Violência é constitutiva do processo de
formação política do Brasil, argumentam analistas
No auge das eleições
municipais de 2024, o Brasil viu, durante um dos debates à prefeitura de São
Paulo, o então candidato José Luiz Datena (PSDB) dar uma cadeirada em Pablo
Marçal (PRTB), também participante da corrida eleitoral. O que esse gesto de
violência representa para a política institucional brasileira?
Talvez a cadeirada
seja o frenesi de toda uma campanha galgada na agressividade verbal, onde a
desqualificação do adversário — independentemente de as acusações serem falsas
ou não — se tornou estratégia de campanha política.
Prova disso é o
aumento da violência nas campanhas. De acordo com um estudo feito pela
organização Terra de Direitos, a violência política em campanhas cresceu 130%
nas eleições deste ano em relação às eleições municipais anteriores.
O levantamento aponta
que a cada um dia e meio em 2024 houve um caso de violência política no Brasil,
enquanto nas eleições presidenciais de 2018 uma pessoa era vítima de violência
política a cada oito dias.
Apesar dessa forma
institucional tomar grandes proporções agora, analistas encaram a violência
como constitutiva do processo da formação política do Brasil.
"O Brasil é um
dos países em que mais são assassinados lideranças de movimentos sociais,
lideranças ambientais, indígenas, sem-terra, atingidos por barragens. Essas são
pessoas que são cotidianamente assassinadas no Brasil. Não é um assassinato
ligado diretamente à questão eleitoral, mas sem dúvida são assassinatos
políticos também", comenta José Paulo Martins Junior, professor de ciência
política da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Faz parte também da
história do Brasil "uma ditadura muito dura" e um "modo de
produção social capitalista" que, conforme explica Clarisse Gurgel,
cientista política e professora da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (UFRJ), desembocam em um país sem desenvolvimento endógeno
(principalmente o segundo), ou seja, "não desenvolve sua pesquisa, sua
cultura, sua malha de transporte interno, seu lazer, não desenvolve nada para
dentro".
Esse processo descrito
pela professora culmina, além de um processo de desigualdade econômica, em
interesses diferentes no espectro que acabam esvaziando o debate político.
"A gente aprendeu
também que na política não existe vazio, que é imediatamente, portanto,
preenchido por aquele seu substituto", e é nesse hiato, acredita a
especialista, que acontece a conversão da política em mercado político, onde
diferentes tipos de violência se fazem presentes.
"As violações são
em diversas camadas, desde a compra do voto e do tratamento bruto e grosseiro
do voto, até as tentativas de golpes que contam com atuações no Judiciário, e
ao mesmo tempo enfrentamentos diretos, até um índice de assassinatos e de tentativas
de assassinato de candidaturas, como se deu, como se apresentou nesse último
pleito", analisa.
• E as redes sociais com isso?
As campanhas políticas
na maior cidade da América Latina se notabilizaram, também, pela incidência das
performances para as redes sociais. Em debates entre os candidatos e durante
sabatinas, Pablo Marçal sempre mencionava os "cortes" para as redes
sociais.
O ex-coach havia
criado, inclusive, um campeonato de cortes que rendeu a ele milhões de
visualizações em perfis de terceiros, o que é proibido pela legislação
eleitoral. O então candidato tinha uma rede que organizava as competições e
pagava os vencedores, aqueles que conseguiam mais visualizações, com prêmios em
dinheiro.
Segundo o jornal O
Globo, citando um estudo do Monitor do Debate Político no Meio Digital, da
Universidade de São Paulo (USP), Marçal precisaria de um valor 175 vezes
superior ao que gastou por campeonato para atingir um patamar semelhante de
visualizações se recorresse a mecanismos lícitos.
A centralidade das
redes sociais nas campanhas também ficou evidente com os gastos desembolsados
pelos candidatos que foram ao segundo turno das eleições municipais em São
Paulo: entre 16 de agosto e 3 de setembro, Ricardo Nunes (MDB) gastou R$ 830
mil, enquanto Guilherme Boulos (Psol) investiu R$ 580 mil, ambos contabilizando
conteúdos pagos no Instagram e no Facebook, de acordo com O Globo.
No que diz respeito à
violência e às redes sociais, Martins Junior recorda que o ambiente virtual é
marcado por todo tipo de violência, "racismo, misoginia, bullying",
exemplifica. Nesse sentido, as redes se tornam "força motriz" para
campanhas que mobilizam afetos como a cólera e o medo.
"Essa é uma
estratégia […] há um bom tempo, uma coisa que a direita brasileira acabou
importando da direita norte-americana", cita.
Para o advogado penal
e constitucional Ilmar Muniz, as redes sociais podem ser consideradas "uma
vitrine para que candidatos possam se utilizar dessa truculência", que,
segundo ele, é um ativo de candidaturas. Ou seja, a raiva contida na população
por melhorias sociais que não chegam se encontra com esse comportamento,
gerando um processo de identificação.
"Quanto mais
agressivo, explosivo for um candidato, teoricamente ele mostra para um grupo
que ele é a diferença e que ele é a solução para um discurso que sempre foi
pacífico, demonstrando ideias, e que ele, com esse debate mais truculento, não
é de falar, mas sim de fazer", avalia o advogado.
• Brasil segue os passos dos vizinhos
latino-americanos no quesito violência?
Para citar exemplos
somente de 2024, a América do Sul viu conflitos da ordem de ameaça de morte nas
eleições presidenciais da Venezuela, entre o presidente Nicolás Maduro e o
candidato da oposição Edmundo González; de tentativa de golpe de Estado contra o
presidente boliviano, Luis Arce; e de acusações de violência política por parte
da vice-presidente do Equador, Verónica Abad, contra o presidente do país,
Daniel Noboa.
Gurgel avalia que se
pode, sim, falar em semelhanças, sobretudo pelo contexto histórico que envolve
a América Latina, um continente ainda "dependente e subjugado" em
meio às disputas por hegemonia no globo.
"Entendendo,
portanto, que somos América Latina, a gente parte dessa posição de dependência
e que impõe certas limitações à própria democracia desses países",
comenta.
Ela pondera, no
entanto, que há diferenças entre os países, desde a formação política de base
até a distribuição da administração pública.
"A estrutura do
Estado da Venezuela não é de três Poderes, é de cinco Poderes ou mais, com a
intenção de autonomizar bairros. Essa é a estratégia de organização
administrativa venezuelana", exemplifica.
Na opinião de Martins
Junior, o fenômeno da violência política perpassa um processo crescente de
polarização política, de radicalização — especialmente da extrema-direita —,
que tem levado as pessoas a tomarem medidas extremas. Segundo ele, isso tem
causado rupturas inclusive em democracias consolidadas.
"Esse descrédito,
essa desconfiança com relação à democracia, que sempre marcou os países da
América Latina, é algo que volta com tudo, com força, uma vez que essa
desconfiança com relação à democracia, ou esse esgarçamento dos valores
democráticos, é algo que tem acontecido inclusive nos países que eram
considerados democracias consolidadas", relata.
Ao fim e ao cabo, o
principal impacto da violência na América Latina, de acordo com Gurgel, acaba
se estabelecendo sobre a perda do seu próprio direito de decidir o futuro.
"Essas
violências, que vão desde as tentativas de golpe a intervenções e prisões
arbitrárias, são processos que interferem diretamente na nossa liberdade de
decidir os nossos rumos", conclui.
<><> Dino
sobre atuação do Judiciário na segurança pública: 'Não podemos fechar as portas
para o povo'
O ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Flávio Dino discursou nesta sexta-feira (11) sobre o
papel do Judiciário na promoção da Justiça e segurança pública no território
brasileiro.
Dino enfatizou que é
necessário valorizar políticas institucionais, como o Sistema Único de Saúde
(SUS), o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e o Sistema Único de
Segurança Pública (SUSP), criado em 2018.
O ministro ressaltou
que embora o repasse de recursos para a segurança pública seja considerado
pequeno, muitos estados não conseguem utilizá-los por dificuldades legais.
"Como podemos pedir mais recursos ao Congresso Nacional se temos fundos
parados por questões normativas?", questionou durante sua fala no Encontro
de Líderes promovido pela organização Comunitas.
Dino defende o
fortalecimento das operações integradas nas fronteiras brasileiras. Segundo
ele, houve uma experiência exitosa com o Exército na região de Mato Grosso e
Mato Grosso do Sul. Ele relatou a presença de 50 policiais federais e 500
soldados em áreas sensíveis, o que, segundo ele, demonstrou a eficácia de uma
abordagem integrada. "Fechar os caminhos logísticos do crime organizado é
fundamental."
O ministro também
falou contra a noção de ativismo judicial excessivo, afirmando que o equilíbrio
entre os Poderes é dinâmico e varia conforme as demandas da sociedade.
Ele comentou que
enquanto alguns advogados pedem mais ativismo em questões tributárias e
criminais, outros criticam o que veem como excesso de contenção. "A ideia
de que o Judiciário interfere demais é falsa."
Em relação à segurança
pública, Dino defendeu a importância de decisões como a ampliação da
jurisprudência para prisões preventivas em casos de reincidência e uso de
armas.
Ele citou um projeto
de lei que consagra a jurisprudência do STF, destacando que o importante é que
a decisão vá "no rumo correto".
O ministro também
exemplificou a questão das drogas, criticando a ideia de que a quantidade
apreendida seja o único critério para caracterizar o tráfico.
Por fim, Dino defende
o papel do Judiciário no enfrentamento do crime organizado e na promoção de um
sistema de segurança pública mais integrado, ressaltando a necessidade de
filtros processuais mais eficientes para reduzir a sobrecarga do STF e do Superior
Tribunal de Justiça (STJ). "Não podemos tratar políticas públicas com uma
lógica de retaliação."
• Governadores
Também presente no
evento, Ronaldo Caiado (União) destacou que o estado de Goiás possui leis
rígidas e afirmou que não há facções criminosas controlando nenhum território
goiano.
Helder Barbalho (MDB)
ressaltou as dificuldades impostas pela vastidão do estado do Pará, além dos
desafios relacionados ao bioma da Amazônia.
Eduardo Riedel (PSDB)
afirmou que Mato Grosso do Sul é um hub logístico devido à sua fronteira com a
Bolívia e o Paraguai, além de fazer divisa com os estados de Mato Grosso,
Goiás, Minas Gerais, Paraná e São Paulo. Por isso a região é muito visada por
traficantes.
Eduardo Leite (PSDB),
governador do Rio Grande do Sul, Mauro Mendes (União), de Mato Grosso, e Romeu
Zema (Novo), de Minas Gerais, também estavam presentes no evento.
Vários defenderam a
necessidade de uma maior integração na segurança, inclusive por meio do SUSP.
Mendes e Caiado, no entanto, levantaram dúvidas sobre a proposta.
Fonte: Sputnik Brasil
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