quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Pacote anti-STF indica desequilíbrio crescente nas relações entre os Poderes, afirmam analistas

A queda de braço entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal ganhou novos contornos na semana passada, depois que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a PEC 8/2021, um pacote de propostas que limitam os poderes da Corte Suprema.

O texto, chamado nos bastidores de pacote anti-STF, foi enviado pelo Senado no final de 2023. A proposta estava engavetada até sair a decisão do ministro Flávio Dino, em agosto, que suspendeu as emendas parlamentares impositivas, conhecidas como "emendas Pix", por falta de transparência. As emendas impositivas são aquelas que o governo é obrigado a executar. Somente este ano as emendas individuais de transferências especiais somam R$ 8,2 bilhões.

Na última quarta-feira (9), o texto foi aprovado por 39 votos a 18. Uma das medidas proíbe decisões monocráticas dos ministros do STF, que são decisões individuais provisórias, que depois devem ser confirmadas em plenário. Em agosto, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a suspensão das emendas impositivas determinada por Dino.

Na prática, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) quer evitar que ministros suspendam individualmente os efeitos de leis aprovadas pelo Congresso Nacional.

O texto deve ser analisado por uma comissão especial e, só então, será discutido em plenário da Casa, mas sinaliza o acirramento das tensões entre o Congresso e o órgão máximo do Poder Judiciário.

Pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), a cientista política Daniela Costanzo observou que os embates entre os Poderes fazem parte do jogo político, mas a recente ofensiva do Congresso com o pacote demonstra um desequilíbrio superior do que o salutar para a organização política e administrativa do Brasil.

"Quando a gente fez esse sistema no Brasil, na Constituinte e tudo mais, houve uma discussão na literatura da ciência política muito forte, se ele funcionaria ou não. A tese que acabou ganhando é de que ele funcionaria sim, justamente porque o presidente teria certa prevalência sobre o Legislativo. O presidente teria poderes legislativos, poder de agenda, poder sobre o orçamento, medida provisória. Tudo isso faria o sistema funcionar", esclareceu ela.

Entretanto, o preço a pagar pela governabilidade nas últimas décadas tem sido muito alto:

"[…] o que sustentava essa relação, depois a gente foi descobrindo, eram coisas como o Mensalão, o Petrolão, o orçamento, o escândalo dos anões do orçamento. Tudo isso meio que estava sustentando essa relação. Depois, o orçamento secreto. Hoje, o Legislativo ganhou muito poder, especialmente durante o governo [do ex-presidente Jair] Bolsonaro", opinou.

•        Emendas parlamentares impositivas: motivo da discórdia

Para que as emendas voltassem a valer, o STF determinou que o Congresso e o Executivo apresentassem regras e mecanismos para garantir mais "transparência, rastreabilidade e eficiência" na liberação desses recursos, o que não foi feito até o momento.

As Mesas Diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado e mais nove partidos entraram com pedido de suspensão da decisão do STF e ensaiaram medidas de retaliação, como o veto pela Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) a uma medida provisória para dar crédito extraordinário ao orçamento do Poder Judiciário.

Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Candido Mendes (Ucam), Theófilo Rodrigues lembrou que a origem da discórdia atual começou há dez anos, quando o então presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB), colocou na pauta a PEC 358/2013, que tornou obrigatória a execução das emendas individuais ao Orçamento da União, o chamado Orçamento Impositivo.

"A partir de 2015, sob a presidência de Eduardo Cunha [PMDB], a Câmara acelerou sua relação conflituosa com o Poder Executivo, o que culminou com o impeachment da presidente Dilma Rousseff [PT] em 2016", relembrou ele.

Em 2022, o STF julgou pela inconstitucionalidade das emendas do orçamento secreto, que seguiam a mesma lógica das "emendas Pix", gerando reações negativas no Congresso.

Para o cientista político, esse desequilíbrio na relação entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo aumentou sob a presidência do deputado Arthur Lira (PP) na Câmara, a partir de 2021, sobretudo, após o surgimento do chamado orçamento secreto:

"Tudo isso transformou para pior o modelo de presidencialismo de coalizão que organizou o sistema político brasileiro nas últimas décadas."

A pesquisadora pontuou que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem evitado interferir na contenda entre Congresso e Suprema Corte, na esperança de que o texto não seja aprovado.

Rodrigues avaliou que é grande a probabilidade de que Lula vete a maioria das medidas do pacote contra o STF, caso seja aprovado pela Câmara.

"Ao menos essa é a sinalização que o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, tem passado", comentou.

O avanço dos embates, segundo ela, deve-se principalmente às ações do governo anterior do ex-presidente Jair Bolsonaro, que possibilitaram que o Legislativo ganhasse um poder desproporcional.

"Agora temos um presidente que tradicionalmente é mais forte, e todo o sistema está tentando diminuir o poder do Legislativo, que tinha avançado enormemente. Então acho que essa é a atual conjuntura desses embates", opinou ela.

O professor destacou que desde a última eleição de Lula, há uma "clara sintonia" entre o Poder Judiciário e o Executivo, o que não ocorre em relação ao Legislativo, que tem agenda conservadora e neoliberal oposta à do governo federal.

"Como o presidente Lula é de um partido minoritário no parlamento, ele precisa construir alianças com partidos que possuem interesses opostos no Poder Legislativo para construir uma agenda mínima para o país."

A falta de engajamento político por parte da população é um agravante nessa crise, argumentou a professora, pois maus atos dos deputados ficam impunes pela falta de memória dos eleitores.

"Acaba que esses deputados não têm que responder muito pelo que fazem, ao contrário do presidente, que é visto como alguém que tem muito poder no país."

Rodrigues salientou que quem sai perdendo na disputa é a sociedade brasileira, pois um pacote anti-STF, como o que tramita na Câmara, prejudica principalmente a democracia.

 

•        Pacote anti-STF é "vexame" e não deve passar no Congresso, diz Gilmar Mendes

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), classificou como “vexame” o pacote de propostas em andamento no Congresso Nacional que busca limitar decisões e poderes da mais alta Corte do Judiciário brasileiro.

Na semana passada, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite ao Legislativo barrar decisões tomadas pelo Supremo.

O projeto foi aprovado com 38 votos favoráveis e 12 contrários. O texto ainda precisa ser analisado por uma comissão especial da Câmara e, na sequência, pelo plenário.

No mesmo dia, a comissão já havia aprovado uma outra PEC, que limita as decisões monocráticas (individuais) de ministros da Suprema Corte. Nesse caso, foram 39 votos favoráveis e 18 contrários.

Em entrevista à CNN Brasil, na segunda-feira (14), Gilmar Mendes classificou os projetos como “extravagantes”, uma “estrovenga” e um “vexame”.

“Qualquer um que tenha passado pelo primário jurídico teria constrangimento de subscrever uma proposta dessas”, afirmou o ministro.

Mendes lembrou que uma medida semelhante foi tomada pela ditadura do Estado Novo (1937-1945), de Getúlio Vargas, mas jamais em um regime democrático. 

 “Não houve Congresso, em 1937, e era Getúlio com seu ‘canetaço’ que cassava decisões do Supremo. Mas isso é de tão triste memória que a gente não devia nem relembrar”, observou o magistrado. “Não acredito que essa proposta passe pela porta, que algum contínuo no Congresso não vá barrar essa proposta.”

<><> O que dizem as PECs anti-STF

De acordo com uma das PECs aprovada na CCJ, o Congresso pode derrubar decisões do Supremo se avaliar que a Corte foi além de suas prerrogativas judiciais. Para que uma decisão do STF seja sustada pelo Legislativo, seriam necessários os votos de dois terços da Câmara e do Senado.

Ainda segundo o texto do projeto, caso o Congresso barre uma decisão do STF, a Corte ainda poderá mantê-la se obtiver os votos de um quinto de seus integrantes.

No caso da PEC que limita as decisões monocráticas, o texto proíbe decisões individuais que suspendam a eficácia de leis ou atos dos presidentes dos poderes Executivo e Legislativo e permite apenas aquelas para a suspensão de eficácia de lei durante o recesso do Judiciário, em casos de grave urgência ou risco de dano irreparável, com prazo de 30 dias para o julgamento colegiado após o fim do recesso.

Decisão monocrática é aquela proferida por apenas um magistrado — em contraposição à decisão colegiada, que é tomada por um conjunto de ministros (tribunais superiores) ou desembargadores (tribunais de segunda instância).

 

•        Os Três Poderes perderam completamente as “estribeiras” éticas e institucionais. Por Dora Kramer

A Oposição ao Supremo Tribunal Federal albergada no Congresso não esperou se completarem três dias da volta do recesso eleitoral para abrir pesada artilharia sobre o Judiciário. Menos de 72 horas depois de desligadas as urnas, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou quatro propostas, a maioria despropositada, em claro tom de vingança contra o STF.

Pode parecer estranha a expressão “oposição ao Supremo”, mas é do que se trata na clara deformação institucional posta na relação entre os Poderes da República e que suscita a pergunta: o que está havendo com eles para se comportarem como se numa queda de braço estivessem?

Fui buscar explicação com o procurador de Justiça e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, cuja resposta veio tão sucinta quanto precisa. Ele atribui essa situação à “perda completa das estribeiras” éticas e institucionais.

De fato, parece não haver mais limites ao rompimento dos anteparos impostos à convivência independente e harmônica entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Uns se aliam a outros e se contrapõem entre si ao sabor das conveniências; muitas vezes extrapolam, cada qual à sua maneira.

No caso em tela, das deliberações da CCJ consta que foram tomadas no embalo dos bons resultados nas eleições municipais da centro-direita/direita que abrigam os partidos apoiadores das propostas de restringir a atuação do STF, derrubar sentenças e impor punições a ministros.

Se foi isso, trata-se de uma disfunção além das já conhecidas, decorrentes de vingança contra decisões de ministros sobre vários temas — de emendas parlamentares a condenações de golpistas — e do uso desse tipo de agenda nas negociações pela presidência da Câmara.

No alto comando da República há excessos e deficiências que precisam de urgente correção, mas isso deve se dar pela via da autocontenção, da consciência de cada uma das instâncias sobre fronteiras que não podem ser ultrapassadas. Sob pena de os garantidores do regime de legalidade avalizarem os defensores de um estado de vale-tudo em que o Estado vale nada.

 

•        Após pacote anti-STF, lulistas temem nova derrota com o projeto da Anistia

Após a aprovação do pacote de propostas que atingem os poderes do Supremo Tribunal Federal (STF), deputados governistas temem uma nova derrota na votação do projeto de lei que anistia pessoas com envolvimento no ato de 8 de janeiro do ano passado.

A avaliação é que o PL da Anistia pode ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, onde a oposição tem conseguido se impor.

O projeto perdoa quem participou, fez doações ou apoiou por meio de redes sociais os ataques do 8 de Janeiro, por exemplo. Aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dizem que o texto poderia beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de alguma forma, o que os apoiadores do ex-mandatário negam.

“Vamos buscar convencer os parlamentares de que não é razoável a CCJ votar uma matéria como essa, flagrantemente inconstitucional”, declarou o deputado Helder Salomão (PT-ES), acrescentando:

“Se abrirmos esse precedente, nós vamos rasgar a Constituição e dar o seguinte sinal para a população brasileira: você pode praticar crimes, pode invadir a sede dos Poderes, defender o fechamento do Congresso e intervenção militar, e está tudo bem. Pode tentar explodir o aeroporto de Brasília e, olha, você vai ser anistiado”.

Na semana passada, a votação do projeto da anistia foi adiada após um pedido de vista – mais tempo para análise do assunto. No entanto, o movimento por parte dos governistas já era esperado e tem base regimental. Portanto, não chegou a causar surpresa. Para retornar à pauta da CCJ, é necessário que sejam realizadas duas sessões deliberativas do plenário.

Integrante da base governista, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) avalia que a oposição tem maioria na CCJ e, por isso, o projeto não deve encontrar dificuldades para ser aprovado. No entanto, o congressista diz esperar que o governo “se interesse e mobilize sua base” para tentar barrar o avanço do texto.

“Essa é uma ‘anistia fake’. Na verdade, um salvo conduto para novos atentados ao nosso já frágil Estado Democrático de Direito”, disse Alencar à CNN.

A presidente da CCJ, Caroline De Toni (PL-SC), integrante da oposição, aguarda a definição das próximas reuniões do plenário para definir a pauta da comissão. Cabe ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), convocar as sessões.

O projeto tem como relator o deputado Rodrigo Valadares (União-SE). O congressista projetava a votação do texto já na próxima semana, mas, desde terça-feira (8), o plenário não contou com deliberações.

Para pautar o texto, De Toni também pondera a influência da sucessão à presidência da Câmara no caso. Para ela, o debate do projeto foi contaminado pela disputa sobre quem será o novo sucessor de Lira. Isso porque o avanço da proposta foi colocado por alguns deputados como uma condição para apoiar candidatos.

Se for aprovado na CCJ, o texto seguirá para a análise no plenário, onde é necessária a maioria simples dos votos para ser aprovado.

 

Fonte: Sputnik Brasil/Brasil 247/Folha/CNN Brasil

 

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