Empresários do mercado imobiliário são
metade dos 50 maiores doadores das campanhas municipais
Entre os 50 maiores
doadores de campanhas nas eleições municipais de 2024 até o fim do primeiro
turno, 27 são empresários que possuem companhias no mercado imobiliário,
segundo um levantamento feito pela BBC News Brasil a partir de dados públicos.
O segundo setor que
mais apareceu na análise da reportagem foi o agronegócio, especialmente sócios
de empresas de criação de bovinos e de comércio de máquinas.
Os 50 maiores doadores
deram ao todo R$ 66,1 milhões para diferentes candidatos de todo o país. Os
valores dados a partidos e candidatos variaram de um mínimo de R$ 510 mil ao
máximo de R$ 18,5 milhões.
Todos eles fizeram as
contribuições a título pessoal, já que a legislação em vigor desde 2015 proibiu
doação empresarial. Pela lei atual, pessoas físicas podem doar até 10% do seu
rendimento bruto do ano anterior.
A análise da BBC News
Brasil revela, no entanto, um setor recorrente. Sócios de empresas que fazem
gestão e administração imobiliária, compra e venda de imóveis, aluguel de
imóveis e incorporação de empreendimentos imobiliários responderam por R$ 45,3
milhões — ou 68,6% do total de doações.
O levantamento, feito
a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), considerou os casos em
que esses doadores figuram como sócios diretos das empresas. Na análise, a BBC
News Brasil cruzou os CPFs (identificação pessoal) dos doadores com os CNPJs
(identificação empresarial) ligado a eles.
Depois, a reportagem
classificou a empresas dos doadores conforme as áreas de atuação descritas na
Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE). Em diversos casos, um
mesmo doador possui empreendimentos em mais de um setor.
Pela dificuldade de
rastreabilidade, o levantamento só considerou sócios, e não analisou doadores
que figuram como administradores ou diretores de empresas.
Para especialistas
consultados pela BBC News Brasil, ao doar para campanhas políticas os
empresários buscam abrir diálogo com o poder público, o que não é uma prática
ilegal.
Os analistas apontam,
no entanto, que deveria haver mais transparência na forma que os empresários
exercem influência sobre políticos, já que a atividade de lobby, ou o ato de
tentar convencer autoridades atender seus pleitos, ainda não é regulamentada no
país.
Procurada, a
assessoria da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) disse que não
comentaria o tema, já que a entidade representa as empresas do setor, e as
doações foram feitas por pessoas físicas.
A CBIC disse ainda que
"defende relações transparentes com o poder público, assim como o
cumprimento de todas as legislações vigentes".
Vários doadores
procurados pela reportagem não quiseram comentar, mas alguns nomes ouvidos pela
BBC News Brasil afirmaram que, com as doações, desejam ampliar a influência nos
debates que correm nas câmaras municipais e repercutem em seus negócios.
“É muito importante
que a gente tenha representantes lá que pensem como crescer o Rio de Janeiro e
o mercado imobiliário", afirmou à reportagem Rogerio Chor, dono da TGB
Imóveis, empresa do setor que doou meio milhão de reais a candidaturas cariocas.
• Doações são repassadas tanto à direita
como à esquerda
O maior valor da lista
de doações foi desembolsado pelo agrobilionário Rubens Ometto, dono e
presidente do conselho da Cosan, um conglomerado com negócios nas áreas de
açúcar, álcool, energia, lubrificantes, e logística.
Ometto também tem
empresas no setor, como a Aguassanta Desenvolvimento Imobiliários, que tem
capital social de R$ 491 milhões. Por meio da assessoria da Cosan, ele disse
que não comentaria sobre as doações.
Entre os maiores
doadores do setor imobiliário, estão os empresários Wilson de Almeida Júnior e
Eduardo Robson Raineri de Almeida, ambos sócios da construtora Pacaembu.
A empresa, que se
descreve como “a maior construtora de casas residenciais no Brasil”, atua
exclusivamente em projetos do Minha Casa Minha Vida em cidades do interior do
país.
Juntos, os dois doaram
R$ 2,4 milhões nestas eleições. Wilson, fundador da empresa, desembolsou R$ 1,5
milhão. Já Eduardo, que é presidente do Conselho de Administração da empresa,
R$ 935 mil.
O dinheiro foi
distribuído entre diretórios estaduais e municipais em cidades do Paraná, Mato
Grosso e São Paulo, locais onde a empresa atua ou planeja expandir seus
negócios. Wilson também doou ao diretório nacional do PSD e do PDT.
Em nota à BBC News
Brasil, a assessoria de imprensa afirmou que as doações realizadas pelos
acionistas da companhia são de caráter pessoal.
"A direção da
companhia não tem conhecimento dos critérios adotados pelos acionistas."
No levantamento dos
maiores doadores do mercado imobiliário, também se destaca o paulistano Antonio
Setin, dono da Setin Incorporadora.
Ele doou ao todo R$
1,2 milhão nestas eleições: R$ 1 milhão à direção nacional do PSD, de Gilberto
Kassab, e R$ 200 mil para patrocinar a reeleição de Ricardo Nunes (MDB),
apoiado por Kassab.
Setin também fez duas
doações menores para candidatos a vereadores, que somam R$ 15 mil — Adilson
Amadeu (União) e Ramalho da Construção (PSB) ficaram na suplência para a Câmara
de São Paulo.
Já o baiano Alcebiades
de Queiroz Barata Filho, diretor da Patrimonial Coqueiro Grande, empresa de
gestão e administração de propriedade imobiliária, e sócio da More Blue
Empreendimentos Imobiliários, doou R$ 2,15 milhões.
Barata Filho
distribuiu R$ 2,15 milhões entre 15 beneficiários de diferentes correntes
ideológicas.
Entre eles, Renato
Ogawa (PP), reeleito prefeito de Barcarena (PA) e que recebeu R$ 250 mil do
empresário; Igor Normando (MDB), que foi ao segundo turno em Belém e recebeu R$
200 mil; Andrei Silva (MDB), que também recebeu R$ 200 mil e eleito prefeito de
Juazeiro (BA); e R$ 100 mil a Luna Zaratinni, eleita vereadora mais votada do
PT em São Paulo.
A Setin disse BBC News
Brasil que não se pronunciaria sobre as doações. A assessoria da empresa, que
também responde pelo empresário, afirmou que não vai comentar o assunto. Barata
também Filho foi procurado pela reportagem, mas não respondeu até a publicação
desta reportagem.
• Influência na política das cidades
O carioca Rogério
Chor, fundador da empresa TGB Imóveis, que atua no mercado imobiliário com
compra, venda, aluguel e administração de imóveis, distribuiu R$ 590 mil nestas
eleições em doações diversas, entre elas, para a direção estadual do PSD no Rio
de Janeiro e o candidato Marcelo Queiroz (PP), que não foi eleito. Além disso,
ele patrocinou outras 13 candidaturas à Câmara Municipal do Rio.
À BBC News Brasil, ele
explicou que participa das eleições municipais porque a ligação da construção
civil é muito forte com os municípios.
Ele cita como exemplo
a aprovação do plano diretor, lei que regulamenta o desenvolvimento urbano da
cidade, e o projeto Reviver Centro, plano de recuperação urbanística da região
central do Rio, ambos aprovados na Câmara do Rio no último ano.
Os projetos
estabelecem regras para o uso e ocupação do solo, regras de zoneamento, e
incentivos para construção de moradias na região central.
“É muito importante
que a gente tenha representantes lá que pensem como crescer o Rio de Janeiro e
o mercado imobiliário", afirma Chor.
"Se você tem lá
vereadores que entendem o assunto, que querem incentivar o Rio, que querem
desenvolver e incentivar a construção, o negócio anda."
O empresário diz que o
objetivo das doações "é eleger uma Câmara de vereadores de boa
qualidade".
"Ajudamos quem
tem conhecimento, boa intenção e boa qualidade para aprovar os projetos que
sejam bons para a cidade”, diz.
“Muitos perguntam: o
que vocês ganham com isso? A gente não tem vantagens, quando você melhora
alguma coisa [para o setor], quem ganha é o dono do terreno, não a construção
civil. A gente não ganha nada.”
Nadia Somekh,
professora emérita da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Mackenzie e ex-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, diz
que as doações são uma maneira de exercer influência e que o peso do setor
imobiliário na política municipal é histórico.
“Principalmente a
partir do Plano Diretor de 1991, tivemos um diálogo muito importante com o
setor imobiliário, que sempre interferiu na legislação”, diz a pesquisadora.
“A doação abre um
diálogo com os representantes municipais. Eles compõem comissões de política
urbana, e isso, de certa forma, é legítimo. Mas a legislação tem cada vez mais
se voltado para o interesse do setor imobiliário, e não para o interesse
público”, critica.
Em suas pesquisas,
Somekh cunhou o termo "urbanismo corporativo" para descrever este
fenômeno, principalmente em São Paulo.
“O urbanismo tem se
concentrado em construir coisas novas para gerar lucro ao setor imobiliário.
Isso é legítimo, mas o que poderia ser feito para contrabalançar isso são as
audiências públicas, que hoje são simbólicas.”
• Top 3 é dominado pelo agro
Embora o mercado
imobiliário seja o setor mais presente, os três principais doadores de
campanhas deste ano são empresários que cresceram no agronegócio.
Rubens Ometto, o maior
doador deste ano, lidera o ranking pela quarta eleição consecutiva.
Neste ano, o
empresário de 74 anos dividiu o valor entre 199 beneficiários — candidatos a
prefeitos, vereadores em diversos municípios da região Sul a Nordeste do país,
além de diretórios municipais, estaduais e nacionais de diferentes partidos,
especialmente do centrão, como PSD e MDB.
O valor mais alto
doado pelo empresário da Cosan foi enviado a Fuad Noman (PSD), candidato à
reeleição em Belo Horizonte, para quem Ometto doou R$ 2 milhões.
Crítico do governo de
Lula Inácio Lula da Silva (PT), Ometto afirmou que o Palácio do Planalto adota
uma estratégia que “desrespeita” o espírito das leis aprovadas pelo Congresso.
“Do jeito que está,
com o governo querendo meter a mão, querendo taxar tudo, não dá”, declarou no
Fórum Anual do Grupo Esfera, em junho deste ano.
Depois de Ometto, a
lista é seguida por José Ricardo Rezek, de 72 anos, sócio do Grupo RZK, formado
na década de 1980 e com atividades da agropecuária à energia. O grupo tem um
braço no mercado imobiliário com a RZK Empreendimentos.
As doações de Rezek
somam R$ 4,9 milhões. Entre os 50 beneficiários de seus repasses, estão o
diretório nacional do MDB, a direção estadual do PSD em São Paulo e o diretório
municipal do PT em Araraquara.
A assessoria do
empresário afirmou que todas as doações políticas realizadas por ele foram
efetuadas "em conformidade com a legislação vigente, de forma transparente
e devidamente declarada".
Já Odílio Balbinotti
Filho, o terceiro da lista, doou R$ 3,8 milhões que ele distribuiu em
candidaturas no Mato Grosso, principalmente em Rondonópolis.
O empresário é filho
do ex-deputado federal Odílio Balbinotti. Filho preside o Grupo Atto, que
engloba diversas empresas da família que atuam no agronegócio, inclusive a Atto
Agrícola, responsável pela maior produção de sementes de soja do Brasil.
Procurado pela BBC
News Brasil, Balbinotti disse que não se pronunciaria sobre as doações.
• Do CNPJ para o CPF
No Brasil, o
financiamento empresarial de campanhas foi proibido em 2015, após o Supremo
Tribunal Federal considerar a prática inconstitucional.
Naquele momento, o
país ainda se recuperava do impacto do escândalo do mensalão, relembra Denise
Goulart, especialista em direito eleitoral e membro do Núcleo de Inteligência
da Justiça Eleitoral.
Ela destaca que, na
época, foram identificadas interferências empresariais ilícitas, como esquemas
de caixa dois em campanhas eleitorais, o que reforçou a decisão de proibir
essas doações.
“Mas somos um país de
memória muito curta. Passamos justamente a disciplinar a possibilidade de
financiamento empresarial para partidos políticos e campanhas eleitorais depois
do escândalo de PC Farias”, diz a especialista, em referência ao escândalo de 1992
que levou ao impeachment do ex-presidente Fernando Collor.
Com o fim do
financiamento empresarial na década passada, as doações privadas voltaram a ser
restritas.
As empresas foram
proibidas de doar para campanhas eleitorais e partidos políticos, enquanto as
doações de pessoas físicas passaram a ter um teto de 10% dos rendimentos do ano
anterior.
No entanto, Goulart
afirma que as empresas continuam a patrocinar candidatos por meio de seus
sócios.
“É uma ilusão achar
que as empresas deixariam de financiar imediatamente a política nacional”, diz.
Ela argumenta que o
financiamento empresarial ainda acontece de maneira indireta, embora na
legalidade, já que a pessoa física do dono não se confunde juridicamente com a
empresa.
Casos de financiamento
ilegal, como o uso de um esquema ilegal de contabilidade paralela, mais
conhecido como caixa dois, ou doações indiretas feitas por funcionários de uma
empresa, ainda são uma preocupação.
Goulart ressalta que é
preciso verificar se os recursos realmente vêm das pessoas físicas ou, na
verdade, da própria empresa.
“Quando muitos
funcionários de uma empresa fazem doações para o mesmo candidato, isso deveria,
no mínimo, levantar suspeitas”, observa.
Ela também alerta que
o fim do financiamento empresarial dificultou a rastreabilidade das doações, ou
seja, criou obstáculos para identificar se uma empresa específica está
financiando uma campanha, na prática, ou não.
Para Goulart, a falta
de transparência nesse processo pode criar um cenário no qual o financiamento
empresarial ainda existe, mas de forma mais opaca.
• Legalização do lobby
Marina Atoji, diretora
de projetos da Transparência Brasil, afirma não ser possível afirmar com total
certeza que as doações empresariais foram integralmente assumidas por
empresários.
Segundo ela, a
proibição do financiamento privado surgiu com a intenção de reduzir o caixa
dois. “Mas isso foi uma noção no mínimo muito inocente”, afirma, já que a
prática continua existindo, diz a especialista.
Atoji destaca que o
fim do financiamento empresarial diminuiu os conflitos de interesse e a
cooptação de candidaturas por empresários e empresas.
Mas isso não eliminou
esses problemas completamente, diz Atoji, e trouxe novos desafios, como o
aumento da demanda “insaciável” por recursos públicos para campanhas para
compensar supostas perdas com as restrições impostas.
Ela também aponta ser
um problema a falta de transparência no uso do fundo partidário, abastecido com
dinheiro público, especialmente na distribuição feita pelos partidos
internamente.
Segundo Atoji, o fim
do financiamento empresarial gerou uma diluição da conexão entre candidatos e
setores específicos da economia, mas ainda resta a dúvida se o problema foi
resolvido ou apenas mitigado.
O procurador de
Justiça de São Paulo, Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito
Corrupção, concorda que as doações empresariais continuam, mas de forma
“disfarçada”.
Ele argumenta que a
proibição de doações via CNPJ, enquanto se permite o uso de CPF, cria a
impressão de bloqueio, mas, na prática, as doações podem ser pulverizadas entre
várias pessoas.
Para Livianu, uma
solução seria a regulamentação do lobby no Brasil, o que traria mais
transparência nas relações entre empresas e políticos.
“A solução passa por
um sistema de financiamento mais equilibrado, com regras claras e fiscalização
efetiva”, afirma o procurador.
Atoji também apoia a
regulamentação do lobby, mas ressalta ser fundamental uma implementação clara
destas regras como, por exemplo, classificar quem pode representar interesses e
quais os limites.
Ela menciona que o
decreto que regulamenta a Lei de Conflito de Interesses exige a publicação da
agenda de autoridades, mas a implementação ainda é falha, o que prejudica a
transparência.
Para Atoji, a
regulamentação do lobby traria mais clareza e igualdade nas relações com o
poder público.
“Se um grande doador
de campanha se encontrou várias vezes com um político antes da aprovação de
algo que o beneficia diretamente, isso precisa ser rastreável. A doação em si
nem seria o problema, mas é importante conseguir mapear o que acontece depois.”
Fonte: BBC News Brasil
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