segunda-feira, 14 de outubro de 2024

“A jovem direita estadunidense é dominada por uma elite católica”, afirma pesquisador em ciências religiosas

Paul Carpenter, pesquisador em ciências religiosas, reconhece que embora a influência intelectual católica esteja crescendo na extrema-direita, "ainda não se reflete necessariamente na cúpula da campanha de Donald Trump, que inclui poucos católicos. Entretanto, figuras como Vance estão começando a ocupar posições-chave".

<><> Eis a entrevista.

•        Pode-se falar de um eleitorado católico nos Estados Unidos?

Historicamente, a situação era mais clara, com os imigrantes católicos tendendo a ser democratas. Hoje, de acordo com o Pew Research Center, o eleitorado católico está dividido igualmente entre democratas e republicanos. Entretanto, os católicos mais devotos tendem a ser mais conservadores.

•        Qual é a situação atual do apoio dos católicos estadunidenses a Donald Trump?

Em 2020, o voto católico era dividido quase igualmente: 50% para Donald Trump, 49% para Joe Biden. De acordo com uma pesquisa publicada pelo Pew Research Center em 9 de setembro, o ex-presidente republicano está um pouco à frente de sua rival democrata Kamala Harris no eleitorado católico (52% das intenções de voto contra 47% de sua concorrente). Os católicos brancos têm maior tendência a votar em Donald Trump (61%) do que os católicos hispânicos (34%).

•        Como Donald Trump conseguiu seduzir uma parte do eleitorado católico?

No início de sua campanha em 2016, ele teve dificuldade em ganhar legitimidade entre a franja cristã dos republicanos, em parte por causa de sua vida pessoal controversa. Para compensar, adotou uma posição muito mais firme contra o aborto do que qualquer outro candidato republicano antes dele. Essa posição tranquilizou a base evangélica e alguns católicos. Fortaleceu sua credibilidade junto aos eleitores pró-vida.

•        Quais são os temas específicos que aproximam ou distanciam os católicos de Donald Trump?

O aborto continua sendo o tema mais complexo e controverso. É crucial para aqueles que veem sua fé como a principal causa política a ser defendida e são geralmente conservadores. Recentemente, Donald Trump adotou uma posição mais sutil sobre essa questão, o que provocou reações contrastantes nos círculos pró-vida. A questão da imigração também revela divisões dentro da Igreja. Os tradicionalistas tendem a ser contra a imigração, enquanto aqueles que seguem a linha do Papa Francisco são mais favoráveis.

•        Qual é a posição do episcopado estadunidense em relação a Donald Trump?

A maior parte do episcopado estadunidense está alinhada com João Paulo II e Bento XVI: bastante conservadora, mas consoante com os princípios da democracia liberal estadunidense. Há figuras proeminentes à esquerda, como D. Blase Cupich (arcebispo de Chicago) e D. McElroy (arcebispo de San Diego), e à direita, como o Cardeal Burke e o D. Cordileone (arcebispo de San Francisco). Entretanto, a influência direta do episcopado sobre o voto dos fiéis parece limitada. Nenhum bispo deu abertamente instruções de voto.

•        Duas figuras católicas se manifestaram recentemente a favor de Donald Trump: J.D. Vance, que foi escolhido como vice-presidente por Donald Trump, e Robert F. Kennedy Jr. Como devemos interpretar esse apoio?

As carreiras de Vance e Kennedy são muito reveladoras em termos da evolução do catolicismo estadunidense e do lugar que ocupa na sociedade. Eles simbolizam duas épocas diferentes na história da Igreja Católica nos Estados Unidos. O catolicismo não é uma característica marcante da personalidade pública de Robert F. Kennedy Jr.; ele representa uma abordagem mais antiga e muito cultural, seguindo os passos de seu tio, John F. Kennedy, o primeiro presidente católico dos Estados Unidos, que declarou abertamente que sua fé não influenciaria suas decisões políticas. Era a época do “catolicismo de cafeteria”, um catolicismo muito secular no qual as pessoas escolhiam [como se fosse um cardápio] os aspectos da fé que correspondiam às suas próprias visões de mundo.

J.D. Vance, por outro lado, representa uma nova geração da elite católica. Para ele, a fé pode influenciar diretamente a gestão dos assuntos públicos. Sua trajetória é interessante: vindo de uma origem modesta, teve uma ascensão meteórica em Yale, para depois se tornar conhecido com seu livro Hillbilly Elegy, no qual se coloca como tradutor cultural da América profunda para as elites progressistas, atordoadas pela eleição de Donald Trump em 2016. Inicialmente crítico em relação a Trump, gradualmente se aproximou dele. Em 2019, Vance se converteu ao catolicismo. Ele encarna um catolicismo muito mais politizado, que pretende transformar a sociedade, tornando-se parte do chamado “conservadorismo do bem comum”. É uma mudança profunda na forma como os católicos entendem seu papel na esfera pública estadunidense. Isso também representa um movimento mais amplo dentro da direita estadunidense: o surgimento de intelectuais católicos que colocam em discussão os fundamentos do liberalismo político. Fala-se em “pós-liberalismo”. Essa tendência é particularmente popular entre os jovens conservadores e houve até mesmo conversões em massa ao catolicismo em alguns círculos universitários conservadores.

•        O que defendem os proponentes desse movimento pós-liberal, apoiado por muitos intelectuais católicos?

Eles voltam a questionar o intervencionismo militar, o antiestatismo e o que percebem como uma visão excessivamente tolerante da batalha cultural travada pelas gerações anteriores. Na política externa, são favoráveis a um relativo fechamento dos Estados Unidos para dentro. Em sua opinião, os Estados Unidos deveriam se concentrar na recuperação interna, desenvolvendo a coesão na sociedade civil, na reindustrialização e na interrupção do fluxo de migrantes. Ao contrário de seus antecessores, eles também são a favor do uso das ferramentas do estado administrativo para promover sua visão do bem comum: natalismo (posição que defende o aumento da população, nt), a introdução de elementos bastante conservadores no sistema educacional, mas também a proteção dos direitos dos trabalhadores e - algo que está emergindo gradualmente, com pouco impacto até agora nos círculos trumpistas - a proteção do meio ambiente. J.D. Vance obteve o apoio de alguns sindicatos importantes, algo raro para um candidato republicano.

•        Até que ponto essa influência católica é nova para a direita estadunidense?

Os católicos sempre foram influentes no mundo intelectual estadunidense, mas a novidade é sua predominância em alguns círculos conservadores. Por exemplo, a Heritage Foundation, um dos mais importantes think tanks da direita estadunidense, é agora dirigida por Kevin Roberts, que estabeleceu vínculos entre a velha guarda da direita e os ambientes pós-liberais.

A jovem direita estadunidense é agora dominada por intelectuais católicos. Mas é importante observar que, embora essa influência esteja crescendo, ainda não se reflete necessariamente na cúpula da campanha de Donald Trump, que inclui poucos católicos. Entretanto, figuras como Vance estão começando a ocupar posições-chave. Essa influência se manifesta principalmente entre os jovens. Por exemplo, entre os estagiários dos senadores republicanos com idade entre 20 e 35 anos, uma porcentagem crescente é constituída por católicos, e uma grande parte deles é de convertidos. É uma novidade na história dos Estados Unidos.

 

Fonte: Entrevista com Paul Carpenter, para Héloïse de Neuville, em La Croix

 

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