COP do financiamento climático tem grande
nó a desatar
A bola da vez na COP
deste ano, Cúpula do Clima das Nações Unidas a ser realizada dentro de um mês
no Azerbaijão, deve ser o financiamento climático, como se estabeleceu desde o
apito final da reunião anterior, nos Emirados Árabes, em 2023. Espera-se que a
discussão tenha foco em bancar iniciativas de adaptação à mudança climática nos
países mais afetados, muitos deles no chamado “Sul Global”, países pobres e/ou
em desenvolvimento.
A questão é complexa e
se arrasta há anos, o que gera ceticismo no mercado financeiro em relação aos
resultados da próxima cúpula, com notícias de que CEOs de grandes bancos sequer
devem comparecer ao encontro. A discussão vai muito além do valor a ser pago,
mas também contempla quem deve pagar, por que, e quem deve receber, e como.
Multiplicados por 195, número de nações participantes do encontro no ano
passado, os pontos de vista sobre estes tópicos são muitos, enquanto a janela
de oportunidade se estreita.
O último acordo de
financiamento climático foi firmado em 2009, na COP15, sediada pela Dinamarca.
Estabeleceu-se então que, até 2020, os países desenvolvidos deveriam repassar
US$ 100 bilhões (R$ 558 bilhões) anuais aos países em desenvolvimento para a redução
de emissões de gases estufa e iniciativas de adaptação a novos cenários do
clima. A meta tornou-se realidade em 2022.
Levantamento da
instituição financeira XP publicado nesta sexta-feira (11) revela que a conta é
muito mais cara do que o atual cheque pode pagar. A situação global de eventos
extremos e os prejuízos econômicos e sociais de furacões, enchentes, incêndios e
secas elevam o “preço” da mudança climática a US$ 2,4 trilhões (R$ 13,3
trilhões) por ano até 2030, segundo a ONU.
“Nossa percepção é de
que o tempo vai passando e o valor vai ficando insuficiente. O montante de US$
100 bilhões, mesmo sendo tímido em relação às expectativas para essa COP,
mostra o quão difícil é estabelecer isso. Existem visões divergentes sobre quem
deve pagar e receber… Até antes da discussão do montante, a discussão vai ser
sobre essa lista”, analisa Marcella Ungaretti, head de ESG da XP.
• Quem paga a conta?
A visão atual mira os
principais emissores como responsáveis por financiar esse apoio climático,
contudo há novas propostas na mesa, que inclusive podem mudar a posição do
Brasil, de credor para devedor.
Estados Unidos, União
Europeia, Canadá e Suíça defendem a expansão da lista de contribuintes para
incluir países além dos 24 classificados como industrializados. “Embora não
haja consenso sobre os critérios para selecionar os contribuintes, as
principais propostas consideram os 10 maiores emissores de CO2 com renda
nacional bruta per capita acima de um limite específico a ser acordado. Ao
aplicar essa nova medida, países como Arábia Saudita, Rússia e China seriam
incluídos na lista de doadores”, observa o relatório. Este enquadramento
incluiria também o Brasil no top 10 dos pagadores.
Por outro lado, países
em desenvolvimento defendem a manutenção do status atual das 24 nações
industrializadas sendo responsáveis pela conta do clima, mantendo o foco da
discussão em elevar a nova meta de financiamento climático global, a chamada
NCQG (Nova Meta Coletiva Quantificada).
“Quando a gente pensa
no funcionamento da ONU, ele depende de uma visão consensual e uma maioria nas
votações. É de fato muito difícil chegar a esse consenso. O que poderia ser
explorado é usar os blocos regionais para tentar chegar a acordos, como o G20,
G7, os BRICS. Chegar em consenso em reuniões menores para acelerar o processo”,
observa Luiza Aguiar, analista de pesquisa ESG da XP, que participou da
formulação do relatório sobre a COP29.
• Brasil busca protagonismo
O Brasil chega à COP29
buscando exercer protagonismo, impulsionado também pela sua presidência do G20
em 2024, além de ser o país anfitrião da COP30, em 2025, na cidade de Belém. Ao
mesmo tempo, questões domésticas como o desmatamento, a severa temporada de
incêndios e a discussão sobre exploração de petróleo da foz do Amazonas geram
críticas à condução do governo federal em assuntos relacionados a emissões de
gases estufa.
O país está entre as
nações que manifestaram intenção de apresentar durante o evento novas NDCs
(Contribuições Nacionalmente Declaradas), que são metas de redução de emissões
e ações de fomento à biodiversidade e transição energética. É uma iniciativa que
pode ajudar a fortalecer uma imagem de liderança, uma vez que países-membros da
ONU têm até fevereiro para fazê-lo. Emirados Árabes e Azerbaijão, que junto com
o Brasil fazem parte da Troika das Presidências das COPs, também sinalizaram a
possibilidade de revelar novas NDCs na COP29.
Discussões debatidas
no âmbito do G20 este ano podem ser elevadas no ambiente da COP, como o imposto
sobre bilionários para financiar um fundo climático global e o fundo de
preservação de florestas tropicais, ideia nascida na COP28 e que ganhou
contorno este ano.
“As propostas do G20
acabam impactando companhias e consequentemente o mercado financeiro a elas
vinculado. Olhamos o Plano de Transição Ecológica do governo, e vários eixos
têm conexão indireta com o mercado financeiro como um todo, como por exemplo a
eletrificação das frotas de ônibus nas cidades. Se isso evoluir, as empresas
vão precisar de financiamento, incentivo. São iniciativas que nascem na esfera
pública e que passam a impactar a iniciativa privada.”— Marcella Ungaretti,
head de ESG da XP
A XP avalia ainda que
pontos fortes do Brasil nesta COP seriam demonstrados por meio de reforços na
agenda financeira climática do país, como progressos na frente regulatória; uma
segunda emissão de títulos soberanos sustentáveis; e atualizações do marco
legal de hidrogênio de baixo carbono, sancionado recentemente.
• Cenário externo quente: eleições nos EUA
e guerras
A COP vai ocorrer em
meio a um cenário de instabilidade geopolítica com os conflitos em andamento,
principalmente entre Israel e Hamas no Oriente Médio, mas também a invasão
ucraniana. Além disso, os Estados Unidos vão participar do encontro já sob a
influência de um novo presidente: as eleições americanas ocorrem em 5 de
novembro, uma semana antes do início da Cúpula do Clima.
“Como o segundo maior
emissor de gases de efeito estufa e a maior economia global, o resultado da
eleição presidencial dos EUA pode ser um fator decisivo para os resultados da
COP29 e para a agenda climática de forma mais ampla. No caso de uma vitória democrata,
esperamos a continuidade das políticas climáticas de Biden, contrastando
fortemente com a promessa do candidato republicano de desfazer grande parte das
iniciativas de seu antecessor”, ressalta a análise da XP. Uma vitória de Donald
Trump “poderia reverter grande parte dos acordos”, avalia a consultoria.
A instabilidade
geopolítica no Oriente Médio, por sua vez, pode afetar o quórum do encontro e
impactar esforços de cooperação, arranhando inclusive a imagem da ONU ao
levantar questionamentos sobre a capacidade da organização de apaziguar o
conflito entre Israel e Irã, país que faz fronteira com o Azerbaijão, sede da
COP. Até mesmo preocupações com segurança não são descartadas, a depender da
continuação dos atos de guerra neste próximo mês.
• Mudanças climáticas podem reduzir
distribuição de metade das espécies silvestres de mandioca no Nordeste até 2100
Até 2100, as áreas de
ocorrência de cerca de metade das espécies nativas de mandioca do Nordeste
brasileiro podem ser reduzidas por conta das mudanças climáticas. É o que
indica um artigo publicado na revista “Anais da Academia Brasileira de
Ciências”. O estudo, conduzido por pesquisadores das universidades federais
Rural de Pernambuco (UFRPE) e do Recôncavo da Bahia (UFRB), além da
Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), destaca a urgência de medidas para
a conservação da biodiversidade diante dos efeitos das mudanças climáticas.
Os cientistas reuniram
dados sobre onze espécies de mandioca nativas do Nordeste a partir de registros
de ocorrência, bancos de dados e herbários. As informações foram utilizadas em
simulações de diferentes cenários com base em seis variáveis climáticas – como
precipitação anual, chuvas nos meses mais secos e úmidos e temperatura média
diária e anual. A equipe combinou esses elementos para prever o tamanho e a
localização das áreas onde as espécies poderão viver no futuro, considerando as
necessidades das plantas, e comparou com a realidade atual.
A pesquisa revela que,
em um cenário otimista, cinco das espécies analisadas podem experimentar uma
redução em sua faixa potencial de distribuição até 2100. Em um cenário
pessimista, com condições mais severas, essa redução pode atingir até seis
espécies, 54% da amostra. Nos dois cenários, quatro dessas espécies podem
experimentar redução total de suas áreas de ocorrência.
“Isso acontece porque
as condições ambientais que elas precisam para se desenvolver podem mudar,
tornando algumas regiões menos adequadas”, explica Karen Yuliana
Suarez-Contento, autora do estudo. A pesquisadora da UFRPE destaca que a
redução pode não afetar somente as espécies de mandioca, pois a perda de
plantas que servem de base para a vida selvagem desestabiliza os ecossistemas
locais.
Segundo
Suarez-Contento, a redução projetada pode, no futuro, levar à extinção de
algumas das espécies silvestres de mandioca, além de afetar a produção de uma
das principais fontes de carboidratos na alimentação brasileira: a mandioca
cultivada. Ela é a matéria-prima de produtos como o polvilho, a tapioca e o
tucupi. “As espécies silvestres abrigam uma diversidade genética crucial para o
futuro da mandioca cultivada, fornecendo características importantes, como
resistência a doenças e adaptações a diferentes condições ambientais”,
ressalta.
A autora enfatiza que
as mudanças climáticas podem ter um papel decisivo na distribuição de outros
gêneros alimentícios. “Muitas outras culturas agrícolas dependem da diversidade
genética de suas espécies silvestres para se adaptar a mudanças climáticas,
novas pragas e doenças”, diz Suarez-Contento. É o caso do milho, arroz e
feijão, que têm parentes silvestres e podem enfrentar desafios semelhantes ao
da mandioca, segundo a especialista. Ela destaca a importância de conservar
essas espécies e seus habitats para garantir a continuidade da produção desses
alimentos.
Para a pesquisadora,
estratégias como a criação e a expansão de áreas protegidas, o estabelecimento
de corredores ecológicos e a restauração de áreas degradadas são um passo
importante para melhorar o cenário previsto para 2100. “A educação ambiental e
o incentivo para práticas agrícolas sustentáveis também podem engajar as
comunidades locais e promover a proteção dos habitats”, acrescenta.
Fonte: Por Marco
Britto para Um Só Planeta/Agência Bori
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