As eleições municipais de 2024 mostram que
a Frente Ampla está fortalecendo a direita e extrema direita
Após um 2018 que viu
surgir muitos outsiders, 2020 revelou uma perda de força da extrema-direita
radicalizada, culminando em 2022 com a eleição de Lula. No entanto, isso
ocorreu com uma margem de votos apertada, onde pequenos detalhes poderiam ter
alterado os rumos da política nacional.
Atualmente, alguns
sinais já podem ser interpretados, mesmo com eleições pendentes em 50
municípios de 20 estados. Mais do que mudanças numéricas, é essencial observar
os resultados em grandes centros urbanos, que têm um peso capaz de influenciar
os resultados gerais.
Vamos agora aos
números.
O PSD foi o partido
que mais elegeu prefeitos no primeiro turno, com 878 prefeituras, em comparação
com as 659 que havia conquistado em 2020. O partido também foi o que mais
venceu nas capitais, ganhando em três delas: Rio de Janeiro, São Luís e
Florianópolis.
O MDB ficou em segundo
lugar, com 847 prefeituras, também registrando crescimento em relação a 2020,
quando venceu em 790 cidades. Atualmente, o partido comanda duas capitais.
Em terceiro, o PP
lidera 743 cidades, um aumento em relação às 697 prefeituras conquistadas nas
eleições anteriores.
União Brasil, PL e
Republicanos ocupam, respectivamente, o quarto, quinto e sexto lugares, com
578, 510 e 430 prefeituras. O PL, partido de Bolsonaro, continua em ascensão,
saindo de 297 prefeituras em 2016 para 345 em 2020 e atingindo 510 em 2024.
Em seguida, o PSB
recuperou parte das perdas sofridas entre 2016 e 2020. Em 2016, o partido havia
vencido em 407 prefeituras, caindo para 252 em 2020, mas agora subiu para 309,
ultrapassando o PSDB e o PT. Além disso, teve na eleição de João Campos um dos
melhores desempenhos no primeiro turno nas capitais.
O PSDB, por sua vez,
registrou seu pior desempenho histórico, com apenas 269 prefeituras, uma queda
acentuada em comparação às 799 de 2016. Em São Paulo, o partido obteve apenas
1,89% dos votos, sem eleger nenhum vereador, sinalizando uma decadência que pode
levar à sua extinção. Como afirmou o próprio editorial do Estadão, o tucano
virou um dodô.
Já o PT, apesar de
resultados ainda modestos, teve uma recuperação em relação a 2020. Naquela
eleição, o partido elegeu 183 prefeitos, subindo agora para 294.
O mapa de votação
mostra que a maioria das vitórias petistas se concentra no Nordeste, onde o
partido conquistou mais da metade das prefeituras. Vale ressaltar que o PT foi
varrido do ABC paulista, seu berço histórico. Uma fotografia da mudança do seu
centro de gravidade.
Por fim, assim como em
2020, o PT não venceu em nenhuma capital. As chances do PT nas capitais no
segundo turno são limitadas, com disputas em Natal, Fortaleza, Cuiabá e Porto
Alegre, mas em nenhuma dessas cidades o partido lidera.
Gleisi Hoffmann
atribuiu o desempenho do PT à sua fase de reconstrução, após os danos sofridos
pela operação Lava Jato. No entanto, não parece ser factível imaginar um
retorno aos tempos de vacas gordas.
Para se ter uma ideia,
em 2012 o PT elegeu 635 prefeitos no primeiro turno, disputando diretamente com
o antigo PMDB e o PSDB. O golpe de 2016 representou um marco de declínio, com o
partido elegendo apenas 254 prefeitos naquele ano.
O PDT, com 148
prefeituras, registrou uma queda significativa em relação a 2016 e 2020,
refletindo sua crescente irrelevância no cenário nacional.
Vale ressaltar que
Ciro Gomes não conseguiu emplacar candidaturas em Sobral (reduto histórico) e o
prefeito José Sarto nem foi para o segundo turno, demonstrando a decadência de
sua figura política, bem como do partido que lidera.
Destacando outros
partidos da esquerda institucional, o PCdoB continua em queda. Em 2016, o
partido venceu em 81 prefeituras, caindo para 46 em 2020 e agora para apenas
19. O número de vereadores eleitos também diminuiu drasticamente: de 1007 em
2016 para 354 em 2022.
O PSOL teve um
desempenho desastroso em Belém com Edmilson Rodrigues, que, com 9,78% dos
votos, ficou longe de alcançar o segundo turno. Enquanto isso, Edmilson não
demorou a sair em apoio a candidatura sustentada por ninguém menos do que Jader
Barbalho. O partido também enfrenta uma disputa difícil em Petrópolis, onde o
candidato adversário quase venceu no primeiro turno com 49,96% dos votos.
Somando o total de
vereadores o resultado também não foi positivo no compto geral. O PSOL caiu de
93 para 80. Evidentemente se Boulos ganha São Paulo o saldo final do PSOL seria
completamente diferente, embora reverter o cenário eleitoral em São Paulo seja
uma tarefa difícil.
E a política de Boulos
para isso vem sendo incorporar publicamente parte do discurso de seus
adversários eliminados, como o empreendedorismo (item indispensável na retórica
da direita, que implica precarização do trabalho e negação dos direitos básicos
ao segmento mais pauperizado da classe trabalhadora).
O mal chamado centrão,
ou "direita fisiológica", foi o grande vencedor destas eleições.
Essas siglas, que podem compor tanto com o PT quanto com o PL, seguem uma
agenda neoliberal, e esse é o critério definidor de sua composição no espectro
da política brasileira.
Pela primeira vez, o
PSD ultrapassou o MDB, consolidando seu crescimento nas últimas eleições. Desde
sua fundação em 2011, o partido tem ampliado sua presença em prefeituras,
passando de 488 em 2012 para 657 em 2020.
Ao que parece, esse
partido pode estar ocupando o espaço deixado pelo PSDB, equilibrando-se entre o
"bolsonarismo institucional" e o PT.
Um exemplo disso é
Gilberto Kassab, principal liderança do partido, é o mais fervoroso defensor da
candidatura de Tarcísio de Freitas para 2026, enquanto Eduardo Paes, prefeito
do Rio de Janeiro, já declarou enfaticamente apoio a Lula para 2026.
E, nunca é demais lembrar, o PSD tem nada menos do que três ministérios no
governo Lula.
É importante comparar
também o desempenho das diferentes alas do governo de Frente Ampla. Os partidos
de direita, como PSD, MDB, União Brasil e Republicanos, estão com um desempenho
muito superior ao da "ala esquerda".
Esse setor, composto
por PT, PSOL, PCdoB, PSB, PDT, PV e Rede, somou apenas 19,6% dos votos
nacionais, uma queda acentuada em relação aos 37,4% de 2012.
Esse cenário pode
impactar a composição do governo, forçando Lula a ampliar o espaço de partidos
de centro-direita. E não menos importante, irá aumentar a agenda por mais
ataques.
Essas eleições
confirmam a tendência de alta taxa de reeleição e fortalecimento da direita
fisiológica. Embora o PT tenha alguns êxitos com recuperação de prefeituras e o
sucesso de aliados como Eduardo Paes e João Campos, o fortalecimento da direita
na superestrutura política é evidente.
Para interpretar bem a
correlação de forças nacional é preciso não perder os detalhes. Ainda que
vários candidatos apoiados por Bolsonaro triunfaram, uma parte importante deles
eram apostas mais “institucionalizadas”. No Rio de Janeiro vimos uma derrota importante
do bolsonarismo que apostou suas fichas em Ramagem, e não viu seu candidato nem
ir ao segundo turno.
Já em São Paulo, Pablo
Marçal se destacou como um símbolo das transformações sociais no Brasil
pós-golpe de 2016, unindo empreendedorismo e teologia da prosperidade, com
apoio de setores do agronegócio e das classes médias radicalizadas à direita.
Não menos importante,
é possível considerar uma base popular precarizada, que já sem direitos fica
suscetível ao ideário ultraneoliberal. Sua candidatura captou o eleitorado de
extrema-direita, órfão de uma alternativa com a falta de um candidato que pudesse
chamar de seu.
Embora não tenha ido
ao segundo turno, a alta votação em Marçal também não é boa para Bolsonaro, que
foi desafiado abertamente e viu parte de sua base eleitoral migrar para Marçal.
Marçal já declarou que
não apoiará Nunes e anunciou sua intenção de concorrer à presidência em 2026,
consolidando as disputas internas na extrema-direita, expressas publicamente
pelas críticas de Malafaia a Bolsonaro por não ter sido firme em apoiar Nunes.
Marçal agora postula-se em disputa aberta contra grandes figuras como Tarcísio
e Bolsonaro.
Nas eleições
municipais, a conciliação de classes beneficiou tanto a direita quanto a
extrema direita. A expectativa de que a presidência de Lula deslocaria o
cenário para a esquerda não se concretizou.
Pelo contrário, no
regime político, as tendências das eleições apontam para o fortalecimento de
setores que defendem abertamente uma agenda de ataques contra as condições de
vida das massas.
De fundo, as eleições
municipais revelam um regime político cada vez mais pendente à direita.
Um produto direto da
degradação do regime político, com avanços autoritários após o golpe
institucional de 2016 e a implementação de um programa neoliberal de reformas e
ajustes, que foram mantidos pela frente ampla, esse é o resultado da operação
levada adiante por distintas alas para tentar uma normalização política que
habilite a convivência com setores da extrema direita, desde que aceitem as
regras do jogo institucional.
Nunca é demais dizer
que em sua maioria são partidos que apoiam e integram o governo Lula-Alckmin. A
Frente Ampla, com sua política, abriu caminho ao fortalecimento da extrema
direita.
Todos esses elementos
apenas reforçam o que viemos apontando ao longo dos últimos meses.
A conciliação de
classes do governo Lula Alckmin vem fortalecendo a direita, chamada de centrão,
que é o principal sustentáculo da extrema-direita bolsonarista, como é o caso
do PSD que esteve coligado com o PL de Bolsonaro em nada menos que 846 cidades.
O resultado dessas eleições é uma mostra cabal de quem se fortalece com a
política do mal menor.
O caminho para
enfrentar essas variantes da direita e extrema direita não está nas alianças
com setores que aplicaram o golpe institucional e que promovem medidas
antipopulares.
O verdadeiro
enfrentamento deve vir de um programa anticapitalista, que lute pela revogação
de todas as reformas neoliberais e que organize a classe trabalhadora de forma
independente, para que os capitalistas paguem pela crise.
¨
Cidades com mais
emendas Pix tiveram alto índice de reeleição de prefeitos
Levantamento realizado
pela GloboNews mostra que as cidades mais beneficiadas por emendas Pix têm um índice de reeleição dos prefeitos superior a 90%.
Nas 100 cidades que mais receberam esse tipo de transferência, 58 prefeitos
concorriam pela reeleição e 54 conseguiram vencer a disputa.
- As emendas Pix são um tipo específico de emenda
parlamentar — ou seja, uma quantidade específica de dinheiro no orçamento
do governo que terá o seu destino escolhido por algum deputado ou senador.
O apelido “emenda Pix” vem do fato de que esse tipo de emenda é uma
transferência direta de recursos do caixa da União para a conta bancária
de algum estado ou município.
- Por conta disso, as emendas Pix costumam ser criticadas por
falta de transparência: como a transferência é diretamente do governo para
o estado ou município, não há clareza sobre qual será o uso daquele
dinheiro.
O levantamento indica
ainda as quatro cidades mais beneficiadas pelas emendas Pix. Nas três
primeiras, que são Macapá (AP),
Coari (AM) e Coração de Maria (BA), o atual prefeito conseguiu se reeleger. Em
Cotia (SP), quarto maior destino para esse tipo de transferência, o prefeito
Rogerio Franco apoiou a candidata Ângela Maluf (PSD), que foi derrotada.
A correlação entre
emendas Pix e reeleição de prefeitos também coloca luz sobre outra crítica
feita a esse tipo de transferência, relacionada à desigualdade entre
municípios. Parlamentares e senadores costumam direcionar as emendas a cidades
da sua base eleitoral, que ficam privilegiadas frente às outras. O levantamento
indica que este privilégio pode estar resultando em uma aprovação mais alta das
gestões locais, o que dá mais espaço para acordos políticos.
¨ Agora, Lula depende de Boulos para escapar de vexame eleitoral
completo
A lavada tomada pela
esquerda no primeiro turno da eleição municipal, diz a máxima dos políticos,
não deve ser tomada como uma predição do que vai acontecer em 2026 em nível
federal. Mas o presidente Lula (PT) tem motivos de sobra para se preocupar. Se
o seu partido já entrava na disputa como coadjuvante, o fracasso nas capitais
cristaliza um cenário que começou a se desenhar no pleito de 2016, ano do
impeachment da petista Dilma Rousseff.
Após ser humilhado em
2020 em São Paulo, cidade em que o PT disputou com a centro-direita o comando
ao longo de duas décadas, Lula deu a Guilherme Boulos (PSOL) a missão de
confrontar o bolsonarismo e antecipar o clima de 2026.
O segundo turno pode
até acender a chama da polarização, o tempo de TV é igual para todos, mas o
fato é que Boulos tem um Kilimanjaro à sua frente. É virtualmente impossível
que os 28% de votos válidos que quase levaram o fraudulento influenciador ao
segundo turno migrem para o deputado do PSOL.
Ainda assim, nesse
cenário difícil, sobrou a ele a missão de livrar a cara da esquerda lulista
nesse pleito. O PT só foi ao segundo turno em quatro capitais, incluindo São
Paulo, com chances duvidosas. Alguém poderá sacar as vitórias acachapantes de
João Campos (PSB), em Recife, e do “rei do Rio” Eduardo Paes (PSD), mas eles
são aliados de Lula com agendas próprias.
O fato de Gilberto
Kassab (PSD) ser o grande vitorioso do domingo diz muito: o secretário de
Governo do bolsonarista que governa São Paulo pode ser também dono de um
minifúndio no governo Lula, mas ninguém poderá o chamar de um nome da esquerda.
Se Boulos conseguir de
alguma forma ganhar, o presidente cantará vitória, mas suas agruras seguirão as
mesmas. A falta de um discurso que penetre o reduto bolsonarista dos
evangélicos e a paixão fulminante da Faria Lima por um tipo como Marçal são
exemplos da desconexão de Lula com o eleitorado.
Ela se vê de formas
mais anedóticas, como os clichês anos 1970 que adota para sua base, mas vai
além. Seu governo até aqui apresentou um cardápio de ideias recicladas das
gestões dos anos 2000.
A avaliação razoável
de Lula decorre de sua figura, a mais popular do Brasil, ainda que Bolsonaro
rivalize, e do fato de que a economia se mantém sem sobressaltos. Mas isso
parece insuficiente para repetir 2022, quando o grau de ameaça institucional
que Bolsonaro representava de fato levou um eleitorado que não apoiaria Lula
normalmente a escolher o petista. Essas pessoas apertaram o 13, mas não fizeram
o L.
Em dois anos, Lula
precisará fazer algo para conectar-se às classes médias urbanas, que em cidades
como São Paulo pesam tanto quanto os periféricos tão festejados pelos
candidatos, e aos evangélicos. Nada em seu arsenal parece lhe garantir isso, e
a falta de mediadores na figura de prefeitos aliados e populares não lhe
facilitará o jogo.
O clichê das eleições
nacionais/municipais vem sendo desafiado desde 2018, como a ausência de debate
sobre temas da cidade no “telecatch” apresentado ao paulistano neste ano prova.
Assim, sem um sucessor
ungido e viável, Lula caminha por ora sozinho para descobrir qual campo de
direita irá enfrentar em 2026.
Fonte: Esquerda
Diário/Congresso em Foco/FohaPress
Nenhum comentário:
Postar um comentário