Não se acovardou: especialistas avaliam
postura brasileira diante dos conflitos no Oriente Médio
O presidente Lula vem
criticando Israel fortemente desde o início do conflito aberto na Faixa de
Gaza, em 7 de outubro de 2023. Mais importante do que seus discursos, no
entanto, é a postura do Estado brasileiro perante a guerra unilateral. Em
termos reais, como tem sido a postura do Brasil? Há mais do que a nação possa
fazer?
"Não é uma
guerra, é um genocídio que já matou quase 2 mil crianças que não têm nada a ver
com essa guerra, são vítimas", afirmou o presidente brasileiro, Luiz
Inácio Lula da Silva, cerca de duas semanas depois da escalada do conflito
durante um discurso no Conselho da Federação.
Alguns meses depois,
em visita à Etiópia para participar da Cúpula da União Africana, o líder
repetiu suas críticas. "Na Faixa de Gaza não está acontecendo uma guerra,
mas um genocídio", disse Lula. Na ocasião, o número de crianças mortas já
somava 13 mil, segundo o Ministério da Saúde de Gaza.
Hoje já são mais de 40
mil mortos, sendo 16 mil crianças e 11 mil mulheres, informa a pasta.
A postura brasileira
não se deu apenas no campo do discurso, lembra à reportagem Ualid Rabah,
presidente da Federação Palestina do Brasil (Fepal). "Primeiro, quando
presidiu o Conselho de Segurança da ONU, o Brasil apresentou várias minutas
para uma resolução de cessar-fogo. Os Estados Unidos é que impediram."
"Se dependesse do
Brasil, teríamos parado essa ação genocida de Israel e dos EUA com menos de 10%
dos agora quase 53 mil palestinos exterminados, considerando os 10 mil
desaparecidos sob os escombros. Quase 2,5% da demografia de Gaza."
Além disso, o governo
brasileiro também ratificou um acordo de livre-comércio do Mercosul com a
Palestina, "que estava parado há anos". Enquanto isso, diz Rabah,
"há três acordos de cooperação com Israel assinados no governo passado,
aprovados no Congresso Nacional" que não foram ratificados por Lula.
"São acordos nas
áreas militar, de segurança e de tecnologia: três setores diretamente
implicados na ocupação da Palestina e no genocídio perpetrado por Israel por
meio de seu regime de apartheid."
Rabah ainda sublinha
dois momentos da agenda externa brasileira que indicam maior iniciativa
contrária a Israel.
O primeiro é a
paralisação da compra de 36 obuseiros ATMOS, da israelense Elbit Systems. A
transação, avaliada em R$ 1 bilhão, teria sido pausada a pedido do assessor
especial da presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim. O segundo é
a retirada do embaixador brasileiro de Tel Aviv. Frederico Meyer, que ocupava o
posto, foi retirado após ser humilhado publicamente pelo chanceler israelense,
Israel Katz.
Com grande destaque,
Ualid Rabah recorda que o governo brasileiro resgatou e acolheu os cidadãos
brasileiro-palestinos presos em Gaza, o mesmo que está fazendo agora com os
brasileiro-libaneses. "Sem lhes cobrar nada. Isso poucos países fizeram."
"A imagem do
Brasil já está consolidada como a de um dos primeiros países a dizerem não ao
genocídio. O Brasil o fez antes que a maioria dos Estados árabes, os de maioria
islâmica e os europeus — estes ainda acovardados em sua maioria."
- O B de BRICS
Em entrevista à
Sputnik Brasil, Bruno Kocher, professor de história contemporânea da
Universidade Federal Fluminense (UFF) e integrante do Laboratório de Estudos
sobre a Política Externa Brasileira (LEPEB) da mesma universidade, avalia que o
posicionamento de Lula está de acordo com a estratégia diplomática adotada pelo
Brasil "de corte humanista e de combate às injustiças sociais".
No entanto, por
motivos externos e internos, a fala do presidente acaba não tendo peso
suficiente para exercer uma mudança significativa nas ações israelenses.
A começar, diz Kocher,
a política doméstica brasileira viu o crescimento dos setores conservadores,
fazendo com que o governo da República tenha que fazer arranjos políticos mais
onerosos em nome da governabilidade.
Em paralelo a isso, o
Oriente Médio é uma região distante e onde o Brasil "não possui interesses
objetivos a serem defendidos — apenas humanísticos e de valorização da
multipolaridade e da democracia nas relações internacionais".
Por outro lado, a
condição periférica e dependente da economia brasileira, que acaba também por
fragilizar seu papel de propositor de reformas globais, é também o que dá ao
Brasil poder para "vocalizar aspirações de vastos setores do chamado Sul
Global".
Mais do que isso,
assim como a Índia ascendeu internacionalmente e utilizou seu peso geopolítico
da época para liderar, durante a Guerra Fria, a criação do Terceiro Mundo —
grupo de países não aliados nem aos Estados Unidos nem à União Soviética —, o
Brasil também pode usar seu capital atual para "construir novos mecanismos
de negociação internacional".
"Afinal, o
acrônimo BRICS inicia-se com a letra B, de Brasil."
¨ Brasil desvia as tentativas de politizar as atividades do G20,
diz embaixador russo
A questão do conflito
na Ucrânia não está entre as prioridades da presidência brasileira do Grupo dos
20 (G20), o país rejeita tentativas de politizar as atividades da associação, e
a Rússia apoia essa posição, disse o embaixador russo no Brasil, Alexey Labetskiy,
em uma entrevista à Sputnik.
Em 1º de dezembro de
2023, o Brasil assumiu a presidência do G20. O evento central dela é a 19ª
reunião de cúpula do G20 que vai ocorrer no Rio de Janeiro em 18-19 de novembro
de 2024.
Presidência brasileira
do G20
"O lado
brasileiro tem rejeitado consistentemente as tentativas de politizar as
atividades do G20, aderindo à linha da multipolaridade no mundo", afirma o
embaixador.
Segundo ele, a Rússia
está apoiando essa posição e as prioridades da presidência brasileira:
# inclusão social e
combate à fome;
# transição energética
e desenvolvimento sustentável nos campos social, econômico e ambiental;
# reforma das
instituições de governança global.
"O tema da
Ucrânia não está entre as prioridades da presidência", disse Labetskiy.
Ele observou que o
Brasil assumiu uma posição equilibrada desde o início de sua presidência na
associação, dizendo que o G20 é um fórum onde devem ser discutidas questões
econômicas e financeiras globais, que, como sabemos, não podem ser resolvidas
sem a participação da Rússia, e hoje há muitos desses tópicos para discussão.
<><> Rússia
e Brasil dentro do BRICS
Ao avaliar a situação
dos laços entre a Rússia e o Brasil, o diplomata enfatizou que as relações
entre os dois países são de natureza de uma parceria estratégica e têm uma
dinâmica positiva sustentável.
O embaixador russo
assegurou que estão em andamento os preparativos para uma reunião cara a cara
entre o presidente russo Vladimir Putin e o presidente brasileiro Luiz Inácio
Lula da Silva à margem da cúpula do BRICS em Kazan, Rússia, de 22 a 24 de outubro.
Além do diálogo no
mais alto nível, há contatos regulares entre os ministros das Relações
Exteriores.
"Nossas
delegações trabalham ativamente em formatos multilaterais, inclusive durante a
presidência russa do BRICS e a presidência brasileira do G20", acrescentou
o embaixador.
<><> Comércio
Labetskiy indicou que
o volume de negócios do comércio russo-brasileiro cresceu 22% nos primeiros
seis meses de 2024 em comparação com o mesmo período de 2023, com o crescimento
das exportações da Rússia ocupando o quinto lugar entre os parceiros de importação
do Brasil.
O Brasil fornece à
Rússia produtos de origem vegetal e animal, produtos químicos e farmacêuticos,
bem como máquinas e equipamentos, especificou ele.
As exportações russas
para o Brasil incluem fertilizantes, produtos petrolíferos, metais e produtos
metálicos, isótopos para equipamentos médicos e produtos da indústria
manufatureira.
Assim, a questão das
transações mútuas, inclusive por meio dos sistemas de pagamentos alternativos
ao SWIFT, entre os países do BRICS é uma das principais questões da agenda da
associação.
Ele lembrou que, já
hoje, os países do Sul Global representam mais de 50% do PIB mundial e os
países do BRICS representam cerca de um terço da economia global.
O BRICS é uma
associação interestatal criada em 2006. A Rússia assumiu a presidência do BRICS
em 1º de janeiro de 2024.
O ano começou com a
entrada de novos membros na associação: além da Rússia, Brasil, Índia, China e
África do Sul, o BRICS agora inclui o Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes
Unidos e Arábia Saudita.
O principal evento
deste ano vai ser a cúpula do BRICS com a participação de chefes de Estado em
Kazan, na Rússia, de 22 a 24 de outubro.
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A compra de armamentos
de Israel é uma questão ideológica? Por Odilon Guedes
O Brasil pretendia
comprar 36 veículos blindados de Israel por cerca de R$ 1 bilhão, mas a
aquisição foi vetada pelo governo federal. Como resposta, o ministro da
defesa, José Múcio, afirmou que o Brasil cria embaraços diplomáticos na área da
defesa ao recusar a fazer negócios com outros países por ideologia. Antes de
acusar o governo do qual ele faz parte, o ministro deveria fazer uma análise
mais ampla sobre a suspensão da compra. Além disso, o exército brasileiro deve
comprar 420 viaturas blindadas Guaicurus da fabricante italiana Iveco. Segundo
a Força, a aquisição custará cerca de R$ 1,4 bilhão.
Nesse contexto é
necessário lembrar que o governo federal vem sofrendo forte pressão do mercado
financeiro para manter o equilíbrio fiscal. O governo recentemente congelou
cerca de R$ 15 bilhões em busca desse equilíbrio cortando recursos nas áreas da
cultura, educação e saúde. Por que então aumentar as despesas públicas em cerca
de R$ 2,4 bilhões na compra totalmente dispensável de armamentos? Com esse
valor, é possível construir cerca de 26.700 casas populares (Abrainc dados
03/2023). Entre gastos com armamentos e investimentos em educação, cultura,
saúde ou habitação, não há dúvida de que a sociedade sabe onde deve se investir
o dinheiro público.
Uma outra razão para o
governo federal dispender cerca de R$ 2,4 bilhões seria o Brasil estar em
guerra ou em perigo de ser atacado por algum país sul-americano com os quais
temos divisas ou ainda termos graves disputas territoriais.
O fato é que a
última guerra que o país enfrentou, com o Paraguai, ocorreu há mais de 150
anos. De lá para cá vivemos em perfeita paz com todos os nossos vizinhos. Em
relação às disputas fronteiriças, o Barão de Rio Branco, ministro das relações
exteriores entre 1902 e 1912, resolveu todos os possíveis conflitos sem a
necessidade de disparar um único tiro. Fizemos acordos com a Argentina em torno
do território de Palmas, com a França em relação a fronteira do Amapá com a
Guiana Francesa e com a Bolívia e Peru em relação ao território do Acre. Em
todas essas três negociações, vencidas pelo Brasil, foram incorporados cerca de
900 mil quilômetros quadrados as nosso território. Esse grande brasileiro
traçou os princípios de nossa diplomacia, baseados na igualdade soberana entre
os países, no respeito ao direito internacional e na não intervenção nos demais
países.
Finalmente, ao abordar
os embaraços ideológicos apontados pelo ministro José Múcio, precisamos lembrar
que, em relação as compras de armamentos de Israel, este país está fazendo uma
ocupação e uma guerra assimétrica no território palestino de Gaza que já matou
e massacrou mais de 40 mil pessoas, sendo a maioria crianças e mulheres.
Com a ampliação da guerra e a invasão do Líbano dois brasileiros foram mortos.
Além disso, o governo de Israel já havia informado o presidente do Brasil é
persona non grata naquele país, além de ter feito amplas acusações contra o
presidente em uma postura totalmente arrogante e fora dos padrões diplomáticos.
Diante de todas essas
questões, é mais do que justa a suspensão da compra de todos esses armamentos.
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Conferências do clima
no Azerbaijão e em Belém vão ditar futuro do planeta, defendem especialistas
Com a Conferência das
Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2024 (COP29) se aproximando, em
Baku, no Azerbaijão, especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil durante evento
em São Paulo (SP) destacam que é preciso um novo compromisso financeiro global
e maior protagonismo dos países na sustentabilidade e na redução de emissões de
carbono.
Também com os olhos
voltados para a COP30, que ocorrerá em Belém (PA) em 2025, as expectativas são
altas para que o Brasil, como anfitrião, assuma um papel de liderança e engaje
outros países a fortalecerem suas Contribuições Nacionalmente Determinadas
(NDCs, na sigla em inglês).
Gestor de projeto da
Fundação Getulio Vargas (FGV), Guilherme Lefèvre destacou que entre os desafios
da conferência em solo azerbaijano está o financiamento climático.
"Desde 2009, os
países desenvolvidos se comprometeram a aportar US$ 100 milhões (R$ 565,2
milhões) por ano, um valor que é insuficiente diante das necessidades atuais.
Estamos falando de trilhões de dólares anuais para que os países,
principalmente os em desenvolvimento, possam atuar efetivamente."
Guilherme Lefèvre,
gestor de projeto da Fundação Getulio Vargas (FGV), durante participação na
Conferência Brasileira Clima & Carbono, em São Paulo (SP), em 15 de outubro
de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 15.10.2024
Lefèvre apontou ainda
a necessidade de discutir um novo objetivo financeiro na COP29, afirmando que
"esse novo marco é crucial para atender às demandas emergentes".
O especialista
ressaltou, durante a Conferência Brasileira Clima & Carbono, em São Paulo
(SP), a importância de que as nações apresentem suas contribuições
preliminares, pois "isso permitirá que todos tenham uma visão clara das
responsabilidades de cada país".
Por fim, ele
reconheceu que o contexto geopolítico também traz desafios: "O momento é
conturbado, e as eleições nos Estados Unidos e outros fatores podem influenciar
as negociações. Contudo, esperamos que a COP29 seja um espaço para unir
esforços em busca de soluções coletivas."
"Embora enfrentem
dificuldades, acreditamos que os participantes poderão voltar com boas notícias
e avanços concretos nas negociações climáticas."
- Qual o tema central da COP30, no Pará?
O secretário de Meio
Ambiente do Pará, Raul Protázio Romão, ressaltou que a urgência do
financiamento climático é um dos pontos centrais a serem discutidos na COP30.
Segundo ele, "sem
esse financiamento Norte-Sul, a gente não consegue de fato implementar"
metas climáticas.
Romão mencionou que
muitos países devem divulgar suas novas NDCs entre 12 e 9 meses antes da COP30,
o que pode estimular a ambição de outros países.
"Até 2030, para
conseguirmos cumprir as nossas ambições, quanto mais demorarmos na
implementação, mais cara a conta vai ficar."
Ele também abordou a
importância do artigo sexto do Acordo de Paris, que permite a comercialização
de compensações de carbono.
Apesar disso ter sido
discutido na COP21, ele lamentou que, dez anos depois, o mecanismo ainda não
tenha sido operacionalizado. "Temos desafios de operacionalização da
governança e padrões."
Segundo o secretário,
atualmente apenas 4% do desmatamento no Pará é autorizado, o que significa que
a maior parte é considerada ilegal. "Estamos falando de crime, não de
novas tecnologias."
A vice-presidente de
Ciência e Tecnologia da Mudança Climática das Nações Unidas, Nathalie Flores,
ressaltou o progresso das negociações climáticas durante as recentes
conferências em Bonn, na Alemanha, e destacou que as COPs são cruciais para
marcos regulatórios que afetem diretamente a implementação de políticas
nacionais, como no caso do Brasil.
Segundo ela, "é
importante entender que há três Conferências das Partes [nome que dá origem à
sigla COP, em inglês]", o que inclui a COP16 de Biodiversidade, em Cali,
na Colômbia, entre 21 de outubro e 1º de novembro, e a Convenção das Nações Unidas
para o Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (UNCCD, na
sigla em inglês), na Arábia Saudita, de 2 a 13 de dezembro.
Ela defende que essas
conferências sejam interconectadas, sendo necessário que cada uma reporte os
progressos às demais para garantir a coesão das ações globais.
A representante das
Nações Unidas também mencionou o papel do Brasil nesses eventos, lembrando que
ele é de destaque, especialmente no âmbito das convenções do Rio, assinadas em
1992.
"O que acontece
agora é que os países precisam unir-se para decidir como o acordo das partes
vai funcionar."
Fonte: Sputnik Brasil/Compliane
Comunicação
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