Pamela Harriman: a nora e 'arma secreta' de
Churchill na luta contra os nazistas
Você pode chamá-la por
seis nomes diferentes, à sua escolha.
A aristocrata
britânica Pamela Beryl Digby Churchill Hayward Harriman (1920-1997) conseguiu
se tornar uma figura poderosa na capital americana, Washington. Ela foi
embaixadora dos Estados Unidos na França e conheceu muitas pessoas famosas na
política e na cultura do século 20.
Quando ela tinha
apenas 20 anos de idade, seu sogro – o então primeiro-ministro britânico
Winston Churchill (1874-1965) – já a considerava "sua arma secreta mais
prestativa e comprometida" (segundo sua nova biografia). E, durante a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), ela era recebida com todas as honras e
chegou a seduzir importantes autoridades americanas, atraindo-os para a causa
britânica contra os nazistas.
Após a guerra, sua
influência se ampliou ainda mais. Ela interagiu com inúmeras figuras públicas
que incluíram os Kennedys, Bill Clinton, Nelson Mandela (1918-2013) e Truman
Capote (1924-1984) – que a satirizou em suas obras de ficção, ao lado de outras
figuras que ele chamou de "cisnes".
Mais de 27 anos se
passaram desde a morte de Pamela Harriman. Ela sofreu uma hemorragia cerebral
fatal em 1997, quando nadava na piscina do Hotel Ritz, em Paris, na França.
Mas ela permanece uma
personagem contraditória, como mostram as diversas reações à sua nova
biografia, Kingmaker: Pamela Harriman's Astonishing Life of Power, Seduction
and Intrigue ("Criadora de reis: a extraordinária vida de poder, sedução e
intrigas de Pamela Harriman", em tradução livre) , escrita pela escritora
e jornalista britânica Sonia Purnell.
Para alguns, o livro é
o reconhecimento de uma vida de influência vivida de forma ousada, sagaz e
ambiciosa no Reino Unido, em outras partes da Europa e nos Estados Unidos. Para
outros, é o elogio imerecido de uma mulher que usou o sexo para se promover e
cujo impacto político, segundo os críticos, é exagerado.
Filha de um barão sem
posses, Pamela Beryl Digby nasceu em 1920. Ela foi criada para "se casar
bem", mas não conseguiu encontrar um marido durante sua primeira
"temporada" em Londres, em 1938.
A romancista britânica
Nancy Mitford (1904-1973), a mais incisiva das famosas irmãs Mitford, descreveu
a adolescente Pamela como uma "ruivinha saltitante".
No ano seguinte,
Randolph Churchill (1911-1968) – o único filho homem do famoso político –
telefonou para ela e a convidou para um encontro. Ele estava certo de que
morreria na guerra (que havia acabado de ser declarada) e estava ansioso para
ter um filho. E, durante o jantar com Pamela, ele foi direto ao assunto.
"Ele não a
amava", segundo Purnell, "mas ela parecia ser suficientemente
saudável para ter um filho seu."
Ansiosa para escapar
de uma vida totalmente monótona com seus pais no distante
O filho do casal
recebeu o mesmo nome do avô, Winston (1940-2010). Mas o casamento não trouxe
felicidade conjugal.
Randolph Churchill era
alcoólico e encrenqueiro. Ele tratava a esposa de forma depreciativa, antes e
depois do nascimento do bebê.
Mas, quando o sogro se
tornou primeiro-ministro, em maio de 1940, Pamela Churchill passou a frequentar
os salões do governo, onde tudo acontece.
"Ninguém nunca
teve a chance de ver a política por dentro tanto quanto eu", disse ela,
mais tarde.
Naquela época, o Reino
Unido enfrentava a máquina de guerra nazista praticamente sozinho.
Churchill precisava
com urgência de ajuda do outro lado do Atlântico, o que não era algo fácil de
conseguir em curto prazo. Afinal, depois da queda de Paris, em junho de 1940,
os eleitores americanos ficaram menos dispostos a aderir à causa aliada, segundo
as pesquisas da época.
Pamela conhecia os
riscos. "Se e quando os Estados Unidos entrassem na guerra, haveria
segurança. Enquanto eles não chegassem, a guerra ficaria instável",
relembrou ela posteriormente.
Winston Churchill se
encantou com sua nora alegre e jovial. Ele interveio para que um retrato
cativante de Pamela com seu bebê (tirado pelo fotógrafo favorito da realeza,
Cecil Beaton (1904-1980)) ilustrasse a capa da revista Life – na época, a
revista de maior circulação nos Estados Unidos.
O primeiro-ministro
também fez com que seu aliado e ministro Lord Beaverbrook (1879-1964)
financiasse um novo guarda-roupa para a nora.
Pamela Churchill
conquistou o primeiro enviado do presidente americano Franklin D. Roosevelt
(1882-1945) para o Reino Unido, Harry Hopkins (1890-1946). Ele a definiu como
"deliciosa".
E, quando o rico
empresário americano Averell Harriman (1891-1986) chegou a Londres em março de
1941, para administrar o programa de ajuda dos Estados Unidos (a boia de
salvação tão desejada por Churchill), ela fez questão de conhecê-lo.
Pamela tinha 21 anos
de idade quando ela iniciou um romance com Harriman (casado, de 49 anos). O
primeiro-ministro ficou tão ansioso para saber o que ele dizia e fazia que
interrogou a nora até altas horas da noite, durante um jogo de cartas.
O jornalista Roger
Lewis, em sua crítica da biografia de Pamela para o jornal britânico The Times,
rejeita a ideia de que ela tivesse fornecido informações vitais de inteligência
para seu sogro. Ele a descreve como uma "mercenária obsessiva por sexo".
O professor de
história Frank Costigliola, da Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos,
é o autor do livro Roosevelt's Lost Alliances: How Personal Politics Helped
Start the Cold War ("As alianças perdidas de Roosevelt: como a política
pessoal ajudou a começar a Guerra Fria", em tradução livre).
Ele declarou à BBC que
"Pamela foi um tremendo trunfo para Churchill, considerando a importância
da informação em tempo de guerra. Pensar de outra forma é ignorar a história e
cheira a misoginia."
Purnell não questiona
as façanhas sexuais de Harriman. A biógrafa menciona em Kingmaker que ela ficou
conhecida como "a maior cortesã do seu tempo".
O jornalista americano
Harrison Salisbury (1908-1993) ficou famoso ao relembrar que, em Londres,
durante a Segunda Guerra Mundial, "o sexo pairava no ar como a
neblina". Ou seja, não era nada incomum que Pamela tivesse um novo
parceiro na cama – o que provavelmente era acima dos padrões era a frequência
em que isso acontecia.
A lista (parcial) dos
seus amantes inclui o jornalista da rede americana CBS Edward R. Murrow
(1908-1965); o major-general Fred Anderson (1905-1969), comandante da força de
bombardeios aéreos dos Estados Unidos; o coronel Jock Whitney (1904-1982),
funcionário de inteligência do Escritório de Serviços Estratégicos americano
(OSS, na sigla em inglês); e o patrão de Murrow na CBS, Bill Paley (1901-1990),
que fez parte da equipe do general e futuro presidente americano Dwight D.
Eisenhower (1890-1969).
Até hoje, não se sabe
que tipo de informações Pamela teria repassado para Winston Churchill, nem o
que ele teria pedido para contar aos poderosos americanos com quem ela teve
intimidade. Mas Purnell escreve que "suas conversas de travesseiro atingiam
os ouvidos dos líderes e influenciavam altos escalões da política nos dois
lados do Atlântico".
Na sua crítica, Lewis
rotula esta afirmação de "hiperbólica", mas é importante observar
que, quando Randolph Churchill soube do adultério da esposa com Averell
Harriman, ele criticou severamente seus pais pela cumplicidade.
• O sonho americano
Divorciada após a
guerra, Pamela se mudou para Paris, onde fez parte de um cenário cosmopolita.
Ela manteve romances com uma série de homens ricos, como o príncipe Aly Khan
(1911-1960), o empresário italiano Gianni Agnelli (1921-2003), da Fiat, e o
banqueiro francês Élie de Rothschild (1917-2007).
Seus amantes
financiaram sua vida luxuosa, mas nenhum deles colocou a aliança no seu dedo.
Até que, com quase 40 anos, ela convenceu Leland Hayward (1902-1971), produtor
de sucesso na Broadway e em Hollywood, a deixar sua encantadora esposa Nancy,
conhecida como "Slim" (1917-1990), para ficar com ela.
Pamela Hayward (este
era o seu nome na época) e Lady Slim Keith – agora, casada com o banqueiro e
aristocrata britânico Kenneth Keith (1916-2004) – fizeram parte do "bando
intercontinental de cisnes", descrito pelo escritor Truman Capote, na edição
de outubro de 1959 da revista Harper's Bazaar.
Excepcionalmente
ricas, excepcionalmente belas e excepcionalmente elegantes, estas damas da
sociedade adoravam Capote. Elas o tinham como acompanhante e confidente, até
que ele revelou seus segredos ao público.
Laurence Leamer é o
autor do livro Capote's Women: A True Story of Love, Betrayal and a Swan Song
for an Era ("As mulheres de Capote: uma história real de amor, traição e o
canto do cisne para uma era", em tradução livre). A série de TV Feud: Capote
vs. the Swans (2024), do canal FX, é baseada no livro.
O escritor destaca que
Pamela era uma figura suspeita no bando de cisnes.
"Ele [Capote]
sabia que ela não teria pudores para conquistar e manter um homem", conta
Leamer à BBC. "Mas ela também era interessante, charmosa e se revelou uma
esposa excepcional."
A carreira e a saúde
de Hayward entraram em rápido declínio na década seguinte ao seu casamento com
Pamela, mas ela permaneceu fiel ao marido.
Sua enteada, a atriz
Brooke Hayward, acusou Pamela de fugir com joias da família (entre outros
delitos), no seu famoso livro de memórias Haywire. Mas ela própria reconheceu a
lealdade da madrasta.
"Pamela tinha um
grande dom: ela entendia os homens que ela amava", escreveu ela. "Foi
ali que ela começou e terminou; foi a única vida que ela teve."
Vida em nova fase
Após a morte de Leland
Hayward, na primavera de 1971, uma jornalista vizinha de Pamela, Lally
Weymouth, observou que ela estava "extremamente infeliz".
Sua mãe, Katharine
Graham (1917-2001), editora do jornal The Washington Post, estava justamente
promovendo uma festa e Weymouth convidou Pamela a comparecer no seu lugar.
Foi naquela festa que
Pamela reencontrou Averell Harriman, que havia ficado viúvo no ano anterior. Os
dois antigos amantes rapidamente reacenderam seu relacionamento e se casaram
alguns meses depois.
"Virou folclore
em Washington que Pamela havia pressionado para conseguir o convite, como
manobra para encontrar Averell", escreve Purnell.
"Como em tantos
outros casos, os rumores sobre Pamela eram suficientemente obscenos para que
muitas pessoas não se preocupassem em saber se eram verdadeiros."
A nova sra. Harriman
passou por uma certa humilhação em 1975, quando a revista Esquire publicou o
conto de Capote intitulado La Côte Basque 1965. A história se concentrava na
cruel Lady Ina Coolbirth, uma figura multifacetada, com elementos que relembravam
Pamela Harriman.
Mas, durante as duas
últimas décadas de vida, Pamela Harriman ganhou poder em Washington. Apoiada
pelos milhões de seu marido, ela começou a financiar e promover candidatos do
Partido Democrata, depois que o republicano Ronald Reagan (1911-2004) venceu com
grande vantagem a eleição presidencial americana de 1980.
Alguns dos favorecidos
foram dois futuros presidentes: o então senador pelo Estado de Delaware, Joe
Biden, e o governador de Arkansas, Bill Clinton.
Em agradecimento,
Clinton a nomeou embaixadora dos Estados Unidos na França. Foi o ponto
culminante deste importante terceiro ato da vida de Harriman.
Mesmo sendo uma esposa
fiel e atenciosa para seu envelhecido marido, Pamela Harriman ainda foi
rotulada por Ben Bradlee (1921-2014), editor de longa data do jornal The
Washington Post, como alguém cuja política estava "entre as pernas",
segundo Purnell relata no seu livro.
Para o romancista
histórico e ensaísta Thomas Mallon, autor da crítica do livro Kingmaker para
The Washington Post, a obra não "aborda a peculiar desconexão emocional de
uma pessoa aparentemente vibrante, cuja natureza mecânica e implacável ainda a torna,
mesmo depois de tanto tempo, mais repelente do que fascinante".
Purnell contou à BBC
sua impressão de que a recepção às vezes hostil ao seu livro fez com que ela
vivenciasse "uma minúscula fração do que Pamela enfrentou". E, depois
de ler os documentos e cartas de Harriman, agora guardados na Biblioteca do Congresso
dos Estados Unidos, a autora começou a gostar cada vez mais da personagem do
seu livro.
Talvez a vida de
Pamela Harriman seja uma espécie de teste de Rorschach.
O que você acha das
eternas "duas medidas"?
Como destaca Leamer,
"ainda é verdade: se você dormir com muitas pessoas e for mulher, você é
uma vadia, mas, se for homem, você é um garanhão."
E qual o critério para
julgar uma mulher de outra geração?
Pamela Harriman era
claramente atraída pelo poder desde cedo. E, com sua pouca educação, não havia,
naquela época, muitas oportunidades para buscar o poder sozinha.
A própria
autoavaliação de Harriman é reveladora. Em entrevista para o jornalista
americano Michael Gross na New York Magazine em 1992, mencionada posteriormente
pelo The New York Times, ela declarou:
"Basicamente, sou
uma menina dos bastidores. Sempre disse isso e sempre acreditei nisso. Eu
prefiro impulsionar e incentivar outras pessoas. Realmente, não gosto de ficar
à frente."
"Fui muito feliz
ao ser a esposa dos dois maridos que amei."
Fonte: BBC Future
Nenhum comentário:
Postar um comentário