terça-feira, 26 de novembro de 2024

O que significa o indiciamento de Bolsonaro e quais são os próximos passos

O ex-presidente Jair Bolsonaro é uma das 37 pessoas indiciadas pela Polícia Federal (PF) pelos crime de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa.

Além do ex-presidente, estão na lista ex-ministros, militares e aliados de Bolsonaro, como os generais Augusto Heleno e Braga Netto.

Apesar de seu peso e impacto político, o indiciamento não é uma condenação nem significa que o investigado será automaticamente levado a julgamento.

Ele serve para embasar o trabalho do Ministério Público (no caso, a Procuradoria-Geral da República), que vai decidir sobre a continuidade do processo.

Essa não é, inclusive, a primeira vez que a PF indicia Bolsonaro. Ele já foi apontado pela polícia como o autor de crimes em duas investigações da polícia: o caso das joias sauditas e a fraude no cartão de vacinas. Sua defesa nega que ele tenha cometido qualquer crime.

O indiciamento também não significa que a pessoa será presa: o cumprimento da pena só acontece no final de um processo, caso haja condenação e tenham se esgotado todas as possibilidades de recurso.

Existe a possibilidade de uma pessoa ser presa antes somente se for presa em flagrante ou se a Justiça entender que ela apresenta um perigo imediato para a sociedade ou pode atrapalhar o andamento do processo. Até o momento, não houve um pedido de prisão para nenhum dos acusados.

Mas o que o indiciamento significa e o que acontece agora?

<><> Trajetória definida

Um indiciamento é um ato formal da polícia que acontece quando ela entende que há indícios suficientes de que a pessoa investigada cometeu um crime. O processo então segue uma trajetória bem definida, que passa por diferentes esferas do sistema de Justiça.

No caso em questão, a Polícia Federal terminou o inquérito que investigava a existência de uma tentativa de dar um golpe de Estado no final de 2022, após Bolsonaro perder as eleições, e concluiu que há provas de que as 37 pessoas - incluindo o ex-presidente - foram autores desses três crimes.

Embora seja o primeiro passo para a abertura de um processo criminal na Justiça para que os acusados possam se defender e ser julgados, o indiciamento não significa necessariamente que a pessoa enfrentará um processo: são necessárias outras etapas para que isso aconteça.

Assim como nos dois outros casos, o indiciamento relativo à tentativa de golpe de Estado significa que a PF entregará suas conclusões para o Ministério Público (MP), o órgão responsável por tomar os próximos passos.

Como o caso tramita no Supremo Tribunal Federal, a Corte precisa autorizar que o inquérito siga para o próximo passo, e, em seguida, quem o receberá é a Procuradoria-Geral da República, órgão que chefia o Ministério Público.

Segundo a assessoria do STF, o inquérito - que está sob sigilo - está neste momento sendo analisado pelo relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, que deve encaminhá-lo para a PGR na próxima semana.

<><> Denúncia na Justiça

Após qualquer indiciamento policial, o Ministério Público (no caso, a PGR) recebe o inquérito policial e pode seguir um de três caminhos:

•                                    O órgão pode entender que não houve crime ou que a autoria apontada pela polícia não está correta e arquivar o caso;

•                                    Pode entender que há indícios de crime, mas que são necessárias mais provas e pedir mais informações à polícia;

•                                    Ou pode concluir que há provas suficientes e apresentar uma denúncia contra os acusados à Justiça.

No caso em questão, caso decida apresentar uma denúncia à Justiça, a PGR vai denunciar Bolsonaro e os outros 36 acusados ao Supremo Tribunal Federal - que pode ou não aceitar a denúncia.

Caso aceite a denúncia, o STF então dará início a um processo penal contra os acusados, que se tornam formalmente réus no processo.

A partir deste momento, os réus têm direito a ter acesso às provas e têm a oportunidade de apresentar sua defesa à Justiça.

O processo então segue o rito normal de um processo criminal, com uma diferença: as instâncias envolvidas.

Normalmente em um processo criminal, o réu, caso seja condenado, tem direito a recorrer à segunda instância da Justiça, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, em alguns casos, ao STF.

No entanto, o processo em questão já correria direto no STF e, embora os réus possam apresentar recursos e recorrer de decisões, não há possibilidade de recorrer a uma instância superior, pois o STF já é a mais alta instância da Justiça Brasileira.

Embora Bolsonaro não tenha mais foro privilegiado após deixar o cargo de presidente, o inquérito da PF precisou ser autorizado pelo STF por estar relacionado a outras investigações que já existem com aprovação do STF.

O relator do caso no Supremo, o ministro Alexandre de Moraes, toma as decisões em relação à investigação, mas caso um processo criminal seja de fato aberto, os acusados serão julgados por um colegiado de ministros.

<><> Crimes e prisão

Dois dos crimes pelos quais Bolsonaro e aliados são acusados foram previstos em 2021.

Neste ano, a Lei de Segurança Nacional, criada durante a ditadura, foi revogada e o Código Penal foi alterado para conter novas descrições dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, um seja, um Estado onde o povo escolhe seus líderes e que é regido por normas e leis que todos precisam seguir.

Os crimes de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado são bastante parecidos, explica o advogado Acacio Miranda da Silva Filho, mestre em direito penal internacional pela Universidade de Granada (Espanha).

Enquanto Abolição Violenta do Estado Democrático é impedir o livre exercício de qualquer um dos poderes (Executivo, Judiciário, Legislativo) que compõe o Estado; o Golpe de Estado é tentar derrubar um governo democraticamente constituído.

Como ambos são crimes recentes, não existe jurisprudência sobre eles, ou seja, não existem decisões anteriores sobre eles que possam embasar a Justiça no caso, afirma Miranda da Silva.

No entanto, segundo o advogado, é possível entender que ambos são crimes subsidiários, ou seja, que caso ambos sejam cometidos, o mais grave (golpe de Estado), "absorveria" o menos grave (abolição do Estado) - ou seja, a pessoa responderia apenas pelo mais grave.

É como quando alguém esfaqueia outra pessoa com o intuito de mata-lá. Tecnicamente, dois crimes foram cometidos: lesão corporal e tentativa de homicídio. Como homicídio é o mais grave, o réu responde apenas por ele.

No caso, Bolsonaro e aliados foram indiciados por três crimes. Caso sejam condenados, podem receber penas:

•                                    Entre 4 e 8 anos pelo crime de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito; além da pena correspondente à violência utilizada;

•                                    Entre 5 a 10 anos pelo crime de Organização Criminosa;

•                                    Entre 3 a 10 anos pelo crime de Golpe de Estado

Se condenados, os réus só começam cumprir a pena após o trânsito em julgado do processo, ou seja, após o fim da possibilidade de recursos.

No entanto, qualquer um deles pode ser preso preventivamente, a pedido do MP, caso a Justiça entenda que eles apresentam perigo imediato à sociedade ou podem atrapalhar o andamento do processo.

 

•                                    O que disseram Jair Bolsonaro e outros indiciados pela PF sobre acusações

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 36 pessoas, incluindo militares e antigos membros de seu governo, foram indiciados nesta quinta-feira (21/11) pela Polícia Federal por suspeita de tentarem um golpe de Estado após a derrota de Bolsonaro nas urnas, nas eleições de 2022.

Na rede social X (antigo Twitter), Bolsonaro publicou trechos de uma entrevista sua ao portal Metrópoles após o indiciamento.

O ex-presidente criticou a conduta do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e disse apostar em decisão da Procuradoria-Geral da República (PGR), que deverá agora avaliar se denuncia ou não Bolsonaro.

"O ministro Alexandre de Moraes conduz todo o inquérito, ajusta depoimentos, prende sem denúncia, faz pesca probatória e tem uma assessoria bastante criativa. Faz tudo o que não diz a lei", acusou Bolsonaro.

"Tem que ver o que tem nesse indiciamento da PF. Vou esperar o advogado. Isso, obviamente, vai para a Procuradoria-Geral da República. É na PGR que começa a luta."

Senador pelo PL e líder da oposição na Casa, Rogério Marinho declarou em nota que o indiciamento de Bolsonaro e do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e demais pessoas "não só era esperado como representa sequência a processo de incessante perseguição política ao espectro político que representam".

"Espera-se que a Procuradoria-Geral da República, ao ser acionada pelo Supremo Tribunal Federal, possa cumprir com serenidade, independência e imparcialidade sua missão institucional, debruçando-se efetivamente sobre provas concretas e afastando-se definitivamente de meras ilações", escreveu Marinho, secretário-geral do PL.

"Ainda, ao reafirmar o compromisso com a manutenção do Estado de Direito, confiamos que o restabelecimento da verdade encerrará longa sequência de narrativas políticas desprovidas de suporte fático, com o restabelecimento da normalidade institucional e o fortalecimento de nossa Democracia."

Confira abaixo os posicionamentos de alguns dos indiciados — a BBC News Brasil está em busca daqueles que não se declararam ainda.

<><> Walter Braga Netto, general da reserva e candidato a vice na chapa derrotada de Bolsonaro em 2022

Em nota, o advogado de Braga Netto, Luís Henrique César Prata, afirmou: "A Defesa técnica do General Walter Souza Braga Netto destaca e repudia veementemente, e desde logo, a indevida difusão de informações relativas a inquéritos, concedidas "em primeira mão" a determinados veículos de imprensa em detrimento do devido acesso às partes diretamente envolvidas e interessadas. Assim, a Defesa aguardará o recebimento oficial dos elementos informativos para adotar um posicionamento formal e fundamentado".

<><> Almir Garnier, almirante e ex-comandante da Marinha

O advogado Demóstenes Torres, que representa o almirante Garnier, afirmou: "Em relação ao indiciamento do Almirante Almir Garnier, a defesa reitera a inocência do investigado, esclarecendo que ainda não teve acesso integral aos autos."

<><> Anderson Torres, ex-ministro da Justiça durante o governo Bolsonaro

O advogado Eumar Novacki, responsável pela defesa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, afirmou à BBC News Brasil que somente irá se posicionar após ter acesso ao relatório de indiciamento.

<><> Paulo Figueiredo Filho, ex-comentarista da Jovem Pan

"Sinto-me honrado em ser perseguido pela GESTAPO do Alexandre [de Moraes]. Agora temos um jornalista indiciado pelo 'crime de reportagem inconveniente'. É um novo patamar para a ditadura brasileira. Aguardo ansiosamente pelos próximos acontecimentos e renovo meu espírito de luta para a liberação do meu povo."

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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