Roberto Amaral: Eleições municipais -
anatomia de uma queda
O processo eleitoral
não deve ser encarado como fenômeno político isolado: como todo fato social,
tem causas e, por seu turno, gera consequências.
Cada eleição é única,
assevera o Conselheiro Acácio de plantão, e as dinâmicas locais e nacional são
distintas entre si; mas é certo que o controle de prefeituras e câmaras
municipais pela direita, em todos os seus matizes, dos hidrófobos em ascensão
aos fisiológicos de sempre, produzirá efeitos que se farão sentir nas eleições
presidenciais de 2026, cada vez mais próximas. E na eleição do próximo
Congresso.
É desnecessário pôr de
manifesto o cenário do recesso ideológico-político da esquerda brasileira, de
que decorre, de modo natural e inequívoco, o desastre eleitoral.
Mas cabe delinear o
quadro da clamorosa derrota deste ano: recuo no Nordeste (destacando-se a
derrota contundente em Salvador, por W.O.); em Minas Gerais (destacando-se o
desastre em Belo Horizonte); e consolidação da direita nos três estados do Sul.
Desastre eleitoral no
ABC paulista e nas grandes concentrações eleitorais do interior de SP, como
Campinas e Araraquara.
Na capital paulista,
onde obtivemos nosso mais importante desempenho (o segundo turno com Guilherme
Boulos) — maior cidade da América do Sul, maior concentração industrial,
cultural e tecnológica, onde Lula venceu em 2022 — nada menos do que 60% do
eleitorado votaram com as duas facções da extrema-direita.
Há dados positivos a
celebrar, como o avanço da representação indígena e quilombola, e o fato de o
MST haver logrado, de forma inédita, eleger 133 candidaturas à vereança e ao
executivo municipal, sobretudo no interior do Brasil profundo, distribuídas por
19 estados. Mas esses avanços alvissareiros não alteram o quadro geral.
Os números eleitorais
de 6 de outubro são ponto de referência para uma tentativa de investigação das
transformações político-ideológicas que se operam em nosso país; verdadeiros
movimentos tectônicos muitas vezes despercebidos na superfície, o que induz o
espectador desatento a confundir as aparências com a essência dos fenômenos.
Exemplar da
incapacidade de os sismógrafos sociais registrarem essas mudanças foi a
incapacidade dos ditos quadros políticos de compreender o significado dos
movimentos de contestação popular – as chamadas “jornadas de junho” de 2013 –
que tomaram as principais cidades do país, anunciando as raízes de um fenômeno
que nos recusávamos a reconhecer.
Os números deste
pleito, para além de indicador de um pronunciamento eleitoral, devem ser
colhidos como corpo de análise do recente e rápido e profundo processo social e
político brasileiro.
A essência (de fácil
identificação) é essa: o país marcha para a direita, e não é de hoje. O
exercício é procurar explicações, e, a partir delas, engendrar o enfrentamento.
Como não estamos em
face do acaso, nem muito menos da ingerência dos deuses do Olimpo, precisamos
identificar como as forças populares estão se desenvolvendo entre nós, para, a
partir daí, podermos (porque devemos) rever estratégia e tática e, portanto, nosso
discurso.
O ponto de partida é
que a crise é nossa. E um indicador, trágico, inquietante, é o fato de a
capacidade de mobilização popular da direita superar a da esquerda, e avançar,
nas pegadas do recesso de nossa militância, na organização popular nas
periferias, junto a trabalhadores e aos deserdados do capitalismo.
Nada obstante a crise
do capitalismo financeiro-monopolista, em guerra, que em breve nos atingirá a
todos, e os impactos do avanço tecnológico nas relações de produção, as teses
socialistas vêm, gradativamente, perdendo espaço junto às grandes massas.
A direita
protofascista conseguiu, nessas últimas eleições, o prodígio de, em pleno
século XXI, ressuscitar o anticomunismo, e a Faria Lima elegeu o pleno emprego
como ameaça ao “equilíbrio fiscal”, o mantra dos economistas a serviço da
especulação financeira. O cantochão da velha imprensa.
Não foi por falta de
avisos que tropeçamos no abismo.
Repetindo a
incompetência de 2013, continuamos, nos anos seguintes, nos negando a
reconhecer as transformações político-ideológicas que caminhavam na contramão
de nossas propostas.
Nos recusamos a ver em
2014 o significado das gritantes dificuldades da reeleição de Dilma Rousseff,
ameaçada pelo avanço de uma candidatura e uma campanha de direita, já indicando
os novos rumos da socialdemocracia.
A tese: Dilma foi
deposta não exatamente por não haver conseguido amealhar 247 votos no
Congresso, mas porque, nas ruas, não encontramos apoio popular para alterar a
correlação de forças congressual adversa.
A eleição de Jair
Bolsonaro, seu governo predador e a difícil campanha de 2022 são desdobramentos
naturais desse refluxo.
Resistimos a
reconhecer esses fatos e resistimos a procurar entendê-los. Demos o desastre
como favas contadas, e assim, de uma forma ou de outra, terminamos por
facilitar a progressão da direita hidrófoba.
Apressadamente
festejamos a dificílima derrota da proposta protofascista em 2022 como uma
vitória da esquerda.
Reação de último
fôlego da democracia, a contenção do golpe continuado decorreu da derradeira
carta na manga, a oportuna composição da centro-esquerda, liderada por Lula,
com setores da direita, com forças políticas conservadoras e liberais – sempre
adversárias da esquerda, mas que, naquele ensejo, temiam a proposta
exacerbadamente autoritária e destrutiva.
Os números
justificariam a angústia vivida e
homologam a composição da frente-ampla, mas não forneceram a Lula senha para
salvar-se do labirinto em que se encontra atrapado.
O espelho do Brasil
real fez-se representar no atual Congresso, eleito naquelas mesmas eleições, o
mais reacionário de quantos se contam na República.
O resto é história
sabida, com a emergência da ditadura parlamentar do Centrão, liderado pelo
jagunço de Alagoas.
O resultado das
eleições de 2022, não sendo nem um ponto de partida nem de chegada, é, porém, o
indicador do que poderão ser as eleições de 2026, considerando:
a) o quanto nelas
estão investindo as direitas (a direita negocista e a direita troglodita),
aguerridas, agressivas, organizadas, e temo dizer, competentes, pois armadas de
objetivo claro e catalizador, qual seja, a tomada do poder, como possível, pela
via eleitoral (como em 2018) ou pelo golpe de mão, como a frustrada intentona
de janeiro de 2023; e
b) quanto têm recuado
nossas esquerdas, seja do ponto de vista ideológico, seja do ponto de vista da
organização, seja do ponto de vista estratégico.
O ponto crucial é
sempre o desvio ideológico.
Paralisado,
condicionado pela maioria reacionária do Congresso, nosso governo, quando não
recua, é obrigado a não avançar, e assim transita da centro-esquerda (proposta
da campanha eleitoral) para o centro, frustrando as massas que dele ainda
esperam as mudanças prometidas, hoje tornadas inviáveis em face da correlação
de forças de que depende para simplesmente sobreviver.
E que, aparentemente
conformado, não busca alterar.
O quadro pode piorar?
Por sem dúvida que
pode, se não houver a revisão programática das esquerdas e do governo.
O governo Lula,
olhando de frente e com coragem a realidade fática, precisa ser um novo
governo, amparado em um programa reconhecível pelo país, corajosamente
mudancista, refazendo práticas, projetos e composição em função de novas
práticas e projetos.
E, sem poder abrir mão
das negociações, decidir-se (é bom lembrar-se que já está no encerramento do
segundo ano de seu mandato) a dialogar com o povo, que em grande medida ainda
acredita nele.
A tarefa é árdua, pois
se trata de trocar os pneus com o caminhão andando. O tempo alimenta a
angústia. A habilidade, e mesmo a manha, continuam necessárias, mas deixaram de
ser suficientes, pois as novas circunstâncias exigem também decisão e coragem
para mudar.
A tarefa é dos
partidos, mas não apenas deles, pois a esquerda está comprometida com os
destinos do governo que ajudou a eleger e tenta sustentar.
Os fatos exigem, dos
partidos e do governo, dos sindicatos e da militância, um sistemático trabalho
de educação política, de sorte a fazer frente à permanente lavagem cerebral a
que são diuturna e sistematicamente submetidas as grandes massas, indefesas em
face da grande mídia, aparelho ideológico da classe dominante, tanto quanto as
redes sociais e a ação politizada e partidarizada de seitas religiosas postas a
serviço do atraso.
• Segundo turno em São Paulo poderá ser
prenúncio de duelo entre Lula e Tarcísio. Por Pedro do Coutto
Na cidade de São
Paulo, de acordo com o levantamento do Datafolha divulgado nesta semana, o
quadro favorece amplamente Ricardo Nunes que atinge 55% de preferências dos
votos contra 33% de Guilherme Boulos. A situação parece definida, embora faltem
duas semanas para as eleições.
O 2º turno das
eleições em São Paulo vai marcar o primeiro embate direto do presidente Lula
com o governador paulista Tarcísio de Freitas, ambos cotados como possíveis
candidatos à Presidência em 2026. Nunes tem o apoio do chefe do Executivo
estadual. Boulos, do petista.
A disputa antevê um
possível, ainda que incerto, duelo em dois anos. Tarcísio é o principal cabo
eleitoral de Nunes, enquanto Lula tem o mesmo papel para Boulos. Como o
ex-presidente Jair Bolsonaro está inelegível, Tarcísio é o nome mais citado
para concorrer com o seu apoio.
A vitória de Boulos é
considerada pelo presidente a maior prioridade eleitoral deste ano. No fim de
agosto, Lula foi a dois comícios ao lado do psolista em São Paulo. Também
participou de propagandas eleitorais do candidato. Fez ainda uma caminhada na
Avenida Paulista na véspera do 1º turno.
DIVISÃO
Importante destacar
uma divisão interessante no espectro político nesta eleição. No campo da
esquerda, observa-se uma parcela significativa de eleitores de Lula que não
apoiaram Boulos. Já na direita, o movimento do ex-presidente Jair Bolsonaro em
direção ao centro e a partidos mais institucionalizados deixou uma parcela de
eleitores órfãos, suscetíveis a novos nomes da direita, como foi o caso de
Ricardo Nunes. Esta dinâmica revela limites tanto para Lula quanto para
Bolsonaro.
Dessa forma é possível
ver limites do presidente Lula muito claramente, mas também limites de
Bolsonaro, o que dá uma abertura de espaço para a discussão de novas
possibilidades políticas. Esse cenário de fragmentação e realinhamento político
abre espaço para novas discussões sobre o futuro da política brasileira,
indicando que o eleitorado está se tornando mais complexo e menos previsível em
suas escolhas eleitorais.
• Triunfo eleitoral rendeu a Tarcísio a
crise de ciúmes do clã Bolsonaro
A entrevista de Carlos
Bolsonaro ao UOL exala um aroma de ciúmes. Num instante em que Tarcísio de
Freitas molha a camisa por Ricardo Nunes, Carluxo decidiu insultar o
eleitorado. Fez isso ao sustentar que os votos que levaram Nunes para o segundo
turno vieram do seu pai, não do governador paulista. “Até porque”, disse
Carluxo, “se meu pai apontasse e falasse: ‘ninguém escuta Tarcísio’, o Tarcísio
não ia ter poder.”
A conclusão do filho
do capitão é insultuosa porque acomoda o dono do voto no papel de gado,
submetido a um coronelismo démodé. Quem manteve Ricardo Nunes na disputa, por
pequena margem, não foi Bolsonaro nem Tarcísio. O prefeito deve a sobrevivência
eleitoral ao eleitor. Os votos amealhados por Bolsonaro em 2022 perambularam
livremente. Muitos caíram na arapuca de Pablo Marçal.
Quando tudo parecia
perdido, Bolsonaro aconselhou Tarcísio a abandonar Nunes à própria sorte, sob
pena de enterrar sua carreira política. O governador fez o oposto. Com a
ralação dos atos de campanha e a pregação do voto útil, recuperou parte do
eleitorado conservador cooptado por Marçal. A covardia de Bolsonaro foi tão
escancarada que até Silas Malafaia notou. “Que porcaria de líder é esse?”,
perguntou o pastor.
Além do zigue-zague de
Bolsonaro, Tarcísio terá que aturar a crise de ciúme juvenil de Bolsonaro e dos
seus filhos. De todas as enfermidades que intoxicam a política, o ciúme é a
única que não tem remédio.
No caso de Bolsonaro,
a coisa é mais grave, porque ele não conseguiu desenvolver nada que se pareça
como amor-próprio. Num instante em que a direita discute alternativas para
2025, Bolsonaro desconfia até da imagem refletida no espelho.
Fonte:
Viomundo/Tribuna da Internet/UOL
Nenhum comentário:
Postar um comentário