segunda-feira, 14 de outubro de 2024

COP do financiamento climático tem grande nó a desatar

A bola da vez na COP deste ano, Cúpula do Clima das Nações Unidas a ser realizada dentro de um mês no Azerbaijão, deve ser o financiamento climático, como se estabeleceu desde o apito final da reunião anterior, nos Emirados Árabes, em 2023. Espera-se que a discussão tenha foco em bancar iniciativas de adaptação à mudança climática nos países mais afetados, muitos deles no chamado “Sul Global”, países pobres e/ou em desenvolvimento.

A questão é complexa e se arrasta há anos, o que gera ceticismo no mercado financeiro em relação aos resultados da próxima cúpula, com notícias de que CEOs de grandes bancos sequer devem comparecer ao encontro. A discussão vai muito além do valor a ser pago, mas também contempla quem deve pagar, por que, e quem deve receber, e como. Multiplicados por 195, número de nações participantes do encontro no ano passado, os pontos de vista sobre estes tópicos são muitos, enquanto a janela de oportunidade se estreita.

O último acordo de financiamento climático foi firmado em 2009, na COP15, sediada pela Dinamarca. Estabeleceu-se então que, até 2020, os países desenvolvidos deveriam repassar US$ 100 bilhões (R$ 558 bilhões) anuais aos países em desenvolvimento para a redução de emissões de gases estufa e iniciativas de adaptação a novos cenários do clima. A meta tornou-se realidade em 2022.

Levantamento da instituição financeira XP publicado nesta sexta-feira (11) revela que a conta é muito mais cara do que o atual cheque pode pagar. A situação global de eventos extremos e os prejuízos econômicos e sociais de furacões, enchentes, incêndios e secas elevam o “preço” da mudança climática a US$ 2,4 trilhões (R$ 13,3 trilhões) por ano até 2030, segundo a ONU.

“Nossa percepção é de que o tempo vai passando e o valor vai ficando insuficiente. O montante de US$ 100 bilhões, mesmo sendo tímido em relação às expectativas para essa COP, mostra o quão difícil é estabelecer isso. Existem visões divergentes sobre quem deve pagar e receber… Até antes da discussão do montante, a discussão vai ser sobre essa lista”, analisa Marcella Ungaretti, head de ESG da XP.

•        Quem paga a conta?

A visão atual mira os principais emissores como responsáveis por financiar esse apoio climático, contudo há novas propostas na mesa, que inclusive podem mudar a posição do Brasil, de credor para devedor.

Estados Unidos, União Europeia, Canadá e Suíça defendem a expansão da lista de contribuintes para incluir países além dos 24 classificados como industrializados. “Embora não haja consenso sobre os critérios para selecionar os contribuintes, as principais propostas consideram os 10 maiores emissores de CO2 com renda nacional bruta per capita acima de um limite específico a ser acordado. Ao aplicar essa nova medida, países como Arábia Saudita, Rússia e China seriam incluídos na lista de doadores”, observa o relatório. Este enquadramento incluiria também o Brasil no top 10 dos pagadores.

Por outro lado, países em desenvolvimento defendem a manutenção do status atual das 24 nações industrializadas sendo responsáveis pela conta do clima, mantendo o foco da discussão em elevar a nova meta de financiamento climático global, a chamada NCQG (Nova Meta Coletiva Quantificada).

“Quando a gente pensa no funcionamento da ONU, ele depende de uma visão consensual e uma maioria nas votações. É de fato muito difícil chegar a esse consenso. O que poderia ser explorado é usar os blocos regionais para tentar chegar a acordos, como o G20, G7, os BRICS. Chegar em consenso em reuniões menores para acelerar o processo”, observa Luiza Aguiar, analista de pesquisa ESG da XP, que participou da formulação do relatório sobre a COP29.

•        Brasil busca protagonismo

O Brasil chega à COP29 buscando exercer protagonismo, impulsionado também pela sua presidência do G20 em 2024, além de ser o país anfitrião da COP30, em 2025, na cidade de Belém. Ao mesmo tempo, questões domésticas como o desmatamento, a severa temporada de incêndios e a discussão sobre exploração de petróleo da foz do Amazonas geram críticas à condução do governo federal em assuntos relacionados a emissões de gases estufa.

O país está entre as nações que manifestaram intenção de apresentar durante o evento novas NDCs (Contribuições Nacionalmente Declaradas), que são metas de redução de emissões e ações de fomento à biodiversidade e transição energética. É uma iniciativa que pode ajudar a fortalecer uma imagem de liderança, uma vez que países-membros da ONU têm até fevereiro para fazê-lo. Emirados Árabes e Azerbaijão, que junto com o Brasil fazem parte da Troika das Presidências das COPs, também sinalizaram a possibilidade de revelar novas NDCs na COP29.

Discussões debatidas no âmbito do G20 este ano podem ser elevadas no ambiente da COP, como o imposto sobre bilionários para financiar um fundo climático global e o fundo de preservação de florestas tropicais, ideia nascida na COP28 e que ganhou contorno este ano.

“As propostas do G20 acabam impactando companhias e consequentemente o mercado financeiro a elas vinculado. Olhamos o Plano de Transição Ecológica do governo, e vários eixos têm conexão indireta com o mercado financeiro como um todo, como por exemplo a eletrificação das frotas de ônibus nas cidades. Se isso evoluir, as empresas vão precisar de financiamento, incentivo. São iniciativas que nascem na esfera pública e que passam a impactar a iniciativa privada.”— Marcella Ungaretti, head de ESG da XP

A XP avalia ainda que pontos fortes do Brasil nesta COP seriam demonstrados por meio de reforços na agenda financeira climática do país, como progressos na frente regulatória; uma segunda emissão de títulos soberanos sustentáveis; e atualizações do marco legal de hidrogênio de baixo carbono, sancionado recentemente.

•        Cenário externo quente: eleições nos EUA e guerras

A COP vai ocorrer em meio a um cenário de instabilidade geopolítica com os conflitos em andamento, principalmente entre Israel e Hamas no Oriente Médio, mas também a invasão ucraniana. Além disso, os Estados Unidos vão participar do encontro já sob a influência de um novo presidente: as eleições americanas ocorrem em 5 de novembro, uma semana antes do início da Cúpula do Clima.

“Como o segundo maior emissor de gases de efeito estufa e a maior economia global, o resultado da eleição presidencial dos EUA pode ser um fator decisivo para os resultados da COP29 e para a agenda climática de forma mais ampla. No caso de uma vitória democrata, esperamos a continuidade das políticas climáticas de Biden, contrastando fortemente com a promessa do candidato republicano de desfazer grande parte das iniciativas de seu antecessor”, ressalta a análise da XP. Uma vitória de Donald Trump “poderia reverter grande parte dos acordos”, avalia a consultoria.

A instabilidade geopolítica no Oriente Médio, por sua vez, pode afetar o quórum do encontro e impactar esforços de cooperação, arranhando inclusive a imagem da ONU ao levantar questionamentos sobre a capacidade da organização de apaziguar o conflito entre Israel e Irã, país que faz fronteira com o Azerbaijão, sede da COP. Até mesmo preocupações com segurança não são descartadas, a depender da continuação dos atos de guerra neste próximo mês.

 

•        Mudanças climáticas podem reduzir distribuição de metade das espécies silvestres de mandioca no Nordeste até 2100

Até 2100, as áreas de ocorrência de cerca de metade das espécies nativas de mandioca do Nordeste brasileiro podem ser reduzidas por conta das mudanças climáticas. É o que indica um artigo publicado na revista “Anais da Academia Brasileira de Ciências”. O estudo, conduzido por pesquisadores das universidades federais Rural de Pernambuco (UFRPE) e do Recôncavo da Bahia (UFRB), além da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), destaca a urgência de medidas para a conservação da biodiversidade diante dos efeitos das mudanças climáticas.

Os cientistas reuniram dados sobre onze espécies de mandioca nativas do Nordeste a partir de registros de ocorrência, bancos de dados e herbários. As informações foram utilizadas em simulações de diferentes cenários com base em seis variáveis climáticas – como precipitação anual, chuvas nos meses mais secos e úmidos e temperatura média diária e anual. A equipe combinou esses elementos para prever o tamanho e a localização das áreas onde as espécies poderão viver no futuro, considerando as necessidades das plantas, e comparou com a realidade atual.

A pesquisa revela que, em um cenário otimista, cinco das espécies analisadas podem experimentar uma redução em sua faixa potencial de distribuição até 2100. Em um cenário pessimista, com condições mais severas, essa redução pode atingir até seis espécies, 54% da amostra. Nos dois cenários, quatro dessas espécies podem experimentar redução total de suas áreas de ocorrência.

“Isso acontece porque as condições ambientais que elas precisam para se desenvolver podem mudar, tornando algumas regiões menos adequadas”, explica Karen Yuliana Suarez-Contento, autora do estudo. A pesquisadora da UFRPE destaca que a redução pode não afetar somente as espécies de mandioca, pois a perda de plantas que servem de base para a vida selvagem desestabiliza os ecossistemas locais.

Segundo Suarez-Contento, a redução projetada pode, no futuro, levar à extinção de algumas das espécies silvestres de mandioca, além de afetar a produção de uma das principais fontes de carboidratos na alimentação brasileira: a mandioca cultivada. Ela é a matéria-prima de produtos como o polvilho, a tapioca e o tucupi. “As espécies silvestres abrigam uma diversidade genética crucial para o futuro da mandioca cultivada, fornecendo características importantes, como resistência a doenças e adaptações a diferentes condições ambientais”, ressalta.

A autora enfatiza que as mudanças climáticas podem ter um papel decisivo na distribuição de outros gêneros alimentícios. “Muitas outras culturas agrícolas dependem da diversidade genética de suas espécies silvestres para se adaptar a mudanças climáticas, novas pragas e doenças”, diz Suarez-Contento. É o caso do milho, arroz e feijão, que têm parentes silvestres e podem enfrentar desafios semelhantes ao da mandioca, segundo a especialista. Ela destaca a importância de conservar essas espécies e seus habitats para garantir a continuidade da produção desses alimentos.

Para a pesquisadora, estratégias como a criação e a expansão de áreas protegidas, o estabelecimento de corredores ecológicos e a restauração de áreas degradadas são um passo importante para melhorar o cenário previsto para 2100. “A educação ambiental e o incentivo para práticas agrícolas sustentáveis também podem engajar as comunidades locais e promover a proteção dos habitats”, acrescenta.

 

Fonte: Por Marco Britto para Um Só Planeta/Agência Bori

 

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