quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Não se acovardou: especialistas avaliam postura brasileira diante dos conflitos no Oriente Médio

O presidente Lula vem criticando Israel fortemente desde o início do conflito aberto na Faixa de Gaza, em 7 de outubro de 2023. Mais importante do que seus discursos, no entanto, é a postura do Estado brasileiro perante a guerra unilateral. Em termos reais, como tem sido a postura do Brasil? Há mais do que a nação possa fazer?

"Não é uma guerra, é um genocídio que já matou quase 2 mil crianças que não têm nada a ver com essa guerra, são vítimas", afirmou o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, cerca de duas semanas depois da escalada do conflito durante um discurso no Conselho da Federação.

Alguns meses depois, em visita à Etiópia para participar da Cúpula da União Africana, o líder repetiu suas críticas. "Na Faixa de Gaza não está acontecendo uma guerra, mas um genocídio", disse Lula. Na ocasião, o número de crianças mortas já somava 13 mil, segundo o Ministério da Saúde de Gaza.

Hoje já são mais de 40 mil mortos, sendo 16 mil crianças e 11 mil mulheres, informa a pasta.

A postura brasileira não se deu apenas no campo do discurso, lembra à reportagem Ualid Rabah, presidente da Federação Palestina do Brasil (Fepal). "Primeiro, quando presidiu o Conselho de Segurança da ONU, o Brasil apresentou várias minutas para uma resolução de cessar-fogo. Os Estados Unidos é que impediram."

"Se dependesse do Brasil, teríamos parado essa ação genocida de Israel e dos EUA com menos de 10% dos agora quase 53 mil palestinos exterminados, considerando os 10 mil desaparecidos sob os escombros. Quase 2,5% da demografia de Gaza."

Além disso, o governo brasileiro também ratificou um acordo de livre-comércio do Mercosul com a Palestina, "que estava parado há anos". Enquanto isso, diz Rabah, "há três acordos de cooperação com Israel assinados no governo passado, aprovados no Congresso Nacional" que não foram ratificados por Lula.

"São acordos nas áreas militar, de segurança e de tecnologia: três setores diretamente implicados na ocupação da Palestina e no genocídio perpetrado por Israel por meio de seu regime de apartheid."

Rabah ainda sublinha dois momentos da agenda externa brasileira que indicam maior iniciativa contrária a Israel.

O primeiro é a paralisação da compra de 36 obuseiros ATMOS, da israelense Elbit Systems. A transação, avaliada em R$ 1 bilhão, teria sido pausada a pedido do assessor especial da presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim. O segundo é a retirada do embaixador brasileiro de Tel Aviv. Frederico Meyer, que ocupava o posto, foi retirado após ser humilhado publicamente pelo chanceler israelense, Israel Katz.

Com grande destaque, Ualid Rabah recorda que o governo brasileiro resgatou e acolheu os cidadãos brasileiro-palestinos presos em Gaza, o mesmo que está fazendo agora com os brasileiro-libaneses. "Sem lhes cobrar nada. Isso poucos países fizeram."

"A imagem do Brasil já está consolidada como a de um dos primeiros países a dizerem não ao genocídio. O Brasil o fez antes que a maioria dos Estados árabes, os de maioria islâmica e os europeus — estes ainda acovardados em sua maioria."

  • O B de BRICS

Em entrevista à Sputnik Brasil, Bruno Kocher, professor de história contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF) e integrante do Laboratório de Estudos sobre a Política Externa Brasileira (LEPEB) da mesma universidade, avalia que o posicionamento de Lula está de acordo com a estratégia diplomática adotada pelo Brasil "de corte humanista e de combate às injustiças sociais".

No entanto, por motivos externos e internos, a fala do presidente acaba não tendo peso suficiente para exercer uma mudança significativa nas ações israelenses.

A começar, diz Kocher, a política doméstica brasileira viu o crescimento dos setores conservadores, fazendo com que o governo da República tenha que fazer arranjos políticos mais onerosos em nome da governabilidade.

Em paralelo a isso, o Oriente Médio é uma região distante e onde o Brasil "não possui interesses objetivos a serem defendidos — apenas humanísticos e de valorização da multipolaridade e da democracia nas relações internacionais".

Por outro lado, a condição periférica e dependente da economia brasileira, que acaba também por fragilizar seu papel de propositor de reformas globais, é também o que dá ao Brasil poder para "vocalizar aspirações de vastos setores do chamado Sul Global".

Mais do que isso, assim como a Índia ascendeu internacionalmente e utilizou seu peso geopolítico da época para liderar, durante a Guerra Fria, a criação do Terceiro Mundo — grupo de países não aliados nem aos Estados Unidos nem à União Soviética —, o Brasil também pode usar seu capital atual para "construir novos mecanismos de negociação internacional".

"Afinal, o acrônimo BRICS inicia-se com a letra B, de Brasil."

 

¨      Brasil desvia as tentativas de politizar as atividades do G20, diz embaixador russo

A questão do conflito na Ucrânia não está entre as prioridades da presidência brasileira do Grupo dos 20 (G20), o país rejeita tentativas de politizar as atividades da associação, e a Rússia apoia essa posição, disse o embaixador russo no Brasil, Alexey Labetskiy, em uma entrevista à Sputnik.

Em 1º de dezembro de 2023, o Brasil assumiu a presidência do G20. O evento central dela é a 19ª reunião de cúpula do G20 que vai ocorrer no Rio de Janeiro em 18-19 de novembro de 2024.

Presidência brasileira do G20

"O lado brasileiro tem rejeitado consistentemente as tentativas de politizar as atividades do G20, aderindo à linha da multipolaridade no mundo", afirma o embaixador.

Segundo ele, a Rússia está apoiando essa posição e as prioridades da presidência brasileira:

# inclusão social e combate à fome;

# transição energética e desenvolvimento sustentável nos campos social, econômico e ambiental;

# reforma das instituições de governança global.

"O tema da Ucrânia não está entre as prioridades da presidência", disse Labetskiy.

Ele observou que o Brasil assumiu uma posição equilibrada desde o início de sua presidência na associação, dizendo que o G20 é um fórum onde devem ser discutidas questões econômicas e financeiras globais, que, como sabemos, não podem ser resolvidas sem a participação da Rússia, e hoje há muitos desses tópicos para discussão.

<><> Rússia e Brasil dentro do BRICS

Ao avaliar a situação dos laços entre a Rússia e o Brasil, o diplomata enfatizou que as relações entre os dois países são de natureza de uma parceria estratégica e têm uma dinâmica positiva sustentável.

O embaixador russo assegurou que estão em andamento os preparativos para uma reunião cara a cara entre o presidente russo Vladimir Putin e o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva à margem da cúpula do BRICS em Kazan, Rússia, de 22 a 24 de outubro.

Além do diálogo no mais alto nível, há contatos regulares entre os ministros das Relações Exteriores.

"Nossas delegações trabalham ativamente em formatos multilaterais, inclusive durante a presidência russa do BRICS e a presidência brasileira do G20", acrescentou o embaixador.

<><> Comércio

Labetskiy indicou que o volume de negócios do comércio russo-brasileiro cresceu 22% nos primeiros seis meses de 2024 em comparação com o mesmo período de 2023, com o crescimento das exportações da Rússia ocupando o quinto lugar entre os parceiros de importação do Brasil.

O Brasil fornece à Rússia produtos de origem vegetal e animal, produtos químicos e farmacêuticos, bem como máquinas e equipamentos, especificou ele.

As exportações russas para o Brasil incluem fertilizantes, produtos petrolíferos, metais e produtos metálicos, isótopos para equipamentos médicos e produtos da indústria manufatureira.

Assim, a questão das transações mútuas, inclusive por meio dos sistemas de pagamentos alternativos ao SWIFT, entre os países do BRICS é uma das principais questões da agenda da associação.

Ele lembrou que, já hoje, os países do Sul Global representam mais de 50% do PIB mundial e os países do BRICS representam cerca de um terço da economia global.

O BRICS é uma associação interestatal criada em 2006. A Rússia assumiu a presidência do BRICS em 1º de janeiro de 2024.

O ano começou com a entrada de novos membros na associação: além da Rússia, Brasil, Índia, China e África do Sul, o BRICS agora inclui o Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita.

O principal evento deste ano vai ser a cúpula do BRICS com a participação de chefes de Estado em Kazan, na Rússia, de 22 a 24 de outubro.

 

¨      A compra de armamentos de Israel é uma questão ideológica? Por Odilon Guedes

O Brasil pretendia comprar 36 veículos blindados de Israel por cerca de R$ 1 bilhão, mas a aquisição foi vetada pelo governo federal.  Como resposta, o ministro da defesa, José Múcio, afirmou que o Brasil cria embaraços diplomáticos na área da defesa ao recusar a fazer negócios com outros países por ideologia. Antes de acusar o governo do qual ele faz parte, o ministro deveria fazer uma análise mais ampla sobre a suspensão da compra. Além disso, o exército brasileiro deve comprar 420 viaturas blindadas Guaicurus da fabricante italiana Iveco. Segundo a Força, a aquisição custará cerca de R$ 1,4 bilhão.

Nesse contexto é necessário lembrar que o governo federal vem sofrendo forte pressão do mercado financeiro para manter o equilíbrio fiscal. O governo recentemente congelou cerca de R$ 15 bilhões em busca desse equilíbrio cortando recursos nas áreas da cultura, educação e saúde. Por que então aumentar as despesas públicas em cerca de R$ 2,4 bilhões na compra totalmente dispensável de armamentos? Com esse valor, é possível construir cerca de 26.700 casas populares (Abrainc dados 03/2023). Entre gastos com armamentos e investimentos em educação, cultura, saúde ou habitação, não há dúvida de que a sociedade sabe onde deve se investir o dinheiro público.

Uma outra razão para o governo federal dispender cerca de R$ 2,4 bilhões seria o Brasil estar em guerra ou em perigo de ser atacado por algum país sul-americano com os quais temos divisas ou ainda termos graves disputas territoriais.

 O fato é que a última guerra que o país enfrentou, com o Paraguai, ocorreu há mais de 150 anos. De lá para cá vivemos em perfeita paz com todos os nossos vizinhos. Em relação às disputas fronteiriças, o Barão de Rio Branco, ministro das relações exteriores entre 1902 e 1912, resolveu todos os possíveis conflitos sem a necessidade de disparar um único tiro. Fizemos acordos com a Argentina em torno do território de Palmas, com a França em relação a fronteira do Amapá com a Guiana Francesa e com a Bolívia e Peru em relação ao território do Acre. Em todas essas três negociações, vencidas pelo Brasil, foram incorporados cerca de 900 mil quilômetros quadrados as nosso território. Esse grande brasileiro traçou os princípios de nossa diplomacia, baseados na igualdade soberana entre os países, no respeito ao direito internacional e na não intervenção nos demais países.

Finalmente, ao abordar os embaraços ideológicos apontados pelo ministro José Múcio, precisamos lembrar que, em relação as compras de armamentos de Israel, este país está fazendo uma ocupação e uma guerra assimétrica no território palestino de Gaza que já matou e massacrou mais de 40 mil pessoas, sendo a maioria crianças e mulheres.  Com a ampliação da guerra e a invasão do Líbano dois brasileiros foram mortos. Além disso, o governo de Israel já havia informado o presidente do Brasil é persona non grata naquele país, além de ter feito amplas acusações contra o presidente em uma postura totalmente arrogante e fora dos padrões diplomáticos.

Diante de todas essas questões, é mais do que justa a suspensão da compra de todos esses armamentos.

 

¨      Conferências do clima no Azerbaijão e em Belém vão ditar futuro do planeta, defendem especialistas

Com a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2024 (COP29) se aproximando, em Baku, no Azerbaijão, especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil durante evento em São Paulo (SP) destacam que é preciso um novo compromisso financeiro global e maior protagonismo dos países na sustentabilidade e na redução de emissões de carbono.

Também com os olhos voltados para a COP30, que ocorrerá em Belém (PA) em 2025, as expectativas são altas para que o Brasil, como anfitrião, assuma um papel de liderança e engaje outros países a fortalecerem suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês).

Gestor de projeto da Fundação Getulio Vargas (FGV), Guilherme Lefèvre destacou que entre os desafios da conferência em solo azerbaijano está o financiamento climático.

"Desde 2009, os países desenvolvidos se comprometeram a aportar US$ 100 milhões (R$ 565,2 milhões) por ano, um valor que é insuficiente diante das necessidades atuais. Estamos falando de trilhões de dólares anuais para que os países, principalmente os em desenvolvimento, possam atuar efetivamente."

Guilherme Lefèvre, gestor de projeto da Fundação Getulio Vargas (FGV), durante participação na Conferência Brasileira Clima & Carbono, em São Paulo (SP), em 15 de outubro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 15.10.2024

Lefèvre apontou ainda a necessidade de discutir um novo objetivo financeiro na COP29, afirmando que "esse novo marco é crucial para atender às demandas emergentes".

O especialista ressaltou, durante a Conferência Brasileira Clima & Carbono, em São Paulo (SP), a importância de que as nações apresentem suas contribuições preliminares, pois "isso permitirá que todos tenham uma visão clara das responsabilidades de cada país".

Por fim, ele reconheceu que o contexto geopolítico também traz desafios: "O momento é conturbado, e as eleições nos Estados Unidos e outros fatores podem influenciar as negociações. Contudo, esperamos que a COP29 seja um espaço para unir esforços em busca de soluções coletivas."

"Embora enfrentem dificuldades, acreditamos que os participantes poderão voltar com boas notícias e avanços concretos nas negociações climáticas."

  • Qual o tema central da COP30, no Pará?

O secretário de Meio Ambiente do Pará, Raul Protázio Romão, ressaltou que a urgência do financiamento climático é um dos pontos centrais a serem discutidos na COP30.

Segundo ele, "sem esse financiamento Norte-Sul, a gente não consegue de fato implementar" metas climáticas.

Romão mencionou que muitos países devem divulgar suas novas NDCs entre 12 e 9 meses antes da COP30, o que pode estimular a ambição de outros países.

"Até 2030, para conseguirmos cumprir as nossas ambições, quanto mais demorarmos na implementação, mais cara a conta vai ficar."

Ele também abordou a importância do artigo sexto do Acordo de Paris, que permite a comercialização de compensações de carbono.

Apesar disso ter sido discutido na COP21, ele lamentou que, dez anos depois, o mecanismo ainda não tenha sido operacionalizado. "Temos desafios de operacionalização da governança e padrões."

Segundo o secretário, atualmente apenas 4% do desmatamento no Pará é autorizado, o que significa que a maior parte é considerada ilegal. "Estamos falando de crime, não de novas tecnologias."

A vice-presidente de Ciência e Tecnologia da Mudança Climática das Nações Unidas, Nathalie Flores, ressaltou o progresso das negociações climáticas durante as recentes conferências em Bonn, na Alemanha, e destacou que as COPs são cruciais para marcos regulatórios que afetem diretamente a implementação de políticas nacionais, como no caso do Brasil.

Segundo ela, "é importante entender que há três Conferências das Partes [nome que dá origem à sigla COP, em inglês]", o que inclui a COP16 de Biodiversidade, em Cali, na Colômbia, entre 21 de outubro e 1º de novembro, e a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (UNCCD, na sigla em inglês), na Arábia Saudita, de 2 a 13 de dezembro.

Ela defende que essas conferências sejam interconectadas, sendo necessário que cada uma reporte os progressos às demais para garantir a coesão das ações globais.

A representante das Nações Unidas também mencionou o papel do Brasil nesses eventos, lembrando que ele é de destaque, especialmente no âmbito das convenções do Rio, assinadas em 1992.

"O que acontece agora é que os países precisam unir-se para decidir como o acordo das partes vai funcionar."

 

Fonte: Sputnik Brasil/Compliane Comunicação

 

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