segunda-feira, 14 de outubro de 2024

As eleições municipais de 2024 mostram que a Frente Ampla está fortalecendo a direita e extrema direita

Após um 2018 que viu surgir muitos outsiders, 2020 revelou uma perda de força da extrema-direita radicalizada, culminando em 2022 com a eleição de Lula. No entanto, isso ocorreu com uma margem de votos apertada, onde pequenos detalhes poderiam ter alterado os rumos da política nacional.

Atualmente, alguns sinais já podem ser interpretados, mesmo com eleições pendentes em 50 municípios de 20 estados. Mais do que mudanças numéricas, é essencial observar os resultados em grandes centros urbanos, que têm um peso capaz de influenciar os resultados gerais.

Vamos agora aos números.

O PSD foi o partido que mais elegeu prefeitos no primeiro turno, com 878 prefeituras, em comparação com as 659 que havia conquistado em 2020. O partido também foi o que mais venceu nas capitais, ganhando em três delas: Rio de Janeiro, São Luís e Florianópolis.

O MDB ficou em segundo lugar, com 847 prefeituras, também registrando crescimento em relação a 2020, quando venceu em 790 cidades. Atualmente, o partido comanda duas capitais.

Em terceiro, o PP lidera 743 cidades, um aumento em relação às 697 prefeituras conquistadas nas eleições anteriores.

União Brasil, PL e Republicanos ocupam, respectivamente, o quarto, quinto e sexto lugares, com 578, 510 e 430 prefeituras. O PL, partido de Bolsonaro, continua em ascensão, saindo de 297 prefeituras em 2016 para 345 em 2020 e atingindo 510 em 2024.

Em seguida, o PSB recuperou parte das perdas sofridas entre 2016 e 2020. Em 2016, o partido havia vencido em 407 prefeituras, caindo para 252 em 2020, mas agora subiu para 309, ultrapassando o PSDB e o PT. Além disso, teve na eleição de João Campos um dos melhores desempenhos no primeiro turno nas capitais.

O PSDB, por sua vez, registrou seu pior desempenho histórico, com apenas 269 prefeituras, uma queda acentuada em comparação às 799 de 2016. Em São Paulo, o partido obteve apenas 1,89% dos votos, sem eleger nenhum vereador, sinalizando uma decadência que pode levar à sua extinção. Como afirmou o próprio editorial do Estadão, o tucano virou um dodô.

Já o PT, apesar de resultados ainda modestos, teve uma recuperação em relação a 2020. Naquela eleição, o partido elegeu 183 prefeitos, subindo agora para 294.

O mapa de votação mostra que a maioria das vitórias petistas se concentra no Nordeste, onde o partido conquistou mais da metade das prefeituras. Vale ressaltar que o PT foi varrido do ABC paulista, seu berço histórico. Uma fotografia da mudança do seu centro de gravidade.

Por fim, assim como em 2020, o PT não venceu em nenhuma capital. As chances do PT nas capitais no segundo turno são limitadas, com disputas em Natal, Fortaleza, Cuiabá e Porto Alegre, mas em nenhuma dessas cidades o partido lidera.

Gleisi Hoffmann atribuiu o desempenho do PT à sua fase de reconstrução, após os danos sofridos pela operação Lava Jato. No entanto, não parece ser factível imaginar um retorno aos tempos de vacas gordas.

Para se ter uma ideia, em 2012 o PT elegeu 635 prefeitos no primeiro turno, disputando diretamente com o antigo PMDB e o PSDB. O golpe de 2016 representou um marco de declínio, com o partido elegendo apenas 254 prefeitos naquele ano.

O PDT, com 148 prefeituras, registrou uma queda significativa em relação a 2016 e 2020, refletindo sua crescente irrelevância no cenário nacional.

Vale ressaltar que Ciro Gomes não conseguiu emplacar candidaturas em Sobral (reduto histórico) e o prefeito José Sarto nem foi para o segundo turno, demonstrando a decadência de sua figura política, bem como do partido que lidera.

Destacando outros partidos da esquerda institucional, o PCdoB continua em queda. Em 2016, o partido venceu em 81 prefeituras, caindo para 46 em 2020 e agora para apenas 19. O número de vereadores eleitos também diminuiu drasticamente: de 1007 em 2016 para 354 em 2022.

O PSOL teve um desempenho desastroso em Belém com Edmilson Rodrigues, que, com 9,78% dos votos, ficou longe de alcançar o segundo turno. Enquanto isso, Edmilson não demorou a sair em apoio a candidatura sustentada por ninguém menos do que Jader Barbalho. O partido também enfrenta uma disputa difícil em Petrópolis, onde o candidato adversário quase venceu no primeiro turno com 49,96% dos votos.

Somando o total de vereadores o resultado também não foi positivo no compto geral. O PSOL caiu de 93 para 80. Evidentemente se Boulos ganha São Paulo o saldo final do PSOL seria completamente diferente, embora reverter o cenário eleitoral em São Paulo seja uma tarefa difícil.

E a política de Boulos para isso vem sendo incorporar publicamente parte do discurso de seus adversários eliminados, como o empreendedorismo (item indispensável na retórica da direita, que implica precarização do trabalho e negação dos direitos básicos ao segmento mais pauperizado da classe trabalhadora).

O mal chamado centrão, ou "direita fisiológica", foi o grande vencedor destas eleições. Essas siglas, que podem compor tanto com o PT quanto com o PL, seguem uma agenda neoliberal, e esse é o critério definidor de sua composição no espectro da política brasileira.

Pela primeira vez, o PSD ultrapassou o MDB, consolidando seu crescimento nas últimas eleições. Desde sua fundação em 2011, o partido tem ampliado sua presença em prefeituras, passando de 488 em 2012 para 657 em 2020.

Ao que parece, esse partido pode estar ocupando o espaço deixado pelo PSDB, equilibrando-se entre o "bolsonarismo institucional" e o PT.

Um exemplo disso é Gilberto Kassab, principal liderança do partido, é o mais fervoroso defensor da candidatura de Tarcísio de Freitas para 2026, enquanto Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, já declarou enfaticamente apoio a Lula para 2026.
E, nunca é demais lembrar, o PSD tem nada menos do que três ministérios no governo Lula.

É importante comparar também o desempenho das diferentes alas do governo de Frente Ampla. Os partidos de direita, como PSD, MDB, União Brasil e Republicanos, estão com um desempenho muito superior ao da "ala esquerda".

Esse setor, composto por PT, PSOL, PCdoB, PSB, PDT, PV e Rede, somou apenas 19,6% dos votos nacionais, uma queda acentuada em relação aos 37,4% de 2012.

Esse cenário pode impactar a composição do governo, forçando Lula a ampliar o espaço de partidos de centro-direita. E não menos importante, irá aumentar a agenda por mais ataques.

Essas eleições confirmam a tendência de alta taxa de reeleição e fortalecimento da direita fisiológica. Embora o PT tenha alguns êxitos com recuperação de prefeituras e o sucesso de aliados como Eduardo Paes e João Campos, o fortalecimento da direita na superestrutura política é evidente.

Para interpretar bem a correlação de forças nacional é preciso não perder os detalhes. Ainda que vários candidatos apoiados por Bolsonaro triunfaram, uma parte importante deles eram apostas mais “institucionalizadas”. No Rio de Janeiro vimos uma derrota importante do bolsonarismo que apostou suas fichas em Ramagem, e não viu seu candidato nem ir ao segundo turno.

Já em São Paulo, Pablo Marçal se destacou como um símbolo das transformações sociais no Brasil pós-golpe de 2016, unindo empreendedorismo e teologia da prosperidade, com apoio de setores do agronegócio e das classes médias radicalizadas à direita.

Não menos importante, é possível considerar uma base popular precarizada, que já sem direitos fica suscetível ao ideário ultraneoliberal. Sua candidatura captou o eleitorado de extrema-direita, órfão de uma alternativa com a falta de um candidato que pudesse chamar de seu.

Embora não tenha ido ao segundo turno, a alta votação em Marçal também não é boa para Bolsonaro, que foi desafiado abertamente e viu parte de sua base eleitoral migrar para Marçal.

Marçal já declarou que não apoiará Nunes e anunciou sua intenção de concorrer à presidência em 2026, consolidando as disputas internas na extrema-direita, expressas publicamente pelas críticas de Malafaia a Bolsonaro por não ter sido firme em apoiar Nunes. Marçal agora postula-se em disputa aberta contra grandes figuras como Tarcísio e Bolsonaro.

Nas eleições municipais, a conciliação de classes beneficiou tanto a direita quanto a extrema direita. A expectativa de que a presidência de Lula deslocaria o cenário para a esquerda não se concretizou.

Pelo contrário, no regime político, as tendências das eleições apontam para o fortalecimento de setores que defendem abertamente uma agenda de ataques contra as condições de vida das massas.

De fundo, as eleições municipais revelam um regime político cada vez mais pendente à direita.

Um produto direto da degradação do regime político, com avanços autoritários após o golpe institucional de 2016 e a implementação de um programa neoliberal de reformas e ajustes, que foram mantidos pela frente ampla, esse é o resultado da operação levada adiante por distintas alas para tentar uma normalização política que habilite a convivência com setores da extrema direita, desde que aceitem as regras do jogo institucional.

Nunca é demais dizer que em sua maioria são partidos que apoiam e integram o governo Lula-Alckmin. A Frente Ampla, com sua política, abriu caminho ao fortalecimento da extrema direita.

Todos esses elementos apenas reforçam o que viemos apontando ao longo dos últimos meses.

A conciliação de classes do governo Lula Alckmin vem fortalecendo a direita, chamada de centrão, que é o principal sustentáculo da extrema-direita bolsonarista, como é o caso do PSD que esteve coligado com o PL de Bolsonaro em nada menos que 846 cidades. O resultado dessas eleições é uma mostra cabal de quem se fortalece com a política do mal menor.

O caminho para enfrentar essas variantes da direita e extrema direita não está nas alianças com setores que aplicaram o golpe institucional e que promovem medidas antipopulares.

O verdadeiro enfrentamento deve vir de um programa anticapitalista, que lute pela revogação de todas as reformas neoliberais e que organize a classe trabalhadora de forma independente, para que os capitalistas paguem pela crise.

 

¨      Cidades com mais emendas Pix tiveram alto índice de reeleição de prefeitos

Levantamento realizado pela GloboNews mostra que as cidades mais beneficiadas por emendas Pix têm um índice de reeleição dos prefeitos superior a 90%. Nas 100 cidades que mais receberam esse tipo de transferência, 58 prefeitos concorriam pela reeleição e 54 conseguiram vencer a disputa.

  • As emendas Pix são um tipo específico de emenda parlamentar — ou seja, uma quantidade específica de dinheiro no orçamento do governo que terá o seu destino escolhido por algum deputado ou senador. O apelido “emenda Pix” vem do fato de que esse tipo de emenda é uma transferência direta de recursos do caixa da União para a conta bancária de algum estado ou município.
  • Por conta disso, as emendas Pix costumam ser criticadas por falta de transparência: como a transferência é diretamente do governo para o estado ou município, não há clareza sobre qual será o uso daquele dinheiro.

O levantamento indica ainda as quatro cidades mais beneficiadas pelas emendas Pix. Nas três primeiras, que são Macapá (AP), Coari (AM) e Coração de Maria (BA), o atual prefeito conseguiu se reeleger. Em Cotia (SP), quarto maior destino para esse tipo de transferência, o prefeito Rogerio Franco apoiou a candidata Ângela Maluf (PSD), que foi derrotada.

A correlação entre emendas Pix e reeleição de prefeitos também coloca luz sobre outra crítica feita a esse tipo de transferência, relacionada à desigualdade entre municípios. Parlamentares e senadores costumam direcionar as emendas a cidades da sua base eleitoral, que ficam privilegiadas frente às outras. O levantamento indica que este privilégio pode estar resultando em uma aprovação mais alta das gestões locais, o que dá mais espaço para acordos políticos.

 

¨      Agora, Lula depende de Boulos para escapar de vexame eleitoral completo

A lavada tomada pela esquerda no primeiro turno da eleição municipal, diz a máxima dos políticos, não deve ser tomada como uma predição do que vai acontecer em 2026 em nível federal. Mas o presidente Lula (PT) tem motivos de sobra para se preocupar. Se o seu partido já entrava na disputa como coadjuvante, o fracasso nas capitais cristaliza um cenário que começou a se desenhar no pleito de 2016, ano do impeachment da petista Dilma Rousseff.

Após ser humilhado em 2020 em São Paulo, cidade em que o PT disputou com a centro-direita o comando ao longo de duas décadas, Lula deu a Guilherme Boulos (PSOL) a missão de confrontar o bolsonarismo e antecipar o clima de 2026.

O segundo turno pode até acender a chama da polarização, o tempo de TV é igual para todos, mas o fato é que Boulos tem um Kilimanjaro à sua frente. É virtualmente impossível que os 28% de votos válidos que quase levaram o fraudulento influenciador ao segundo turno migrem para o deputado do PSOL.

Ainda assim, nesse cenário difícil, sobrou a ele a missão de livrar a cara da esquerda lulista nesse pleito. O PT só foi ao segundo turno em quatro capitais, incluindo São Paulo, com chances duvidosas. Alguém poderá sacar as vitórias acachapantes de João Campos (PSB), em Recife, e do “rei do Rio” Eduardo Paes (PSD), mas eles são aliados de Lula com agendas próprias.

O fato de Gilberto Kassab (PSD) ser o grande vitorioso do domingo diz muito: o secretário de Governo do bolsonarista que governa São Paulo pode ser também dono de um minifúndio no governo Lula, mas ninguém poderá o chamar de um nome da esquerda.

Se Boulos conseguir de alguma forma ganhar, o presidente cantará vitória, mas suas agruras seguirão as mesmas. A falta de um discurso que penetre o reduto bolsonarista dos evangélicos e a paixão fulminante da Faria Lima por um tipo como Marçal são exemplos da desconexão de Lula com o eleitorado.

Ela se vê de formas mais anedóticas, como os clichês anos 1970 que adota para sua base, mas vai além. Seu governo até aqui apresentou um cardápio de ideias recicladas das gestões dos anos 2000.

A avaliação razoável de Lula decorre de sua figura, a mais popular do Brasil, ainda que Bolsonaro rivalize, e do fato de que a economia se mantém sem sobressaltos. Mas isso parece insuficiente para repetir 2022, quando o grau de ameaça institucional que Bolsonaro representava de fato levou um eleitorado que não apoiaria Lula normalmente a escolher o petista. Essas pessoas apertaram o 13, mas não fizeram o L.

Em dois anos, Lula precisará fazer algo para conectar-se às classes médias urbanas, que em cidades como São Paulo pesam tanto quanto os periféricos tão festejados pelos candidatos, e aos evangélicos. Nada em seu arsenal parece lhe garantir isso, e a falta de mediadores na figura de prefeitos aliados e populares não lhe facilitará o jogo.

O clichê das eleições nacionais/municipais vem sendo desafiado desde 2018, como a ausência de debate sobre temas da cidade no “telecatch” apresentado ao paulistano neste ano prova.

Assim, sem um sucessor ungido e viável, Lula caminha por ora sozinho para descobrir qual campo de direita irá enfrentar em 2026.

 

Fonte: Esquerda Diário/Congresso em Foco/FohaPress

 

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