5 lições dos países campeões no ensino da
matemática
O que os países que se
saem melhor no ensino da matemática têm a ensinar ao Brasil?
Um estudo americano,
chamado Pensando a matemática de modo diferente (em tradução livre), traz
pistas sobre projetos bem-sucedidos no ensino de uma disciplina que ainda
enfrenta resistência e dificuldades de muitos estudantes.
O estudo usa como
referência a edição mais recente do exame internacional Pisa, realizado pela
Organização para a Cooperação em Desenvolvimento Econômico (OCDE) com alunos de
15 anos em mais ou menos 80 países e territórios.
O Pisa é considerado a
principal ferramenta para comparar o desempenho dos países na educação.
Os países e regiões
mais bem colocados no ensino da matemática atualmente são Cingapura, Macau e
Taipei, na China, Hong Kong, Japão, Coreia do Sul, Estônia, Suíça e Canadá.
Já a pontuação dos
alunos do Brasil ficou em 65° lugar, abaixo da média da OCDE. Até mesmo o
estrato de alunos 25% mais ricos do Brasil ficou abaixo desta média.
Outra avaliação mais
recente, a do Ideb, apontou que os alunos brasileiros, em média, concluem o
ensino médio sem conhecimento suficiente para calcular porcentagens ou resolver
problemas matemáticos.
O bom ensino da
matemática é considerado crucial no mundo moderno.
"Ao longo da
vida, um jovem terá que atualizar, ampliar e direcionar suas habilidades
profissionais múltiplas vezes, e há certos conjuntos de habilidades que terão
um poder permanente nisso. A matemática certamente é uma dessas
habilidades", diz Vicky Philips, executiva-chefe do NCEE, Centro Nacional
de Educação e Economia (NCEE), dos Estados Unidos.
O NCEE é responsável
pelo estudo destrinchando a educação nos países mais bem-colocados no Pisa. Em
entrevista com a BBC News Brasil, Vicky Philips e Tracey Burns, porta-vozes da
organização, destacam cinco características de países bem-sucedidos no ensino
da matemática.
Confira a seguir,
junto a uma análise de o que o Brasil pode aprender com elas:
<><> 1-
Foco em cálculo, estatísticas e probabilidades
O domínio pleno da
capacidade de calcular é uma das principais prioridades nos países campeões do
ensino da matemática. E muitos deles ensinam conceitos relacionados a cálculo,
estatística e probabilidade cada vez mais cedo, logo nas primeiras séries.
O currículo dos alunos
coreanos, por exemplo, tem sido atualizado com frequência para incluir aulas
como modelagem estatística e matemática voltada a profissões.
Na província canadense
de Ontário, um novo currículo de matemática agregou educação financeira, uso de
dados e infográficos.
No Canadá, o currículo
oficial prevê incorporar alguns conceitos a brincadeiras e a questões da vida
real.
Isso varia conforme a
idade, mas inclui desde brincar com a régua pra medir distâncias até ajudar as
crianças a criar um orçamento prevendo quanto dinheiro elas têm que economizar
pra comprar um livro ou videogame, por exemplo.
"Na verdade, se
você perguntar a um aluno da pré-escola (de Ontário): ‘você teve aula de
matemática hoje?’, ele provavelmente dirá não, porque ele estava simplesmente
brincando com água ou com volumes", explica Tracey Burns, chefe de
pesquisas do NCEE.
"É parte da
brincadeira, mas uma parte muito intencional, para reforçar essas habilidades e
romper parte da resistência que as pessoas têm perante a Matemática com M
maiúsculo".
<><> 2 -
Matemática permeia outras disciplinas
Além disso, o ensino
da matemática não está limitado à aula de matemática em si, mas sim permeia
todo o currículo.
A Estônia criou
projetos para integrar a matemática a outras aulas, com estratégias detalhadas
para serem usadas por cada professor.
Nas aulas de
linguagem, por exemplo, os alunos têm de transformar gráficos e tabelas em
texto.
Nas aulas de música,
eles aprendem a representar a duração de notas musicais.
E nas aulas de
educação física, eles aprendem a comparar desempenhos esportivos.
Na Finlândia, outro
país que tradicionalmente se destaca na educação, alunos de 11 anos foram
convidados a projetar uma mini-cidade, escolher suas profissões e agir como
consumidores e cidadãos no projeto.
São estratégias que,
na visão das especialistas do NCEE, ajudam a dar sentido pra matemática e
diminuir a rejeição e a ansiedade dos alunos diante de números e fórmulas.
"Quando
integramos (a matemática) a outras disciplinas, e não vemos a matemática apenas
sob a ótica do professor de matemática, e temos alunos aprendendo a matemática
tanto no ambiente formal escolar, quanto em oportunidades informais, tudo isso
contribui para que as crianças vejam a matemática como envolvente, interessante
e relevante", avalia Vicky Philips.
<><> 3 -
Em alguns países, aulas curtas e mais intervalos
Uma lição talvez
contraintuitiva de alguns dos países campeões da matemática é de que as aulas
são relativamente curtas e têm vários intervalos.
Na Estônia e em
regiões da China, por exemplo, aulas de matemática e outras disciplinas têm
entre 40 e 45 minutos, com intervalos de 10 a 15 minutos depois de cada aula.
Pra efeito de
comparação, as horas-aula no Brasil costumam ter entre 40 a 60 minutos.
O objetivo das aulas
mais curtas, segundo Tracey Burns, vem da percepção de que a capacidade de
atenção dos alunos é limitada.
"Isso é conectado
ao entendimento do desenvolvimento infantil e, especificamente para crianças
pequenas, sua capacidade de atenção - e como aprender se você está ansioso,
inquieto, com fome? É fundamental reconhecer que seres humanos têm uma capacidade
finita de atenção e, se você está cansado, não aprende tão bem quanto quando
não está", diz ela.
"Não é algo
uniforme, e alguns países ainda têm aulas bem longas", aponta Burns.
"Uma mistura de aulas longas com curtas costuma ser a opção preferida de
muitos sistemas. (Mas) uma das coisas que nossas análises mostram é que é algo
muito intencional."
<><> 4 -
Professores supercapacitados em profissão concorrida
Um ponto essencial dos
países com os melhores sistemas de ensino do mundo é a valorização dos
professores.
O exemplo mais
conhecido disso é Cingapura, onde o professor ocupa uma posição socialmente
conceituada e é bem remunerado. Por isso, passa por processos seletivos
rígidos.
“Em Cingapura,
candidatos à licenciatura precisam ter um bom histórico acadêmico e são
avaliados até em atributos pessoais, como a paixão por ensinar", diz o
relatório do NCEE.
"Professores de
matemática dos ensinos fundamental e médio têm dois bacharelados, em ciências
da matemática e em pensamento computacional e educação”
Além disso, os
professores de Cingapura e de outros países campeões da matemática são apoiados
por amplos programas de capacitação e mentoria - e também por currículos bem
alinhavados e objetivos claros, segundo o NCEE.
"Eles [países]
também oferecem materiais instrutivos de alta qualidade a professores",
aponta Vicky Philips.
"Para mim, a
mágica do aprendizado ainda depende da relação entre professores e alunos. E
empoderar essa relação e elo por meio de bons materiais, garantir que ambos
tenham oportunidades de aprender o que necessitam para continuar a ir bem
dentro da sala de aula — tudo isso é crucial."
<><> 5 -
Uso da tecnologia e personalização do ensino
O uso de smartphones e
tablets na escola costuma gerar debates: como incorporar plataformas que
ganharam tanto protagonismo no ensino durante a pandemia de covid-19, mas sem
deixar que os alunos se distraiam ou fiquem nas redes sociais?
Cingapura impõe
restrições ao uso de celulares em sala de aula, mas, ao mesmo tempo, o
Ministério da Educação lançou uma plataforma digital de ensino para ajudar os
alunos a criar modelos e fazer exercícios matemáticos.
Na Estônia, a
programação virou uma disciplina obrigatória. E desde cedo os alunos aprendem a
analisar dados e padrões para a resolução de problemas.
"Acho que a
matemática é uma das áreas com o maior histórico com tecnologia para a
educação", afirma Tracey Burns.
"Está muito claro
que (a tecnologia) ajuda no aprendizado de regras básicas e para ajudar as
pessoas a estudar no próprio ritmo. Você pode usar vídeos, pode usar realidade
virtual, fazer todo tipo de coisa com a tecnologia, que realmente colocam o estudante
em um lugar diferente e criam a oportunidade de galvanizar o poder do digital
para repensar a experiência de aprendizado."
• E o Brasil?
Não é simples importar
lições de educação de lugares com realidades tão distintas da brasileira.
Alguns desses países
campeões de matemática, por exemplo, têm uma tradição de ensino muito mais
rigoroso, ou convivem com muito menos desigualdade social e econômica do que
nós.
Mas algumas soluções
podem servir de inspiração.
Anna Helena
Altenfelder, da organização de educação Cenpec, acha que o Brasil já tem boas
referências de ensino na Base Nacional Comum Curricular (BNCC, documento
oficial implementado a partir de 2018 no ensino fundamental, que serve de
diretriz obrigatória para os currículos escolares públicos e privados no
Brasil).
O problema, segundo
Altenfelder, é a forma desigual como isso é colocado em prática no país, a
dificuldade em monitorar o dia a dia do aprendizado e de dar flexibilidade para
esse cronograma, de acordo com as necessidades de cada turma.
E, algo muito
importante: a especialista ressalta que faltam condições de trabalho e formação
adequada para os professores, já que muitos deles se formaram em cursos à
distância considerados precários e insuficientes.
"Eu diria que nós
temos o currículo — temos a base, novinha. O grande desafio é que condições
existem, que nós temos para [implementá-la] no chão da escola", afirma
Altenfelder.
"A gente não pode
esquecer quando a gente pensa no Brasil, a formação inicial [dos professores] é
muito difícil. Acredito que, em nenhum desses países (com ensino de altíssimo
nível), quase 80% dos professores sejam formados à distância como acontece
aqui."
Fonte: BBC News Brasil
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