segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Aumentar imposto para ricos permite isentar IR de até R$ 5 mil sem rombo nas contas públicas, diz estudo

A ideia do governo Luiz Inácio Lula da Silva de aumentar a isenção do Imposto de Renda (IR) para pessoas que ganham até R$ 5 mil por mês não vai agravar o rombo das contas públicas se de fato for implementada com o aumento da tributação sobre os mais ricos, estima o Sindifisco Nacional, sindicato que representa os auditores-fiscais da Receita Federal.

A proposta — anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no início de dezembro — foi mal-recebida pelo mercado financeiro e dividiu economistas acadêmicos justamente pelo temor de que a perda de arrecadação piore o rombo nas contas da União e aumente o endividamento público.

Esse contexto é apontado como um dos fatores que acelerou a escalada do dólar no Brasil — a moeda americana bateu patamares recordes nas últimas semanas, chegando a superar R$ 6,30.

O governo, porém, argumenta que as mudanças propostas no IR terão impacto neutro na arrecadação, ou seja, não vão nem aumentar nem reduzir o valor total recolhido hoje pela Receita Federal.

Segundo Haddad, o compromisso firmado com o Congresso é de que a isenção até R$ 5 mil só será aprovada em conjunto com o aumento da tributação para os que ganham mais de R$ 50 mil por mês.

Críticos da proposta temem que isso não seja cumprido e que o Parlamento autorize a perda de receitas sem aprovar juntos o imposto mais alto sobre os mais ricos, o que agravaria a crise fiscal.

Já as estimativas do Sindifisco apontam que, se as medidas foram de fato implementadas conjuntamente, pode até haver ganho de arrecadação.

Para o presidente do sindicato, auditor-fiscal Isac Falcão, a proposta do governo vai na direção certa ao reduzir as distorções no IR brasileiro. Hoje, pessoas de menor renda pagam proporcionalmente mais imposto que os mais ricos, pois uma parcela relevante dos ganhos da elite é isenta, como os lucros e dividendos distribuídos por empresas para seus acionistas.

Essa diferença fica clara ao se analisar a alíquota efetiva média — proporção da renda total efetivamente paga em IR — de diferentes categorias e grupos de renda.

Dados da Receita Federal analisados pelo Sindifisco mostram que professores universitários, por exemplo, pagam, em média, uma alíquota efetiva de 12,8%. Já contribuintes com renda anual acima de R$ 2,7 milhões pagam, em média, menos de 6% de IR.

Para Falcão, a implementação conjunta do aumento da isenção com a taxação maior sobre os ricos vai reduzir essas distorções, além de impactar positivamente o crescimento da economia.

"A reação negativa à proposta do governo se explica mais pela resistência dos mais ricos em pagar mais imposto", acredita.

"Os efeitos econômicos tendem a ser altamente positivos, porque os recursos liberados com a isenção até R$ 5 mil provavelmente retornarão para a economia, com a compra de produtos e serviços [pelos contribuintes beneficiados]. Já a tributação sobre altas rendas não gera retração econômica, porque essas pessoas já têm suas necessidades de consumo satisfeitas", argumenta ainda.

Entenda melhor a proposta e as estimativas de impacto

Os detalhes das mudanças do IR pretendidas pelo governo só serão conhecidos em 2025, com o envio das propostas ao Congresso, a partir fevereiro, quando acaba o recesso parlamentar.

No entanto, com base no que foi anunciado até o momento, espera-se que o governo proponha um mecanismo tributário — a chamada dedução simplificada — para isentar rendas de até R$ 5 mil e uma redução do IR para quem ganha acima desse patamar até o limite de R$ 7 mil.

Atualmente pelo mecanismo de dedução simplificada, quem ganha até dois salários mínimos (R$ 2.824), não paga imposto de renda.

As pessoas que ganham mais do que isso tem um patamar menor de isenção, hoje em R$ 2.259. Ou seja, quem ganha, por exemplo, R$ 15 mil, paga IR sobre R$ 12.741.

A princípio, esse patamar geral de isenção não vai mudar com a proposta do governo que vai acabar com o IR de quem ganha até R$ 5 mil.

E quem ganha de R$ 5 mil a R$ 7 mil terá uma redução ainda não especificada pelo governo.

O mecanismo de dedução simplificada permite ao governo beneficiar os grupos de menor renda, sem adotar uma isenção ampla, o que reduziria demais a arrecadação.

Caso seja aprovada uma proposta nesses termos, aliada a uma redução do IR de quem ganha acima de R$ 5 mil até R$ 7 mil, o Sindifisco estima que a mudança beneficiará 16,1 milhões de contribuintes, somando cerca de R$ 35,5 bilhões em renúncia fiscal para o governo.

Por outro lado, Haddad anunciou que as perdas serão compensadas com a criação de uma taxa mínima de até 10% sobre a renda de quem ganha mais de R$ 50 mil por mês.

Hoje, é comum que milionários brasileiros paguem menos de 10% de IR sobre sua renda total porque uma parcela importante dos seus ganhos não é tributada, como no caso de lucros e dividendos.

O Sindifisco simulou quanto pode ser arrecadado caso seja implementada uma alíquota mínima progressiva, que partiria de 0% para ganhos anuais de R$ 600 mil (média de R$ 50 mil por mês) e subiria gradativamente até 10% para ganhos que superem R$ 1,2 milhão ao ano (cerca de R$ 100 mil por mês).

A expectativa é que isso elevaria a arrecadação em R$ 41,06 bilhões, superando as perdas projetadas de R$ 35,5 bilhões com o aumento da isenção até R$ 5 mil e a menor tributação até R$ 7 mil.

Para o Sindifisco, essa margem extra de arrecadação é importante para manter o impacto neutro das medidas porque os grupos mais ricos costumam ter estratégias de planejamento tributário que, na prática, reduzem o valor recolhido em IR. Essas estratégias usam brechas das regras tributárias para pagar menos impostos.

Parcela pequena dos contribuintes pagaria mais, diz Sindifisco

De acordo com os dados da Receita Federal analisados pelos Sindifisco, cerca de 400 mil pessoas ganham mais de R$ 600 mil ao ano no país, o que representa cerca de 1% do total de contribuintes. No entanto, segundo a simulação do sindicato, apenas cerca de 160 mil de fato seriam afetados e pagariam mais impostos com a medida.

Isso porque parte dos que ganham acima de R$ 600 mil ao ano já paga alíquota efetiva acima dos patamares mínimos propostas na simulação e, por isso, não teriam acréscimo de tributação.

Por exemplo, a simulação do Sindifisco projeta que a alíquota mínima para contribuintes que ganham cerca de R$ 1 milhão ao ano ficaria em 7,5%. Esse grupo, no entanto, paga em média uma alíquota efetiva de 8,11%, o que significa que boa parte não teria que pagar nada a mais, caso a proposta passe no Congresso.

Na visão do Sindifisco, poderiam ser adotadas alíquotas mínimas ainda maiores do que as que o governo está propondo. A instituição fez uma segunda simulação, em que a alíquota mínima chegaria a até 12,8%, a mesma paga em média por professores universitários, em vez dos 10% propostos pelo governo.

Nesse cenário, haveria uma arrecadação extra de R$ 35,5 bilhões em comparação à primeira simulação.

"Para se ter uma ideia, o valor corresponde ao gasto com segurança pública realizado em 2023 por todos os Estados do Nordeste e Centro-Oeste juntos, segundo informações do Anuário Brasileiro de Segurança Pública", afirma o Sindifisco, no estudo.

·        Reforma mais ampla do IR foi adiada

A expectativa era de que o governo enviaria ao Congresso, em algum momento, uma ampla reforma do IR, para simplificar e corrigir distorções tanto da tributação de renda das pessoas físicas como de empresa.

A proposta do governo de criar uma alíquota efetiva mínima sobre os mais ricos foi uma forma mais simples de enfrentar essas distorções.

Na prática, isso vai permitir a taxar ao menos parte dos lucros e dividendos, que hoje são isentos, sem realizar uma reforma mais ampla.

Isso porque alguns economistas defendem que a taxação direta da renda distribuída aos acionistas só deveria ser implementada junto com a revisão da tributação dos lucros das empresas.

Em entrevista à BBC News Brasil no início de dezembro, o economista Samuel Pessôa, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), criticou a opção do governo pela solução mais simples, de criar um imposto mínimo.

"Eu acho que o esforço de mudar a legislação brasileira, tributando mais os ricos, é positivo. Há sinais de que as altas rendas no Brasil pagam pouco imposto. Mas essa medida é um esparadrapo, vai pegar um monte de coisa diferente", disse Pessôa.

"A questão é que há vários regimes tributários. Tem gente que pagou na Pessoa Jurídica 34% e outros que pagaram na Pessoa Jurídica 5%. Se na Pessoa Física ambos pagarem menos do que 10% da renda declarada, eles serão cobrados pela diferença até atingir 10% de alíquota média efetiva [segundo a nova proposta do governo], sem considerar que pagaram valores diferentes na jurídica", disse ainda.

O Sindifisco, por sua vez, tem visão diferente.

"A gente precisa sim enfrentar [as distorções] do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas. Esse é um problema importante que o Brasil tem que resolver. Mas isso não é condição para se tributar as pessoas físicas mais ricas", afirma Falcão.

"Quando a gente vai amarrando muitos problemas difíceis de resolver todos juntos, e decide que só pode resolver se for resolver todos eles conjuntamente, o que acontece, na prática, é que você não resolve problema nenhum", ressalta.

 

¨         Um privilégio de classe: o dinheiro público é para os rentistas

Alguém leu nos jornais ou viu na televisão que o governo Bolsonaro deixou um “rombo fiscal” estimado em R$ 400 bilhões para 2023? Vocês viram alguma pressão exigindo um ajuste fiscal e o controle dos gastos públicos na época?

E por que agora, com a economia crescendo, o desemprego baixo, a inflação controlada e o aumento contínuo do consumo e da arrecadação de impostos, toda a imprensa e os economistas do mercado falam da necessidade de conter os gastos sociais diante de uma “iminente crise fiscal”? Por que instituições do sistema financeiro promovem o ataque especulativo à economia brasileira elevando artificialmente o valor do dólar e, com isso, puxando para cima os índices de inflação?

Porque não querem o governo do PT, não querem Lula presidente, não querem “botar os pobres no orçamento e os ricos no imposto de renda”, não querem perder seus privilégios, como propõe o presidente Lula. As seguidas tentativas de golpe de Estado e deposição do presidente atestam que essa vontade continua presente. Não vamos analisar a crise política de hoje apenas da óptica das iniciativas dos militares; há muitas razões para crer que a Faria Lima e o agronegócio preferem Bolsonaro a Lula.

Os grandes bancos tomaram uma série de medidas para aumentar seu controle sobre a economia. Capturaram o Banco Central e pretendem impor um novo “teto de gastos” na forma de um “ajuste fiscal”, em um novo “arcabouço fiscal”, criado em 2023. Esse “ajuste fiscal” propõe o corte nos gastos sociais, tais como a redução dos recursos destinados aos trabalhadores, das políticas públicas e dos reajustes do salário mínimo e de todas as políticas sociais indexadas a ele.

Em fevereiro de 2021, o Congresso brasileiro, dominado pelos grandes grupos econômicos e financeiros, aprovou o PLC n. 179, que dá “autonomia” ao Banco Central, isto é, “impede o governo de utilizar os instrumentos monetários para estimular a economia e os empregos, e orientar a política econômica”, segundo Dão Real Pereira dos Santos, presidente do Sindifisco Nacional e membro da diretoria do IJF. O Congresso garante, assim, o controle da política monetária, de câmbio e juros, pelos grandes bancos, que aliás sempre indicaram o presidente do Banco Central, um privilégio de classe.

Basta ver a biografia de Roberto Campos Neto, atual presidente do Banco Central (BC): economista com mestrado, teve sua carreira profissional iniciada no Banco Bozano Simonsen, depois Santander, passou pela Claritas Investimentos e voltou para o Santander, até virar presidente do BC. Nenhum cargo público, nenhuma experiência de gestão para atender ao interesse público. É um homem dos grandes bancos, do sistema financeiro. Os recentes aumentos da taxa Selic, sem justificativa técnica segundo muitos economistas, visam garantir a continuidade da espoliação financeira que avança sobre o dinheiro dos impostos.

Em junho de 2021 o Congresso brasileiro aprovou a Lei n. 14.185, que autoriza o BC a remunerar depósitos voluntários das instituições financeiras. A lei foi sancionada pelo então presidente, Jair Bolsonaro. Segundo a coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli, é a “Bolsa Banqueiro”.

O BC definiu que a remuneração aos bancos por esses depósitos voluntários recolhidos segue a taxa Selic. Assim, diariamente, os bancos recebem juros ancorados na taxa Selic sobre um percentual dos depósitos de pessoas físicas e jurídicas em seus bancos. Vale dizer, uma remuneração sobre um dinheiro que não é seu, mas dos depositantes. E desde 2020 (PL n. 3.877) não há limite para o valor dos depósitos voluntários feito pelos bancos no BC. Em 2022, o BC pagou R$ 180 bilhões de juros aos bancos pela “Bolsa Banqueiro”.

Controlando o Congresso e o Banco Central, os grandes grupos econômicos e financeiros garantem seus privilégios. Vejamos alguns.

Juros da dívida pública: o mais importante instrumento para garantir privilégios são os juros sobre a dívida pública, que se regem pela taxa Selic, determinada pelo BC. No acumulado de 12 meses até junho de 2024, o setor público pagou R$ 835,7 bilhões (7,48% do PIB) de juros da dívida pública.

Isenção de impostos: em 2023, o governo abriu mão de arrecadar R$ 641 bilhões em impostos, segundo a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco). Os maiores privilégios são a isenção de imposto sobre lucros e dividendos (R$ 74,6 bilhões), a ausência de imposto sobre as grandes fortunas (R$ 73,4 bilhões) e a Zona Franca de Manaus (R$ 54,6 bilhões). Do total, R$ 440 bilhões são considerados privilégios tributários que não trazem nenhum benefício para a sociedade.

Evasão fiscal: segundo o Sinprofaz, a evasão fiscal, ou práticas ilícitas para evitar o pagamento de impostos, em 2020, somou R$ 562 bilhões.

 Emendas parlamentares: R$ 52 bilhões de recursos públicos pulverizados em iniciativas dispersas de parlamentares para atender a fins eleitorais e manter seus grupos no poder.

 Outros expedientes: por exemplo, a Lei Kandir, de 1996, que isenta de impostos os produtos destinados à exportação; a não cobrança do Imposto Territorial Rural; o financiamento com dinheiro público das atividades do agronegócio. E há também iniciativas personalizadas de isenção de impostos, como se pode ver por dados de 2021: Vale (R$ 19 bilhões), Eletronorte (R$ 1,2 bilhão), Petrobras (R$ 1,1 bilhão). Isso para não falar nas dívidas ativas que não são cobradas…

De fato, um pente-fino permitiria identificar muitas outras iniciativas que favorecem o 0,01% de nossa população e as grandes corporações. Com os dados já apresentados, pode-se dizer que não falta dinheiro, mas, em razão do controle político, só alguns podem acessá-lo.

Segundo estudo da União de Bancos Suíços (UBS), a fortuna dos bilionários brasileiros cresceu 37,7% de 2023 para 2024 – agora eles são sessenta – e soma US$ 154,9 bilhões, ou algo como R$ 930 bilhões atualmente.

 

Fonte: BBC News Brasil/Le Monde Diplomatiqué

 

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