Pacote anti-STF indica desequilíbrio
crescente nas relações entre os Poderes, afirmam analistas
A queda de braço entre
o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal ganhou novos contornos na
semana passada, depois que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara
dos Deputados aprovou a PEC 8/2021, um pacote de propostas que limitam os poderes
da Corte Suprema.
O texto, chamado nos
bastidores de pacote anti-STF, foi enviado pelo Senado no final de 2023. A
proposta estava engavetada até sair a decisão do ministro Flávio Dino, em
agosto, que suspendeu as emendas parlamentares impositivas, conhecidas como
"emendas Pix", por falta de transparência. As emendas impositivas são
aquelas que o governo é obrigado a executar. Somente este ano as emendas
individuais de transferências especiais somam R$ 8,2 bilhões.
Na última quarta-feira
(9), o texto foi aprovado por 39 votos a 18. Uma das medidas proíbe decisões
monocráticas dos ministros do STF, que são decisões individuais provisórias,
que depois devem ser confirmadas em plenário. Em agosto, o plenário do Supremo
Tribunal Federal (STF) confirmou a suspensão das emendas impositivas
determinada por Dino.
Na prática, a Proposta
de Emenda à Constituição (PEC) quer evitar que ministros suspendam
individualmente os efeitos de leis aprovadas pelo Congresso Nacional.
O texto deve ser
analisado por uma comissão especial e, só então, será discutido em plenário da
Casa, mas sinaliza o acirramento das tensões entre o Congresso e o órgão máximo
do Poder Judiciário.
Pesquisadora do Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e do Instituto de Estudos
Políticos de Paris (Sciences Po), a cientista política Daniela Costanzo
observou que os embates entre os Poderes fazem parte do jogo político, mas a
recente ofensiva do Congresso com o pacote demonstra um desequilíbrio superior
do que o salutar para a organização política e administrativa do Brasil.
"Quando a gente
fez esse sistema no Brasil, na Constituinte e tudo mais, houve uma discussão na
literatura da ciência política muito forte, se ele funcionaria ou não. A tese
que acabou ganhando é de que ele funcionaria sim, justamente porque o presidente
teria certa prevalência sobre o Legislativo. O presidente teria poderes
legislativos, poder de agenda, poder sobre o orçamento, medida provisória. Tudo
isso faria o sistema funcionar", esclareceu ela.
Entretanto, o preço a
pagar pela governabilidade nas últimas décadas tem sido muito alto:
"[…] o que
sustentava essa relação, depois a gente foi descobrindo, eram coisas como o
Mensalão, o Petrolão, o orçamento, o escândalo dos anões do orçamento. Tudo
isso meio que estava sustentando essa relação. Depois, o orçamento secreto.
Hoje, o Legislativo ganhou muito poder, especialmente durante o governo [do
ex-presidente Jair] Bolsonaro", opinou.
• Emendas parlamentares impositivas:
motivo da discórdia
Para que as emendas
voltassem a valer, o STF determinou que o Congresso e o Executivo apresentassem
regras e mecanismos para garantir mais "transparência, rastreabilidade e
eficiência" na liberação desses recursos, o que não foi feito até o momento.
As Mesas Diretoras da
Câmara dos Deputados e do Senado e mais nove partidos entraram com pedido de
suspensão da decisão do STF e ensaiaram medidas de retaliação, como o veto pela
Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) a uma medida
provisória para dar crédito extraordinário ao orçamento do Poder Judiciário.
Professor do Programa
de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Candido Mendes (Ucam),
Theófilo Rodrigues lembrou que a origem da discórdia atual começou há dez anos,
quando o então presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves
(PMDB), colocou na pauta a PEC 358/2013, que tornou obrigatória a execução das
emendas individuais ao Orçamento da União, o chamado Orçamento Impositivo.
"A partir de
2015, sob a presidência de Eduardo Cunha [PMDB], a Câmara acelerou sua relação
conflituosa com o Poder Executivo, o que culminou com o impeachment da
presidente Dilma Rousseff [PT] em 2016", relembrou ele.
Em 2022, o STF julgou
pela inconstitucionalidade das emendas do orçamento secreto, que seguiam a
mesma lógica das "emendas Pix", gerando reações negativas no
Congresso.
Para o cientista
político, esse desequilíbrio na relação entre o Poder Legislativo e o Poder
Executivo aumentou sob a presidência do deputado Arthur Lira (PP) na Câmara, a
partir de 2021, sobretudo, após o surgimento do chamado orçamento secreto:
"Tudo isso
transformou para pior o modelo de presidencialismo de coalizão que organizou o
sistema político brasileiro nas últimas décadas."
A pesquisadora pontuou
que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem evitado interferir na
contenda entre Congresso e Suprema Corte, na esperança de que o texto não seja
aprovado.
Rodrigues avaliou que
é grande a probabilidade de que Lula vete a maioria das medidas do pacote
contra o STF, caso seja aprovado pela Câmara.
"Ao menos essa é
a sinalização que o ministro da Secretaria de Relações Institucionais,
Alexandre Padilha, tem passado", comentou.
O avanço dos embates,
segundo ela, deve-se principalmente às ações do governo anterior do
ex-presidente Jair Bolsonaro, que possibilitaram que o Legislativo ganhasse um
poder desproporcional.
"Agora temos um
presidente que tradicionalmente é mais forte, e todo o sistema está tentando
diminuir o poder do Legislativo, que tinha avançado enormemente. Então acho que
essa é a atual conjuntura desses embates", opinou ela.
O professor destacou
que desde a última eleição de Lula, há uma "clara sintonia" entre o
Poder Judiciário e o Executivo, o que não ocorre em relação ao Legislativo, que
tem agenda conservadora e neoliberal oposta à do governo federal.
"Como o
presidente Lula é de um partido minoritário no parlamento, ele precisa
construir alianças com partidos que possuem interesses opostos no Poder
Legislativo para construir uma agenda mínima para o país."
A falta de engajamento
político por parte da população é um agravante nessa crise, argumentou a
professora, pois maus atos dos deputados ficam impunes pela falta de memória
dos eleitores.
"Acaba que esses
deputados não têm que responder muito pelo que fazem, ao contrário do
presidente, que é visto como alguém que tem muito poder no país."
Rodrigues salientou
que quem sai perdendo na disputa é a sociedade brasileira, pois um pacote
anti-STF, como o que tramita na Câmara, prejudica principalmente a democracia.
• Pacote anti-STF é "vexame" e
não deve passar no Congresso, diz Gilmar Mendes
O ministro Gilmar
Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), classificou como “vexame” o pacote
de propostas em andamento no Congresso Nacional que busca limitar decisões e
poderes da mais alta Corte do Judiciário brasileiro.
Na semana passada, a
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou uma
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite ao Legislativo barrar
decisões tomadas pelo Supremo.
O projeto foi aprovado
com 38 votos favoráveis e 12 contrários. O texto ainda precisa ser analisado
por uma comissão especial da Câmara e, na sequência, pelo plenário.
No mesmo dia, a
comissão já havia aprovado uma outra PEC, que limita as decisões monocráticas
(individuais) de ministros da Suprema Corte. Nesse caso, foram 39 votos
favoráveis e 18 contrários.
Em entrevista à CNN
Brasil, na segunda-feira (14), Gilmar Mendes classificou os projetos como
“extravagantes”, uma “estrovenga” e um “vexame”.
“Qualquer um que tenha
passado pelo primário jurídico teria constrangimento de subscrever uma proposta
dessas”, afirmou o ministro.
Mendes lembrou que uma
medida semelhante foi tomada pela ditadura do Estado Novo (1937-1945), de
Getúlio Vargas, mas jamais em um regime democrático.
“Não houve Congresso, em 1937, e era Getúlio
com seu ‘canetaço’ que cassava decisões do Supremo. Mas isso é de tão triste
memória que a gente não devia nem relembrar”, observou o magistrado. “Não
acredito que essa proposta passe pela porta, que algum contínuo no Congresso
não vá barrar essa proposta.”
<><> O que
dizem as PECs anti-STF
De acordo com uma das
PECs aprovada na CCJ, o Congresso pode derrubar decisões do Supremo se avaliar
que a Corte foi além de suas prerrogativas judiciais. Para que uma decisão do
STF seja sustada pelo Legislativo, seriam necessários os votos de dois terços
da Câmara e do Senado.
Ainda segundo o texto
do projeto, caso o Congresso barre uma decisão do STF, a Corte ainda poderá
mantê-la se obtiver os votos de um quinto de seus integrantes.
No caso da PEC que
limita as decisões monocráticas, o texto proíbe decisões individuais que
suspendam a eficácia de leis ou atos dos presidentes dos poderes Executivo e
Legislativo e permite apenas aquelas para a suspensão de eficácia de lei
durante o recesso do Judiciário, em casos de grave urgência ou risco de dano
irreparável, com prazo de 30 dias para o julgamento colegiado após o fim do
recesso.
Decisão monocrática é
aquela proferida por apenas um magistrado — em contraposição à decisão
colegiada, que é tomada por um conjunto de ministros (tribunais superiores) ou
desembargadores (tribunais de segunda instância).
• Os Três Poderes perderam completamente
as “estribeiras” éticas e institucionais. Por Dora Kramer
A Oposição ao Supremo
Tribunal Federal albergada no Congresso não esperou se completarem três dias da
volta do recesso eleitoral para abrir pesada artilharia sobre o Judiciário.
Menos de 72 horas depois de desligadas as urnas, a Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara aprovou quatro propostas, a maioria despropositada, em claro
tom de vingança contra o STF.
Pode parecer estranha
a expressão “oposição ao Supremo”, mas é do que se trata na clara deformação
institucional posta na relação entre os Poderes da República e que suscita a
pergunta: o que está havendo com eles para se comportarem como se numa queda de
braço estivessem?
Fui buscar explicação
com o procurador de Justiça e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção,
Roberto Livianu, cuja resposta veio tão sucinta quanto precisa. Ele atribui
essa situação à “perda completa das estribeiras” éticas e institucionais.
De fato, parece não
haver mais limites ao rompimento dos anteparos impostos à convivência
independente e harmônica entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Uns se
aliam a outros e se contrapõem entre si ao sabor das conveniências; muitas
vezes extrapolam, cada qual à sua maneira.
No caso em tela, das
deliberações da CCJ consta que foram tomadas no embalo dos bons resultados nas
eleições municipais da centro-direita/direita que abrigam os partidos
apoiadores das propostas de restringir a atuação do STF, derrubar sentenças e
impor punições a ministros.
Se foi isso, trata-se
de uma disfunção além das já conhecidas, decorrentes de vingança contra
decisões de ministros sobre vários temas — de emendas parlamentares a
condenações de golpistas — e do uso desse tipo de agenda nas negociações pela
presidência da Câmara.
No alto comando da
República há excessos e deficiências que precisam de urgente correção, mas isso
deve se dar pela via da autocontenção, da consciência de cada uma das
instâncias sobre fronteiras que não podem ser ultrapassadas. Sob pena de os
garantidores do regime de legalidade avalizarem os defensores de um estado de
vale-tudo em que o Estado vale nada.
• Após pacote anti-STF, lulistas temem
nova derrota com o projeto da Anistia
Após a aprovação do
pacote de propostas que atingem os poderes do Supremo Tribunal Federal (STF),
deputados governistas temem uma nova derrota na votação do projeto de lei que
anistia pessoas com envolvimento no ato de 8 de janeiro do ano passado.
A avaliação é que o PL
da Anistia pode ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da
Câmara, onde a oposição tem conseguido se impor.
O projeto perdoa quem
participou, fez doações ou apoiou por meio de redes sociais os ataques do 8 de
Janeiro, por exemplo. Aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
dizem que o texto poderia beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de alguma
forma, o que os apoiadores do ex-mandatário negam.
“Vamos buscar
convencer os parlamentares de que não é razoável a CCJ votar uma matéria como
essa, flagrantemente inconstitucional”, declarou o deputado Helder Salomão
(PT-ES), acrescentando:
“Se abrirmos esse
precedente, nós vamos rasgar a Constituição e dar o seguinte sinal para a
população brasileira: você pode praticar crimes, pode invadir a sede dos
Poderes, defender o fechamento do Congresso e intervenção militar, e está tudo
bem. Pode tentar explodir o aeroporto de Brasília e, olha, você vai ser
anistiado”.
Na semana passada, a
votação do projeto da anistia foi adiada após um pedido de vista – mais tempo
para análise do assunto. No entanto, o movimento por parte dos governistas já
era esperado e tem base regimental. Portanto, não chegou a causar surpresa. Para
retornar à pauta da CCJ, é necessário que sejam realizadas duas sessões
deliberativas do plenário.
Integrante da base
governista, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) avalia que a oposição tem
maioria na CCJ e, por isso, o projeto não deve encontrar dificuldades para ser
aprovado. No entanto, o congressista diz esperar que o governo “se interesse e
mobilize sua base” para tentar barrar o avanço do texto.
“Essa é uma ‘anistia
fake’. Na verdade, um salvo conduto para novos atentados ao nosso já frágil
Estado Democrático de Direito”, disse Alencar à CNN.
A presidente da CCJ,
Caroline De Toni (PL-SC), integrante da oposição, aguarda a definição das
próximas reuniões do plenário para definir a pauta da comissão. Cabe ao
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), convocar as sessões.
O projeto tem como
relator o deputado Rodrigo Valadares (União-SE). O congressista projetava a
votação do texto já na próxima semana, mas, desde terça-feira (8), o plenário
não contou com deliberações.
Para pautar o texto,
De Toni também pondera a influência da sucessão à presidência da Câmara no
caso. Para ela, o debate do projeto foi contaminado pela disputa sobre quem
será o novo sucessor de Lira. Isso porque o avanço da proposta foi colocado por
alguns deputados como uma condição para apoiar candidatos.
Se for aprovado na
CCJ, o texto seguirá para a análise no plenário, onde é necessária a maioria
simples dos votos para ser aprovado.
Fonte: Sputnik
Brasil/Brasil 247/Folha/CNN Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário