Paulo Kliass: ‘Enel - intervenção já!’
O drama vivido pela
população de São Paulo durante os últimos dias tem todas as características de
uma conduta criminosa por parte uma empresa beneficiada com a privatização de
um serviço público essencial. A Enel é a atual corporação que detém a concessão
federal para administrar os serviços de transmissão de energia elétrica no
estado de São Paulo. O processo remonta ao de venda de uma empresa estatal para
o capital privado ainda na década de 1990, quando o governo paulista transferiu
o patrimônio da então Eletropaulo para um grupo privado. Como era comum naquele
período, 50% do valor de compra foi oferecido pelo BNDES em condições extremamente
vantajosas para os adquirentes.
Ao longo das décadas
seguintes, a empresa foi mudando de dono e o atual grupo italiano comprou a
empresa das mãos da companhia norte-americana AES em 2018. Essa dança do
capital financeiro em busca de melhores oportunidades de lucros provoca sérios
prejuízos ao desempenho operacional da empresa e uma perda de sua capacidade de
oferecer resultados de qualidade para a população e para os demais usuários. O
apagão atual é “apenas” um evento a mais na longa de série de crises anunciadas
e cuja responsabilidade é totalmente atribuída à direção da Enel. Em novembro
de 2023, e em março do presente ano, já houve situações catastróficas
semelhantes.
Atualmente a empresa é
responsável pelo fornecimento de energia elétrica para um contingente de 18
milhões de pessoas distribuídas por 24 municípios na região da Grande São
Paulo. Dentre elas, a mais importante e estratégica é, sem dúvida alguma, a
capital paulista. Afinal, este município conta com uma população de quase 12
milhões, ou seja, o equivalente a 2/3 de toda a clientela da empresa.
·
Enel ultrapassou todos
os limites
Não existe a menor
dúvida entre os especialistas na matéria de que a emergência de uma conjuntura
caótica como a atual tem suas raízes na redução de investimentos e na
diminuição de despesas estratégicas por parte da empresa. A lógica de obtenção
do maior lucro possível no menor tempo colabora para o processo de sucateamento
da empresa e dos serviços por ela prestados. A manutenção da rede de
eletricidade tem um custo relativamente elevado e eles optaram por cortar os
recursos necessários para esse fim. As equipes de pessoal cumprem um papel
fundamental nesse tipo de atividade do setor elétrico, mas a lógica privada é
reduzir os gastos com recursos humanos e com seu treinamento. As consequências
são funcionários com baixos salários e pouca motivação, além de uma gritante
carência de gente para dar conta das necessidades de toda a rede.
Privatizar empresas
estatais, inclusive aquelas que prestam um serviço público essencial como a
eletricidade, sempre representou uma orientação antiga do chamado Consenso de
Washington. A intenção era a de promover ajustes estruturais nas economias pelo
mundo afora com base no receituário do neoliberalismo. Assim, para além da
imposição de regras austeridade fiscal e da liberação generalizada das
economias, a recomendação era que os Estados nacionais transferissem o
patrimônio de suas próprias empresas ao capital privado. Partindo do
pressuposto equivocado e altamente ideologizado de que a ação do setor público
seria sempre ineficiente, a narrativa falaciosa da exaltação da competência do
capital privado como símbolo da eficiência ganhou espaço amplo nos meios de
comunicação e no interior da sociedade.
Ocorre que a realidade
tem demonstrado exatamente o oposto. Diferentes grupos de capital financeiro
ganharam muito dinheiro com as privatizações, mas as promessas de tarifas mais
baratas e serviços de maior qualidade ficaram para trás. Os processos de transferência
do patrimônio público para o setor privado foram marcados por significativas
elevações das tarifas cobradas dos clientes. Por outro lado, as obrigações das
empresas concessionárias passavam longe do centro de preocupações dos órgãos
responsáveis pela regulação e pela fiscalização do sistema depois de sua
privatização. Como autênticos profetas do liberalismo extremado, deixaram tudo
no mais bruto estado do “laissez faire, laissez passer”. E dane-se o prejuízo
social e econômico provocado por ações irresponsáveis do capital privado.
·
Lula deve agir rápido!
No caso específico do
setor elétrico, em 1996 foi criada a Agência Nacional da Energia Elétrica
(ANEEL). No entanto, aqui também se deu o conhecido caso dos processos de
“captura” das agências regulatórias. O desenho institucional do modelo
pressupõe conceder autonomia aos organismos que passaram a usufruir de funções
regulatórias em áreas cujas empresas haviam sido privatizadas. Assim, a
tendência que se verificou em quase todos os países e setores foi a paulatina incorporação
da lógica das empresas por parte das direções dos órgãos encarregados de
regulação e fiscalização. Na verdade, a ação regulamentadora deixa de cumprir
com sua função, qual seja, a de defender a grande maioria dos usuários contra
os abusos cometidos pelas empresas que oferecem os serviços – no caso da
energia elétrica, de forma quase monopolista.
A recorrência com que
a Enel tem ignorado as suas funções basilares de prestação deste serviço
público estratégico apontam para a necessidade urgente de medidas por parte do
Estado brasileiro, tal como previsto na própria legislação. A empresa não
apresenta as mínimas condições para continuar se beneficiando do status de uma
concessionária para fins de fornecimento de energia elétrica para a população
de São Paulo. O atual contrato de concessão oferecida pelo governo federal,
ainda vigente, prevê que essa relação se estenda até 2028. Mas a administração
pública conta ainda com outras alternativas de natureza jurídico-institucional.
Existe a possibilidade de se promover uma intervenção na direção da empresa,
tendo em vistas os abusos cometidos, as irresponsabilidades evidenciadas e os
crimes praticados.
O que se faz
necessário é introduzir o elemento da vontade política de agir na defesa do
interesse da maioria contra um bando oportunista e criminoso que não apresenta
o menor interesse em promover serviço público. O governo Lula já teve várias
oportunidades para tomar alguma decisão neste sentido, mas até o momento nada
foi feito. Atualmente, a gravidade da crise é de tal ordem que até mesmo
personagens políticos de amplo espectro têm se manifestado duramente a esse
respeito. É o caso do ministro de Minas e Energia (Alexandre Silveira, do PSD
de Kassab), do governador bolsonarista de São Paulo (Tarcísio de Freitas) e do
prefeito da capital paulista (Ricardo Nunes), quando todos se declararam
claramente pela intervenção na Enel e pelo fim da concessão ao grupo italiano.
Já passou da hora de
Lula tomar finalmente uma decisão a respeito da Enel. Ele não pode passar a
impressão de que está indo a reboque de figuras políticas do campo da direita.
Apesar da demora inexplicável, é fundamental que o governo decrete a intervenção
imediata na empresa. E, na sequência, que instaure procedimentos encaminhando
para o cancelamento da concessão da mesma.
¨ Enel tenta escapar de multas e diz que não tem culpa por
tragédias climáticas
A imprevisibilidade
das tragédias climáticas é o principal argumento utilizado pela Enel para
escapar de multas milionárias impostas por conta de falhas no atendimento e
demora na recomposição do serviço de energia elétrica, informa a Folha de S. Paulo. Uma defesa apresentada pela empresa neste ano alega que não é
possível prever eventos climáticos e os efeitos com "ventos e chuvas muito
acima do previsto nos boletins meteorológicos, ocasionando diversos danos às
redes da Enel SP.
Segundo a Enel, a
retomada do serviço em condições extremas não está incluída no contrato de
prestação de serviço e, por isso, não estaria descumprindo nenhum requisito
legal, regulamentar ou contratual.
"Resta comprovada
a extraordinariedade do evento climático, com ventos e chuvas muito acima do
previsto nos boletins meteorológicos, qualificando-se como situação de força
maior, de modo que não há como imputar o descumprimento, por parte da Enel SP,
da sua obrigação de fornecer um serviço adequado e de forma contínua aos seus
consumidores", afirma a Enel.
A companhia já soma
mais de R$322 milhões em multas aplicadas pela Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel) desde 2018. No entanto, cerca de 90% desse valor nunca foi
pago, já que a Enel recorre a todas as instâncias jurídicas afirmando que não
tem culpa pelos ocorridos.
Na última
segunda-feira (14), o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou
que os eventos climáticos devem começar a fazer parte dos contratos com as
distribuidoras de energia. "Hoje eventos climáticos severos são expurgados
da avaliação contratual. No decreto de distribuição, as distribuidoras passarão
a ser penalizadas, caso não tenham uma previsão ou planejamento necessário a
evitar esse tipo de evento", disse. Cerca de 250 mil consumidores ainda
estão sem energia elétrica na grande São Paulo desde a última sexta-feira (11),
quando um temporal atingiu a cidade.
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Tarcísio diz que Enel é 'incompetente" e defende que empresa saia do
Brasil
O governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), sugeriu, nesta terça-feira (15), que
a distribuidora de energia Enel deveria deixar o Brasil e anunciou que já
solicitou a abertura de um processo de caducidade à Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel), afirmando que o diálogo com a agência não tem trazido
resultados satisfatórios.
“Sem dúvida o
Ministério das Minas e Energia e a Aneel falharam. A Enel vem descumprindo seu
contrato. Não adianta só multa, a empresa não paga a multa, vai no judiciário e
pede a suspensão da dívida. Está claro que a empresa é incompetente, não se
preparou para investimentos. Está claro que ela tem que sair daqui, tem que
sair do Brasil”, disse Tarcísio de acordo com o jornal O Globo.
O governador também
destacou a ineficácia das reuniões com a Aneel, mencionando que, apesar de suas
tentativas de comunicação com o presidente da agência, Sandoval Feitosa, não
houve progresso. “A conversa com a Aneel não resolve. Apresentamos sugestões,
pedimos a abertura do processo de caducidade, nada aconteceu. Já falei 300
vezes com o Sandoval. Eles estão batendo cabeça. Estamos recorrendo a quem pode
resolver”, enfatizou.
Ainda de acordo com a
reportagem, Tarcísio se reunirá com o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes,
candidato à reeleição pelo MDB, e o ministro do Tribunal de Contas da União
(TCU) Augusto Nardes. O foco da reunião será a fiscalização da Aneel e do
Ministério de Minas e Energia em relação à Enel.
“O TCU é o controle
externo, o TCU pode responsabilizar os agentes que estão falhando e impor
medidas. Não temos postes e cabos com a resistência que deveriam ter. Não
existe um plano de contingência, um plano de aterramento dos fios. A empresa
com um processo desse (de caducidade) começa a trabalhar. Se não trabalhar,
extingue o contrato”, afirmou o governador.
¨ Enel pede reforço de técnicos de outros países para reversão do
apagão em SP
Após quase quatro dias
com problemas no fornecimento de energia elétrica em parte da capital e da
região metropolitana de São Paulo, a Enel anunciou ter pedido reforço de
técnicos de outros países. Os profissionais, vindos do Chile, da Argentina, da
Itália e da Espanha, devem auxiliar nas áreas afetadas para acelerar a reversão
da situação. As informações são do portal UOL.
Técnicos de outras
regiões do Brasil já haviam sido convocados no fim de semana. Profissionais que
atuam em bases do Rio de Janeiro e do Ceará chegaram a São Paulo para atuar em
campo. Ao todo, o número de técnicos envolvidos na resolução do problema de rede
elétrica chega a 2,9 mil.
Ainda assim,
aproximadamente 220 mil clientes continuavam sem luz nesta terça-feira (15),
entre os 2 milhões de pontos sem energia após a chuva de sexta-feira (11). O
número diz respeito ao ponto de instalação, então pode-se considerar que a
quantidade de pessoas afetadas seja bem maior.
A Enel não deu prazo
para o religamento de energia no sábado (12), quando se pronunciou pela
primeira vez desde o apagão. O presidente da companhia, Guilherme Lencastre,
afirmou que a empresa estava “bem mais preparada” para a atuação do que em
novembro de 2023, quando 2,5 milhões de pessoas ficaram no escuro em todo o
estado.
Uma análise do
Ministério Público de São Paulo apontou, de acordo com o jornal Folha de
S.Paulo, que a Enel São Paulo teria deixado de investir R$ 602 milhões em sua
infraestrutura, conforme previsto no planejamento. O parecer técnico, de abril,
mostra que houve frustração de investimento nos anos de 2020, 2021 e 2022.
O documento, obtido
pelo jornal, demonstra que foram identificadas “irregularidades e
inconveniências que implicam em falhas no sistema, distúrbios na energia
elétrica distribuída e prejuízos aos consumidores”. Entre os pontos destacados,
estão a “necessidade de melhorias tecnológicas” e a “correção de não
conformidades e inconveniências constatadas”.
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Caducidade da concessão
A prefeitura de São
Paulo tenta, desde março deste ano, seguir com o processo de caducidade da
concessão da Enel para contratar outra empresa. O pedido foi feito à Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que pode recomendar o fim antecipado do
contrato, mas não encerrá-lo. A decisão final cabe ao Ministério de Minas e
Energia.
No documento
encaminhado à Aneel, a prefeitura destaca que a rescisão do contrato seria a
“única medida que se vislumbra capaz de garantir a continuidade de um serviço
público essencial à vida da maior cidade do país”. A mudança de concessionária
foi classificada como “urgente”, assim como a necessidade de correção do
processo de escolha da empresa, para evitar a repetição dos “mesmos erros”.
Fonte: Outras
Palavras/Brasil 247/Infomoney
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