Depois de sequestro do Orçamento, os reaças
querem o Supremo como seu refém
A Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara perpetrou ontem um festim de
inconstitucionalidades para tentar subordinar o Supremo Tribunal Federal à
maioria parlamentar de ocasião. Votaram-se duas PECs e dois projetos de lei que
buscam manietar o tribunal e manter seus integrantes sob ameaça. Se aprovados
pelo Congresso, só terão algum efeito sobre a Corte se o tribunal deixar. Direi
por quê. Antes, algumas considerações.
MAIOR CAIXA ELEITORAL
DO PLANETA
A direita e a
extrema-direita do Congresso foram sequestrando, ao longo dos anos, o Orçamento
da União, numa apropriação estupidamente inconstitucional das prerrogativas do
Poder Executivo.
Vocês acham que o
Fundo Eleitoral é de “apenas” R$ 4,9 bilhões? Não!!! O maior Fundo Eleitoral do
Planeta são as emendas parlamentares. Elas cevam a eleição de deputados
federais, senadores, prefeitos e vereadores. O suposto fabuloso desempenho da
direita e da extrema-direita neste ano — não foi substancialmente maior do que
se viu no passado, diga-se —, que tem servido a tanta sociologia barata e a
tantas antevisões cretinas, nada tem a ver com “a ideologia do brasileiro”.
Fosse assim, o PT não teria vencido cinco de nove eleições diretas.
O ponto é outro. Entre
2021 e este 2024, foram empenhados em emendas parlamentares nada menos de R$
131,69 bilhões, segundo o Portal da Transparência, e efetivamente desembolsados
R$ 78,17 bilhões. Para onde vai esse dinheiro, à parte o desvio de rigor em
muitos casos? Para os currais eleitorais de deputados e senadores, que, por sua
vez, fazem os “seus” prefeitos e vereadores, o que impactará na futura
composição do Congresso, cujos integrantes mandarão as emendas para seus
redutos, o que vai facilitar a campanha e seus correligionários e assim por
diante… Perceberam? Além da óbvia usurpação de competência de um Poder pelo
Outro, cria-se um ciclo que garante que o poder permaneça nas mãos dos mesmos.
Nesse caso, dinheiro é voto.
O colunismo
conservador e o reacionário preferem fazer digressões a respeito do suposto e
natural viés conservador dos brasileiros a reconhecer o óbvio: com as exceções
de praxe, dinheiro significa voto porque ele azeita as máquinas políticas
locais. Prova: levantamento feito pelo “Globo” nos 178 municípios indicados
pela Controladoria-Geral da União (CGU) como principais destinos das emendas
PIX aponta que, em cem deles, o prefeito foi reeleito, enquanto em outros 45
conseguiu fazer um sucessor do mesmo grupo político.
As emendas
parlamentares — USURPAÇÃO ESCANCARADA DE COMPETÊNCIA — se transformaram num
caixa fabuloso de campanha, que concorre para impedir a alternância de poder
nos municípios, o que tem impacto direto na composição do Congresso. Enquanto
durar a aberração, está destinado a ser de conservador para reacionário. Uma
das razões por que Lula incomoda tanto é que, com sua história, conseguiu
vencer cinco eleições presidenciais — duas por intermédio de Dilma Rousseff.
O Congresso, mesmo com
a redemocratização, continuou majoritariamente conservador, de direita. As
emendas impositivas começaram em 2016. FHC e Lula, portanto, em seus dois
respectivos mandatos, tiveram mais facilidade para compor uma ampla e fiel base
de apoio porque era importante aos parlamentares manter proximidade com o
poder, uma vez que não tinham a mamata de hoje. A “autonomia” que lhes conferiu
a dinheirama das emendas permitiu que se descolassem de planos de governos para
cuidar de seus interesses setoriais e paroquiais. A eleição de Jair Bolsonaro
foi o momento de glória dessa turma. Ele também não tinha plano nenhum que não
fosse a destruição de políticas públicas voltadas para o conjunto dos
brasileiros.
COMEÇANDO A VOLTAR AO
COMEÇO
Temos um Congresso que
depende menos hoje do que antes da parceria com o Poder Executivo, já que lhe
solapou parte da competência para a destinação de recursos públicos. Pós
Lava-Jato, pós-Bolsonaro e pós-redes sociais, o Legislativo majoritariamente
conservador se viu inundado pelo reacionarismo mais abjeto. Na era do
desequilíbrio climático, parte da dita “bancada ruralista” assina pencas de
projetos que concorrem para o desmatamento.
E, de forma
desmesurada, os valentes foram avançando sobre conquistas civilizatórias,
certos de que não mais havia quem lhes pudesse botar freios. E, no entanto,
havia: o Supremo. Nota à margem: a primeira manifestação de rua contra o
tribunal foi convocada pelo então presidente Jair Bolsonaro para o dia 26 de
maio de 2019, antes de completar seu quinto mês de mandato. O inquérito das
“fake news” foi aberto por Dias Toffoli no dia 14 de março daquele ano porque
já estava claro que uma organização criminosa se encarregava de tentar
desmoralizar os ministros. O resto é história, e conhecemos o papel
desempenhado pela corte, especialmente Alexandre de Moraes, na defesa da
democracia e no enfretamento aos golpistas.
Pois bem… À banda
conservadora-reacionária do Congresso não basta usar a verba do Orçamento para
caixa de campanha. O Fundo Eleitoral é troco de pinga perto da grana fabulosa
que realmente garante a manutenção do poder dessa gente. Os bolsonaristas, mas não
só eles, houveram por bem aprovar na Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara um “pacote anti-STF” que busca subordinar o tribunal ao Poder
Legislativo. Nota: a deputada Caroline de Toni (PL-SC), presidente da CCJ,
empregou, ela mesma, a expressão “pacote anti-STF”.
AS VOTAÇÕES DESTA
QUARTA
Aprovaram-se na
comissão, nesta quarta, duas PECs (Propostas de Emenda à Constituição) e dois
projetos de lei que buscam emparedar o Supremo. Trata-se de textos que fariam
inveja, deixem-me ver, a Recp Erdogan, na Turquia, ou a Nicolás Maduro, na
Venezuela. Ah, senhores, os bolsonaristas e assemelhados, para a minha não
surpresa, têm concepções verdadeiramente chavistas de poder.
1) A PEC 8/2021, já
aprovada no Senado, limita decisões monocráticas dos magistrados que suspendam
a eficácia de leis ou de atos do presidente da República ou dos presidentes da
Câmara, do Senado e do Congresso. Inexiste hoje essa vedação. Em essência, é
inconstitucional porque se trata de impedir o acesso à Justiça.
Se for aprovada, vai
acontecer o quê? Caberá ao próprio Supremo interpretar a estrovenga conforme a
Constituição. Em caso de urgência, o relator pode tomar uma decisão monocrática
e submetê-la imediatamente aos pares. Aliás, em outubro do ano passado, o STF
já decidiu que todas as decisões individuais que digam respeito a Ações
Direitas de Constitucionalidade devem ser enviadas imediatamente ao pleno.
Reitero: acho a tese,
em essência, inconstitucional, mas o STF ainda pobre driblar um confronto com
uma medida de caráter, digamos, administrativo: submeta-se, nos casos de
urgência, as medidas cautelares ao conjunto dos ministros.
CONGRESSO COMO JUIZ DO
SUPREMO
2) A PEC 28/2024
permite que o Congresso suspenda decisões do Supremo caso avalie que elas
avançam a sua “função jurisdicional” ou inovam o ordenamento jurídico. Para
derrubar, então, uma decisão da Corte seriam necessários os votos de dois
terços da Câmara (342) e do Senado (54). Esse é o quórum para a aprovação de
processos de impeachment de presidente da República.
Bem, nesse caso, não
há acomodação ou leitura benevolente possíveis. Há inconstitucionalidade
arreganhada. Fosse assim, o Congresso estaria chamando para si o papel de Poder
Moderador ou de Poder dos Poderes. Atuaria como uma corte revisora do tribunal.
É de se tal sorte exótica a proposta que a gente chega a duvidar que tenha sido
votada a sério.
É evidente o caráter
retaliatório da emenda. A direita e a extrema-direita do Congresso estão
inconformadas com a suspensão da execução de emendas, determinada pelo ministro
Flávio Dino. Olhem as ditas-cujas aqui outra vez… Reivindicam destinar bilhões
de verbas do Orçamento para as sua respectivas máquinas político-eleitorais,
sem prestar contas a ninguém. Se o STF lembra que a prática viola a
Constituição, qual a resposta? Ora, tornem-se sem efeito as decisões do
tribunal.
FACILITAR O IMPECHMENT
DE MINISTROS
3) O PL 4754/2015 cria
novas hipóteses para crimes de responsabilidade dos ministros. Hoje, o Artigo
39 da Lei 1.079 prevê cinco hipóteses de crime de responsabilidade para os
membros da corte, a saber:
1- alterar, por
qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em
sessão do Tribunal;
2 – proferir
julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa;
3 – exercer atividade
político-partidária;
4 – ser patentemente
desidioso no cumprimento dos deveres do cargo;
5 – proceder de modo
incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções.
O PL cria mais cinco:
6- Usurpar, mediante
decisão, sentença, voto, acórdão ou interpretação analógica, as competências do
Poder Legislativo, criando norma geral e abstrata de competência do Congresso
Nacional;
7 – Valer-se de suas
prerrogativas a fim de beneficiar, indevidamente, a si ou a terceiros;
8 – Divulgar, por
qualquer meio de comunicação, opinião sobre processos ou procedimentos
pendentes de julgamento, seu ou de outro ministro, ressalvada aquela veiculada
no exercício de funções jurisdicionais, bem como a transmitida em sede
acadêmica, científica ou técnica;
9 – Exigir, solicitar,
receber ou aceitar promessa de vantagem indevida, para si ou para outrem,
direta ou indiretamente, em razão da função;
10 – Violar, mediante
decisão, sentença, voto, acórdão ou interpretação analógica, a imunidade
material parlamentar prevista na Constituição Federal.
“Ah, Tio Rei, o que é
que tem? Essas coisas são feias mesmo.”
Pois é… O diabo mora
nos detalhes. O Item 6 quer impedir o Supremo de interpretar a Constituição em
casos em que haja uma omissão do Congresso. Querem um exemplo, que açula O
espírito de porco dessa gente? A punição da homofobia. Ou o reconhecimento da união
homoafetiva. Mais uma vez, o Congresso chamaria para si o papel de juiz dos
juízes.
O item 10 pretende
transformar a imunidade parlamentar num instrumento para o vale-tudo, de modo
que ela não serviria apenas para o exercício livre do mandato, mas também para
o cometimento de crimes.
A proposta cria ainda
um prazo de 15 dias para que o presidente do Senado, responsável por analisar
pedidos de impeachment de ministros, tome uma decisão. Hoje, esse prazo não
existe.
4) O PL 658/2022 abre
a possibilidade de apresentação de recurso ao plenário do Senado caso o
presidente da Casa rejeite um pedido de impeachment. Basta, para tanto, a
assinatura de um terço. Não sendo analisado em 30 dias, tranca a pauta até ser
votado.
CAMINHANDO PARA O
ENCERRAMENTO
O Supremo, que salvou
a democracia brasileira e que a preserva de pistoleiros como Elon Musk — que
chega a contar com uma verdadeira “bancada” no Congresso — tem muitos inimigos.
A pauta contra o
tribunal só avança com tamanha desfaçatez na CCJ da Câmara porque os “chavistas
de extrema-direita” passaram a encontrar também da imprensa eco a seus delírios
totalitários. Atacar o tribunal virou assunto de colunista desocupado.
O que se tem aí é
ânimo retaliatório do golpismo derrotado e do “emendismo” ressentido.
Essa mesma CCJ,
diga-se, quer ainda aprovar a anistia aos golpistas que praticaram crimes entre
30 de setembro de 2022 e a data de promulgação da lei. Também isso é
inconstitucional.
Eis aí o Brasil que os
patriotas têm em mente. Não lhes basta assaltar os cofres públicos para se
perpetuar no poder, manietando o Executivo. É preciso também calar e ameaçar o
Judiciário.
Enquanto isso, os
líricos do liberalismo Nível Massinha I fazem panegíricos ao “espírito
conservador” do nosso povo com base no resultado das eleições municipais…
• Pacote contra STF seria inconstitucional
e os ministros já pretendem derrubá-lo
Ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF) avaliam que o pacote de medidas que restringem os
poderes da Corte é inconstitucional e pode ser derrubado se eventualmente for
aprovado. Os textos avançaram na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (9),
quando a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou propostas e
projetos que permitem ao Congresso sustar decisões do STF e que ampliam as
hipóteses de crime de responsabilidade dos magistrados.
Os ministros afirmam,
em conversas reservadas, que a Constituição exige que sugestões de reformulação
das regras do Judiciário sejam apresentadas pelo próprio tribunal e enviadas ao
Congresso. O vício de origem, como é chamado, impediria que mudanças nas
atividades dos magistrados sejam propostas por deputados e senadores.
A leitura feita pelos
ministros é a de que o avanço das propostas representa uma retaliação ao STF
após a decisão que suspendeu a execução das emendas parlamentares por falta de
transparência e de rastreabilidade.
A proposta considerada
mais grave pelos ministros é a que permite a suspensão de decisões dos
magistrados. A percepção é de que a iniciativa esbarra em uma cláusula pétrea –
a da separação dos Poderes. Portanto, em caso de judicialização, possivelmente
não passaria pelo crivo da Corte.
Tanto o presidente do
STF, ministro Luís Roberto Barroso, quanto o decano, ministro Gilmar Mendes, já
afirmaram publicamente que a revisão de decisões da Corte não é compatível com
a democracia.
Em novembro do ano
passado, Barroso disse em um evento da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em
São Paulo, que a proposta era “inaceitável” e remetia à “Constituição
ditatorial de 1937”, da Era Vargas.
Gilmar Mendes também
já afirmou que a PEC “não faz sentido, pois quebra a ideia da divisão dos
Poderes”, e pediu “muitíssimo cuidado”. “Não passa por qualquer crivo de um
modelo de estado de direito constitucional”, afirmou.
Barroso tem defendido
que o Congresso Nacional é a arena adequada para este tipo de discussão, mas
que gostaria que o Poder Judiciário fosse consultado para contribuir com o
debate.
Auxiliares do
presidente dizem que o ministro se preocupa em “mexer em time que está
ganhando” – uma referência ao papel que a Corte exerceu ao longo dos últimos
anos na defesa da democracia.
A Comissão de
Constituição e Justiça, que deu sinal verde ao avanço das propostas nesta
quarta, avalia a constitucionalidade e a admissibilidade das propostas, e não o
mérito. Cabe ao colegiado somente dar aval ou não para o avanço dos textos na
Câmara.
Depois de aprovadas,
as propostas precisam ser analisadas por uma comissão específica, que ainda
deve ser criada e instalada. Se passar na Câmara sem mudanças na comissão
especial e no plenário, o texto poderá ir à promulgação
Fonte: Por Reinaldo Azevedo,
no UOL/CNN Brasil
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