terça-feira, 26 de novembro de 2024

Luís Nassif: Jango, Lacerda, JK e os Kids Pretos dos anos 70

A tentativa de golpe militar desvendada pela Polícia Federal tem tudo a ver com o golpe dentro do golpe que levou ao AI-5 (Ato Institucional número 5), de 13 de dezembro de 1968.

Na época, o ditador Costa e Silva tinha tombado com um AVC. O vice-presidente era Pedro Aleixo. Em vez da sucessão normal, houve um golpe de estado articulado pelos três comandantes militares, que assumiram o poder e assinaram o AI-5, fechando o Congresso, suspendendo o habeas corpus para crimes considerados de motivação política, implantando censura prévia à imprensa, à música, ao teatro e às manifestações culturais e procedendo a uma perseguição implacável contra os opositores ao regime.

O golpe planejado por Braga Neto visava dar o comando a uma Junta Militar, sem a participação de Jair Bolsonaro, alterar o processo de decisão do Alto Comando do Exército – que tinha 5 generais contra o golpe – e articular manifestções de rua em apoio ao novo regime. O comando da junta seria do general Augusto Heleno, que serviu a Silvio Frota – o general que articulou um golpe com Ernesto Geisel e foi demitido.

Essa disputa com Bolsonaro fica nítido no documento do golpe – com embasamento jurídico de Ives Gandra Martins. Bolsonaro queria que fosse incluído um item prevendo novas eleições. Mas os militares de Braga Neto preferiam a Junta Militar no comando.

As semelhanças não ficam apenas nisso.

As hipóteses aventadas de assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes guardam enormes semelhanças com as mortes de dissidentes no início dos anos 70 – especialmente do ex-presidente João Goulart, de Carlos Lacerda e Juscelino Kubistcheck, além de Zuzu Angel e do educador Anisio Teixeira.

Jango, Lacerda e JK articulavam a Frente Ampla, uma frente civil, juntando ex-adversário políticos, para tentar trazer de volta a democracia.

<><> As 3 mortes de presidenciáveis

Juscelino foi morto em 22 de agosto de 1976. Oficialmente, a causa foi um acidente de carro na Rodovia Presidente Dutra, em Resende (RJ), mas as circunstâncias do ocorrido levantaram questionamentos, especialmente no contexto político da época, marcado pela repressão do regime militar (1964-1985).

JK viajava de carro de São Paulo para o Rio de Janeiro em um Opala dirigido por seu motorista, Geraldo Ribeiro. O veículo teria colidido com uma carreta após um pneu furar ou uma ultrapassagem mal-sucedida, resultando na morte imediata de ambos.

No entanto, a narrativa oficial foi criticada por falhas na investigação e pela ausência de testemunhos consistentes. Lea Vidigal, advogada, montou um grupo formado por estudantes e professores da USP e do Mackenzie para investigar as circunstâncias da morte.

Um ponto que ficou mal explicado na reprodução dos fatos antes da morte de ex-presidente é uma parada que fez, saindo da Dutra, no Hotel-Fazenda Villa-Forte cujo proprietário era o brigadeiro Newton Junqueira Villa-Forte, amigo do general Golbery do Couto e Silva e um dos criadores do Serviço Nacional de Informação (SNI).

Segundo depoimento do filho de Villa-Forte, Gabriel, que estava presente naquela tarde de domingo, o hotel estava vazio e o ex-presidente ficou lá por quase duas horas, depois ele e o motorista voltaram para a estrada e poucos minutos depois aconteceu o acidente. Um depoimento feito pelo manobrista do hotel, e registrado na época, destacou que o motorista Geraldo Ribeiro estranhou o carro assim que pegou para retomarem a viagem. O grupo de trabalho encontrou, ainda, registros de um jornalista que esteve no local do acidente e viu as provas do crime serem alteradas de madrugada pela perícia.

A colisão com o ônibus também não teria acontecido.  “Tem fotografias revelando que a traseira esquerda do opala, onde a perícia disse que teria sido o ponto de colisão entre o carro e o opala estava na íntegra no momento seguinte da colisão, mas, no dia seguinte, a polícia fabricou outras fotos com a traseira esquerda avariada. Ou seja, a avaria do opala que serviu de causa, digamos, do acidente, foi produzida depois do acidente, em algum momento posterior”.  Lea afirmou que existem cálculos matemáticos feitos para reproduzir o acidente na época demonstrando que as provas oficiais produzidas para fechar o caso foram “primitivas” e que claramente “adulteram o local do acidente”.

A morte de João Goulart (Jango) foi em 6 de dezembro de 1976, na cidade de Mercedes, na Argentina, 4 meses apóas a morte de JK. Na época, estava em plena atividade a Operação Condor, juntando a repressão de vários países latino-americanos, particularmente as do Chile, Brasil e Argentina.

Oficialmente, a causa da morte foi registrada como um ataque cardíaco, mas as suspeitas foram de envenenamento através de remédios – uma das táticas expostas nas articulações para assassinar Lula.

Em 2008, o ex-agente uruguaio Mario Neira Barreiro afirmou que o ex-presidente foi morto por pílulas adulteradas com veneno, substituídas entre os seus medicamentos regulares. Barreiro alegou que a operação foi planejada por militares brasileiros com apoio de outros regimes.

Cinco meses depois foi a morte de Lacerda, em 21 de maio de 1977, aos 63 anos. Oficialmente a causa de sua morte foi atribuída a um ataque cardíaco, mas houve inúmeras dúvidas sobre as causas reais.

Relatos sobre a autópsia de Lacerda e a investigação oficial reforçaram as especulações de que poderia haver algo além de causas naturais.

Embora nunca tenham surgido provas conclusivas que confirmem assassinato ou conspiração, a morte de Carlos Lacerda continua a ser objeto de debate entre historiadores e analistas políticos.

<><> O caso Zuzu Angel

No mesmo período, em 14 de abril de 1976, houve a morte de Zuzu Angel, estilista e ativista brasileira. Ela faleceu em um acidente de carro na Estrada da Gávea, no Rio de Janeiro, mas há amplas evidências de que sua morte foi resultado de um atentado orquestrado pelos órgãos de repressão da ditadura militar no Brasil.

Zuzu tinha contatos com parlamentares norte-americanos, especialmente por meio de sua ligação com a família de Stuart, cujo pai, Norman Angel Jones, era cidadão norte-americano. Esse vínculo deu a Zuzu acesso a instituições políticas nos Estados Unidos, onde ela fez denúncias formais contra a repressão no Brasil.

Zuzu trabalhou com organizações como a Amnesty International e outras entidades que documentavam crimes políticos durante a ditadura. Essas instituições ajudaram a dar visibilidade ao caso de Stuart Angel como parte de uma campanha mais ampla contra desaparecimentos forçados na América Latina.

Usando sua posição como estilista de renome, Zuzu também envolveu artistas, jornalistas e outras figuras da alta sociedade no exterior para amplificar sua causa. Em um de seus desfiles em Nova York, ela utilizou roupas com estampas de pássaros enjaulados e outros símbolos de repressão, chamando atenção para a situação no Brasil.

Zuzu Angel vinha sofrendo ameaças por sua atuação contra o regime. Na madrugada de 14 de abril de 1976, ela perdeu o controle de seu carro, um Karmann Ghia, e colidiu com um muro em um trecho perigoso da estrada. Relatórios posteriores indicam que o carro foi provavelmente sabotado.

Entre as evidências de que não foi um simples acidente:

•                                    Zuzu havia relatado a amigos e familiares que, caso algo lhe acontecesse, seria responsabilidade da ditadura.

•                                    Investigadores independentes e, anos mais tarde, a Comissão Nacional da Verdade (2011-2014) concluíram que sua morte foi um atentado.

<><> Os órgãos de repressão

O regime militar estruturou uma vasta rede de repressão política para combater opositores, incluindo intelectuais, políticos e ativistas.

Órgãos principais envolvidos:

• DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna): Centros de repressão, tortura e execução de presos políticos.

• SNI (Serviço Nacional de Informações): Principal órgão de inteligência, que monitorava cidadãos considerados subversivos, incluindo políticos e intelectuais.

• CENIMAR (Centro de Informações da Marinha): Atuava na vigilância e repressão de opositores.

• CISA (Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica): Envolvido em casos de tortura e desaparecimento de presos políticos.

<><> Métodos utilizados pelo regime:

1.                                   • Assassinatos forjados como suicídios ou acidentes (e.g., Vladimir Herzog, Zuzu Angel, Anísio Teixeira).

• Desaparecimento forçado de opositores (e.g., Rubens Paiva, Stuart Angel).

• Execuções sumárias de guerrilheiros ou dissidentes políticos (e.g., Carlos Lamarca, Marighella).

2. Operação Condor

A Operação Condor foi uma aliança entre regimes militares da América do Sul (Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia) para coordenar a repressão contra opositores políticos em nível internacional.

• A operação permitia que os regimes trocassem informações, prendessem e até eliminassem exilados políticos.

• Políticos como João Goulart (Jango) e Juscelino Kubitschek (JK), mortos em circunstâncias suspeitas, são apontados como possíveis vítimas de ações coordenadas no âmbito da Operação Condor.

3. Grupos paramilitares e milícias clandestinas

1.                                  

Além das forças oficiais, havia grupos clandestinos e paramilitares que atuavam em nome ou com a anuência do regime:

• Esquadrões da Morte: Grupos organizados por agentes de segurança, conhecidos por execuções sumárias. Lideranças como o delegado Sérgio Paranhos Fleury estavam entre os envolvidos.

• Esses grupos frequentemente eliminavam opositores do regime ou pessoas vistas como “ameaças à ordem”.

1.                                   Contexto geopolítico e apoio internacional

O regime militar brasileiro contava com apoio direto e indireto dos Estados Unidos, no contexto da Guerra Fria.

• Escola das Américas: Instituição dos EUA que treinou militares latino-americanos em técnicas de contrainsurgência, incluindo tortura e repressão. Muitos agentes brasileiros foram treinados lá.

• O governo norte-americano via os intelectuais e políticos de esquerda como uma ameaça comunista, fornecendo suporte aos regimes militares para neutralizar essas figuras.

 

•                                    De dom Pedro 2° a Bolsonaro, atentados políticos no Brasil

Ao longo da história, o Brasil foi palco de diversos atentados políticos. Esses ataques buscavam derrubar regimes, governantes ou conseguir apoio para a manutenção da ditadura. A DW listou alguns dos episódios mais marcantes dessa história.

<><> Pelo fim da monarquia

O episódio ficou conhecido como Atentado de Julho e repercutiu tanto na imprensa local quanto na europeia. Em 15 de julho de 1889, o imperador brasileiro dom Pedro 2° (1825-1891) saía do concerto da violinista italiana Giulietta Dionesi (1878-1911) no Teatro Sant'Anna, hoje Teatro Carlos Gomes, no centro do Rio. Um homem estava à sua espera.

Bem-vestido, ele gritava pedindo o fim da monarquia e a instituição do regime republicano. Até aí, tudo poderia estar dentro da normalidade, já que a pressão era grande para a derrubada do antigo regime naquele momento. Porém, o homem sacou um revólver e disparou contra a carruagem do imperador.

Ninguém foi atingido. O atirador fugiu mas, horas depois, acabou capturado e reconhecido — estava em um bar, embriagado, e se vangloriava para a freguesia que, não só tinha atirado contra o imperador, como estava disposto a fazer novamente, acertando melhor a mira.

Identificado como Adriano Augusto do Valle, um imigrante português desempregado de 20 anos de idade, sem ligação com o movimento republicano, o atirador acabou sendo liberado. O próprio imperador decidiu que era melhor deixar para lá para evitar uma repercussão ainda maior no caso que, em sua leitura, precipitaria novos atentados.

Alguns meses depois, mais um político do alto escalão estaria no alvo. Pouco após a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, um atirador desconhecido disparou contra José da Costa Azevedo (1825-1904), o Barão de Ladário. No Segundo Império, ele ocupava o posto de ministro da Marinha e o ataque foi atribuído a algum republicano radical. Azevedo se feriu, mas escapou com vida.

<><> Da República Velha ao Estado Novo

Em 5 de novembro de 1897, o presidente Prudente de Morais (1841-1902) foi a um evento para recepcionar as forças militares vitoriosas da Revolta de Canudos, ocorrida na Bahia. Jovem praça, do 10º Batalhão da Infantaria, Marcelino Bispo de Melo (1875-1898) apontou uma garrucha em sua direção. Mas não conseguiu dispará-la.

O ministro da Guerra, marechal Carlos Machado de Bittencourt (1840-1897), e o chefe da casa militar, coronel Luiz Mendes de Moraes (1850-1914), buscaram conter o revoltoso. Com uma faca, ele feriu o coronel e matou o marechal.

Com a popularidade em baixa, o governador da Bahia José Marcelino de Sousa foi ferido levemente por uma arma de fogo em 1906, quando estava a bordo do vapor Mauricio Wanderley, retornando de Nazaré a Salvador. O caso nunca foi completamente apurado. O senador José de Aquino Tanajura (1831-1918) era apontando como mandante, algo que ele sempre negou.

O Atentado da Rua Tonelero foi a tentativa de assassinato do jornalista e político Carlos Lacerda (1914-1977), na madrugada de 5 de agosto de 1954, no Rio. O episódio é apontado como o ponto alto da crise política que levaria ao suicídio do presidente Getúlio Vargas (1882-1954) 19 dias mais tarde.

O pistoleiro foi o mestre de obras Alcino João do Nascimento (1922-2014). Ele não conseguiu matar Lacerda — mas deixou o jornalista ferido. O major-aviador Rubens Florentino Vaz (1922-1954), que fazia a segurança de Lacerda, foi alvejado no peito e morreu. Um guarda municipal também foi ferido.

<><> Ditadura

O Atentado ao Aeroporto dos Guararapes, no Recife, foi uma ação provavelmente orquestrada pela Ação Popular (AP), organização de esquerda que lutou contra a ditadura no Brasil — embora alguns acreditem que tenha sido feita por um grupo isolado de dentro da AP. A ideia era matar o marechal Artur da Costa e Silva (1899-1969), ministro do Exército e apontado como o nome para a sucessão presidencial do regime.

No dia 25 de julho de 1966, era prevista a chegada de Costa e Silva ao Recife — mas de última hora ele fez o trajeto, de João Pessoa até lá, por terra, e não por avião. Uma bomba explodiu no saguão do aeroporto logo depois do desembarque do voo onde estaria Costa e Silva. Catorze pessoas ficaram feridas e duas morreram: o jornalista e secretário de governo de Pernambuco Edson Régis de Carvalho (1923-1966) e o almirante reformado Nelson Gomes Fernandes (?-1966).

O caso do Riocentro, ocorrido na noite de 30 de abril de 1981, foi um ataque terrorista planejado por setores do próprio Exército Brasileiro com o objetivo de incriminar grupos de esquerda. Cerca de 20 mil pessoas estavam no Centro de Convenções Riocentro para o show em comemoração ao Dia do Trabalhador.

A série de explosões causaria uma tragédia. Mas uma execução desastrada desmantelou a operação. Uma das bombas explodiu longe do alvo, outra detonou antes da hora — danificando os demais explosivos. Por fim, as vítimas foram dois dos próprios militares terroristas. O sargento Guilherme Pereira do Rosário morreu na hora. O capitão Wilson Dias Machado ficou gravemente ferido.

<><> Marielle e Bolsonaro

O ano de 2018 ficou marcado por dois atentados políticos no Brasil. O primeiro deles matou a tiros a então vereadora carioca Marielle Franco (1979-2018) e o seu motorista, Anderson Gomes, em 14 de março daquele ano, no Rio.

O caso gerou ampla comoção nacional e repercussão em todo o mundo. Depois de um longo processo de investigação, no dia 24 de março de 2024, foram presos como mandantes do atentado os irmãos empresários e políticos Domingos Brazão e Chiquinho Brazão, além do delegado Rivaldo Barbosa.

No dia 6 de setembro de 2018, quando o então candidato à presidência Jair Bolsonaro fazia campanha em Juiz de Fora, ele levou uma facada na barriga. O ferimento foi grave. Bolsonaro precisou ser submetido a quatro cirurgias.

O autor do ataque, o servente de pedreiro Adélio Bispo de Oliveira, foi preso em flagrante. Bolsonaro seria eleito presidente da República menos de dois meses depois.

 

Fonte: Jornal GGN/DW Brasil

 

Nenhum comentário: