palanque de Orsi). E estou feliz
porque quando meus braços não se levantem mais, haverá milhares de braços
continuando nesta luta”, disse Mujica.
O
ex-professor de história, criado na zona rural do país, ele foi prefeito de
Canelones, a segunda maior cidade do Uruguai, depois da capital, Montevidéu. E
entrou no radar de Mujica há cerca de trinta anos, quando passou a se
interessar pela política e passou a integrar o Movimento de Participação
Popular (MPP), liderado pelo ex-presidente. Orsi, admirador do ex-presidente, é
um defensor da justiça social, da educação pública, da geração de empregos,
principalmente para os jovens, e da maior segurança pública para os uruguaios.
Neste
país de cerca de 3,4 milhões de habitantes, onde o voto é obrigatório e não se
pode votar no exterior, muitos viajaram para a terra natal somente para a
jornada de eleição. Um dos primeiros a reconhecer a vitória de Orsi foi o atual
presidente do país, Lacalle Pou. Ele passará a faixa presidencial para o
político da Frente Ampla em março de 2025. O país estará completando 40 anos de
retorno à democracia.
Ex-guerrilheiro,
preso numa solitária na ditadura militar (1973-1985), Mujica já foi tema de uma
série de livros e de filmes. E, naquele palanque, há um mês, ao lado de Orsi,
lembrou que os apoiadores da justiça social no país não pararam de crescer desde
aqueles anos dominados pelos ditadores. Para Mujica, Orsi o representa. A
Frente Ampla governou o Uruguai durante quinze anos e retornará à Presidência
após o intervalo de cinco anos de gestão de Lacalle Pou. No ‘paisito’, como os
uruguaios chamam carinhosamente o próprio país, o diálogo entre os políticos de
diferentes linhas ideológicas é costumeiro. A transição deve ser sem sustos. E
observada por Mujica. Na entrevista exclusiva que concedeu ao Brasil 247,
em sua casa (e que continua disponível no canal no Youtube), nos arredores de
Montevidéu, ele disse que a justiça social e a juventude devem ser prioridades.
Orsi promete seguir suas recomendações.
¨
A proposta de Ortega
para mudar Constituição e ganhar poderes absolutos na Nicarágua
O
presidente da Nicarágua, Daniel Ortega,
determinou nesta quarta-feira (20/11) uma ampla reforma na Constituição de seu
país que concederia a ele e à esposa, Rosario Murillo, poder absoluto sobre os
três Poderes do Estado.
O
governo Ortega apresentou a proposta à Assembleia Nacional com pedido de
urgência, segundo informou a imprensa local.
Com
a reforma, Rosario Murillo, hoje vice-presidente do país, passaria a ser
“copresidente”, nova figura que seria incorporada à Carta Magna.
O
casal governante passaria a ser “coordenador” dos Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário — os quais, até o momento, a Constituição coloca como
independentes.
O
presidente da Assembleia Nacional, Gustavo Porras, anunciou que a lei deve ser
aprovada na próxima segunda-feira (25/11).
O
parlamento nicaraguense é amplamente controlado pela Frente Sandinista de
Libertação Nacional (FSLN), o partido de Ortega e Murillo: 75 dos 91 membros
são da FSLN, e os restantes não costumam fazer oposição.
Caso
as mudanças sejam efetivadas, a bandeira da FSLN seria oficializada como
símbolo nacional junto com a bandeira, o hino e o brasão do país.
Outra
das alterações propostas permitirá a destituição de funcionários públicos que
discordem dos “princípios fundamentais” do regime, prática que já ocorria de
forma não oficial, segundo observadores.
A
reforma limitaria ainda mais a liberdade de expressão, condicionando-a à
definição da proposta de que esse direito não deve "transgredir o direito
de outra pessoa, da comunidade e os princípios de segurança, paz e bem-estar
estabelecidos na Constituição”.
A
reforma afetará mais de 100 artigos da atual Constituição, que o governo Ortega
já alterou 12 vezes desde 2007.
Rosario
Murillo assumiu a vice-presidência em 2017 e o casal renovou o mandato em 2021,
durante eleições onde os principais candidatos de oposição foram suspensos ou
presos.
Ortega,
hoje com 79 anos, defende-se de acusações de autoritarismo afirmando ser alvo
de perseguição política de países como os Estados Unidos.
Para
seus apoiadores, ele continua sendo visto como um verdadeiro patriota. Eles o
chamam de Comandante Daniel, em um misto de reverência e carinho.
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Escalada autoritária e
afastamento de Lula
No
poder desde 2007, o governo Ortega consolidou sua guinada autoritária por volta
de 2018, quando houve protestos contra reformas previdenciárias anunciadas pelo
governo.
A
repressão foi dura, inclusive com a participação de paramilitares pró-governo,
segundo vários relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH).
Em
meio a este conflito, a brasileira Raynéia Gabrielle da Costa, médica residente na capital Manágua,
foi morta a tiros em julho de 2018. Um
homem foi condenado pela morte dela, mas depois anistiado. De acordo com
entrevistados pela BBC News Brasil, ele era ligado ao regime de Ortega.
No
Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu governo têm se afastado de
Ortega, de quem o petista foi por muitos anos
aliado.
No
início de agosto, o governo Ortega expulsou o embaixador brasileiro na
Nicarágua, Breno Dias da Costa — um movimento considerado drástico no mundo
diplomático. Em movimento recíproco, o Brasil expulsou também a embaixadora da
Nicarágua.
Um
diplomata brasileiro disse à BBC News Brasil em caráter reservado que o motivo
oficial da expulsão teria sido o fato de Costa não ter participado da festa de
celebração dos 45 anos da Revolução Sandinista.
Este
diplomata, no entanto, afirma que o não comparecimento de Costa foi determinado
pelo Itamaraty e fez parte da política de distanciamento que o governo
brasileiro já vinha adotando em relação à Nicarágua desde 2023.
A
ordem, segundo ele, era manter as relações em níveis mínimos, evitando
situações que pudessem demonstrar o apoio do Brasil ao governo da Nicarágua.
Dessa forma, o embaixador era orientado a não participar de eventos públicos de
caráter político.
Um
dos motivos para essa posição foi o recrudescimento do regime contra a oposição
e membros da Igreja Católica que se posicionam de forma crítica ao governo de
Ortega.
"Vou
tentar ajudar, se puder ajudar. Nem todo mundo é grande para pedir desculpas; a
palavra é simples, mas exige grandeza", disse Lula a jornalistas na
ocasião.
O
bispo Álvarez foi condenado por um tribunal nicaraguense por
"desestabilizar o país". Ortega, por sua vez, chamou a Igreja
Católica de "ditadura perfeita".
O
bispo foi solto em julho de 2023, após a fala de Lula, mas voltou a ser preso
dois dias depois. Notícias do início de 2024 dão conta de que ele está exilado
em Roma, no Vaticano.
Esse
distanciamento contrasta com a proximidade que Lula e Ortega cultivaram entre o
final dos anos 1970 e início dos 1980, quando eram vistos como dois dos
principais líderes de esquerda da América Latina.
Enquanto
Lula liderou greves durante os últimos anos da ditadura militar no Brasil e
participou da fundação do PT, Ortega foi um dos principais comandantes da guerrilha sandinista
que derrubou a ditadura da família Somoza na Nicarágua antes de ser eleito presidente.
No
poder, Lula foi o primeiro presidente brasileiro a visitar a Nicarágua, em
2007, quando Ortega já estava na Presidência.
Em
2010, foi a vez de Ortega ser recebido por Lula, em Brasília. Na ocasião, Lula
chamou o presidente nicaraguense de "companheiro" e
"amigo".
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Os bartolinos e Evo
Morales. Por Raúl Zibechi
Um
dos graves problemas da esquerda realmente existente, essa centrada no Estado e
nas eleições, é a sua absoluta falta de autocrítica, que, na realidade, encarna
a falta de respeito que tem pelo povo e até pelos seus próprios eleitores. O
que está acontecendo na Bolívia, a luta fratricida de Evo Morales contra o “seu” governo do MAS presidido
por Luis Arce (e
vice-versa), é um bom exemplo da perda generalizada de valores no progressismo
da nossa região.
É
apenas uma luta pelo poder. Nela, Morales critica o governo por ter
se vendido ao imperialismo e à direita, ao passo que a Justiça o
acusa de violências contra mulheres menores de idade. Nada de novo para nós que acompanhamos a
trajetória do progressismo boliviano.
Surgem
análises que conseguem explicar a tendência profundamente sexista e patriarcal
de Morales e seus seguidores, apesar de algumas feministas na região
ainda preferirem desviar o olhar, mesmo quando se trata de abusos e violações
evidentes. Refiro-me a um livro intitulado Nosotras hablamos lo que
queremos hablar. Violencia contra mujeres de organizaciones campesinas del Alto
Valle de Cochabamba (Nós falamos o que queremos falar. Violência
contra as mulheres das organizações camponesas do Alto Valle de Cochabamba),
publicado em 2023 e escrito por Nelvi Aguilar, Mónica
Rocha e Huáscar Salazar.
Em
resumo, no Alto Valle de Cochabamba, a Federação de Mulheres
Camponesas Bartolina Sisa (fundada há quase 40 anos) tem há muito tempo
uma forte presença e influência na vida política da região, bem como em quase
toda a Bolívia. Mas agora os homens questionam a existência de
organizações só para mulheres e permitem-se interferir nelas com o argumento de
que as mulheres também participam da organização mista,
a CSUTCB (Confederação Única de Sindicatos dos Trabalhadores Camponeses
da Bolívia).
Esta
presença masculina em cargos da organização de mulheres conhecidas
popularmente como “bartolinas” tem sido chamada de “bartolinos”, ou seja,
“esses homens que acabam participando de maneira orgânica e em diferentes
níveis nas estruturas do sindicalismo das mulheres camponesas”.
Para
que isso aconteça, elas são pressionadas a cumprir apenas funções de cozinha ou
limpeza, ao passo que aquelas que participam mais ativamente “são
estigmatizadas e acusadas de fornecerem favores sexuais para ascender
politicamente”, como afirma um artigo anterior
intitulado “Bartolinos: el patriarcado del sindicalismo y la pandemia
machista” (Bartolinos: o patriarcado do sindicalismo e a pandemia
machista).
A
violência sofrida pelas mulheres organizadas representa um esforço duplo para
que possam continuar na atividade política e sindical. Com a pandemia, sua
situação piorou, pois os cuidados recaíram sobre elas. Um exemplo: “Antes da
pandemia, as convocatórias para congressos e assembleias eram socializadas
abertamente e em documentos físicos”. Agora, ao contrário, as convocatórias são
divulgadas entre os dirigentes pelo WhatsApp e publicadas com apenas
alguns dias de antecedência. Estas informações nem sempre chegam às bases e
quando chegam, muitas mulheres não conseguem ter acesso a elas, uma vez que
tiveram que ceder os celulares para os seus filhos e filhas poderem ter acesso
virtual à educação.
“Por
meio deste e de outros mecanismos semelhantes, as dirigentes delegam a
representantes sem consultar as suas bases. Esses delegados, em geral, são
homens”, finaliza o artigo acima citado.
Neste
contexto, que fala de um patriarcado profundamente instalado no sindicalismo, é
necessário questionar a atitude de violência sistemática de Evo
Morales contra as mulheres, bem como compreender (o que não é justificar)
o apoio que continua a ter. O ex-presidente nunca negou que teve relações com menores de 16 anos. “Uma vez eu disse que termino meus anos de
gestão com minha coca, minha garota e meu charango”. Frase que
o então vice-presidente Álvaro García repetiu em um discurso em 2015.
Portanto,
ninguém pode se sentir enganado quando Morales é acusado de estupro e
abuso. Duas questões deveriam nos fazer pensar: como o apego ao poder produz
monstros capazes de destruir um movimento e até um país e, em segundo lugar, a
necessidade de denunciar a interferência machista e patriarcal nas organizações
de mulheres, as violências relacionadas com essa atitude e o que fazer com
isso.
O
apoio ao progressismo não pode e não deve servir de pretexto para esconder
qualquer violência.
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Haiti: violência e
ameaças da polícia forçam MSF a suspender atividades na área metropolitana de
Porto Príncipe
Uma
série de ameaças da polícia contra a equipe de Médicos Sem Fronteiras (MSF)
forçou a organização a suspender suas atividades na área metropolitana de Porto
Príncipe, capital do Haiti.
Policiais
pararam veículos de MSF várias vezes e ameaçaram diretamente os integrantes da
equipe, incluindo ameaças de morte e violência sexual. Os incidentes ocorreram
na semana seguinte a um ataque a uma ambulância de MSF que resultou na execução
de pelo menos dois pacientes e danos físicos à nossa equipe, em 11 de novembro.
Essas
agressões reiteradas incidentes obrigaram a organização a suspender até segunda
ordem as admissões e transferências de pacientes em suas cinco instalações
médicas na capital do Haiti a partir de 20 de novembro. Os ataques
ilustram de forma evidente que nossa equipe e pacientes são um alvo no Haiti.
“Como
profissionais de MSF, aceitamos trabalhar em condições de insegurança, mas
quando até mesmo as forças de segurança se tornam uma ameaça direta, não temos
outra opção senão suspender as admissões de pacientes em Porto Príncipe até que
as condições [de segurança] nos permitam retomar”, explicou Christophe Garnier,
coordenador-geral do projeto de MSF no Haiti.
“Cada
dia que não conseguimos retomar as atividades é uma tragédia, pois somos um dos
poucos prestadores de uma ampla gama de serviços médicos que permaneceram
funcionando durante este ano extremamente difícil. No entanto, não podemos mais
continuar trabalhando em um ambiente onde nossa equipe corre o risco de ser
atacada, violentada ou até mesmo morta!”, enfatizou Garnier.
Após
o incidente de 11 de novembro, em apenas uma semana MSF enfrentou os quatro
incidentes listados a seguir, que não nos deixaram outra escolha a não ser
suspender nossas atividades em Porto Príncipe:
1.
Em 12 de novembro, duas ambulâncias de MSF foram paradas por oficiais da
Brigade de Recherche et D’Intervention (BRI), da Polícia Nacional Haitiana, que
ameaçaram matar a equipe de MSF em um futuro próximo.
2.
Em 16 de novembro, na região de Delmas 33, um de nossos motoristas foi
verbalmente atacado por policiais à paisana, que nos alertaram sobre futuros
ataques às nossas ambulâncias.
3.
Em 17 de novembro, pouco antes da meia-noite, outra ambulância de MSF
transportando um paciente foi parada perto do Boulevard Toussaint Louverture
por uma equipe da SWAT do Haiti, que ameaçou matar o paciente no local.
Após intensas negociações, a ambulância foi autorizada a continuar sua jornada
para o hospital de MSF em Tabarre.
4.
Em 18 de novembro, em Carrefour Rita, um carro da Polícia Nacional Haitiana
dirigido por um policial à paisana armado com uma pistola parou um veículo de
MSF que levava a equipe para o local de trabalho. Ele ameaçou os profissionais
de MSF a bordo, dizendo que na semana seguinte as forças policiais começariam a
executar e queimar nossos profissionais, pacientes e ambulâncias.
Também
houve ataques em várias ocasiões às ambulâncias e à equipe de MSF por
paramilitares armados, incluindo em 11 de novembro.
Médicos
Sem Fronteiras oferece atendimento a todos com base apenas nas necessidades
médicas. A cada semana, MSF atende em média a mais de 1.100 pacientes
ambulatoriais, 54 crianças com condições de emergência e mais de 80
sobreviventes de violência sexual e de gênero na área metropolitana de Porto
Príncipe.
MSF
está suspendendo todos os serviços médicos, exceto para pacientes já internados
em suas cinco unidades médicas e suas clínicas móveis na área metropolitana de
Porto Príncipe, que continuarão recebendo nossos cuidados. Nossas atividades de
saúde materna no sul do país, em Port-a-Piment, também continuarão.
"Estamos
no Haiti há mais de 30 anos, e essa decisão é tomada com o coração pesado, pois
os serviços de saúde nunca foram tão limitados para as pessoas no Haiti. Muitas
pessoas perderão o acesso aos serviços de MSF porque não podemos trabalhar com
segurança em Porto Príncipe”, lamentou o coordenador-geral Christophe Garnier.
“Continuamos
comprometidos com o povo do Haiti, mas não podemos retomar as admissões de
novos pacientes em nossas instalações em Porto Príncipe a menos que tenhamos a
garantia de segurança irrestrita e o respeito ao nosso mandato médico e
humanitário por parte de grupos armados, membros de grupos paramilitares e
policiais”, concluiu Garnier.
MSF
é uma organização médico-humanitária internacional que oferece cuidados médicos
a pessoas necessitadas, independentemente de sua origem, religião ou filiação
política. MSF está presente no Haiti há mais de 30 anos, oferecendo cuidados de
saúde gerais, atendimento a traumas, tratamento de queimaduras, assistência
materna e apoio a sobreviventes de violência sexual.
Fonte:
Brasil 247/ News/DW Brasil/Ascom MSF
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