Uma encruzilhada do movimento sindical
brasileiro
Centrais
posicionam-se com vigor em defesa das instituições democráticas. Mas, muitas
vezes, escanteiam a luta contra a erosão dos direitos, frustrando expectativas
da classe trabalhadora. O que isso revela sobre a distância entre lideranças e
bases?
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O cenário
político-social brasileiro contemporâneo apresenta uma complexa teia de
relações entre as instituições democráticas, o movimento sindical e os
interesses da classe trabalhadora. Este artigo busca analisar as recentes
manifestações das centrais sindicais em defesa do Supremo Tribunal Federal
(STF) e as contradições inerentes a essa postura, considerando o histórico
recente de decisões judiciais e políticas que têm afetado negativamente os
direitos trabalhistas.
A abordagem de
Thompson (1963) sobre a formação da classe operária inglesa nos oferece um
valioso ponto de partida para compreender a dinâmica atual do movimento
sindical brasileiro. Thompson enfatiza a importância da experiência e da
agência dos trabalhadores na formação da consciência de classe, um processo que
não é meramente econômico, mas profundamente cultural e político.
No contexto brasileiro
recente, observamos um fenômeno que parece contradizer essa noção de formação
de classe ativa e consciente. As centrais sindicais, teoricamente
representantes dos interesses da classe trabalhadora, têm se posicionado em
defesa de instituições que, paradoxalmente, têm sido instrumentais na erosão
dos direitos trabalhistas. Este aparente desalinhamento entre as lideranças
sindicais e os interesses imediatos da classe trabalhadora evoca questões
cruciais sobre representação e legitimidade no movimento sindical
contemporâneo.
A “reforma”
trabalhista de 2017 representa um ponto de inflexão significativo nessa
narrativa. Como observa Antunes (2018, p. 55), “a contrarreforma trabalhista
imposta pelo governo Temer em 2017 constituiu-se em um dos maiores ataques já
desferidos contra a classe trabalhadora desde o fim da escravidão”. Esta
reforma, validada pelo STF, fragilizou significativamente a posição dos
trabalhadores e dos sindicatos, contradizendo princípios fundamentais do
Direito do Trabalho.
A pandemia de covid-19
exacerbou ainda mais essa situação precária. As medidas adotadas pelo governo,
com o aval do STF, priorizaram interesses econômicos em detrimento da saúde e
segurança dos trabalhadores. Este episódio ressoa com as observações de Souza
(2018) sobre a “elite do atraso” brasileira, que sistematicamente prioriza
interesses de classe sobre o bem-estar coletivo.
O posicionamento
recente das centrais sindicais em defesa do STF e de suas decisões levanta
questões cruciais sobre o papel do movimento sindical na democracia
contemporânea. Como argumenta Braga (2012), o sindicalismo brasileiro pós-1990
passou por um processo de “transformismo”, no qual lideranças sindicais foram
gradualmente incorporadas à burocracia estatal, distanciando-se das bases.
Este distanciamento é
evidenciado pela aparente falta de crítica substantiva por parte das centrais
sindicais às decisões do STF que têm sistematicamente enfraquecido os direitos
trabalhistas. Hirata (2011) argumenta que esse fenômeno não é isolado, mas parte
de uma tendência global de precarização do trabalho e enfraquecimento dos
sindicatos em face da globalização neoliberal.
A resolução recente do
CNJ, que facilita a homologação de acordos extrajudiciais na Justiça do
Trabalho, é mais um exemplo dessa tendência. Sob o pretexto de eficiência e
atração de investimentos, essa medida potencialmente enfraquece ainda mais a
posição dos trabalhadores em disputas trabalhistas.
O apoio das centrais
sindicais a instituições que têm sido instrumentais na erosão dos direitos
trabalhistas levanta questões importantes sobre a natureza da representação
sindical no Brasil contemporâneo. Como argumenta Cardoso (2015), o movimento
sindical brasileiro enfrenta uma crise de legitimidade, em parte devido à sua
proximidade com o aparato estatal e distanciamento das bases.
A ausência de uma
crítica contundente por parte das centrais sindicais às decisões do STF que
afetam negativamente os direitos trabalhistas podem ser interpretados como um
sintoma desta crise. Como observa Oliveira (2003), o movimento sindical
brasileiro, especialmente após a ascensão do PT ao poder, passou por um
processo de “transformismo”, no qual as lideranças sindicais foram gradualmente
incorporadas à lógica do Estado, muitas vezes em detrimento dos interesses
imediatos da classe trabalhadora.
Este cenário evoca a
noção thompsoniana de “economia moral” (Thompson, 1971). As ações das centrais
sindicais parecem divergir das expectativas tradicionais da classe
trabalhadora, potencialmente minando a legitimidade dessas organizações aos
olhos de seus constituintes.
A aparente falta de
mobilização efetiva contra as reformas trabalhistas e a ausência de demandas
por sua revogação completa sugerem um distanciamento entre as lideranças
sindicais e as necessidades imediatas da classe trabalhadora. Isto ressoa com
as observações de Pochmann (2014) sobre a crescente fragmentação e
heterogeneidade da classe trabalhadora brasileira, que dificulta a formação de
uma consciência de classe unificada e a ação coletiva efetiva.
Um exemplo claro dessa
dinâmica complexa pode ser observado nas recentes ações das centrais sindicais
brasileiras. Souto Maior (2024) analisa duas notas emitidas por centrais
sindicais em outubro de 2024. A primeira nota defende o Ministro Alexandre de Moraes
do STF contra ataques de grupos extremistas (Centrais Sindicais, 2024a),
enquanto a segunda se posiciona contra iniciativas legislativas que visam,
entre outras coisas, anistiar os envolvidos nos eventos de 8 de janeiro de 2023
e limitar a atuação do STF (Centrais Sindicais, 2024b). Essas ações das
centrais sindicais sugerem uma priorização da defesa das instituições
democráticas sobre a luta direta pelos direitos trabalhistas. Embora a defesa
da democracia seja indiscutivelmente crucial, essa abordagem levanta questões
importantes sobre a eficácia do movimento sindical em representar e defender os
interesses imediatos da classe trabalhadora, especialmente considerando o
histórico recente de decisões judiciais e políticas que têm sistematicamente
enfraquecido os direitos laborais.
A menção à retórica do
empreendedorismo como uma forma de cooptação dos trabalhadores é
particularmente relevante. Como argumenta Antunes (2018), o discurso do
empreendedorismo muitas vezes mascara formas precárias de trabalho e transfere
a responsabilidade pela proteção social do Estado e dos empregadores para os
próprios trabalhadores.
A adoção desse
discurso por figuras políticas tradicionalmente associadas à esquerda, como
mencionado no caso do Presidente Lula, ilustra o que Oliveira (2003) chamou de
“hegemonia às avessas”, onde a esquerda no poder acaba por implementar
políticas que beneficiam primariamente o capital.
Este cenário complexo
demanda uma reflexão profunda sobre o papel do movimento sindical na sociedade
brasileira contemporânea. Como argumenta Braga (2012), é necessário um
“sindicalismo de movimento social” que seja capaz de articular as demandas
imediatas dos trabalhadores com uma crítica mais ampla ao sistema econômico e
político vigente.
A ausência de um
projeto político claro e radical por parte das organizações sindicais, como
sugerido no documento analisado por Souto Maior (2024), cria um vácuo que pode
ser preenchido por movimentos conservadores e até mesmo fascistas. Esta
dinâmica evoca as análises de Adorno et al. (1950) sobre a psicologia do
fascismo e sua capacidade de mobilizar ressentimentos sociais em contextos de
crise econômica e política.
Para superar esse
impasse, é crucial que o movimento sindical retome seu papel histórico de
protagonista na luta pelos direitos dos trabalhadores. Isso implica não apenas
em uma postura mais crítica em relação às instituições do Estado, incluindo o
Judiciário, mas também em um esforço renovado para mobilizar e organizar a
classe trabalhadora em torno de demandas concretas por melhores condições de
vida e trabalho.
Como argumenta Santos
(2016), é necessário um “novo internacionalismo operário” capaz de articular
lutas locais com uma visão global de transformação social. Isto implica em
superar as fragmentações de classe, raça e gênero que o capitalismo
contemporâneo fomenta e exacerba.
Em conclusão, o
movimento sindical brasileiro se encontra em uma encruzilhada histórica. Por um
lado, busca defender as instituições democráticas contra ameaças autoritárias;
por outro, parece ter dificuldades em articular uma crítica efetiva às políticas
e decisões judiciais que têm sistematicamente enfraquecido os direitos
trabalhistas. O desafio que se coloca é o de reconciliar essas duas dimensões,
reafirmando o papel do movimento sindical como defensor intransigente dos
interesses da classe trabalhadora, sem perder de vista a importância da
preservação e aprofundamento da democracia.
¨ Governo precisa lembrar imprensa que investimentos também afetam
déficits
A recente divulgação
do déficit apurado nas empresas estatais pelo Banco Central levou a imprensa a
realizar algumas análises que mostram um cenário mais pessimista ante aos dados
realmente divulgados.
Em comunicado, o
Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos lembrou que os números
compilados pela autoridade monetária não englobam apenas as empresas estatais
federais, mas também incluem as empresas controladas por Estados e municípios.
Ao longo de 2023, as
123 empresas estatais federais produziram um Valor Adicionado Bruto (VAR) de R$
627,1 bilhões, o que equivale a 5,75% do Produto Interno Bruto (PIB)
brasileiro, e registrou lucro de R$ 197,9 bilhões.
Como lembra o governo
federal, a União é responsável pelo controle direto de 44 estatais, enquanto
outras 79 empresas são subsidiárias das empresas diretamente controladas. Ao
todo, essas empresas empregavam 436.283 pessoas em 2023.
Além disso, a
estatística fiscal considera apenas parte das estatais federais que não
dependem de recursos do Tesouro – fazendo empresas lucrativas como os bancos
federais e a Petrobras a não entrarem na contabilidade.
·
Apenas estatais
federais e sem impacto no fiscal
Pelos dados
apresentados pelo Banco Central, o déficit de todas as estatais (federais,
estaduais e municipais) chegou a R$ 7,21 bilhões, sendo que menos da metade (R$
3,37 bilhões) representa as empresas federais – e uma parte desse montante
corresponde a investimentos.
“Como os projetos de
investimentos são normalmente de longo prazo, nos anos seguintes, conforme essa
receita de anos anteriores é utilizada, sua materialização pode gerar déficits
sucessivos até sua conclusão”, lembra o ministério.
No caso das empresas
ligadas ao governo federal, as companhias que estão no cálculo não dependem do
Tesouro Nacional para custear suas despesas (como salários e contas de luz), e
assim elas não afetam o equilíbrio fiscal.
Contudo, essas
empresas recebem aportes do Tesouro em casos específicos, como para desenvolver
projetos de investimentos. Quando esses recursos saem do Tesouro para o caixa
das empresas, eles são contabilizados como receitas pelas estatais.
·
Déficit é diferente de
prejuízo
Em linhas gerais, o
resultado primário (déficit ou superávit) das estatais federais que não
dependem do Tesouro é calculado pela diferença entre receitas e suas despesas
(incluindo investimentos) dentro de um determinado período.
Como lembra o
ministério, ele não contabiliza os recursos que as empresas já traziam em seus
caixas de períodos anteriores, nem eventuais receitas de financiamentos. Diante
disso, a pasta destaca que o resultado primário “não é uma medida adequada de
saúde financeira da companhia”.
Como exemplo, com base
nos dados da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais
(Sest), a Casa da Moeda do Brasil fechou o ano passado com déficit de R$ 125
milhões, mas registrou lucro líquido de R$ 202 milhões – valor quase nove vezes
maior em relação ao lucro líquido de R$ 23,4 milhões de 2022. Já a Serpro, que
teve déficit de cerca de R$ 107 milhões, obteve lucro líquido de R$ R$ 450
milhões no mesmo ano.
“(…) muitas
reportagens confundem déficit e prejuízo e desconsideram que, na contabilidade
empresarial, o déficit, olhado de forma isolada, não é o resultado mais
relevante para a avaliação das companhias, pois ele leva em consideração apenas
receita e despesa primária do mesmo ano corrente e ignora os recursos em caixa,
disponíveis de receitas de anos anteriores”, pontua o ministério
Fonte: Por Erik
Chiconelli Gomes, em Outras Palavras
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