José Luís
Fiori: Donald Trump e o sistema mundial
A
maioria dos analistas está de acordo que o fracasso importante na vitória de
Donald Trump, nas eleições do internacional do governo de Joe Biden teve um
papel dia 5 de novembro de 2024. Com destaque para a humilhante retirada
americana do Afeganistão; para o fracasso da OTAN na Guerra da Ucrânia; ou
finalmente, para a ambiguidade dos EUA frente ao genocídio israelense da Faixa
de Gaza, dividido entre seus apelos humanitários, e o fornecimento direto das
armas, do dinheiro e das informações utilizadas pelo governo de Israel no
bombardeio da população palestina.
Neste
momento ainda não se pode saber se a reeleição de Donald Trump será apenas uma
rodada a mais da “gangorra” política americana. Desta vez, entretanto, Donald
Trump não pode reeleger-se e terá um mandato de apenas quatro anos, mas ao
mesmo tempo contará com uma maioria conservadora no Congresso, no Senado e na
Corte Suprema, e disporá de uma equipe de auxiliares homogênea. O que lhe
permitirá, em princípio, levar à frente, de forma rápida e imediata, a sua
“agenda nacional”. Mas na área internacional, entretanto, o horizonte é menos
claro.
Neste
campo a consigna básica de Donald Trump foi sempre a mesma: “a paz através da
força”, e não pela guerra. Mas, além disso, o projeto internacional de Donald
Trump abre mão da “excepcionalidade moral” dos EUA, e adota o “interesse
nacional americano” como a única referência de todas as suas escolhas, decisões
e alianças que poderão variar através do tempo. Seguindo-se daí o ataque de
Donald Trump contra todas as instituições multilaterais, e contra todos os
acordos e regimes comerciais, ou associados com a “questão climática” e a
“transição energética”.
As
“políticas internas” de Donald Trump envolvem decisões soberanas e autônomas, e
poderão ser tomadas sem maiores consultas a outros países e governos. Mas no
caso da agenda internacional do novo governo, o problema é muito mais complexo,
porque envolve acordos passados dos EUA, e se enfrenta com a vontade soberana
de outros países, e de outras Grandes Potencias, como no caso da China, do Irã,
da Rússia, ou mesmo dos seus aliados da OTAN.
Com
relação à China, é muito provável que Donald Trump consiga negociar acordos
comerciais e tecnológicos pontuais. Mas a competição e o atrito entre os dois
países deve se manter e aumentar de intensidade nos próximos anos. Até porque a
China já foi definida pelos estrategos americanos, já faz algum tempo, como
principal competidor e a principal ameaça aos Estados Unidos, no Século XXI.
Nesse campo se pode falar inclusive de um consenso bipartidário, entre
democratas e republicanos, com diferenças apenas de gradação e intensidade. De
fato, o governo de Joe Biden manteve a mesma política protecionista contra
China do primeiro governo de Donald Trump.
Com
a diferença que agora a China se encontra melhor preparada e não será
surpreendida como aconteceu no primeiro governo Trump. Além disto, nestes anos
recentes a China aprofundou sua relação econômica com seus vizinhos asiáticos,
e com os países africanos e latino-americanos. E desde o início da Guerra da
Ucrânia, em 2021, os chineses estreitaram seus laços econômicos e sua aliança
estratégica com a Rússia, fechando a porta para qualquer tentativa de repetir a
estratégia de Henry Kissinger, do século passado, só que agora invertendo os
papéis da China e da Rússia.
Por
tudo isto, o mais provável durante o segundo mandato de Donald Trump, é que as
relações entre as duas potências sigam regidas pela “armadilha de Tucídides”,
com uma aceleração sem precedentes da sua competição tecnológica e militar, com
a universalização de sua “guerra comercial”, incluindo-se a possibilidade
anunciada por Donald Trump, de punição dos países que não utilizem o dólar em
suas transações internacionais, em particular no caso do grupo do BRICS.
No
caso do Oriente Médio, também, são muito pequenas as diferenças entre as
posições dos democratas e dos republicanos. Donald Trump deve inclusive
aumentar o apoio do governo norte-americano à Israel e às suas guerras em Gaza
e no Líbano. E deve aumentar a política de “pressão máxima” contra o Irã. Mas
neste seu segundo mandato Donald Trump deve encontrar no Oriente Médio uma
realidade militar e política muito diferente da que existia no seu primeiro
mandato, sobretudo depois do sucesso dos dois ataques militares diretos do Irã
contra a território israelense, da ruptura radical da Turquia com Israel, e da
reaproximação entre o Irã e a Arábia Saudita, promovida pela China e abençoada
pela Rússia.
Por
isto qualquer acordo de cessar-fogo imediato que possa ser logrado não
significará que Israel e o Irã suspendam a sua disputa de longo prazo, que é do
tipo “soma zero”. A hipótese dos “dois estados” parece completamente afastada e
a resistência dos palestinos deve prosseguir, assim como a ameaça permanente de
uma guerra entre os persas e os judeus com a possibilidade de transformar-se
num conflito generalizada dentro do Oriente Médio.
Já
na Europa o panorama é completamente diferente, e existe uma oposição radical
entre o posicionamento dos democratas e o dos republicanos. Neste caso, a
simples vitória eleitoral de Donald Trump, junto com a implosão do governo
alemão de Olaf Scholz, provocaram de imediato, um profundo abalo e uma primeira
divisão dentro do bloco belicista liderado pela presidenta da Comissão
Europeia, Ursula von der Leyen, e por sua nova Chefe de Política Externa, Kaja
Kallas, e apoiado pelo governo Biden, pela francês Emmanuel Macron, e pelo
governo do primeiro-ministro inglês, Keir Stramer.
Ainda
não está excluída a hipótese de que esta “coalisão russofóbica” se lance num
ataque suicida contra a Rússia, antes da posse de Donald Trump. Mas o mais
provável agora é que se iniciem de imediato as negociações de paz, com o
reconhecimento implícito por parte dos EUA da vitória militar russa. Mas também
aqui não há que ter ilusões. Depois de sua vitória militar e econômica os
russos não aceitarão mais o mundo unipolar tutelado pelos EUA. E o mais
provável é que os EUA e a Inglaterra, junto com seus aliados europeus sigam se
armando contra a Rússia, o grande “inimigo externo” que serviu como uma espécie
de “princípio organizador estratégico” das potências ocidentais, e em
particular da Inglaterra durante todo o Século XIX e dos EUA, no Século XX.
Se
este “inimigo necessário” desaparecesse os EUA e a Inglaterra teriam que
sucatear parte importante de sua infraestrutura militar global, construída com
o objetivo de conter o “expansionismo russo”, envolvendo um investimento
gigantesco em armas e em todo tipo de recursos materiais e humanos, civis,
militares e paramilitares. E a OTAN, em particular, perderia sua razão de ser
levando de roldão a estrutura de poder atual da União Europeia.
Por
isto, se houver um acordo de paz na Ucrânia, o mais provável é que ele seja
também o ponto de partida de uma nova corrida armamentista, cada vez mais
intensa, dentro da própria Europa, e obviamente, entre os EUA e a Rússia, com
repercussões em cadeia, em todas as direções e latitudes do sistema mundial.
Por
fim, os países periféricos da América Latina e da África não têm a menor
importância dentro do projeto internacional de Donald Trump, que supõe sua
submissão pura e simples ao poderia monetário e econômico dos EUA. E neste
caso, é muito provável que se repita o que passou na década de 80 do século
passado, quando a periferia capitalista foi submetida e/ou derrotada pela
política econômica norte-americana do “dólar forte” e do “keynesianismo
militar’ de Ronald Reagan, sendo depois “resgatadas” pelas políticas e reformas
neoliberais” impostas pelos “programas de ajuste” do FMI.
Só
que agora o enquadramento e submissão dos Estados e das economias endividadas
da América Latina e África deverá acontecer como derivação ou consequência
indireta do novo “protecionismo econômico” anunciado por Donald Trump. Seu
efeito imediato deverá ser o aumento da inflação e dos juros dentro dos EUA, e
este aumento dos juros deverá provocar uma desvalorização generalizada das
demais moedas nacionais, com aumento da dívida externa dos países endividados
em dólares, junto com o aumento das suas taxas de inflação, paralisia fiscal
dos seus estados e estagnação de suas economias. E no fim, a volta e a
submissão provável ao FMI, como no caso patético da Argentina de. Javier Milei.
Resumindo,
portanto, o que se deve esperar no campo internacional para os próximos quatro
anos da administração Trump: os Estados Unidos abdicam do projeto de
universalização messiânica dos seus valores nacionais, e deixam de ser os
“Cavaleiros Templários” de uma “ordem mundial regida por regras”. E se propõem
atuar dentro do Sistema Mundial a partir exclusivamente dos seus “interesses
nacionais” utilizando-se da sua força bruta, financeira, tecnológica e militar
para impor sua vontade onde considere que seja necessário. Com um apelo, só em
última instância, ao recurso da guerra.
¨
Marco Rubio criará
dificuldades para o Itamaraty e desestabilizará governo brasileiro, diz
analista
Nomeação
de Marco Rubio para a chefia da política externa norte-americana sob Trump
acende alarmes na América Latina. Conhecido por uma política intervencionista,
Rubio não fará as pazes com governos progressistas e poderá agir para
desestabilizar o governo brasileiro, alerta especialista ouvido pela Sputnik
Brasil.
O
presidente eleito dos EUA, Donald Trump, revelou traços da política externa de
seu segundo mandato ao indicar o senador pelo estado da Flórida, Marco Rubio,
para o posto de secretário de Estado. Caso confirmado para o cargo, Rubio será
o primeiro norte-americano de ascendência latina a ocupar o posto equivalente a
ministro das Relações Exteriores no Brasil.
"Marco
é um líder altamente respeitado e uma voz muito poderosa em prol da
liberdade", escreveu o presidente eleito dos EUA, Donald Trump. "Ele
será um forte defensor de nossa nação, um verdadeiro amigo de nossos aliados e
um guerreiro destemido que nunca recuará diante de nossos adversários."
Em
resposta, Rubio se disse "honrado" e prometeu "alcançar a paz
através da força, e colocar os interesses dos americanos e dos EUA sempre em
primeiro lugar".
A
indicação de Rubio foi um balde de água fria para quem esperava inovações na
política externa trumpista. Como membro das comissões de Relações Exteriores e
de Inteligência do Senado, Marco Rubio defendeu temas clássicos da agenda
neoconservadora norte-americana, garantindo apoio incondicional a Israel e
antagonizando com China, Rússia e Irã.
Filho
de refugiados cubanos e representante de um Estado com forte influência
hispânica, Rubio poderá reforçar a presença de Washington na América Latina.
Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, no entanto, não estão convencidos de
que isso será positivo para o Brasil.
"Querendo
ou não, a indicação de Marco Rubio é a mais convencional dentre as nomeações
feitas por Trump até agora", disse a pesquisadora-colaboradora do
IESP-UERJ, Monica Hirst, à Sputnik Brasil. "Rubio tem uma carreira
política consolidada e certa legitimidade para assumir o cargo, já que lidava
com temas de política externa no Senado norte-americano."
Segundo
a especialista em relações Brasil-EUA Hirst, ainda que Rubio tenha posições
distintas das de Trump, o seu perfil é de executor, e não formulador de
políticas públicas.
"Caso
Rubio queira permanecer no cargo, ele terá que se adaptar às posições do chefe
do Executivo", notou Hirst. "A primeira administração Trump foi
marcada por alta rotatividade, com o tempo médio de dois anos de permanência em
cargos de alto nível."
Apesar
de serem considerados rivais dentro do Partido Republicano, Trump e Rubio
coordenam posições sobre assuntos latino-americanos já há algum tempo. De
acordo com a Associated Press, Rubio aprovou indicações de embaixadores para a
região durante o primeiro mandato de Trump e representou o presidente em
visitas oficiais à região.
"É
inevitável que a região ganhe algum peso [durante o mandato de Rubio], dadas as
devidas proporções, afinal já faz muito tempo que a América Latina não é
prioridade estratégica para os EUA", lembrou Hirst. "E Marco Rubio já
nomeou seus alvos preferenciais: Cuba, Nicarágua e Venezuela."
Para
a especialista, estar no centro das atenções da administração norte-americana
não é necessariamente algo positivo. Hirst lembra a atenção dada ao México,
"que está no topo da agenda em função do pânico da deportação massiva de
imigrantes". No caso da Venezuela, a expectativa é de reforço da agenda de
sanções econômicas e aumento da pressão sobre o governo de Nicolás Maduro.
"Em
um contexto de tensão geopolítica, Marco Rubio e Donald Trump tentarão 'Fazer a
América Latina Norte-Americana Novamente'", disse Hirst. "Não
acredito que o esforço será bem-sucedido, mas a expectativa é essa."
O
professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado
(FAAP), Vinícius Rodrigues Vieira, concorda, e alerta para tempos difíceis para
as nações latino-americanas.
"Essa
atenção será perigosa e a América Latina fica sujeita à instabilidade
política", disse Vieira à Sputnik Brasil. "A América Latina será
tratada como um parceiro subordinado não só aos EUA, mas também à extrema
direita norte-americana, representada por Donald Trump."
Segundo
o professor, o isolacionismo trumpista não significará menos intervenção
norte-americana em países terceiros, mas sim ação unilateral, sem o aval de
aliados ou formação de coalizões.
"Não
há ali um isolacionismo, senão um recrudescimento do unilateralismo e das ações
bilaterais, em detrimento do multilateralismo", explicou Vieira.
"Será uma administração que encara os EUA como a nação escolhida, branca,
cristã, que deve agir sem articulação com parceiros ou organizações
internacionais para garantir a sua primazia no mundo."
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Jogo de espelhos
Após
aproximação com a administração Biden, o governo Lula poderá ter dificuldade
para estabelecer contatos produtivos com o novo presidente do Partido
Republicano. Para Vieira, a recente declaração da primeira-dama Janja Silva
sobre o aliado de Trump Elon Musk tampouco favorece a aproximação entre o
Planalto e a Casa Branca.
"Ainda
que o Itamaraty tente rever as diretrizes de sua política externa, não vai
conseguir conquistar Trump", acredita Vieira. "Acredito que Rubio
criará dificuldades para uma aproximação institucional com o Itamaraty e, ainda
que mantenha as aparências, no subterrâneo haverá, não tenho dúvidas,
tentativas de desestabilização do governo brasileiro, como já houve no
passado."
O
analista se lembra do apoio norte-americano ao golpe de 1964, que levou à queda
do governo progressista de João Goulart e à instauração do regime militar. De
acordo com Hirst, as relações entre Brasil e EUA sob Lula e Trump não
necessariamente serão conflituosas, mas sim protocolar e distante: "Cada
um poderá ficar no seu canto", resumiu a especialista.
"O
governo brasileiro se manifestou pela opção democrata antes do tempo, e isso
não foi bom. Trump é uma pessoa ressentida, e isso pode trazer alguma
consequência negativa em termos de sanções em alguma área da nossa pauta
comercial", disse Hirst.
Em
seu primeiro mandato, Donald Trump impôs barreiras às exportações de aço
brasileiro aos EUA, apesar do alinhamento ideológico que nutria com o então
presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
"De
maneira inédita, as relações entre Brasil e EUA estão sendo determinadas por um
espelhamento de suas políticas domésticas. A questão da defesa do Estado de
Direito nos dois países está gerando um jogo de espelhos que não tínhamos
antes", notou Monica Hirst.
Para
ela, "a vitória de Trump e o resultado das eleições municipais brasileiras
poderiam apontar para um novo ciclo de fortalecimento da direita no
continente". No entanto, novas revelações sobre as intenções de apoiadores
do ex-presidente Bolsonaro de consolidar um golpe de Estado no Brasil podem
garantir novo impulso às forças progressistas, acredita a professora.
"Nesse
contexto, o Brasil poderá ter força para continuar com o bonde da democracia
nos trilhos até 2026", acredita Hirst. "Mas, infelizmente, não temos
parceiros na América Latina para unirmos forças. Estamos com o regionalismo
totalmente naufragado e uma região muito fragilizada. Já não somos nem uma
região, mas uma mera vizinhança."
Apesar
dos desafios, o Brasil tem autonomia suficiente para manter a condução de sua
política externa, independente dos humores na Casa Branca. Para a professora
Monica Hirst, o Brasil não deve reformar sua política externa para se adequar à
agenda de Trump.
"O
Brasil tem muitos temas de política externa para tocar. Tem muita gente no
Ocidente e no Sul Global que quer trabalhar com o Brasil", disse Hirst.
"Acabamos de ver isso no G20. Os EUA não têm essa centralidade toda."
No
entanto, o Brasil sofrerá as consequências de uma política errática advinda da
Casa Branca, que enfraquecerá as instituições internacionais e os mecanismos de
governança global.
"Claro
que o Brasil será afetado pelo enfraquecimento do multilateralismo. Claro que a
crise humanitária da fronteira do México será dilaceradora. Mas o Brasil tem
atributos de poder brando para atuar internacionalmente. Não somos uma colônia
dos Estados Unidos", concluiu Monica Hirst.
Fonte:
A Terra é Redonda/Sputnik Brasil
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