Novembro
azul: a importância do autocuidado masculino
Quando
se fala em cuidar da saúde, o que vem primeiro à sua mente? A pergunta permite
uma série de respostas, que podem ser muito diferentes entre si, mas que, de
certa forma, estão todas conectadas. Afinal, fazer atividade física, comer bem,
garantir equilíbrio emocional e psicológico e fazer visitas regulares e
preventivas ao médico são todas ações que têm um mesmo objetivo e, quando
feitas em concomitância, podem garantir qualidade de vida, bem-estar e
longevidade.
E é
esse o foco da campanha Novembro Azul deste ano do Ministério da Saúde: tratar
a saúde como um todo. De acordo com o órgão, as ações promovidas por todo o mês
tiveram e têm como objetivo oferecer "uma oportunidade para sensibilizar
homens, gestores e profissionais de saúde sobre o autocuidado e o cuidado
integral da saúde, considerando os fatores socioculturais relacionados à
masculinidade e ao adoecimento".
Segundo
dados do Ministério, apesar do aumento da expectativa de vida entre 2000 e
2018, os homens continuam vivendo muito menos que as mulheres — uma média de
7,1 anos a menos. Um dos motivos para esse número é o aspecto social, que faz
com que as mulheres busquem o atendimento médico com muito mais frequência, o
que deixa ainda mais clara a importância de campanhas voltadas para o público
masculino.
As
visitas regulares e preventivas ao cardiologista, por exemplo, poderiam
diminuir drasticamente o risco de óbitos por doenças crônicas não
transmissíveis. As mortes de homens por patologias cardiovasculares e
respiratórias crônicas são de 40% a 50% maiores em relação às mulheres. Eles
também morrem mais do que as mulheres, na maioria das causas de óbito e em
todas as faixas etárias, até os 80 anos.
• Novembro
Azul
Em
relação ao câncer de próstata, de acordo com dados do Instituto Nacional do
Câncer (Inca), em 2022, mais de 16,4 mil homens morreram em razão da doença no
Brasil. Em média, 71.730 recebem o diagnóstico em algum estágio, por ano, no
país — número fixo anual para o triênio 2023-2025. A taxa de incidência, em
nível nacional, é de 55,49 para cada 100 mil habitantes, sendo a do Distrito
Federal a menor entre as unidades federativas, com 28,21.
Thiago
Vilela Castro, médico urologista do Hospital Santa Lúcia Norte, da Asa Norte,
explica que homens sem fatores de risco podem iniciar o acompanhamento com 50
anos. "Nos homens com histórico familiar e negros, o início deve ser aos
45. Já o rastreamento do câncer colorretal deve começar, também, aos 45",
detalha. Segundo o especialista, condições de saúde pré-existentes ou histórico
familiar podem exigir um cuidado maior e mais frequente, sobretudo no que diz
respeito a idas ao médico.
"Pacientes
com comorbidades, como obesidade, síndrome metabólica e diabetes mellitus,
podem aumentar o risco de doenças prostáticas e suas complicações",
elenca. Os principais sinais aparecem quando o homem sente dificuldade para
urinar ou tem aumento da frequência urinária, em especial pela noite. Urgência
ou sensação de esvaziamento incompleto da bexiga, dores pélvicas nos testículos
ou pênis, além de disfunção erétil, diminuição da libido ou alterações na
ejaculação são outros sintomas.
Nas
fases iniciais, o câncer de próstata costuma ser assintomático, sendo
diagnosticado frequentemente em exames de rotina. Quando os sintomas aparecem,
geralmente estão relacionados ao crescimento tumoral, são eles: dificuldade ou
dor ao urinar; sangue na urina ou no sêmen; e dor óssea (em casos de
metástase). "Por isso, o rastreamento periódico com dosagem de PSA
(Antígeno Prostático Específico) e exame de toque retal é essencial para o
diagnóstico precoce", enfatiza Thiago.
• Lutas e
desafios
Após
uma consulta com um médico urologista, Vilmar Morais, 65 anos, notou que seu
PSA — teste de sangue para identificar o câncer de próstata — estava alterado.
Preocupado com a situação, decidiu, no mesmo dia, pedir uma biópsia da
próstata, que acabou constando a existência do câncer. "Fiquei muito
aflito, logo depois procurei apoio ao lado dos meus familiares e da minha irmã,
que me acompanhou durante todo o processo de recuperação", lembra.
Os
sentimentos de agonia, nesse momento de dificuldade, misturavam-se com a
necessidade de enfrentar a doença. Assim, Vilmar buscou novos especialistas
para identificar a melhor forma de tratamento e combate ao câncer de próstata.
Após muitas conversas e idas ao consultório, recebeu a melhor recomendação:
fazer uma cirurgia robótica da próstata.
"Naquele
momento, era uma maneira mais rápida em tentar solucionar o problema. Depois de
vários exames pré-operatório e uma infecção urinária solucionada por medicação
indicada pelo médico, resolvemos marcar o procedimento o mais rápido possível",
revela. Ao fim da cirurgia, Vilmar ainda precisou fazer um acompanhamento
específico, com exames realizados a cada três ou quatro meses, para ficar de
olho na doença.
Em
uma dessas idas ao consultório, notou, novamente, que o PSA estava alterado.
Recebeu a indicação de outro médico, que lhe orientou a realizar tratamento com
radioterapia, a fim de solucionar, mais uma vez, seus desafios com o câncer de
próstata. "Trinta e três sessões no total e o meu PSA voltou ao nível
ideal, graças a Deus. Agora, continuamos monitorando de perto. Sobre a cura, só
o tempo dará a resposta. Sei que, neste momento, não tenho indícios da
doença."
• Saúde em dia
Professor
do curso de nutrição da Universidade Católica de Brasília, Guilherme Falcão
afirma que, com o passar do tempo, o interesse das pessoas em cuidar da saúde
passa a crescer. Esse movimento, claro, também é visto entre muitos homens, já
que a prevalência de doenças, principalmente crônicas, aparecem em adultos ou
idosos. “Em relação à alimentação e ao estilo de vida, de fato, quanto mais
cedo houver adoção de bons hábitos, melhor os resultados”, explica.
De
acordo com o especialista, os estudos não indicam, de maneira direta, uma
relação entre os alimentos e o câncer de próstata. Todavia, Guilherme ressalta
que a prática de atividade física regular e uma boa dieta carregam uma espécie
de fator protetor. Além disso, claro, ambos são importantes para que a
qualidade de vida do indivíduo se desenvolva cada vez mais.
“Se
muitos homens na família passaram por problemas com o câncer de próstata, esse
cuidado com a alimentação e com o estilo de vida mais fisicamente ativo é um
fator importantíssimo. Mas, para quem tem a carga genética elevada entre
homens, tanto para o pai quanto para a mãe, é bom ficar atento a essa questão
do rastreio preventivo, principalmente a partir de uma idade em que a
incidência é maior”, esclarece.
Na
visão de Guilherme, o brasileiro precisa aumentar o consumo de frutas e
hortaliças e diminuir o consumo de alimentos potencialmente não saudáveis.
Desse modo, excesso de carne vermelha e de alimentos ultraprocessados deve ser
minimizado. “Quando você tem um estilo de vida mais saudável, o risco para
câncer de próstata, de fato, é bem menor.”
• Amor e
natação!
O
esporte sempre esteve presente na vida de Francisco Fragoso, 54 anos. No
início, ainda quando criança, recorda-se de entrar na natação como uma forma de
lidar com os próprios medos. “Essa prática foi uma forte lição pra mim. Tinha
muito medo de água, até mesmo para entrar embaixo do chuveiro”, conta. Tempos
depois, o que era bicho-papão virou paixão rotineira, daquelas que vão de
segunda a sexta e podem até se estender aos fins de semana.
Entretanto,
do pequeno Chico até o adulto que nada mais de 10 quilômetros no Lago Paranoá,
há uma história muito bonita. Da infância para a adolescência, ele transitou em
outras práticas esportivas, não se concentrando apenas na natação. Natural de
Recife, foi campeão pernambucano de polo aquático em 1987, muito antes de se
instalar na capital federal. “O esporte, além de transformar minha história,
tanto no aspecto físico quanto mental, foi e continua sendo uma superação”,
destaca.
Já
na fase adulta, passou, aos poucos, a deixar a atividade de lado. Estudos,
trabalho e filhos pequenos fizeram com que Chico conhecesse o outro lado da
moeda: o sedentarismo. Duas décadas depois, sem praticar qualquer tipo de
esporte, decidiu retornar para o lugar do qual nunca deveria ter saído. “Voltei
a nadar e, em seguida, comecei a praticar corrida de rua. Cheguei a fazer oito
meia maratonas em 2013 e uma maratona em 2014”, relata. No ano seguinte, por
estímulo de alguns amigos, entrou na onda do triathlon.
Quando
chegou a Brasília, em 2017, conheceu o grupo Tubarões do Paranoá, conhecido por
nada no lago mais popular do quadradinho. Acolhido pelos parceiros, faz parte
da comunidade até hoje. Nessa época, Chico tinha apenas três filhos: Gabrielle,
que atualmente vive na Dinamarca; José Lucas, que mora em Recife; e Júlio
Augusto, morador de Águas Claras. Contudo, para completar a família, ainda
vieram os pequenos Henrique e Rodrigo, de 6 anos.
• Geração para
geração
Diante
de uma veia esportiva tão forte, repassar esse legado para os filhos,
obviamente, sempre fez parte dos planos de Chico. O exemplo e o incentivo, para
ele, são primordiais nesse processo de ser uma fonte de inspiração para os
familiares. “Em uma simples conversa, podemos incentivar os pequenos, desde
cedo mesmo, para que o corpinho em desenvolvimento cresça com o estímulo
saudável e com o benefício do esporte para a saúde física e mental deles”,
detalha.
Os
ensinamentos de um esporte coletivo, a socialização, o respeito ao adversário e
aos colegas de time, o apoio que se recebe e que se oferece são fatores que
formam o caráter e a energia de viver de um ser humano. Henrique pratica
futebol e natação, enquanto Rodrigo também gosta de bater uma bolinha, com um
adendo: adora capoeira. José, um dos mais velhos, pedala para todo canto,
Júlio, um pouco diferente do irmão, ficou nas corridas de rua.
“Hoje,
tenho saúde por conta da presença da prática do esporte na minha vida, que
sempre teve alguma ligação com a água, como disse no início. Há pouco mais de
seis meses, voltei com mais consistência, pois diminuí a carga para participar
mais da vida dos meninos”, descreve. O grande sonho de Chico é realizar uma
prova de triathlon de longa distância, famoso Ironman, até completar 60 anos.
Em sua visão, o cuidado masculino deve ser imprescindível para uma vida melhor.
“Acredito que a gente precise, ainda mais, de terapia.”
• Saúde
integral
O
Brasil é pioneiro na América Latina, sendo o único país do bloco a ter uma
política de saúde específica para a população masculina, a Política Nacional de
Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH). A iniciativa é pautada em cinco
eixos:
—
Acesso e acolhimento: busca reorganizar as ações de saúde com uma proposta
inclusiva, na qual os homens considerem os serviços de saúde também como
espaços masculinos.
—
Saúde sexual e saúde reprodutiva: promove a abordagem às questões sobre a
sexualidade masculina, nos campos psicológico, biológico e social.
—
Paternidade e cuidado: busca sensibilizar gestores(as), profissionais de saúde
e a sociedade em geral sobre os benefícios da participação ativa dos homens no
exercício da paternidade em todas as fases da gestação e nas ações de cuidado
com seus filhos, destacando como essa participação pode contribuir para a
saúde, o bem-estar e o fortalecimento de vínculos saudáveis entre crianças,
homens e suas ou seus parceiros.
—
Doenças prevalentes na população masculina: reforça a importância da atenção
primária no cuidado à saúde dos homens, facilitando e garantindo o acesso e a
qualidade dos cuidados necessários para lidar com fatores de risco de doenças e
agravos à saúde mais prevalentes na população masculina.
—
Prevenção de violências e acidentes: visa a conscientização sobre a relação
significativa entre a população masculina e violências e acidentes.
• Estigmas e
tabus
Nos
últimos anos, falar sobre sentimentos e emoções do público masculino tem sido
um debate maior quando comparado a outras gerações. No mundo, os homens
representam 78% de mortes por suicídio, segundo dados da Organização Mundial da
Saúde (OMS), coletados em 2019. Na visão de Rafael Félix, psicólogo e professor
na Uniceplac, o Novembro Azul é tradicionalmente voltado à conscientização
sobre o câncer de próstata, todavia, também é uma oportunidade para abordar a
saúde integral dos homens, incluindo a parte mental.
"Eles
enfrentam pressões sociais que frequentemente os afastam do autocuidado
emocional, aumentando riscos de problemas como depressão, ansiedade e suicídio.
A necessidade constante de autoafirmação da masculinidade e o estigma cultural
fazem com que homens busquem menos apoio psicológico, pois isso representaria
uma demonstração de vulnerabilidade e sinal de fraqueza", pontua. Para o
especialista, falar abertamente sobre saúde mental, nesse contexto, ajuda a
desconstruir estereótipos e reforça que cuidar do emocional é parte essencial
do bem-estar, independentemente do gênero.
O
psicólogo destaca que pesquisas recentes indicam que mais homens estão buscando
psicoterapia e outros recursos de saúde mental do que há algumas décadas.
"Mesmo assim, o progresso é paulatino e desafiado por resistências
culturais e estruturais, mas há avanços positivos na ampliação e naturalização
do debate", completa.
Desde
a infância, meninos são ensinados a reprimir emoções, exceto raiva, para se
alinharem a um ideal de masculinidade. Como resultado, expressar
vulnerabilidade pode ser visto como uma ameaça à identidade masculina.
"Tal estigma acaba por se reforçar na medida que o cuidado emocional é
desvalorizado. Seja em espaços de trabalho, seja em demais grupos sociais,
essas demandas masculinas ainda são subestimadas", acrescenta Rafael. Em
síntese, o tabu em torno da saúde mental masculina está ligado a normas sociais
e culturais que associam masculinidade a força, autossuficiência e resiliência
emocional.
Na
tentativa de selar e progredir, as iniciativas para tentar combater o estigma
são inúmeras. O primeiro movimento, na avaliação de Rafael, pode ser o de
convidar homens a uma educação emocional desde cedo, identificando suas emoções
e as enxergando como algo natural e saudável. "Desconstruir estereótipos,
promovendo modelos de masculinidades plurais, que preveem empatia e
vulnerabilidade, além de campanhas públicas de conscientização, que estimulem o
autocuidado. Espaços seguros de convivência e grupos de apoio também são
fundamentais."
• Silêncio dos
sentimentos
Quando
mais novo, Fernando Pessoa, 41 anos, interessou-se por questões emocionais e os
questionamentos que rodeavam o tema. Dessa forma, optou por se formar em
psicologia e, de lá pra cá, passou a estudar sobre o processo de como se tornar
homem mexe com o modo como meninos e homens lidam com suas emoções.
"Percebi,
desde muito cedo, que não falar sobre nossas emoções afasta os homens de uma
amizade ou de uma relação com o pai de um modo mais profundo e de confiança.
Vejo que essa é uma questão não só minha, mas da maioria dos homens. O
silenciamento das emoções faz com que não tenhamos intimidade com a gente
mesmo", reitera. Fernando começou a fazer terapia aos 19 anos e nunca mais
parou.
Mais
do que isso, mergulhou tão profundamente na relação do homem com suas emoções e
coordenou o grupo Masculinities, responsável por promover diálogos francos e
abertos entre o público masculino, em Brasília. Enquanto líder da rede de
apoio, observou que a cultura patriarcal leva os homens a reprimir suas dores
emocionais e escondê-las de si mesmos. "Isso os leva a um menor
vocabulário emocional e a uma dificuldade em lidar com conflitos
relacionais."
A
partir daí, passou a estudar a relação entre saúde mental e masculinidades e
sobre como os padrões rígidos de gênero comprometem a saúde mental dos homens,
em especial por se identificarem como uma imagem idealizada, baseada na ideia
de "homem de verdade". Além disso, Fernando acredita que o indivíduo
masculino tenha mais dificuldade em pedir ajuda ou buscar serviços de saúde
como um todo, sobretudo os que podem trazer algum auxílio psicológico.
Durante
este caminho sobre relacionamentos e emoções masculinas, Fernando escreveu o
livro Homens, masculinidade e saúde mental, que analisa as interações entre
masculinidade e sofrimento psíquico. Na obra, ele apresenta uma pesquisa
realizada em Centros de Atenção Psicossocial, na qual revelou as expectativas
frustradas de muitos por não serem aquilo que a sociedade acreditava que era
ser um homem ideal.
Fonte:
Correio Braziliense
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