“A jovem direita estadunidense é dominada
por uma elite católica”, afirma pesquisador em ciências religiosas
Paul Carpenter,
pesquisador em ciências religiosas, reconhece que embora a influência
intelectual católica esteja crescendo na extrema-direita, "ainda não se
reflete necessariamente na cúpula da campanha de Donald Trump, que inclui
poucos católicos. Entretanto, figuras como Vance estão começando a ocupar
posições-chave".
<><> Eis a
entrevista.
• Pode-se falar de um eleitorado católico
nos Estados Unidos?
Historicamente, a
situação era mais clara, com os imigrantes católicos tendendo a ser democratas.
Hoje, de acordo com o Pew Research Center, o eleitorado católico está dividido
igualmente entre democratas e republicanos. Entretanto, os católicos mais devotos
tendem a ser mais conservadores.
• Qual é a situação atual do apoio dos
católicos estadunidenses a Donald Trump?
Em 2020, o voto
católico era dividido quase igualmente: 50% para Donald Trump, 49% para Joe
Biden. De acordo com uma pesquisa publicada pelo Pew Research Center em 9 de
setembro, o ex-presidente republicano está um pouco à frente de sua rival
democrata Kamala Harris no eleitorado católico (52% das intenções de voto
contra 47% de sua concorrente). Os católicos brancos têm maior tendência a
votar em Donald Trump (61%) do que os católicos hispânicos (34%).
• Como Donald Trump conseguiu seduzir uma
parte do eleitorado católico?
No início de sua
campanha em 2016, ele teve dificuldade em ganhar legitimidade entre a franja
cristã dos republicanos, em parte por causa de sua vida pessoal controversa.
Para compensar, adotou uma posição muito mais firme contra o aborto do que
qualquer outro candidato republicano antes dele. Essa posição tranquilizou a
base evangélica e alguns católicos. Fortaleceu sua credibilidade junto aos
eleitores pró-vida.
• Quais são os temas específicos que
aproximam ou distanciam os católicos de Donald Trump?
O aborto continua
sendo o tema mais complexo e controverso. É crucial para aqueles que veem sua
fé como a principal causa política a ser defendida e são geralmente
conservadores. Recentemente, Donald Trump adotou uma posição mais sutil sobre
essa questão, o que provocou reações contrastantes nos círculos pró-vida. A
questão da imigração também revela divisões dentro da Igreja. Os
tradicionalistas tendem a ser contra a imigração, enquanto aqueles que seguem a
linha do Papa Francisco são mais favoráveis.
• Qual é a posição do episcopado
estadunidense em relação a Donald Trump?
A maior parte do
episcopado estadunidense está alinhada com João Paulo II e Bento XVI: bastante
conservadora, mas consoante com os princípios da democracia liberal
estadunidense. Há figuras proeminentes à esquerda, como D. Blase Cupich
(arcebispo de Chicago) e D. McElroy (arcebispo de San Diego), e à direita, como
o Cardeal Burke e o D. Cordileone (arcebispo de San Francisco). Entretanto, a
influência direta do episcopado sobre o voto dos fiéis parece limitada. Nenhum
bispo deu abertamente instruções de voto.
• Duas figuras católicas se manifestaram
recentemente a favor de Donald Trump: J.D. Vance, que foi escolhido como
vice-presidente por Donald Trump, e Robert F. Kennedy Jr. Como devemos
interpretar esse apoio?
As carreiras de Vance
e Kennedy são muito reveladoras em termos da evolução do catolicismo
estadunidense e do lugar que ocupa na sociedade. Eles simbolizam duas épocas
diferentes na história da Igreja Católica nos Estados Unidos. O catolicismo não
é uma característica marcante da personalidade pública de Robert F. Kennedy
Jr.; ele representa uma abordagem mais antiga e muito cultural, seguindo os
passos de seu tio, John F. Kennedy, o primeiro presidente católico dos Estados
Unidos, que declarou abertamente que sua fé não influenciaria suas decisões
políticas. Era a época do “catolicismo de cafeteria”, um catolicismo muito
secular no qual as pessoas escolhiam [como se fosse um cardápio] os aspectos da
fé que correspondiam às suas próprias visões de mundo.
J.D. Vance, por outro
lado, representa uma nova geração da elite católica. Para ele, a fé pode
influenciar diretamente a gestão dos assuntos públicos. Sua trajetória é
interessante: vindo de uma origem modesta, teve uma ascensão meteórica em Yale,
para depois se tornar conhecido com seu livro Hillbilly Elegy, no qual se
coloca como tradutor cultural da América profunda para as elites progressistas,
atordoadas pela eleição de Donald Trump em 2016. Inicialmente crítico em
relação a Trump, gradualmente se aproximou dele. Em 2019, Vance se converteu ao
catolicismo. Ele encarna um catolicismo muito mais politizado, que pretende
transformar a sociedade, tornando-se parte do chamado “conservadorismo do bem
comum”. É uma mudança profunda na forma como os católicos entendem seu papel na
esfera pública estadunidense. Isso também representa um movimento mais amplo
dentro da direita estadunidense: o surgimento de intelectuais católicos que
colocam em discussão os fundamentos do liberalismo político. Fala-se em “pós-liberalismo”.
Essa tendência é particularmente popular entre os jovens conservadores e houve
até mesmo conversões em massa ao catolicismo em alguns círculos universitários
conservadores.
• O que defendem os proponentes desse
movimento pós-liberal, apoiado por muitos intelectuais católicos?
Eles voltam a
questionar o intervencionismo militar, o antiestatismo e o que percebem como
uma visão excessivamente tolerante da batalha cultural travada pelas gerações
anteriores. Na política externa, são favoráveis a um relativo fechamento dos
Estados Unidos para dentro. Em sua opinião, os Estados Unidos deveriam se
concentrar na recuperação interna, desenvolvendo a coesão na sociedade civil,
na reindustrialização e na interrupção do fluxo de migrantes. Ao contrário de
seus antecessores, eles também são a favor do uso das ferramentas do estado
administrativo para promover sua visão do bem comum: natalismo (posição que
defende o aumento da população, nt), a introdução de elementos bastante
conservadores no sistema educacional, mas também a proteção dos direitos dos
trabalhadores e - algo que está emergindo gradualmente, com pouco impacto até
agora nos círculos trumpistas - a proteção do meio ambiente. J.D. Vance obteve
o apoio de alguns sindicatos importantes, algo raro para um candidato
republicano.
• Até que ponto essa influência católica é
nova para a direita estadunidense?
Os católicos sempre
foram influentes no mundo intelectual estadunidense, mas a novidade é sua
predominância em alguns círculos conservadores. Por exemplo, a Heritage
Foundation, um dos mais importantes think tanks da direita estadunidense, é
agora dirigida por Kevin Roberts, que estabeleceu vínculos entre a velha guarda
da direita e os ambientes pós-liberais.
A jovem direita
estadunidense é agora dominada por intelectuais católicos. Mas é importante
observar que, embora essa influência esteja crescendo, ainda não se reflete
necessariamente na cúpula da campanha de Donald Trump, que inclui poucos
católicos. Entretanto, figuras como Vance estão começando a ocupar
posições-chave. Essa influência se manifesta principalmente entre os jovens.
Por exemplo, entre os estagiários dos senadores republicanos com idade entre 20
e 35 anos, uma porcentagem crescente é constituída por católicos, e uma grande
parte deles é de convertidos. É uma novidade na história dos Estados Unidos.
Fonte: Entrevista com
Paul Carpenter, para Héloïse de Neuville, em La Croix
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