terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Pepe Escobar: 2025 - Segunda Renascença ou Caos?

Em uma deslumbrante manhã do inverno toscano, estou na lendária igreja dominicana de Santa Maria Novella, fundada em inícios do século XIII e por fim consagrada 1420, em um lugar muito especial na História da Arte: bem em frente a um dos afrescos monocromáticos pintados em 1447-1448 pelo mestre da perspectiva Paolo Uccello, retratando o Dilúvio Universal.

É como se Paolo Uccello estivesse nos retratando – em nossos turbulentos dias de hoje. Assim, inspirado pelo superstar platônico Marsilio Ficino – imortalizado em um chiquérrimo manto vermelho por Ghirlandaio, na Cappella Tornabuoni – tentei dar uma de De Volta ao Futuro e imaginar quem e o que Paolo Uccello colocaria em sua representação de nosso atual dilúvio.

Comecemos com os positivos. 2024 foi o Ano dos BRICS – com os méritos de todas as conquistas indo para o incansável trabalho da presidência russa.

2024 foi também o Ano do Eixo da Resistência – até a série de ataques sofridos nos últimos meses, um grave desafio que irá propelir seu rejuvenescimento.

E 2024 foi o ano que definiu os contornos do final de jogo da guerra por procuração na Ucrânia: o que ainda resta a ser visto é a que profundidade a “ordem internacional baseada em regras” será enterrada no solo negro da Novorossiya.

Voltemo-nos agora para as auspiciosas perspectivas que temos pela frente. 2025 será o ano da consolidação da China como a força geoeconômica máxima de todo o planeta.

Este será o ano quando a batalha definidora do século XXI – Eurásia versus OTANistão – será agudizada em uma série de vetores imprevisíveis.

E será o ano do avanço dos corredores interconectados – o fator definidor da integração eurasiana.

Não é por acidente que o Irã é de importância central nessa conectividade entrelaçada – do Estreito de Hormuz (pelo qual transitam, diariamente, pelo menos 23% do petróleo mundial) ao porto de Chabahar, que liga o Oeste Asiático ao Sul da Ásia.

Os corredores de conectividade que devem ser observados são a volta das principais sagas do Gasodutistão, o duto de 1.800 quilômetros Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia (TAPI); o Corredor Internacional de Transportes Norte-Sul (CITNS) que liga três BRICS (Rússia-Irã-Índia) e diversos outros aspirantes à condição de parceiros dos BRICS; o Corredor Econômico China-Paquistão (CECP), o projeto carro-chefe, a Iniciativa Cinturão e Rota (ICR) e, por último mas não menos importante, a Rota do Mar do Norte (ou Rota da Seda do Norte, como a chamam os chineses), projeto que vem avançando rapidamente e futuramente irá se converter na alternativa mais barata e mais rápida ao Canal de Suez.

Alguns dias antes do início do Trump 2.0 em Washington, Rússia e Irã, por fim, irão assinar oficialmente, em Moscou, um acordo de parceria estratégica ampla que vem sendo preparado há dois anos: mais uma vez, um acordo de importância crucial entre dois dos principais BRICS, com enormes repercussões em cascata em termos da integração eurasiana.

·        Um canal de comunicação totalmente inviolável

Dmitri Trenin, um respeitado membro do Conselho Russo de Políticas Exteriores e de Defesa, é quem tem o mapa de percurso mais realista para uma conclusão aceitável da guerra por procuração na Ucrânia.

“Aceitável” não chega nem perto de descrevê-la – porque, do ponto de vista das “elites” do Ocidente Coletivo, que apostam tudo o que possuem nesta guerra, nada é aceitável além da derrota estratégica da Rússia, que jamais acontecerá.

No pé em que as coisas andam, o Presidente Putin vem de fato contendo setores da elite moscovita que são a favor não apenas de cortar a cabeça da serpente, mas de também retalhar seu corpo.

Trump, de sua parte, não tem a menor motivação para se deixar levar para mais um atoleiro: deixem isso para os sem noção dos chihuahuas europeus.

Portanto, um possível avanço rumo a um periclitante acordo de “paz” também interessa à Maioria Global – para não falar da China, que entende até que ponto as guerras são péssimas para os negócios (pelo menos para quem não pertence à máfia dos armamentos).

Quando se trata de uma sempre possível escalada “existencial”, ainda não estamos fora da zona de perigo, mas ainda restam três semanas para que venha a ocorrer algum grande golpe alimentado a terror, como em uma falsa bandeira.

Os dois primeiros meses de 2025 serão absolutamente decisivos no que se refere ao traçado de um possível compromisso.

Elena Panina, do RUSSTRAT, contribuiu com uma avaliação estratégica sóbria e concisa do que pode vir a ocorrer.

O que Trump essencialmente deseja, tanto quanto anseia por uma porcaria de hambúrguer do McDonald, é aparecer como o Macho Alfa Supremo. A estratégia de negociações táticas de Putin não se focará em cortar o barato de valentão de Trump. O problema é como conseguir isso sem empanar o poder de pop star de Trump – e sem despejar mais combustível na pira belicista do OTANistão.

Putin tem em mãos uma série de trunfos que ele mantém secretos – relativos à Europa, aos britânicos, à China, à própria Ucrânia e ao Sul Global como um todo.

A demarcação de esferas de influência fará parte de um possível acordo. O problema é que nenhum detalhe específico deve vazar – tendo que ser mantido impenetrável à inteligência ocidental.

O que, segundo observa Panina, significa que, para negociar com Putin, Trump precisará de um canal de negociação totalmente inviolável, que nem o MI6 possa decifrar.

Uma dura tarefa, uma vez que, por todo o Deep State, silos sio-con privilegiados inebriam-se com as vitórias mais recentes dos psicopatas do Velho Testamento no Líbano e na Síria, e com a fragilização de Teerã daí resultante. Mas isso não significa que o vínculo Irã-Rússia-China-BRICS esteja em risco.

·        A dinâmica está instalada; pisem com cuidado

Putin e o Conselho de Segurança devem estar prontos para implementar, passo-a-passo, um jogo diplomático bastante complexo, por saberem que o trio derrotado e supremamente irado de democratas, britânicos e governo ucraniano exercerá pressão máxima sobre Trump e o converterá em “um inimigo da América”, ou alguma outra bobagem desse tipo.

Moscou não aceitará trégua nem congelamento: apenas uma solução real.

Caso isso não funcione, a guerra continuará no campo de batalha, o que para Moscou não é problema – ou com uma escalada ainda maior. A humilhação final do Império do Caos, então, estará completa.

Enquanto isso, a Guerra Fria 2.0 entre China e Estados Unidos avançará mais na esfera pop do que de forma substantiva. Os analistas chineses mais sagazes sabem que a verdadeira competição não trata de ideologia – como na Guerra Fria original – mas sim de tecnologia, desde a IA até o aperfeiçoamento de cadeias de fornecimento contínuas.

Além disso, o Trump 2.0, pelo menos em princípio, tem menos que zero interesse em provocar uma guerra por procuração – ao estilo Ucrânia – contra a China em Taiwan e no Mar do Sul da China. A China possui muito mais recursos geoeconômicos do que a Rússia.

Não é exatamente intrigante, portanto, que Trump esteja sugerindo a ideia de um G2 entre os Estados Unidos e a China. A bolha do Deep State verá isso como a praga suprema – e lutará contra ela até a morte. O que já é certo é que os poodles europeus se afogarão em um pântano imundo.

Bem, as “elites” politicas que nomearam espécimens microcefálicos como a Medusa von der Leyen e a doida de pedra da mina estoniana como representantes máximos da União Europeia, que lançam uma guerra contra seu principal fornecedor de energia, que dão pleno apoio ao genocídio transmitido 24/7 a todo o planeta, que são obcecadas em erradicar a cultura que as definiu, e que, na melhor das hipóteses, louvam da boca para fora a democracia e a liberdade de expressão, essas elites merecem se espojar na lama.

Sobre a tragédia síria, o fato é que Putin sabe quem é o verdadeiro inimigo: certamente não um bando de mercenários salafi-jihadistas cortadores de cabeças. E o Sultão de Ancara também não é o inimigo. Da perspectiva de Moscou, apesar de todos os seus altissonantes sonhos de substituir a “Ásia Central” pelo “Turquistão” nos livros escolares turcos, ele não passa de um ator geoeconômico e mesmo geopolítico de menor importância.

Para parafrasear o inestimável Michael Hudson – talvez nosso Marsilio Ficino vestido por Paolo Uccello em um chiquérrimo manto vermelho – é como se, nessa conjuntura pré-diluviana, as elites americanas estivessem dizendo que “A única solução é a guerra total contra a Rússia e a China”; a Rússia estivesse dizendo que “Esperamos que haja paz na Ucrânia e no Oeste Asiático” e a China estivesse dizendo que “Queremos paz, não a guerra”.

Talvez isso não baste para que se chegue a uma solução de compromisso – qualquer tipo de compromisso. A dinâmica, portanto, está instalada: a classe dominante dos Estados Unidos continuará a impor situações de caos, enquanto Rússia, China e os BRICS continuarão a testar no “laboratório dos BRICS” modelos de desdolarização, configurações alternativas ao FMI e ao Banco Mundial e, futuramente, talvez até mesmo uma alternativa à OTAN.

Uma cornucópia de anarquia e Guerra de Terror de um lado; realismo sereno e coordenado de outro. Preparem-se – para qualquer coisa. Partindo da Renascença florentina, um dos – poucos – pontos altos da humanidade, hoje relegado à memória, pisem com cuidado através desse incendiário 2025.

 

¨      'Um braço da propaganda dos EUA': o que está por trás das reportagens sobre o narcotráfico mexicano?

Mais uma vez, a presidente do México, Claudia Sheinbaum, questionou que o jornal americano The New York Times noticiou a questão do tráfico de drogas no país. O que está por trás das reportagens de um dos mais importantes veículos de comunicação do EUA?

Nas últimas semanas, o The New York Times apresentou três reportagens relacionadas ao tráfico de drogas no México. Na primeira delas, publicada no início de dezembro, a mídia alegava que estudantes mexicanos de química estavam sendo recrutados pelo cartel de Sinaloa para trabalhar em laboratórios de produção de fentanil.

A esse respeito, a presidente do México negou a versão e destacou que, na verdade, "isso começou do outro lado. Pelo que sei, pelo que vi, é uma série de televisão norte-americana que, de alguma forma, mostra como um professor de química — e também, como se isso fosse bom — se envolve na produção e venda de drogas", em referência à série televisiva Breaking Bad.

No dia 26 de dezembro, o jornal noticiou que cartéis estavam usando mexicanos sem-teto e animais para testar novas versões de fentanil. Enquanto isso, na reportagem divulgada em 29 de dezembro, o The New York Times expôs fotografias e entrevistas com pessoas supostamente associadas ao cartel de Sinaloa que se dedicavam à fabricação de fentanil. Nas imagens podiam ser vistos os laboratórios clandestinos usados pelo crime organizado.

Segundo a presidente, a reportagem "não tem muita credibilidade pela forma como foi apresentada, e vamos comprovar isso cientificamente".

Para tal, Sheinbaum indicou que, nas próximas semanas, o processo de produção do opiáceo será apresentado em uma coletiva de imprensa. "É muito diferente [o processo], embora seja uma droga que deve ser combatida, e muitas apreensões de laboratórios de metanfetaminas que também foram feitas."

"Uma coisa é a produção de metanfetaminas. Outra muito diferente é o fentanil."

<><> 'Sempre busca promover a agenda dos EUA'

Segundo o jornalista e analista mexicano Gabriel Infante, a publicação de reportagens sobre o suposto funcionamento do narcotráfico mexicano, especificamente na produção de fentanil, é outro exemplo dos interesses políticos que predominam na mídia ocidental.

"O The New York Times — e isso não é novo, mas existe há décadas — é conhecido por ser um braço de propaganda que procura promover a agenda e os interesses dos Estados Unidos."

A publicação das matérias ocorre justamente em meio a uma série de ameaças do presidente eleito nos Estados Unidos, Donald Trump, contra o México em questões de segurança, como a promessa de classificar os cartéis do narcotráfico como terroristas, bem como a imposição de tarifas se o fluxo de drogas para os EUA não for interrompido.

"Essas reportagens são publicadas em um momento político específico e não se dirigem aos leitores mexicanos, mas sim ao leitor doméstico, norte-americano, e é precisamente para reforçar essa ideia de que o México não pode lidar com o tráfico de drogas, que precisa da intervenção dos Estados Unidos."

Da mesma forma, o jornalista mexicano destacou que as ações do governo do ex-presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador e que as ações dos escritórios da agência de fiscalização antidrogas estadunidense (DEA, na sigla em inglês) não foram apreciadas pelas autoridades americanas.

"Eles não gostam disso […]. O que o The New York Times publica, que tem uma projeção bastante internacional, é captado por outros meios de comunicação e se torna um escândalo midiático, mas pretende claramente retratar que o México não consegue lidar com o tráfico de drogas, embora vejamos que os relatos são fáceis de refutar."

 

Fonte: Brasil 247/Sputnik Brasil

 

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