Eleições Municipais: o que de novidade
trazem para a Política
Passada as eleições
municipais de 2024, continuam as análises e avaliações sobre o quadro político
que se esboça a partir do processo eleitoral. À superfície, no âmbito mais
tradicional da política e de seus fóruns de interpretação, aí incluídos os
grandes meios de comunicação, eles próprios parte dessa tradição, o tom das
análises repercute a leitura impressionista, do jogo de perdas e ganhos,
levando em conta o desempenho das forças que representam o espectro ideológico
da luta por poder entre conservadores e progressistas, entre direita e
esquerda, e de desempenho das respectivas legendas e de suas candidaturas.
Assim, para essas
análises, ganhou a direita entre seu centro e sua extrema, com 90 milhões de
votos sobre 21 milhões atribuídos à esquerda, seu centro e sua extrema
(disponível aqui): – nessa contabilidade do aparente, a síntese é a do ‘Perdeu
ganhando’ ou ‘Ganhou perdendo’. A partir daí, conclusões simplistas que balizam
o resultado pela ainda sobrevivente polarização entre direita (Bolsonaro) e
esquerda (Lula).
Claro que há
interpretações que procuram arranhar a superfície do aparente e escavar um
pouco mais fundo na prospecção de algum nexo de causalidade. Ah, o resultado
corresponde ao uso das formidáveis máquinas burocráticas instaladas no país
desde 2018 até 2022, com a tomada do aparelho governamental, bastando ver as
reeleições, principalmente de prefeitos e de prefeitas e seus aliados; também o
esquema de aplicação das emendas e do fundo eleitoral público, fatores
determinantes para a produção dos resultados. É possível, mas não explica tudo,
porque há contradições na apropriação desses dados (disponível aqui).
Antecipando esses
elementos contraditórios que se apresentariam durante as eleições municipais e
que deverão ter impactos importantes nas eleições gerais de 2026, o Grupo de
Análise de Conjuntura Social da CNBB – Padre Thierry Linard, do qual faço
parte, apresentara aos bispos brasileiros, em seu encontro de 12 de setembro,
um amplo apanhado das questões que deveriam ter atenção forte no contexto das
mutações em curso na cena política do país, depois da retomada da aliança
democrático-popular com a eleição do Presidente Lula (disponível aqui) –
Eleições Municipais de 2024: entre a
política nacional e agenda local ).
O Grupo também pautou
para nova análise, dirigida à reunião dos bispos de novembro, uma avaliação a
parir do resultado das eleições e da cartografia que delas se possa esboçar. Em
encontro preparatório para a produção do texto de análise, na última quinta-feira
(10/10), fizemos uma primeira rodada de conversa sobre o processo, incluindo as
nossas percepções sobre as interpretações e projeções em circulação.
Num Grupo formado por
expressões de uma alta intelectualidade, notadamente do sistema PUC
(Pontifícias Universidades Católicas), economistas, cientistas políticos,
juristas, teólogos, mas não só, eu por exemplo, sou da UnB, o bispo que nos
coordena Dom Francisco Lima Soares é sociólogo, com doutorado na Sorbonne,
todos esses aspectos foram considerados e serão esquadrinhados na Análise, mas
a mim me chamou a atenção, duas ou três considerações preliminares, tomadas
aqui mais ao modo de como ouvi do que à maneira estrita como foram ditas.
A primeira do
professor Antonio Carlos A. Lobão – da PUC/Campinas. Ele chamou a atenção para
questões que não se explicam pelo uso de máquina, de fundos, de emendas ou da
avaliação impressionista de prefeitos que tenham sido reeleitos. Para o que ele
considera “uma hiperpolitização por parte da direita, com um trabalho político,
com uma mobilização da direita, com atividades da direita, com um projeto
político”, resultante de esvaziamento do político criado pelo discurso da
esquerda. Para ele, o embate traz a percepção de que “a esquerda não tem mais
projeto. A única defesa da esquerda é conservadora: banco central, orçamento,
equilíbrio fiscal, STF etc. Deixamos de ter uma ação de massa para ter uma ação
de alianças. Sequer a Igreja está nas periferias. A teologia da libertação foi
substituída pela teologia da prosperidade. As novas classes médias dos governos
Lula, viraram instrumentos e espaços da nova direita. Taxação dos ricos, taxas
de juro etc. Não politizamos nada. Não conseguimos defender mais nada, não
saímos mais para as ruas. A desculpa da Lava-Jato não serve mais para o tema da
criminalização da política. Não sabemos usar as redes sociais” (o que se revela
no efeito Pablo Marçal).
De modo parecido, o
professor Ricardo Ismael – PUC/Rio, destacou que na ascensão da direita no
Brasil, não se pode perder de vista que “mudou a base social; evangélicos
cresceram, por conta do discurso identitário (da esquerda) que os joga no colo
da direita; as forças de segurança mudaram, para os votos da direita, além da
questão do tráfico e milícia – sem um discurso para a área de segurança
pública; dificuldades dos sindicatos no mundo do trabalho; o agronegócio se
afirmando como eixo de ingressos, tudo gerando – mudança estrutural na economia
e na sociedade”. Há uma decalagem entre o discurso e ação política da liderança
mais popular do País (Lula) e uma crise de comunicação desse discurso em face
das expectativas que o eleitoral abre para as aspirações de diferentes
segmentos (classes) do social, e seus projetos de vida.
Talvez isso explique,
lembrou a professora Tânia Bacelar – UFPE, que até a economia, em geral
determinante na variação de tendências eleitorais, mesmo numa conjuntura de
altos resultados, não tenha repercutido no pleito porque nesse processo não é
só o “contexto conjuntural, de curto prazo”, o que repercute, mas o que é ainda
consciência possível, e que se “processa nas mudanças estruturais”, de longo
prazo, não afloráveis à consciência real (Goldman, Paulo Freire). Daí porque,
para Melillo Dinis – Inteligência Política (IP), esses balizamentos devam se
dispor como questões-guias para orientar uma análise de conjuntura do
pós-eleições no entrelaçamento dos fios condutores formados por elementos
polarizadores, tangidos pela violência política, pela corrupção eleitoral, pelo
assédio eleitoral e pelas mediações comunicacionais, num enlace entre ética
religião e política.
De minha parte, atento
a essas observações preliminares, que interpelam antes de tudo, qual a novidade
ou as novidades que podem ser designadas no pleito de 2024, procuro estar
atento, menos ao jogo de perdas e de ganhos, aos carismas que se forjam desde
os embates, mas aos elementos gestados no substrato do próprio processo que
podem enervar a política.
Claro que penso a
política em seu sentido autêntico, ético (na perspectiva que opera a
institucionalidade que humaniza, que nutre a cidadania. Penso com Aristóteles,
na afirmação, ele dizia em seu tratado sobre a Política, que ela é a mediação
para a constituição do Zoonpoliktikon (animal político)o modo como o ser se faz
humano na medida em que desenvolve a capacidade natural de viver em sociedade e
participar da vida política, de ser livre, de exercitar a gestão da polis (a
cidade e todas as outras formas de comunidade). Sem essa aptidão, o humano não
se constituía, para Aristóteles, o escravo, para ele, não tendo esse atributo
na polis, não passava de um instrumento, uma ferramenta que fala.
Na sua forma matizada
pelo tomismo, é desse modo que o cristianismo concebe a política, pensada como
“a forma mais sublime de viver a caridade“, um ensinamento manifestado desde o
papa Pio XI e reforçado depois pelo Concílio Vaticano II, pelo papa Paulo VI,
pois que busca romper “com a mentalidade de que política é coisa ruim, com a
qual o cristão não pode estar engajado; pelo contrário, deve encontrar no
ambiente político a sua vocação e o serviço ao povo de Deus.”, tal como se
pontuou aqui no Jornal Brasil Popular (disponível aqui)– A política, as
eleições no Brasil em 2024 e a intenção de oração do Papa Francisco para o mês
de agosto: “Estratégias coletivas para Encantar a Política”.
O Papa Francisco ao
atualizar essa noção, tal como já o fizera na Exortação Evangelii Gaudium, nº
205, “A política, tão denegrida, é uma sublime vocação, é uma das formas mais
preciosas da caridade, porque busca o bem comum”, a distingue porque ela “escuta
a realidade, que está a serviço dos pobres, que se preocupa com os
desempregados e sabe muito bem como pode ser triste um domingo quando a
segunda-feira é um dia a mais sem poder ir trabalhar”. (Confira-se a íntegra da
mensagem disponível aqui).
Vamos às novidades.
As Eleições de 2024
foram os primeiros pleitos municipais com a participação de federações
partidárias. As federações partidárias são a reunião de dois ou mais partidos
políticos (que já têm registro no TSE), com afinidade programática, a fim de
que atuem como se fossem uma única agremiação. Três federações partidárias se
registraram para o pleito: Federação Brasil da Esperança (Fe Brasil): Partido
dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e Partido Verde
(PV); Federação PSDB Cidadania: Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB)
e Cidadania (Cidadania) e Federação PSOL Rede: Partido Socialismo e Liberdade
(PSOL) e Rede Sustentabilidade (Rede).
Os partidos que
integram federações partidárias elegeram 7.658 vereadores nas eleições
municipais deste ano. Em 2020, essas mesmas siglas – que à época concorreram de
forma isolada – conquistaram 10.403 cadeiras nas Câmaras Municipais do país.
Apenas o PT (que, ao
lado de PCdoB e PV, forma a Federação Brasil da Esperança) e a Rede (da
Federação PSOL Rede) elegeram mais vereadores desta vez do que há quatro anos:
o PT passou de 2.668 para 3.127; e a Rede, de 148 para 172.
Os demais partidos
tiveram queda. A Federação PSDB Cidadania elegeu 3.437 vereadores neste ano,
sendo 3.000 do PSDB e 437 do Cidadania. Em 2020, as duas legendas elegeram
5.980 vereadores, sendo 4.396 do PSDB e 1.584 do Cidadania.
Já o PSOL viu o número
de vereadores cair de 92 para 80. (disponível aqui).
Mandatos Coletivos.
Também conhecida como candidatura compartilhada, a candidatura coletiva
acontece quando um grupo de pessoas se une para lançar um representante como
candidato nas eleições para uma vaga na Câmara Municipal da cidade ou para o
Congresso. As candidaturas coletivas são formadas por duas ou mais pessoas, mas
apenas uma delas assume o cargo como titular. Caso sejam eleitos, os membros
passam a ter um mandato coletivo, onde decidem coletivamente sobre propostas e
votos no Congresso. O fato de ser um mandato coletivo é um acerto informal
entre seus integrantes. Oficialmente, apenas uma pessoa é responsável pelo
mandato. Nos mandatos compartilhados, os integrantes decidem em conjunto, mas
sua decisão conta como apenas um voto, independentemente do número de
participantes. As decisões são discutidas pelo grupo e levadas ao plenário pelo
representante formal que assumiu o cargo.
A partir dos dados do
Tribunal Superior Eleitoral, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em
parceria com o coletivo Common Data, divulgou o perfil das candidaturas das
Eleições 2024, com recorte das coletivas. O PT conta com 72 candidaturas coletivas,
seguido pelo Psol com 64, PCdoB com 16, PSB com 12, PDT com 10, PV com 10 e
Rede com 9. No campo da direita, União Brasil e Republicanos têm 7 candidaturas
cada. Mas o TSE ainda não divulgou dados relativamente aos resultados
consolidados dessa modalidade de candidatura.
A novidade da
candidaturas coletivas é que elas trazem a constatação de que, até os partidos
de esquerda, ainda são muito pouco inclusivos, mesmo na participação de
setoriais e de diretórios. Dentre os partidos com representação no Congresso, o
Psol é o que mais tem candidatas mulheres, com 40%; o PT tem 36%, enquanto a
maioria dos partidos de direita apenas cumpre o mínimo estabelecido pela
legislação.
Em 2024, são 280
candidaturas coletivas, sendo 54% lideradas por mulheres, 59% por negros
(pardos e pretos) e 19% por mulheres pretas. Já o número geral de candidatos
para o pleito deste ano é de 454.528, sendo 66% de homens, 46% de pessoas
brancas e apenas 4% de mulheres pretas. (disponível aqui; disponível aqui).
Apesar da dificuldades
de aprendizagem para o exercício parlamentar desse instrumento que aproxima as
bases sociais do sistema partidário e das repetidas mensagens de
descontinuidade de sua regulamentação, há mais expectativa de que frustração
voltada para a sua consolidação como modelo democrático.
Candidatos que se
declararam de etnias indígenas foram eleitos prefeitos de sete municípios
brasileiros no primeiro turno das eleições municipais (disponível aqui). Os
dados do sistema do Tribunal Superior Eleitoral também mostram que 214
indígenas se elegeram vereadores no pleito, sendo 180 homens e 34 mulheres.
Essa foi também uma
eleição com nítida caracterização da Diversidade. O Brasil registrou um recorde
de pessoas LGBT+ eleitas nas eleições municipais de 2024. O País teve 225
pessoas LGBT+ eleitas neste pleito, um aumento de 130% em relação ao anterior
(disponível aqui). Os dados são de um levantamento da organização não
governamental VoteLGBT O Brasil registrou 225 pessoas LGBT+ eleitas nessas
eleições municipais, sendo três delas para prefeituras. O número representa um
aumento de 130% em relação ao registrado no pleito de 2020, sendo um recorde,
de acordo com um levantamento da organização não governamental VoteLGBT. Os
dados mostram que as 225 pessoas foram eleitas em 190 municípios, de 22 estados
e de 19 partidos políticos. Nessas cidades, 28 foram eleitas em capitais, no
Legislativo e no Executivo. PT, PSD e Psol lideram o ranking, com 61, 26 e 18
pessoas eleitas, respectivamente.
Para Martina Medina,
editora da matéria, em 2024, pela primeira vez foi possível registrar a
orientação sexual e a identidade de gênero nas candidaturas das eleições
brasileiras. Os dados fornecidos pelo TSE ampliaram o alcance dos mapeamentos
que historicamente eram conduzidos pela sociedade civil. No entanto, ainda é
necessário um processo de verificação das informações sobre identidades LGBT+
produzidas pela justiça eleitoral.
Quilombolas vencem
eleição para prefeito em 17 cidades. A maior parte dos eleitos é de homens; há
duas mulheres no grupo (disponível aqui). Nas eleições do Legislativo, 262
homens e 72 mulheres quilombolas conseguiram uma vaga para as câmaras
municipais de suas cidades. Os municípios que elegeram esses candidatos ficam
nas regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste. Nenhum quilombola foi
eleito prefeito em cidades da Região Sul.
Número de vereadores
pretos e pardos eleitos aumenta e chega a 26.789 no Brasil (disponível aqui). O
Brasil terá, a partir de 2025, total de 26.789 vereadores que se declaram
negros (pretos e pardos) no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). São 786 a mais em
relação a 2020 quando foram eleitos 26.003 vereadores. Aumento foi pequeno, mas
representa um avanço. Os vereadores negros correspondem a 45,86% do total de
eleitos. Em 2020, essa proporção foi de 44,46%. Os dados são do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE).
Em relação aos
vereadores eleitos no país, 22.739 (ou 38,93%) se declaram pardos. Outros 4.050
(6,93% do total) se denominaram pretos. Enquanto o número de vereadores eleitos
que se declararam indígenas também subiu: passou de 181 (031% do total) para 241
(0,41% do total), ou mais 60 vereadores. Apesar de ainda representarem uma
parcela muito pequena das câmaras municipais, o aumento da proporção deles em
relação aos demais eleitos foi considerável, de 32,2%.
Conforme a matéria, a
parcela de vereadores brancos encolheu. Foram 31.100 eleitos em 2020 (53,53% do
total) em 2020 e 30.846 (52,81% do total) nestas eleições.
Mas, para mim, a
novidade mais expressiva está na articulação inédita feita pelo Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que levou à eleição de 133 candidaturas à
vereança e à prefeitura, ligados à luta pela Reforma Agrária. Dessa forma,
foram conquistados 110 eleitos e eleitas para os cargos de vereador e
vereadora, além da ocupação de 23 prefeituras e vice-prefeituras pelo país,
sobretudo em cidades interioranas, distribuídos em 19 estados brasileiros.
Os dados me foram
passados por Diego Vedovato, assentado, bacharel em direito pela primeira turma
especial do Pronera (Programa de Educação do Campo), atualmente fazendo
mestrado em Direito na UnB (Diego, muitos vão se lembrar, era um dos dois
assessores que me apoiavam na bancada da Comissão da Câmara dos Deputados
durante meu depoimento na CPI do MST; o outro assessor era o advogado popular,
também pós-graduando na UnB, Saulo Dantas). Diego me lembra que são milhares de
assentamentos que envolvem uma base de mais de 400 mil famílias que em sua
maioria apoiaram localmente candidatos progressistas dos mais variados
partidos, inclusive especialmente do PT, mas não exclusivamente do PT.
Formaram um total de
597 candidatos: 58 prefeitos; 15 vices, 524 vereadores de 365 cidades. Sendo
eleitas: 133 candidaturas (MST: 46 x Aliados: 87), assim distribuídas:
Prefeituras: 21 (MST: 1 x Aliados: 20); Vice-prefeito: 2 (MST: 2 x Aliados: 0);
Vereadores: 108 (MST: 43 x Aliados: 67).
O cerne da articulação
implica uma pedagogia da ação política, apoiar propostas assumidas pelas
candidaturas eleitas, enquanto compromissos de campanha: o apoio à
democratização do acesso à terra, incentivo à produção e cooperação de
alimentos saudáveis e combate à fome, iniciativas de sustentabilidade e cuidado
permanente com o meio ambiente, defesa da educação, saúde, cultura e
diversidade (disponível aqui).
Não se trata ainda, é
evidente, de tomar o trem rumo à estação Finlândia, conforme o célebre ensaio
de Edmund Wilson. A ação política e o seu impulso pela via eleitoral, não tem
arranque revolucionário, socialista, cristão, ou qualquer outra disposição de
solidariedade para conduzir a uma distribuição justa da riqueza socialmente
produzida.
Mas essas novidades
parecem indicar um entranhamento do cotidiano político nas eleições e
representar uma mediação para o que pode expressar como passagem da consciência
real para a consciência possível. Podem ativar outras possibilidades de mais
aguda radicalização democrática e participativa, tal qual, em 1988, o
protagonismo político dos movimentos sociais inscrito na transição entre a
ditadura e um regime de enunciado democrático, gerou a possibilidade de dar
mais intensidade à democracia representativa e de constitucionalizar base
política para a novidade da democracia participativa.
Volto aqui a esses
dois termos que tomo no sentido em que já os expliquei em entrevista para o
Instituto Humanitas, da Unisinos – Universidade do Vale do Rio dos Sinos:
perceber o diapasão do movimento inexorável de emancipação dos sujeitos na
história e na construção do país. Ainda quando nem todos se arrepiem numa
escala de mesma e simultânea tonalidade. Os ruídos e as dissonâncias do tempo
do movimento, mais agudos ou mais graves, são próprios do processo do ensaio de
manifestação do social. É importante não se impacientar, nem recriminar o
andamento ainda insensível à harmonia, do mover-se em conjunto para uma
intensificação da promessa apoteótica. Povo não é tema, não é partitura que se
deva executar no limite da melodia composta desde uma pré-compreensão autoral
que lhe é exterior. É realidade e não pode ser desconsiderado ainda que, em
suas reações de conjuntura, vague na inconsciência do que verdadeiramente o
constitui como sujeito emancipado. Tanto mais quanto entre a sua consciência
real (aferível por pesquisas) e a sua consciência possível que se desencadeia
ao imprevisível (lembra o sociólogo Lucien Goldmann, tão atentamente lido por
Paulo Freire), sombreiam as distorções ideológicas, das religiões e crenças,
das reduções legalistas, do simbólico repressor da ordem militarizada e das
ilusões despistadoras engendradas pelos meios de comunicação. Contra tudo isso,
a consciência autônoma aflora. Goldmann advertiu: “o povo que agora cuspia na
tumba do czar era o mesmo que no dia anterior beijava o chão que ele pisava”.
Fonte: Por José
Geraldo de Sousa Junior, no Jornal Brasil Popular
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