segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Roberto Amaral: Eleições municipais - anatomia de uma queda

O processo eleitoral não deve ser encarado como fenômeno político isolado: como todo fato social, tem causas e, por seu turno, gera consequências.

Cada eleição é única, assevera o Conselheiro Acácio de plantão, e as dinâmicas locais e nacional são distintas entre si; mas é certo que o controle de prefeituras e câmaras municipais pela direita, em todos os seus matizes, dos hidrófobos em ascensão aos fisiológicos de sempre, produzirá efeitos que se farão sentir nas eleições presidenciais de 2026, cada vez mais próximas. E na eleição do próximo Congresso.

É desnecessário pôr de manifesto o cenário do recesso ideológico-político da esquerda brasileira, de que decorre, de modo natural e inequívoco, o desastre eleitoral.

Mas cabe delinear o quadro da clamorosa derrota deste ano: recuo no Nordeste (destacando-se a derrota contundente em Salvador, por W.O.); em Minas Gerais (destacando-se o desastre em Belo Horizonte); e consolidação da direita nos três estados do Sul.

Desastre eleitoral no ABC paulista e nas grandes concentrações eleitorais do interior de SP, como Campinas e Araraquara.

Na capital paulista, onde obtivemos nosso mais importante desempenho (o segundo turno com Guilherme Boulos) — maior cidade da América do Sul, maior concentração industrial, cultural e tecnológica, onde Lula venceu em 2022 — nada menos do que 60% do eleitorado votaram com as duas facções da extrema-direita.

Há dados positivos a celebrar, como o avanço da representação indígena e quilombola, e o fato de o MST haver logrado, de forma inédita, eleger 133 candidaturas à vereança e ao executivo municipal, sobretudo no interior do Brasil profundo, distribuídas por 19 estados. Mas esses avanços alvissareiros não alteram o quadro geral.

Os números eleitorais de 6 de outubro são ponto de referência para uma tentativa de investigação das transformações político-ideológicas que se operam em nosso país; verdadeiros movimentos tectônicos muitas vezes despercebidos na superfície, o que induz o espectador desatento a confundir as aparências com a essência dos fenômenos.

Exemplar da incapacidade de os sismógrafos sociais registrarem essas mudanças foi a incapacidade dos ditos quadros políticos de compreender o significado dos movimentos de contestação popular – as chamadas “jornadas de junho” de 2013 – que tomaram as principais cidades do país, anunciando as raízes de um fenômeno que nos recusávamos a reconhecer.

Os números deste pleito, para além de indicador de um pronunciamento eleitoral, devem ser colhidos como corpo de análise do recente e rápido e profundo processo social e político brasileiro.

A essência (de fácil identificação) é essa: o país marcha para a direita, e não é de hoje. O exercício é procurar explicações, e, a partir delas, engendrar o enfrentamento.

Como não estamos em face do acaso, nem muito menos da ingerência dos deuses do Olimpo, precisamos identificar como as forças populares estão se desenvolvendo entre nós, para, a partir daí, podermos (porque devemos) rever estratégia e tática e, portanto, nosso discurso.

O ponto de partida é que a crise é nossa. E um indicador, trágico, inquietante, é o fato de a capacidade de mobilização popular da direita superar a da esquerda, e avançar, nas pegadas do recesso de nossa militância, na organização popular nas periferias, junto a trabalhadores e aos deserdados do capitalismo.

Nada obstante a crise do capitalismo financeiro-monopolista, em guerra, que em breve nos atingirá a todos, e os impactos do avanço tecnológico nas relações de produção, as teses socialistas vêm, gradativamente, perdendo espaço junto às grandes massas.

A direita protofascista conseguiu, nessas últimas eleições, o prodígio de, em pleno século XXI, ressuscitar o anticomunismo, e a Faria Lima elegeu o pleno emprego como ameaça ao “equilíbrio fiscal”, o mantra dos economistas a serviço da especulação financeira. O cantochão da velha imprensa.

Não foi por falta de avisos que tropeçamos no abismo.

Repetindo a incompetência de 2013, continuamos, nos anos seguintes, nos negando a reconhecer as transformações político-ideológicas que caminhavam na contramão de nossas propostas.

Nos recusamos a ver em 2014 o significado das gritantes dificuldades da reeleição de Dilma Rousseff, ameaçada pelo avanço de uma candidatura e uma campanha de direita, já indicando os novos rumos da socialdemocracia.

A tese: Dilma foi deposta não exatamente por não haver conseguido amealhar 247 votos no Congresso, mas porque, nas ruas, não encontramos apoio popular para alterar a correlação de forças congressual adversa.

A eleição de Jair Bolsonaro, seu governo predador e a difícil campanha de 2022 são desdobramentos naturais desse refluxo.

Resistimos a reconhecer esses fatos e resistimos a procurar entendê-los. Demos o desastre como favas contadas, e assim, de uma forma ou de outra, terminamos por facilitar a progressão da direita hidrófoba.

Apressadamente festejamos a dificílima derrota da proposta protofascista em 2022 como uma vitória da esquerda.

Reação de último fôlego da democracia, a contenção do golpe continuado decorreu da derradeira carta na manga, a oportuna composição da centro-esquerda, liderada por Lula, com setores da direita, com forças políticas conservadoras e liberais – sempre adversárias da esquerda, mas que, naquele ensejo, temiam a proposta exacerbadamente autoritária e destrutiva.

Os números justificariam  a angústia vivida e homologam a composição da frente-ampla, mas não forneceram a Lula senha para salvar-se do labirinto em que se encontra atrapado.

O espelho do Brasil real fez-se representar no atual Congresso, eleito naquelas mesmas eleições, o mais reacionário de quantos se contam na República.

O resto é história sabida, com a emergência da ditadura parlamentar do Centrão, liderado pelo jagunço de Alagoas.

O resultado das eleições de 2022, não sendo nem um ponto de partida nem de chegada, é, porém, o indicador do que poderão ser as eleições de 2026, considerando:

a) o quanto nelas estão investindo as direitas (a direita negocista e a direita troglodita), aguerridas, agressivas, organizadas, e temo dizer, competentes, pois armadas de objetivo claro e catalizador, qual seja, a tomada do poder, como possível, pela via eleitoral (como em 2018) ou pelo golpe de mão, como a frustrada intentona de janeiro de 2023; e

b) quanto têm recuado nossas esquerdas, seja do ponto de vista ideológico, seja do ponto de vista da organização, seja do ponto de vista estratégico.

O ponto crucial é sempre o desvio ideológico.

Paralisado, condicionado pela maioria reacionária do Congresso, nosso governo, quando não recua, é obrigado a não avançar, e assim transita da centro-esquerda (proposta da campanha eleitoral) para o centro, frustrando as massas que dele ainda esperam as mudanças prometidas, hoje tornadas inviáveis em face da correlação de forças de que depende para simplesmente sobreviver.

E que, aparentemente conformado, não busca alterar.

O quadro pode piorar?

Por sem dúvida que pode, se não houver a revisão programática das esquerdas e do governo.

O governo Lula, olhando de frente e com coragem a realidade fática, precisa ser um novo governo, amparado em um programa reconhecível pelo país, corajosamente mudancista, refazendo práticas, projetos e composição em função de novas práticas e projetos.

E, sem poder abrir mão das negociações, decidir-se (é bom lembrar-se que já está no encerramento do segundo ano de seu mandato) a dialogar com o povo, que em grande medida ainda acredita nele.

A tarefa é árdua, pois se trata de trocar os pneus com o caminhão andando. O tempo alimenta a angústia. A habilidade, e mesmo a manha, continuam necessárias, mas deixaram de ser suficientes, pois as novas circunstâncias exigem também decisão e coragem para mudar.

A tarefa é dos partidos, mas não apenas deles, pois a esquerda está comprometida com os destinos do governo que ajudou a eleger e tenta sustentar.

Os fatos exigem, dos partidos e do governo, dos sindicatos e da militância, um sistemático trabalho de educação política, de sorte a fazer frente à permanente lavagem cerebral a que são diuturna e sistematicamente submetidas as grandes massas, indefesas em face da grande mídia, aparelho ideológico da classe dominante, tanto quanto as redes sociais e a ação politizada e partidarizada de seitas religiosas postas a serviço do atraso.

 

•        Segundo turno em São Paulo poderá ser prenúncio de duelo entre Lula e Tarcísio. Por Pedro do Coutto

Na cidade de São Paulo, de acordo com o levantamento do Datafolha divulgado nesta semana, o quadro favorece amplamente Ricardo Nunes que atinge 55% de preferências dos votos contra 33% de Guilherme Boulos. A situação parece definida, embora faltem duas semanas para as eleições.

O 2º turno das eleições em São Paulo vai marcar o primeiro embate direto do presidente Lula com o governador paulista Tarcísio de Freitas, ambos cotados como possíveis candidatos à Presidência em 2026. Nunes tem o apoio do chefe do Executivo estadual. Boulos, do petista.

A disputa antevê um possível, ainda que incerto, duelo em dois anos. Tarcísio é o principal cabo eleitoral de Nunes, enquanto Lula tem o mesmo papel para Boulos. Como o ex-presidente Jair Bolsonaro está inelegível, Tarcísio é o nome mais citado para concorrer com o seu apoio.

A vitória de Boulos é considerada pelo presidente a maior prioridade eleitoral deste ano. No fim de agosto, Lula foi a dois comícios ao lado do psolista em São Paulo. Também participou de propagandas eleitorais do candidato. Fez ainda uma caminhada na Avenida Paulista na véspera do 1º turno.

DIVISÃO

Importante destacar uma divisão interessante no espectro político nesta eleição. No campo da esquerda, observa-se uma parcela significativa de eleitores de Lula que não apoiaram Boulos. Já na direita, o movimento do ex-presidente Jair Bolsonaro em direção ao centro e a partidos mais institucionalizados deixou uma parcela de eleitores órfãos, suscetíveis a novos nomes da direita, como foi o caso de Ricardo Nunes. Esta dinâmica revela limites tanto para Lula quanto para Bolsonaro.

Dessa forma é possível ver limites do presidente Lula muito claramente, mas também limites de Bolsonaro, o que dá uma abertura de espaço para a discussão de novas possibilidades políticas. Esse cenário de fragmentação e realinhamento político abre espaço para novas discussões sobre o futuro da política brasileira, indicando que o eleitorado está se tornando mais complexo e menos previsível em suas escolhas eleitorais.

•        Triunfo eleitoral rendeu a Tarcísio a crise de ciúmes do clã Bolsonaro

A entrevista de Carlos Bolsonaro ao UOL exala um aroma de ciúmes. Num instante em que Tarcísio de Freitas molha a camisa por Ricardo Nunes, Carluxo decidiu insultar o eleitorado. Fez isso ao sustentar que os votos que levaram Nunes para o segundo turno vieram do seu pai, não do governador paulista. “Até porque”, disse Carluxo, “se meu pai apontasse e falasse: ‘ninguém escuta Tarcísio’, o Tarcísio não ia ter poder.”

A conclusão do filho do capitão é insultuosa porque acomoda o dono do voto no papel de gado, submetido a um coronelismo démodé. Quem manteve Ricardo Nunes na disputa, por pequena margem, não foi Bolsonaro nem Tarcísio. O prefeito deve a sobrevivência eleitoral ao eleitor. Os votos amealhados por Bolsonaro em 2022 perambularam livremente. Muitos caíram na arapuca de Pablo Marçal.

Quando tudo parecia perdido, Bolsonaro aconselhou Tarcísio a abandonar Nunes à própria sorte, sob pena de enterrar sua carreira política. O governador fez o oposto. Com a ralação dos atos de campanha e a pregação do voto útil, recuperou parte do eleitorado conservador cooptado por Marçal. A covardia de Bolsonaro foi tão escancarada que até Silas Malafaia notou. “Que porcaria de líder é esse?”, perguntou o pastor.

Além do zigue-zague de Bolsonaro, Tarcísio terá que aturar a crise de ciúme juvenil de Bolsonaro e dos seus filhos. De todas as enfermidades que intoxicam a política, o ciúme é a única que não tem remédio.

No caso de Bolsonaro, a coisa é mais grave, porque ele não conseguiu desenvolver nada que se pareça como amor-próprio. Num instante em que a direita discute alternativas para 2025, Bolsonaro desconfia até da imagem refletida no espelho.

 

Fonte: Viomundo/Tribuna da Internet/UOL

 

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