quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Uma encruzilhada do movimento sindical brasileiro

Centrais posicionam-se com vigor em defesa das instituições democráticas. Mas, muitas vezes, escanteiam a luta contra a erosão dos direitos, frustrando expectativas da classe trabalhadora. O que isso revela sobre a distância entre lideranças e bases?

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O cenário político-social brasileiro contemporâneo apresenta uma complexa teia de relações entre as instituições democráticas, o movimento sindical e os interesses da classe trabalhadora. Este artigo busca analisar as recentes manifestações das centrais sindicais em defesa do Supremo Tribunal Federal (STF) e as contradições inerentes a essa postura, considerando o histórico recente de decisões judiciais e políticas que têm afetado negativamente os direitos trabalhistas.

A abordagem de Thompson (1963) sobre a formação da classe operária inglesa nos oferece um valioso ponto de partida para compreender a dinâmica atual do movimento sindical brasileiro. Thompson enfatiza a importância da experiência e da agência dos trabalhadores na formação da consciência de classe, um processo que não é meramente econômico, mas profundamente cultural e político.

No contexto brasileiro recente, observamos um fenômeno que parece contradizer essa noção de formação de classe ativa e consciente. As centrais sindicais, teoricamente representantes dos interesses da classe trabalhadora, têm se posicionado em defesa de instituições que, paradoxalmente, têm sido instrumentais na erosão dos direitos trabalhistas. Este aparente desalinhamento entre as lideranças sindicais e os interesses imediatos da classe trabalhadora evoca questões cruciais sobre representação e legitimidade no movimento sindical contemporâneo.

A “reforma” trabalhista de 2017 representa um ponto de inflexão significativo nessa narrativa. Como observa Antunes (2018, p. 55), “a contrarreforma trabalhista imposta pelo governo Temer em 2017 constituiu-se em um dos maiores ataques já desferidos contra a classe trabalhadora desde o fim da escravidão”. Esta reforma, validada pelo STF, fragilizou significativamente a posição dos trabalhadores e dos sindicatos, contradizendo princípios fundamentais do Direito do Trabalho.

A pandemia de covid-19 exacerbou ainda mais essa situação precária. As medidas adotadas pelo governo, com o aval do STF, priorizaram interesses econômicos em detrimento da saúde e segurança dos trabalhadores. Este episódio ressoa com as observações de Souza (2018) sobre a “elite do atraso” brasileira, que sistematicamente prioriza interesses de classe sobre o bem-estar coletivo.

O posicionamento recente das centrais sindicais em defesa do STF e de suas decisões levanta questões cruciais sobre o papel do movimento sindical na democracia contemporânea. Como argumenta Braga (2012), o sindicalismo brasileiro pós-1990 passou por um processo de “transformismo”, no qual lideranças sindicais foram gradualmente incorporadas à burocracia estatal, distanciando-se das bases.

Este distanciamento é evidenciado pela aparente falta de crítica substantiva por parte das centrais sindicais às decisões do STF que têm sistematicamente enfraquecido os direitos trabalhistas. Hirata (2011) argumenta que esse fenômeno não é isolado, mas parte de uma tendência global de precarização do trabalho e enfraquecimento dos sindicatos em face da globalização neoliberal.

A resolução recente do CNJ, que facilita a homologação de acordos extrajudiciais na Justiça do Trabalho, é mais um exemplo dessa tendência. Sob o pretexto de eficiência e atração de investimentos, essa medida potencialmente enfraquece ainda mais a posição dos trabalhadores em disputas trabalhistas.

O apoio das centrais sindicais a instituições que têm sido instrumentais na erosão dos direitos trabalhistas levanta questões importantes sobre a natureza da representação sindical no Brasil contemporâneo. Como argumenta Cardoso (2015), o movimento sindical brasileiro enfrenta uma crise de legitimidade, em parte devido à sua proximidade com o aparato estatal e distanciamento das bases.

A ausência de uma crítica contundente por parte das centrais sindicais às decisões do STF que afetam negativamente os direitos trabalhistas podem ser interpretados como um sintoma desta crise. Como observa Oliveira (2003), o movimento sindical brasileiro, especialmente após a ascensão do PT ao poder, passou por um processo de “transformismo”, no qual as lideranças sindicais foram gradualmente incorporadas à lógica do Estado, muitas vezes em detrimento dos interesses imediatos da classe trabalhadora.

Este cenário evoca a noção thompsoniana de “economia moral” (Thompson, 1971). As ações das centrais sindicais parecem divergir das expectativas tradicionais da classe trabalhadora, potencialmente minando a legitimidade dessas organizações aos olhos de seus constituintes.

A aparente falta de mobilização efetiva contra as reformas trabalhistas e a ausência de demandas por sua revogação completa sugerem um distanciamento entre as lideranças sindicais e as necessidades imediatas da classe trabalhadora. Isto ressoa com as observações de Pochmann (2014) sobre a crescente fragmentação e heterogeneidade da classe trabalhadora brasileira, que dificulta a formação de uma consciência de classe unificada e a ação coletiva efetiva.

Um exemplo claro dessa dinâmica complexa pode ser observado nas recentes ações das centrais sindicais brasileiras. Souto Maior (2024) analisa duas notas emitidas por centrais sindicais em outubro de 2024. A primeira nota defende o Ministro Alexandre de Moraes do STF contra ataques de grupos extremistas (Centrais Sindicais, 2024a), enquanto a segunda se posiciona contra iniciativas legislativas que visam, entre outras coisas, anistiar os envolvidos nos eventos de 8 de janeiro de 2023 e limitar a atuação do STF (Centrais Sindicais, 2024b). Essas ações das centrais sindicais sugerem uma priorização da defesa das instituições democráticas sobre a luta direta pelos direitos trabalhistas. Embora a defesa da democracia seja indiscutivelmente crucial, essa abordagem levanta questões importantes sobre a eficácia do movimento sindical em representar e defender os interesses imediatos da classe trabalhadora, especialmente considerando o histórico recente de decisões judiciais e políticas que têm sistematicamente enfraquecido os direitos laborais.

A menção à retórica do empreendedorismo como uma forma de cooptação dos trabalhadores é particularmente relevante. Como argumenta Antunes (2018), o discurso do empreendedorismo muitas vezes mascara formas precárias de trabalho e transfere a responsabilidade pela proteção social do Estado e dos empregadores para os próprios trabalhadores.

A adoção desse discurso por figuras políticas tradicionalmente associadas à esquerda, como mencionado no caso do Presidente Lula, ilustra o que Oliveira (2003) chamou de “hegemonia às avessas”, onde a esquerda no poder acaba por implementar políticas que beneficiam primariamente o capital.

Este cenário complexo demanda uma reflexão profunda sobre o papel do movimento sindical na sociedade brasileira contemporânea. Como argumenta Braga (2012), é necessário um “sindicalismo de movimento social” que seja capaz de articular as demandas imediatas dos trabalhadores com uma crítica mais ampla ao sistema econômico e político vigente.

A ausência de um projeto político claro e radical por parte das organizações sindicais, como sugerido no documento analisado por Souto Maior (2024), cria um vácuo que pode ser preenchido por movimentos conservadores e até mesmo fascistas. Esta dinâmica evoca as análises de Adorno et al. (1950) sobre a psicologia do fascismo e sua capacidade de mobilizar ressentimentos sociais em contextos de crise econômica e política.

Para superar esse impasse, é crucial que o movimento sindical retome seu papel histórico de protagonista na luta pelos direitos dos trabalhadores. Isso implica não apenas em uma postura mais crítica em relação às instituições do Estado, incluindo o Judiciário, mas também em um esforço renovado para mobilizar e organizar a classe trabalhadora em torno de demandas concretas por melhores condições de vida e trabalho.

Como argumenta Santos (2016), é necessário um “novo internacionalismo operário” capaz de articular lutas locais com uma visão global de transformação social. Isto implica em superar as fragmentações de classe, raça e gênero que o capitalismo contemporâneo fomenta e exacerba.

Em conclusão, o movimento sindical brasileiro se encontra em uma encruzilhada histórica. Por um lado, busca defender as instituições democráticas contra ameaças autoritárias; por outro, parece ter dificuldades em articular uma crítica efetiva às políticas e decisões judiciais que têm sistematicamente enfraquecido os direitos trabalhistas. O desafio que se coloca é o de reconciliar essas duas dimensões, reafirmando o papel do movimento sindical como defensor intransigente dos interesses da classe trabalhadora, sem perder de vista a importância da preservação e aprofundamento da democracia.

 

¨      Governo precisa lembrar imprensa que investimentos também afetam déficits

A recente divulgação do déficit apurado nas empresas estatais pelo Banco Central levou a imprensa a realizar algumas análises que mostram um cenário mais pessimista ante aos dados realmente divulgados.

Em comunicado, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos lembrou que os números compilados pela autoridade monetária não englobam apenas as empresas estatais federais, mas também incluem as empresas controladas por Estados e municípios.

Ao longo de 2023, as 123 empresas estatais federais produziram um Valor Adicionado Bruto (VAR) de R$ 627,1 bilhões, o que equivale a 5,75% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, e registrou lucro de R$ 197,9 bilhões.

Como lembra o governo federal, a União é responsável pelo controle direto de 44 estatais, enquanto outras 79 empresas são subsidiárias das empresas diretamente controladas. Ao todo, essas empresas empregavam 436.283 pessoas em 2023.

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Além disso, a estatística fiscal considera apenas parte das estatais federais que não dependem de recursos do Tesouro – fazendo empresas lucrativas como os bancos federais e a Petrobras a não entrarem na contabilidade.

·        Apenas estatais federais e sem impacto no fiscal

Pelos dados apresentados pelo Banco Central, o déficit de todas as estatais (federais, estaduais e municipais) chegou a R$ 7,21 bilhões, sendo que menos da metade (R$ 3,37 bilhões) representa as empresas federais – e uma parte desse montante corresponde a investimentos.

“Como os projetos de investimentos são normalmente de longo prazo, nos anos seguintes, conforme essa receita de anos anteriores é utilizada, sua materialização pode gerar déficits sucessivos até sua conclusão”, lembra o ministério.

No caso das empresas ligadas ao governo federal, as companhias que estão no cálculo não dependem do Tesouro Nacional para custear suas despesas (como salários e contas de luz), e assim elas não afetam o equilíbrio fiscal.

Contudo, essas empresas recebem aportes do Tesouro em casos específicos, como para desenvolver projetos de investimentos. Quando esses recursos saem do Tesouro para o caixa das empresas, eles são contabilizados como receitas pelas estatais.

·        Déficit é diferente de prejuízo

Em linhas gerais, o resultado primário (déficit ou superávit) das estatais federais que não dependem do Tesouro é calculado pela diferença entre receitas e suas despesas (incluindo investimentos) dentro de um determinado período.

Como lembra o ministério, ele não contabiliza os recursos que as empresas já traziam em seus caixas de períodos anteriores, nem eventuais receitas de financiamentos. Diante disso, a pasta destaca que o resultado primário “não é uma medida adequada de saúde financeira da companhia”.

Como exemplo, com base nos dados da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest), a Casa da Moeda do Brasil fechou o ano passado com déficit de R$ 125 milhões, mas registrou lucro líquido de R$ 202 milhões – valor quase nove vezes maior em relação ao lucro líquido de R$ 23,4 milhões de 2022. Já a Serpro, que teve déficit de cerca de R$ 107 milhões, obteve lucro líquido de R$ R$ 450 milhões no mesmo ano.

“(…) muitas reportagens confundem déficit e prejuízo e desconsideram que, na contabilidade empresarial, o déficit, olhado de forma isolada, não é o resultado mais relevante para a avaliação das companhias, pois ele leva em consideração apenas receita e despesa primária do mesmo ano corrente e ignora os recursos em caixa, disponíveis de receitas de anos anteriores”, pontua o ministério

 

Fonte: Por Erik Chiconelli Gomes, em Outras Palavras

 

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