Aumentar imposto
para ricos permite isentar IR de até R$ 5 mil sem rombo nas contas públicas,
diz estudo
A ideia do
governo Luiz Inácio Lula da
Silva de
aumentar a isenção do
Imposto de Renda (IR) para pessoas que ganham até R$ 5 mil por mês não vai agravar
o rombo das contas públicas se de fato for implementada com o aumento da
tributação sobre os mais ricos, estima o
Sindifisco Nacional, sindicato que representa os auditores-fiscais da Receita
Federal.
A proposta —
anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no início de dezembro —
foi mal-recebida pelo mercado financeiro e dividiu economistas acadêmicos
justamente pelo temor de que a perda de arrecadação piore o rombo nas contas da
União e aumente o endividamento público.
Esse contexto é
apontado como um dos fatores que acelerou a escalada do dólar no Brasil
— a moeda americana
bateu patamares recordes nas últimas semanas, chegando a superar R$ 6,30.
O governo, porém,
argumenta que as mudanças propostas no IR terão impacto neutro na arrecadação,
ou seja, não vão nem aumentar nem reduzir o valor total recolhido hoje pela
Receita Federal.
Segundo Haddad, o
compromisso firmado com o Congresso é de que a isenção até R$ 5 mil só será
aprovada em conjunto com o aumento da tributação para os que ganham mais de R$
50 mil por mês.
Críticos da
proposta temem que isso não seja cumprido e que o Parlamento autorize a perda
de receitas sem aprovar juntos o imposto mais alto sobre os mais ricos, o que
agravaria a crise fiscal.
Já as estimativas
do Sindifisco apontam que, se as medidas foram de fato implementadas conjuntamente,
pode até haver ganho de arrecadação.
Para o presidente
do sindicato, auditor-fiscal Isac Falcão, a proposta do governo vai na direção
certa ao reduzir as distorções no IR brasileiro. Hoje, pessoas de menor renda
pagam proporcionalmente mais imposto que os mais ricos, pois uma parcela
relevante dos ganhos da elite é isenta, como os lucros e dividendos
distribuídos por empresas para seus acionistas.
Essa diferença fica
clara ao se analisar a alíquota efetiva média — proporção da renda total efetivamente
paga em IR — de diferentes categorias e grupos de renda.
Dados da Receita
Federal analisados pelo Sindifisco mostram que professores universitários, por
exemplo, pagam, em média, uma alíquota efetiva de 12,8%. Já contribuintes com
renda anual acima de R$ 2,7 milhões pagam, em média, menos de 6% de IR.
Para Falcão, a
implementação conjunta do aumento da isenção com a taxação maior sobre os ricos
vai reduzir essas distorções, além de impactar positivamente o crescimento da
economia.
"A reação
negativa à proposta do governo se explica mais pela resistência dos mais ricos
em pagar mais imposto", acredita.
"Os efeitos
econômicos tendem a ser altamente positivos, porque os recursos liberados com a
isenção até R$ 5 mil provavelmente retornarão para a economia, com a compra de
produtos e serviços [pelos contribuintes beneficiados]. Já a tributação sobre
altas rendas não gera retração econômica, porque essas pessoas já têm suas
necessidades de consumo satisfeitas", argumenta ainda.
Entenda melhor a
proposta e as estimativas de impacto
Os detalhes das
mudanças do IR pretendidas pelo governo só serão conhecidos em 2025, com o
envio das propostas ao Congresso, a partir fevereiro, quando acaba o recesso
parlamentar.
No entanto, com
base no que foi anunciado até o momento, espera-se que o governo proponha um
mecanismo tributário — a chamada dedução simplificada — para isentar rendas de
até R$ 5 mil e uma redução do IR para quem ganha acima desse patamar até o
limite de R$ 7 mil.
Atualmente pelo
mecanismo de dedução simplificada, quem ganha até dois salários mínimos (R$
2.824), não paga imposto de renda.
As pessoas que
ganham mais do que isso tem um patamar menor de isenção, hoje em R$ 2.259. Ou
seja, quem ganha, por exemplo, R$ 15 mil, paga IR sobre R$ 12.741.
A princípio, esse
patamar geral de isenção não vai mudar com a proposta do governo que vai acabar
com o IR de quem ganha até R$ 5 mil.
E quem ganha de R$
5 mil a R$ 7 mil terá uma redução ainda não especificada pelo governo.
O mecanismo de
dedução simplificada permite ao governo beneficiar os grupos de menor renda,
sem adotar uma isenção ampla, o que reduziria demais a arrecadação.
Caso seja aprovada
uma proposta nesses termos, aliada a uma redução do IR de quem ganha acima de
R$ 5 mil até R$ 7 mil, o Sindifisco estima que a mudança beneficiará 16,1
milhões de contribuintes, somando cerca de R$ 35,5 bilhões em renúncia fiscal
para o governo.
Por outro lado,
Haddad anunciou que as perdas serão compensadas com a criação de uma taxa
mínima de até 10% sobre a renda de quem ganha mais de R$ 50 mil por mês.
Hoje, é comum que
milionários brasileiros paguem menos de 10% de IR sobre sua renda total porque
uma parcela importante dos seus ganhos não é tributada, como no caso de lucros
e dividendos.
O Sindifisco
simulou quanto pode ser arrecadado caso seja implementada uma alíquota mínima
progressiva, que partiria de 0% para ganhos anuais de R$ 600 mil (média de R$
50 mil por mês) e subiria gradativamente até 10% para ganhos que superem R$ 1,2
milhão ao ano (cerca de R$ 100 mil por mês).
A expectativa é que
isso elevaria a arrecadação em R$ 41,06 bilhões, superando as perdas projetadas
de R$ 35,5 bilhões com o aumento da isenção até R$ 5 mil e a menor tributação
até R$ 7 mil.
Para o Sindifisco,
essa margem extra de arrecadação é importante para manter o impacto neutro das
medidas porque os grupos mais ricos costumam ter estratégias de planejamento
tributário que, na prática, reduzem o valor recolhido em IR. Essas estratégias
usam brechas das regras tributárias para pagar menos impostos.
Parcela pequena dos
contribuintes pagaria mais, diz Sindifisco
De acordo com os
dados da Receita Federal analisados pelos Sindifisco, cerca de 400 mil pessoas
ganham mais de R$ 600 mil ao ano no país, o que representa cerca de 1% do total
de contribuintes. No entanto, segundo a simulação do sindicato, apenas cerca de
160 mil de fato seriam afetados e pagariam mais impostos com a medida.
Isso porque parte
dos que ganham acima de R$ 600 mil ao ano já paga alíquota efetiva acima dos
patamares mínimos propostas na simulação e, por isso, não teriam acréscimo de
tributação.
Por exemplo, a
simulação do Sindifisco projeta que a alíquota mínima para contribuintes que
ganham cerca de R$ 1 milhão ao ano ficaria em 7,5%. Esse grupo, no entanto,
paga em média uma alíquota efetiva de 8,11%, o que significa que boa parte não
teria que pagar nada a mais, caso a proposta passe no Congresso.
Na visão do
Sindifisco, poderiam ser adotadas alíquotas mínimas ainda maiores do que as que
o governo está propondo. A instituição fez uma segunda simulação, em que a
alíquota mínima chegaria a até 12,8%, a mesma paga em média por professores
universitários, em vez dos 10% propostos pelo governo.
Nesse cenário,
haveria uma arrecadação extra de R$ 35,5 bilhões em comparação à primeira simulação.
"Para se ter
uma ideia, o valor corresponde ao gasto com segurança pública realizado em 2023
por todos os Estados do Nordeste e Centro-Oeste juntos, segundo informações do
Anuário Brasileiro de Segurança Pública", afirma o Sindifisco, no estudo.
·
Reforma
mais ampla do IR foi adiada
A expectativa era
de que o governo enviaria ao Congresso, em algum momento, uma ampla reforma do
IR, para simplificar e corrigir distorções tanto da tributação de renda das
pessoas físicas como de empresa.
A proposta do
governo de criar uma alíquota efetiva mínima sobre os mais ricos foi uma forma
mais simples de enfrentar essas distorções.
Na prática, isso
vai permitir a taxar ao menos parte dos lucros e dividendos, que hoje são
isentos, sem realizar uma reforma mais ampla.
Isso porque alguns
economistas defendem que a taxação direta da renda distribuída aos acionistas
só deveria ser implementada junto com a revisão da tributação dos lucros das
empresas.
Em entrevista à BBC
News Brasil no início de dezembro, o economista Samuel
Pessôa,
pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio
Vargas), criticou a opção do governo pela solução mais simples, de criar um
imposto mínimo.
"Eu acho que o
esforço de mudar a legislação brasileira, tributando mais os ricos, é positivo.
Há sinais de que as altas rendas no Brasil pagam pouco imposto. Mas essa medida
é um esparadrapo, vai pegar um monte de coisa diferente", disse Pessôa.
"A questão é
que há vários regimes tributários. Tem gente que pagou na Pessoa Jurídica 34% e
outros que pagaram na Pessoa Jurídica 5%. Se na Pessoa Física ambos pagarem
menos do que 10% da renda declarada, eles serão cobrados pela diferença até
atingir 10% de alíquota média efetiva [segundo a nova proposta do governo], sem
considerar que pagaram valores diferentes na jurídica", disse ainda.
O Sindifisco, por
sua vez, tem visão diferente.
"A gente
precisa sim enfrentar [as distorções] do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas.
Esse é um problema importante que o Brasil tem que resolver. Mas isso não é
condição para se tributar as pessoas físicas mais ricas", afirma Falcão.
"Quando a
gente vai amarrando muitos problemas difíceis de resolver todos juntos, e
decide que só pode resolver se for resolver todos eles conjuntamente, o que
acontece, na prática, é que você não resolve problema nenhum", ressalta.
¨
Um privilégio de classe: o
dinheiro público é para os rentistas
Alguém leu nos jornais ou viu na televisão que o
governo Bolsonaro deixou um “rombo fiscal” estimado em R$ 400 bilhões para
2023? Vocês viram alguma pressão exigindo um ajuste fiscal e o controle dos
gastos públicos na época?
E por que agora, com a economia crescendo, o desemprego
baixo, a inflação controlada e o aumento contínuo do consumo e da arrecadação
de impostos, toda a imprensa e os economistas do mercado falam da necessidade
de conter os gastos sociais diante de uma “iminente crise fiscal”? Por que
instituições do sistema financeiro promovem o ataque especulativo à economia
brasileira elevando artificialmente o valor do dólar e, com isso, puxando para
cima os índices de inflação?
Porque não querem o governo do PT, não querem Lula
presidente, não querem “botar os pobres no orçamento e os ricos no imposto de
renda”, não querem perder seus privilégios, como propõe o presidente Lula. As
seguidas tentativas de golpe de Estado e deposição do presidente atestam que
essa vontade continua presente. Não vamos analisar a crise política de hoje
apenas da óptica das iniciativas dos militares; há muitas razões para crer que
a Faria Lima e o agronegócio preferem Bolsonaro a Lula.
Os grandes bancos tomaram uma série de medidas para
aumentar seu controle sobre a economia. Capturaram o Banco Central e pretendem
impor um novo “teto de gastos” na forma de um “ajuste fiscal”, em um novo
“arcabouço fiscal”, criado em 2023. Esse “ajuste fiscal” propõe o corte nos
gastos sociais, tais como a redução dos recursos destinados aos trabalhadores,
das políticas públicas e dos reajustes do salário mínimo e de todas as
políticas sociais indexadas a ele.
Em fevereiro de 2021, o Congresso brasileiro, dominado
pelos grandes grupos econômicos e financeiros, aprovou o PLC n. 179, que dá
“autonomia” ao Banco Central, isto é, “impede o governo de utilizar os
instrumentos monetários para estimular a economia e os empregos, e orientar a
política econômica”, segundo Dão Real Pereira dos Santos, presidente do
Sindifisco Nacional e membro da diretoria do IJF. O Congresso garante, assim, o
controle da política monetária, de câmbio e juros, pelos grandes bancos, que
aliás sempre indicaram o presidente do Banco Central, um privilégio de classe.
Basta ver a biografia de Roberto Campos Neto, atual
presidente do Banco Central (BC): economista com mestrado, teve sua carreira
profissional iniciada no Banco Bozano Simonsen, depois Santander, passou pela
Claritas Investimentos e voltou para o Santander, até virar presidente do BC.
Nenhum cargo público, nenhuma experiência de gestão para atender ao interesse
público. É um homem dos grandes bancos, do sistema financeiro. Os recentes
aumentos da taxa Selic, sem justificativa técnica segundo muitos economistas, visam
garantir a continuidade da espoliação financeira que avança sobre o dinheiro
dos impostos.
Em junho de 2021 o Congresso brasileiro aprovou a Lei
n. 14.185, que autoriza o BC a remunerar depósitos voluntários das
instituições financeiras. A lei foi sancionada pelo então presidente, Jair
Bolsonaro. Segundo a coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia
Fattorelli, é a “Bolsa Banqueiro”.
O BC definiu que a remuneração aos bancos por esses
depósitos voluntários recolhidos segue a taxa Selic. Assim, diariamente, os
bancos recebem juros ancorados na taxa Selic sobre um percentual dos depósitos
de pessoas físicas e jurídicas em seus bancos. Vale dizer, uma remuneração
sobre um dinheiro que não é seu, mas dos depositantes. E desde 2020 (PL
n. 3.877) não há limite para o valor dos depósitos voluntários feito pelos
bancos no BC. Em 2022, o BC pagou R$ 180 bilhões de juros aos bancos pela
“Bolsa Banqueiro”.
Controlando o Congresso e o Banco Central, os grandes
grupos econômicos e financeiros garantem seus privilégios. Vejamos alguns.
Juros da dívida pública: o mais
importante instrumento para garantir privilégios são os juros sobre a dívida
pública, que se regem pela taxa Selic, determinada pelo BC. No acumulado de 12
meses até junho de 2024, o setor público pagou R$ 835,7 bilhões (7,48% do PIB)
de juros da dívida pública.
Isenção de impostos: em 2023, o
governo abriu mão de arrecadar R$ 641 bilhões em impostos, segundo a Associação
Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco). Os
maiores privilégios são a isenção de imposto sobre lucros e dividendos
(R$ 74,6 bilhões), a ausência de imposto sobre as grandes fortunas (R$
73,4 bilhões) e a Zona Franca de Manaus (R$ 54,6 bilhões). Do total, R$ 440
bilhões são considerados privilégios tributários que não trazem nenhum
benefício para a sociedade.
Evasão fiscal: segundo o
Sinprofaz, a evasão fiscal, ou práticas ilícitas para evitar o pagamento de
impostos, em 2020, somou R$ 562 bilhões.
Emendas
parlamentares: R$
52 bilhões de recursos públicos pulverizados em iniciativas dispersas de
parlamentares para atender a fins eleitorais e manter seus grupos no poder.
Outros
expedientes: por
exemplo, a Lei Kandir, de 1996, que isenta de impostos os produtos destinados à
exportação; a não cobrança do Imposto Territorial Rural; o financiamento com
dinheiro público das atividades do agronegócio. E há também iniciativas
personalizadas de isenção de impostos, como se pode ver por dados de 2021: Vale
(R$ 19 bilhões), Eletronorte (R$ 1,2 bilhão), Petrobras (R$ 1,1
bilhão). Isso para não falar nas dívidas ativas que não são cobradas…
De fato, um pente-fino permitiria identificar muitas
outras iniciativas que favorecem o 0,01% de nossa população e as grandes
corporações. Com os dados já apresentados, pode-se dizer que não falta
dinheiro, mas, em razão do controle político, só alguns podem acessá-lo.
Segundo estudo da União de Bancos Suíços (UBS), a
fortuna dos bilionários brasileiros cresceu 37,7% de 2023 para 2024 – agora
eles são sessenta – e soma US$ 154,9 bilhões, ou algo como R$ 930 bilhões
atualmente.
Fonte: BBC News
Brasil/Le Monde Diplomatiqué
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