Chris Hedge: Extermínio Funciona. No início
O extermínio funciona.
No início. Esta é a terrível lição da história. Se Israel não for parado — e
nenhuma potência externa parece disposta a interromper o genocídio em Gaza ou a
destruição do Líbano — ele alcançará os seus objetivos de despovoar e anexar o
norte de Gaza e transformar o sul de Gaza em uma casa de horrores, onde
palestinos são queimados vivos, dizimados por bombas e morrem de fome e doenças
infecciosas, até serem expulsos. Israel alcançará o seu objetivo de destruir o
Líbano — 2.255 pessoas foram mortas e mais de um milhão de libaneses foram
deslocados — numa tentativa de transformá-lo em um Estado falido. E pode em
breve realizar o seu sonho de forçar os Estados Unidos a entrarem em guerra com
o Irã. Os líderes israelenses estão publicamente entusiasmados com propostas de
assassinar o líder iraniano, aiatolá Ali Hosseini Khamenei, e realizar ataques
aéreos nas instalações nucleares e nos campos de petróleo do Irã.
O primeiro-ministro de
Israel, Benjamin Netanyahu, e seu gabinete, assim como aqueles que dirigem a
política do Oriente Médio na Casa Branca — Antony Blinken, criado em uma
família sionista ferrenha, Brett McGurk, Amos Hochstein, nascido em Israel e
que serviu no exército israelense, e Jake Sullivan — são verdadeiros crentes da
doutrina de que a violência pode moldar o mundo para se adequar à sua visão
demente. Que essa doutrina tenha sido um fracasso espetacular nos territórios
ocupados de Israel, e não tenha funcionado no Afeganistão, no Iraque, na Síria
e na Líbia, e uma geração antes no Vietnã, não os desencoraja. Desta vez,
garantem, terá sucesso.
A curto prazo, eles
estão certos. Isso não é uma boa notícia para os palestinos nem os libaneses.
Os EUA e Israel continuarão a usar o seu arsenal de armas industriais para
matar grandes quantidades de pessoas e transformar cidades em escombros. Mas, a
longo prazo, essa violência indiscriminada semeia dentes de dragão. Ela cria
adversários que, às vezes, uma geração depois, superam em selvageria — chamamos
isso de terrorismo — o que foi feito àqueles que foram mortos na geração
anterior.
O ódio e a sede de
vingança, como aprendi cobrindo a guerra na ex-Iugoslávia, são passados como um
elixir venenoso de uma geração para a outra. Nossas [dos EUA] intervenções
desastrosas no Afeganistão, Iraque, Síria, Líbia e Iêmen, junto com a invasão
de Israel no Líbano em 1982, que criou o Hezbollah, deveriam ter nos ensinado
isso.
Aqueles de nós que
cobrimos o Oriente Médio ficamos chocados quando o governo Bush imaginou que
seria recebido como libertador no Iraque, quando os EUA haviam passado mais de
uma década impondo sanções que resultaram em graves escassezes de alimentos e remédios,
causando a morte de pelo menos um milhão de iraquianos, incluindo 500.000
crianças. Denis Halliday, o coordenador humanitário das Nações Unidas no
Iraque, renunciou em 1998 devido às sanções impostas pelos EUA, chamando-as de
"genocidas" porque representavam "uma política deliberada de
destruir o povo do Iraque".
A ocupação de Israel
na Palestina e o bombardeio saturado do Líbano em 1982 foram os catalisadores
para o ataque de Osama bin Laden às Torres Gêmeas em Nova York em 2001,
juntamente com o apoio dos EUA aos ataques a muçulmanos na Somália, Chechênia,
Caxemira e no sul das Filipinas, a assistência militar dos EUA a Israel e as
sanções ao Iraque.
A comunidade
internacional continuará a assistir passivamente e permitir que Israel conduza
uma campanha de extermínio em massa? Haverá algum limite? Ou a guerra com o
Líbano e o Irã fornecerá uma cortina de fumaça — as piores campanhas de limpeza
étnica e assassinato em massa de Israel sempre foram realizadas sob o disfarce
da guerra — para transformar o que está acontecendo na Palestina em uma versão
atualizada do genocídio armênio?
Temo que, dado que o
lobby israelense comprou e pagou pelo Congresso e pelos dois partidos
governantes, além de intimidar a mídia e as universidades, os rios de sangue
continuarão a crescer. Há dinheiro a ser ganho na guerra. Muito dinheiro. E a
influência da indústria da guerra, apoiada por centenas de milhões de dólares
gastos em campanhas políticas pelos sionistas, será uma barreira formidável
para a paz, para não mencionar a sanidade.
A menos que, como
Chalmers Johnson escreve em "Nemesis: The Last Days of the American
Republic" [Nemesis: Os Últimos Dias da República Americana],
"abolamos a CIA, restabeleçamos a coleta de inteligência ao Departamento
de Estado e removamos todas as funções não estritamente militares do
Pentágono", nunca mais conheceremos a paz, nem, com toda a probabilidade,
sobreviveremos por muito tempo como nação.
O genocídio é feito
por atrito. Uma vez que um grupo-alvo é despojado dos seus direitos, os
próximos passos são o deslocamento da população, a destruição da infraestrutura
e a matança em massa de civis. Israel também está atacando e matando monitores
internacionais, organizações de direitos humanos, trabalhadores humanitários e
funcionários das Nações Unidas, uma característica da maioria dos genocídios.
Jornalistas estrangeiros estão sendo presos e acusados de "auxiliar o
inimigo", enquanto jornalistas palestinos estão sendo assassinados e suas
famílias exterminadas.
Israel realiza ataques
contínuos em Gaza contra a Agência das Nações Unidas de Assistência aos
Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA), onde dois terços de suas
instalações foram danificadas ou destruídas, e 223 de seus funcionários foram
assassinados. Israel também atacou a Força Interina das Nações Unidas no Líbano
(UNIFIL), onde os soldados da paz foram atacados a tiros, atingidos com gás
lacrimogêneo e foram feridos. Essa tática replica os ataques dos sérvios
bósnios em julho de 1995, que cobri, contra os postos avançados da Força de
Proteção da ONU em Srebrenica. Os sérvios, que haviam cortado o fornecimento de
alimentos para o enclave bósnio, resultando em desnutrição severa e fome,
invadiram os postos da ONU e fizeram 30 soldados da ONU reféns antes de
massacrar mais de 8.000 homens e meninos muçulmanos bósnios.
Essas fases iniciais
estão completas em Gaza. A fase final é a morte em massa, não apenas por balas
e bombas, mas também por fome e doenças. Nenhum alimento entrou no norte de
Gaza desde o início deste mês.
Israel tem lançado
panfletos exigindo que todos no norte evacuem. 400.000 palestinos no norte de
Gaza devem partir ou morrer. Também ordenou a evacuação de hospitais — Israel
também está atacando hospitais no Líbano —, implantou drones para disparar indiscriminadamente
contra civis, incluindo aqueles que tentam levar os feridos para tratamento,
bombardeou escolas que servem de abrigo e transformou o campo de refugiados de
Jabaliya em uma zona de fogo livre. Como de costume, Israel continua a atacar
jornalistas, incluindo Fadi Al-Wahidi da Al Jazeera, que foi baleado no pescoço
e permanece em estado crítico. Estima-se que pelo menos 175 jornalistas e
trabalhadores da mídia tenham sido mortos por tropas israelenses em Gaza desde
7 de outubro, de acordo com o Ministério da Saúde da Palestina.
O Escritório das
Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários adverte que os
embarques de ajuda a toda Gaza estão em seu nível mais baixo em meses. “As
pessoas esgotaram as maneiras de lidar com a situação, os sistemas alimentares
entraram em colapso, e o risco de fome persiste”, observa o relatório.
O cerco total imposto
ao norte de Gaza será, na próxima fase, imposto ao sul, onde estão aglomerados
aproximadamente 1,4 milhões de palestinos. Um palestino morre a cada cinco
minutos, de acordo com o Ministério da Saúde da Palestina, que informa que mais
de 7.300 palestinos, dos quais 3.000 são crianças, foram mortos. Estima-se que
o total de mortos no Líbano, de acordo com o governo libanês, esteja agora em
torno de 12.000.
Mais de 1,5 milhão de
pessoas foram deslocadas internamente. As infraestruturas de eletricidade,
água, alimentos, hospitais e escolas em ambos os países foram destruídas. Piora
ainda mais. A eletricidade foi cortada na maior parte de Gaza. A ONU estima que
metade das moradias no sul de Gaza e 80% no norte estão destruídas. Gaza é um
inferno de ruínas e corpos desmembrados.
Não há meios de defesa
contra armas industriais de morte em massa. Em Gaza, Israel está implantando o
que são chamadas de "bombas esponja", que penetram nos pulmões,
saturando-os com fluido corporal até que os alvéolos pulmonares se desintegrem,
causando a morte por asfixia. As armas termobáricas criam uma sobrepressão ao
implodir dentro de edifícios e túneis, vaporizando corpos e destruindo pulmões
e outros órgãos internos. Os civis estão morrendo em grande número. O Exército
de Defesa de Israel (IDF) usa bombas de fósforo branco, que queimam as vítimas
até os ossos. Corpos são encontrados aos pedaços, ou queimados além do
reconhecimento. A terra está saturada com o cheiro nauseante de carne humana
queimada.
A estratégia de Israel
se baseia na "preponderância do poder de fogo", uma doutrina
desenvolvida pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército dos EUA em Fort
Leavenworth, Kansas. Sua origem remonta à Primeira Guerra Mundial, quando foi
concebido o bombardeio implacável de cidades e vilarejos, que não são de
importância militar, para destruir a moral de civis e soldados. Em Gaza, Israel
adotou essa doutrina para transformar a sociedade palestina em ruínas e
fragmentos. Israel repetidamente lança ataques com mísseis contra vilas e
cidades. Eles não visam instalações militares. Eles visam os civis. Bombas caem
do céu. Ninguém sabe onde a próxima vai atingir. Os palestinos, apavorados, se
escondem em seus porões, temendo que as suas casas sejam destruídas a qualquer
momento. As famílias ficam em silêncio, apenas esperando pela morte.
A loucura genocida de
Israel é impulsionada pela mesma sede de destruição que levou ao Holocausto na
Europa. No entanto, os israelenses ignoram a terrível ironia da sua
transformação em "judeo-nazistas" - como notou Yehoshua Leibowitz, o
filósofo e crítico social israelense. Essas atrocidades nunca terão fim, a
menos que sejam paradas. E ninguém parece ter a coragem de impedi-las.
O extermínio funciona.
Funciona até o momento em que não funciona mais. Até o momento em que cria
forças tão monstruosas que as elites israelenses, com os seus poderosos amigos
em Washington, não podem mais controlá-las.
Na ex-Iugoslávia, os
cadáveres que apareciam nas estradas ou empilhados em caminhões ou vagões de
trem em todo o país eram uma premonição do colapso. Cada massacre, cada
atrocidade, alimentava a próxima onda de carnificina. Líderes que abraçaram o
genocídio na Bósnia, na Croácia e na Sérvia, como Netanyahu e seu ministro da
Defesa, Yoav Gallant, estavam entusiasmados com o uso de força brutal. Eles
acreditavam que, ao destruírem uma minoria étnica, resolveriam os seus
problemas. Era a solução final.
A solução final para o
"problema palestino" já foi concebida por Israel. Ela se desenrola
diante dos nossos olhos. Mas não funcionará. Nunca funcionou na história. O
genocídio não pode exterminar o ódio. Ele só pode perpetuá-lo e intensificá-lo.
Isso pode levar uma geração, mas Israel se autodestruirá. Não há força no mundo
que possa salvar Israel de sua loucura genocida. Netanyahu e seu círculo podem
destruir dezenas de milhares de palestinos e libaneses, podem continuar a
lançar bombas de fósforo branco e armas termobáricas, mas, no final, eles
plantarão as sementes de sua própria destruição.
A guerra de
extermínio, que Israel está promovendo agora com entusiasmo, sem dúvida irá
acabar com as carreiras de Netanyahu e outros líderes israelenses. É assim que
funciona. Eles serão levados à morte pelo vendaval de violência que
alimentaram. Líderes que abraçam o extermínio estão sempre condenados a se
afogar no sangue que eles mesmos derramaram. E será assim com Netanyahu e
Gallant.
Os civis palestinos,
assim como os libaneses, serão massacrados em número suficiente para que o
massacre traga à tona uma resposta feroz. A próxima onda de violência será mais
brutal, mais calculada e muito mais eficaz. Ela surgirá quando a memória das pessoas
assassinadas na última onda de violência for passada para a próxima geração. O
sangue dos mortos será o cimento que une a resistência ao genocídio israelense.
Os israelenses não
estão apenas exterminando palestinos. Eles estão se exterminando. Eles estão
destruindo o futuro dos seus filhos, suas vidas e seu estado. Israel e os
Estados Unidos vencerão esta rodada, mas, no fim, terão assinado as suas
próprias sentenças de morte.
¨ Funcionários do governo dos EUA frequentavam infame campo de
tortura israelense
Representantes da
Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na
sigla em inglês) realizam reuniões regulares com os seus homólogos em um campo
de prisioneiros onde autoridades israelenses declararam ter o direito de
torturar e estuprar detidos palestinos, disse a mídia britânica.
Sde Teiman foi palco
de numerosos incidentes de tortura, incluindo eletrocussão, queimaduras,
espancamentos, humilhação sexual e negação de comida, água, cuidados médicos e
sono. Um médico israelense disse que as amputações ocorrem "rotineiramente"
enquanto os prisioneiros ficam algemados por longos períodos.
"De acordo com
três funcionários da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento
Internacional [USAID], o centro de ajuda humanitária de Israel começou a operar
na base militar desértica de Sde Teiman no dia 29 de julho, com uma presença
norte-americana regular", noticiou o The Guardian.
"Sde Teiman foi
criado como um centro de detenção temporária para detidos de Gaza após o ataque
de 7 de outubro do ano passado. Grupos de direitos humanos e detidos libertados
afirmam que os milhares de palestinos que passaram pelo centro foram submetidos
a graves abusos e tortura", acrescenta a apuração.
O campo de
prisioneiros desempenhou um papel central na polêmica desencadeada no início de
2024 pela tentativa de processar criminalmente dez soldados israelenses
envolvidos no estupro coletivo de uma detida palestina. Um vídeo verificado
pela mídia ocidental mostrou o grupo de guardas selecionando um homem entre um
grupo de prisioneiros amarrados no chão antes de jogá-lo contra uma parede onde
ele foi abusado sexualmente. Aparentemente, o ataque foi tão grave que o detido
não conseguiu andar depois.
A opinião pública se
mobilizou em defesa dos soldados israelenses, originando motins em que
manifestantes e personalidades televisivas defenderam o "direito de
estuprar" prisioneiros palestinos. A causa também foi defendida pelos
legisladores do parlamento. As acusações contra os guardas prisionais foram
eventualmente retiradas.
Quanto à Sde Teiman,
segundo uma matéria publicada em maio pelo The New York Times, pelo menos 35
prisioneiros morreram como resultado do tratamento no centro.
¨ Blindados de Netanyahu assediam o Brasil pela porta dos fundos.
Por Ronaldo Lima Lins
Apesar dos esforços da
modernidade em favor de normas e regulamentos que nos coloquem no interior de
um código de comportamento, com vistas a uma ética, é certo que muitas vezes
traímos tais inclinações. Contingências de vários tipos nos conduzem para um
lado e para outro, por via de interesses nem sempre confessáveis. Há situações,
no entanto, que parecem repudiar, por princípio, semelhantes transgressões
porque saltam aos olhos e escandalizam até os mais tenazes liberais no uso dos
costumes. A história da venda de blindados israelenses para as nossas Forças
Armadas desencadeia um alarme. Benjamin Netanyahu se consagra como um belicista
fanático, obcecado em matar, eliminar e riscar do mapa o povo palestino. Com
semelhante projeto, briga com todo mundo, incluindo o Secretário-Geral da ONU e
o Brasil, por posturas em nome da paz. No geral, foi julgado e condenado como
genocida pelo Tribunal Penal Internacional, com mandado de prisão
exarado.
Finalmente, nas
relações com o governo Lula, hostilizou nosso embaixador e puxou a corda,
enquanto não o retiramos e o trouxemos de volta. Não são, efetivamente,
atitudes que garantam um respeito mútuo.
Ainda assim, há quem
pressione (o Ministro da Defesa, José Múcio, e o Exército) para declarar os
tais blindados como vitoriosos nas licitações. Claro que se trata de uma
transação indesejável. Não há como comercializar produtos com um país colonial
e assassino confesso de populações indefesas. E não há como fechar os olhos
para um sentido de honra e dignidade de uma das partes em questão. O senhor
José Múcio, excessivamente à vontade em seus comportamentos, tendo em vista
posições afirmadas pelo governo, defende alto e bom som a aquisição não
aconselhada. E, ainda por cima, desconsidera o respeito que devemos ao Tribunal
de Haia. Na verdade, o Ministro da Defesa ultrapassa os limites nos
requisitos de sua pasta. Em conferências aqui e ali, critica as razões do
Palácio do Planalto, atribuindo conclusões a excessos da mera “ideologia”. Vê
nas posturas contrárias uma espécie de teimosia infantil, atrapalhando os
devaneios do belicismo tupiniquim. Não leva em conta que existem outros
blindados de outros fabricantes, desprovidos de conotações negativas como os
que continuam em contestação. Espantoso que um auxiliar com semelhantes
desenvolturas permaneça no cargo.
É um feroz defensor de
Netanyahu? Acordou com raiva dos palestinos? Não lhe agradam as características
de independência da nossa política externa em favor da paz? Ou enlouqueceu e
provoca as autoridades para sair do governo? São perguntas que não se calam.
Para quem não entende a paciência demonstrada por Lula em relação ao problema,
cabe recordar que se justifica enquanto prática de prudência. Nos conflitos que
se desencadeiam à sua volta, tornou-se comum deixar que os ânimos esfriem e que
as soluções se apresentem. No entanto, não resta dúvida. Os famosos blindados
que implorem por dinheiro em outra freguesia!
Fonte: Substack/Sputnik
Brasil/Brasil 247
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