A batalha do segundo turno e o campo
progressista: é preciso estar atento e forte
A eleição de Lula para
a Presidência em 2022 tirou o Brasil da rota do obscurantismo neofascista,
capitaneado por Jair Bolsonaro (PL) até então. No entanto, o resultado das
eleições deste ano nos 5.569 municípios do país nos mostra que "é preciso
estar atento e forte", como preconizaram Caetano Veloso e Gilberto Gil em
Divino Maravilhoso, entoada para a posteridade na voz de Gal Costa no fatídico
1969, em plena Ditadura Militar.
O recrudescimento do
neofascismo, com o golpe do Centrão em Dilma Rousseff (PT) em 2016 e a entrada
em cena do marginal parlamentar Bolsonaro em 2018, prenunciou a era da
pós-verdade nas campanhas eleitorais. E o ódio e a mentira – em forma de fake
news na mídia liberal e nas redes – colocaram nas mãos da ultradireita a
bandeira antissistema.
Dois anos após o
retorno de Lula ao poder em uma frente ampla contra esse neofascismo, as forças
que unem os interesses financistas transnacionais à burguesia tupiniquim voltam
a se aglutinar pelo Centrão. E o PSD, de Gilberto Kassab, tomou do MDB a liderança
nas prefeituras, elegendo 882 prefeitos no primeiro turno, 26 a mais que o
partido de Michel Temer.
Nas capitais foram
três os eleitos pelo partido de Kassab no primeiro turno, com destaque para
Eduardo Paes no Rio de Janeiro, e outros dois estão na disputa no segundo
turno. Os dados fizeram com que o cacique do PSD fosse cortejado pela Globo,
onde, em três entrevistas em menos de 24 horas, defendeu o alinhamento do PSD a
uma candidatura da terceira via, já flertada pela família Marinho, de Tarcísio
Gomes de Freitas (Republicanos) – caso o militar bolsonarista resolva mesmo
calçar o sapatênis.
• Tudo é perigoso, tudo é divino
maravilhoso
No fervor dos
resultados, a mídia liberal se juntou aos pessimistas das redes e correu para
eleger o campo progressista – e, em especial, o PT – como maior derrotado no
processo eleitoral.
Mas analisando
friamente os números e a conjuntura política se vê que, apesar de não ser
divino maravilhoso, nem tudo é perigoso nessa eleição para a seara da esquerda.
Em balanço das
eleições na TV Fórum, Renato Rovai, diretor de redação da Fórum, pondera que os
dados mostram um copo abastecido ao meio e que se pode olhar "a parte
cheia ou a parte vazia". "Eu diria que temos um copo 60% cheio e, no
máximo, 40% vazio para o campo progressista", compara o jornalista.
"O Guilherme
Boulos (PSOL) foi para o segundo turno com 1% dos votos à frente de Pablo
Marçal (PRTB). Deu Boulos no segundo turno em uma eleição que será muitíssimo
difícil contra Ricardo Nunes. Esta é a grande eleição, onde será a batalha das
batalhas", emenda Rovai, destacando o resultado naquela que foi
classificada por Lula como a eleição mais nacionalizada do país.
• Uma alegria, atenção menina
Em um cenário em que a
ultradireita neoliberal avança sobre grande parte das camadas populares – nicho
eleitoral histórico do campo progressista – e da classe média com a promessa de
"menos direitos e mais empregos" ou com a ideologia da meritocracia,
seja nos púlpitos ou nos cursos de coach, o campo progressista tem alegrias a
serem comemoradas nessas eleições.
“Nós já tínhamos
avaliado que iríamos nos sair melhor do que saímos em 2020, que foi uma eleição
muito difícil para nós. Aliás, a eleição de 2016 foi difícil, a de 2020 foi
difícil e agora a de 2024 mostra um processo de reconstrução do PT no processo
eleitoral local, o que é muito importante”, afirmou a presidenta nacional da
sigla, Gleisi Hoffmann.
A reconstrução após
anos de lawfare da Lava Jato – que colocou Lula na prisão por 580 dias –
somados às décadas de ataques da mídia liberal se mostra no histórico dos
números.
O PT, que chegou a ter
638 prefeituras em 2012, após Lula deixar o governo com mais de 80% de
aprovação e Dilma Rousseff colocar o país no pleno emprego, havia eleito apenas
183 mandatários municipais em 2020.
Nestas eleições, o PT
elegeu 248 prefeitos no primeiro turno – 66 a mais – e disputa o segundo turno
em 13 cidades, sendo quatro capitais. Além de ser protagonista na campanha de
Boulos, candidato de Lula em São Paulo.
Para o cargo
majoritário, o PT obteve 8,9 milhões de votos nestas eleições municipais, 28,2%
a mais que os 6,9 milhões de 2020.
Na capital paulista,
48,1 mil votaram 13 e anularam o voto para o candidato do PSOL, que leva o
número 50. O montante seria suficiente para Boulos terminar o primeiro turno à
frente de Ricardo Nunes.
Em relação ao número
de vereadores, o PT também cresceu, colocando 3.127 filiados nas Câmaras
Municipais – 460 a mais do que em 2020 – com 6,7 milhões de votos, 31,8% a mais
que na eleição anterior.
Prestes a completar 79
anos em 27 de outubro, dia do segundo turno das eleições, Lula avaliou o
"copo" do resultado das eleições e afirmou, ao comentar os dados, que
é hora de "rediscutir" o PT – e por que não o campo progressista?
"Temos que
rediscutir o papel do PT. Hoje 80% dos prefeitos foram eleitos em cinco
estados, todos do Nordeste. Tivemos boa participação no Rio Grande do Sul e em
Minas Gerais ganhamos as que já governamos (Contagem e Juiz de Fora), mas não
fomos bem em São Paulo. Perdemos São Bernardo do Campo, Santo André, perdemos
inclusive Araraquara, onde tínhamos certeza que íamos ganhar. Estamos no
segundo turno em Mauá e Diadema", disse em realista análise em entrevista
à Rádio O Povo CBN, em Fortaleza, na sexta-feira (11), onde faria campanha para
o candidato petista Evandro Leitão na nacionalizada disputa contra André
Fernandes (PL), deputado eleito na carona do bolsonarismo.
• Não temos tempo de temer a morte
Na principal disputa
do segundo turno, Lula promete estar ao lado de Guilherme Boulos de forma mais
enfática na hercúlea missão de conquistar votos em uma parcela da
centro-direita cooptada pelo "neopenteCOACHalismo" – como define
Professor Viaro em seu livro AntiCoach: a Gênese do Caos – de Pablo Marçal.
"Ele tem duas
semanas para convencer as pessoas. Eu, se puder ajudá-lo, vou ajudá-lo",
disse o presidente. "Essa eleição eu tive uma participação mais acanhada,
porque eu sou o presidente da República, eu tenho uma base no Congresso Nacional
muito ampla. Em São Paulo eu me dediquei um pouco, fui duas vezes, porque lá é
uma briga que está estabelecida entre lulismo e bolsonarismo", emendou.
Fugindo dos debates e
escondendo o apoio de Bolsonaro – que tem mais de 60% de rejeição entre os
paulistanos –, Ricardo Nunes registrou 55% das intenções de votos, herdando 85%
do eleitorado do ex-coach e conquistando 31% dos votos daqueles que escolheram
Lula no segundo turno em 2022.
Diante do quadro,
Boulos convocou a militância e vai debater com as pessoas nas ruas para sair
dos 33% projetados pelo Datafolha e chegar aos 50% mais 1 voto necessários para
conquistar a prefeitura da maior cidade do país.
Além de Boulos, o
campo progressista ainda está na disputa direta com o PL, de Bolsonaro, em
outras três capitais.
Na capital cearense,
onde Lula esteve na sexta-feira, Leitão obteve 34,33% dos votos no primeiro
turno contra 40,2% do deputado André Fernandes, que lidera também a primeira
pesquisa Datafolha no segundo turno por 47% a 45%.
Em Cuiabá (MT), o
médico e deputado estadual petista Lúdio Frank Mendes Cabral obteve 28,31% dos
votos e disputa a eleição contra o ultrarreacionário Abílio Brunini (PL), um
dos expoentes do bolsonarismo na Câmara, que obteve 39,61% dos votos válidos.
Em Aracaju (SE), a
disputa é entre Emília (PL), que obteve 41,62% dos votos, contra o pedetista
Luiz Roberto, que registrou 23,86%. Na sexta-feira, o Paraná Pesquisas projetou
a vitória da bolsonarista com 51,5% dos votos válidos contra 38,6%.
O PT ainda tem outras
duas expoentes do partido na Câmara Federal na disputa contra o Centrão em duas
capitais.
Em Porto Alegre (RS),
Maria do Rosário (PT) obteve 26,28% dos votos e impediu a vitória no primeiro
turno do atual prefeito Sebastião Mello (MDB), que obteve 49,72%. Até o
fechamento desta edição, não haviam sido divulgadas pesquisas na capital
gaúcha.
Já em Natal (RN),
Natália Bonavides (PT) conquistou a vaga com 28,45% dos votos contra 44,08% de
Paulinho Freire, do União Brasil. Na capital potiguar também não havia
pesquisas de segundo turno.
Além dessas seis
capitais onde há progressistas na disputa, Lula deve dar apoio em Belém (PA),
onde o deputado estadual Igor Normando (MDB), primo do ministro das Cidades,
Jader Filho, trava uma disputa contra outro ícone do ódio e da violência
obscurantista do bolsonarismo, o deputado Éder Mauro (PL), que se orgulha de
sua história sangrenta e da longa lista de assassinatos que já cometeu.
A resistência do campo
progressista às forças políticas escaladas pela burguesia e o financismo – que
mostram sua face neofascista de tempos em tempos – é histórica. E como canta
Gal de um longínquo – mas presente – 1969 [Atenção para o refrão]: "É preciso
estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte".
<><> As
disputas de segundo turno também acontecem nas seguintes capitais:
• Belo Horizonte (MG): Bruno Engler (PL) e
Fuad Noman (PSD)
• Goiânia (GO): Fred Rodrigues (PL) e
Mabel (União)
• Curitiba (PR): Eduardo Pimentel (PSD) e
Cristina Graeml (PMB)
• Manaus (AM): David Almeida (Avante) e
capitão Alberto Neto (PL)
• Campo Grande (MS): Adriane Lopes (PP) e
Rose Modesto (União)
• João Pessoa (PB): Cicero Lucena (PP) e
Marcelo Queiroga (PL)
• Palmas (TO): Janad Valcari (PL) e
Eduardo Siqueira (Podemos)
• Porto Velho (RO): Mariana Carvalho
(União) e Léo (Podemos)
<><>
Outras cidades em que o campo progressista também tem representantes no segundo
turno:
• Niterói (RJ): Rodrigo Neves (PDT) e
Carlos Jordy (PL)
• Petrópolis (RJ): Hingo Hammes (PP) e
Yuri (PSOL)
• Pelotas (RS): Marroni (PT) e Marciano
Perondi (PL)
• Guarulhos (SP): Lucas Sanches (PL) e
Elói Pietá (SD)
• Diadema (SP): Taka Yamauchi (MDB) e
Filippi (PT)
• Mauá (SP): Marcelo Oliveira (PT) e Atila
(União)
• Sumaré (SP): Henrique do Paraíso
(Republicanos) e Willian Souza (PT)
• Santa Maria (RS): Valdeci Oliveira (PT)
e Rodrigo Decimo (PSDB)
• Olinda (PE): Vinicius Castello (PT) e
Mirella (PSD)
• Anápolis (GO): Marcio Correa (PL) e
Antonio Gomide (PT)
• Paulista (PE): Ramos (PSDB) e Junior
Matuto (PSB)
• Campina Grande (PB): Bruno Cunha Lima
(União) e Dr. Jhony (PSB)
• Camaçari (BA): Caetano (PT) e Flávio
(União)
• Caucaia (CE): Naumi Amorim (PSD) e
Catanho (PT)
• Serra (ES): Weverson Meireles (PDT) e
Pablo Muribeca (Republicanos)
<><>
Ranking de prefeituras por partidos:
1. PSD: 878
2. MDB: 847
3. PP: 743
4. União: 578
5. PL: 510
6. Republicanos: 430
7. PSB: 309
8. PSDB: 269
9. PT: 248
10. PDT: 148
11. Avante: 135
12. Podemos: 122
13. PRD: 76
14. Solidariedade: 62
15. Cidadania: 33
16. Mobiliza: 20
17. PCdoB: 19
18. Novo: 18
19. PV: 14
20. Rede: 4
21. Agir: 3
22. DC: 2
23. PMB: 2
24. PRTB: 1
• As eleições e o futuro político. Por
Marcus Pestana
No domingo (6),
tivemos o primeiro turno das eleições municipais de 2024. Feitas as contas,
começaram os exercícios reproduzindo velhos vícios que se traduzem em uma
pergunta: qual é o recado das urnas?
Nenhum. Há a eterna
tentativa de ver as eleições locais como a antessala das eleições nacionais,
que ocorrem dois anos depois. Ledo engano. Primeiro, porque as eleições
municipais têm baixo conteúdo ideológico. Não se discute o papel do Estado, as
diretrizes econômicas ou os alinhamentos internacionais. A discussão é muito
mais concreta. Ficam na mesa temas como a qualidade do ensino nas escolas de
ensino fundamental, o grau de acesso aos serviços de saúde no SUS, o saneamento
básico e a moradia popular, a mobilidade urbana e o transporte coletivo. E
competência e capacidade de gestão não são monopólios da direita, da esquerda
ou do centro.
Segundo, porque o
eleitor é muito mais sábio que imagina nossa vã filosofia. Não vota em
padrinhos. Os dois atuais maiores líderes populares, Lula e Bolsonaro, tiveram
alguma influência, mas marginal. O eleitor vai, durante a campanha, por um
processo de decantação, desenvolvendo rejeições, erguendo preferências,
consolidando escolhas, numa misteriosa e complexa dinâmica. Mais de 30% dos
eleitores em todo o Brasil abstiveram-se ou votaram nulo e branco.
Sempre tive
resistência à ideia da reeleição, introduzida pelo PSDB. A população demonstrou
que não tem problemas com ela. Mais de 80% dos prefeitos candidatos foram
reeleitos. Prefeito bom, independente de partido e valores ideológicos, fica.
Prefeito ruim é apeado do poder. Os prefeitos de capitais JHC (Maceió – 83,25%
– PL), Bruno Reis (Salvador – 78,66%- União Brasil), João Campos (Recife –
78,11% – PSB) e Eduardo Paes (Rio de Janeiro – 60,47% – PSD) tiveram vitórias
expressivas. Já o prefeito de Teresina, Dr. Pessoa (PRD), obteve apenas 2,2%
dos votos. Em Minas, prefeitas do PT de duas das quatro maiores cidades,
Marília Campos (Contagem) e Margarida Salomão (Juiz de Fora), obtiveram
vitórias inquestionáveis, graças a sua boa avaliação. Há viés ideológico,
incapacidade de avaliação pelo povo ou algum recado das urnas nesses números?
Nenhum. Ventos existem e formam ondas. Há eleições com clima de mudança. A de
2024 foi marcada por ares favoráveis à continuidade.
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E as repercussões para
2026? Inexistentes no essencial. Lula continua muito maior que o PT e a
esquerda. Bolsonaro mantém seu estilo pouco institucionalizado. Dos seis
partidos que elegeram mais de 400 prefeitos cada (PSD, MDB, PP, União, PL e
Republicanos), cinco deles estarão, como sempre, dentro de uma postura
pragmática, prontos para apoiar e ter ministros em governos futuros da direita,
da esquerda ou do centro. O PSD, maior vitorioso, com a eleição de 878
prefeitos no primeiro turno, abriga seu dirigente maior, Gilberto Kassab –
principal assessor do Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, potencial
candidato da direita em 2026 –, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o
ministro Alexandre da Silveira alinhados com Lula e com o Governo Federal.
Portanto, devagar com
andor analítico que o santo da política é de barro. O povo votou procurando o
melhor gestor para o seu cotidiano nas cidades. A manutenção ou a mudança dos
atuais rumos nacionais estão por ser construídas e não há nenhum recado das urnas
sobre isto.
Fonte: Fórum/Congresso
em Foco
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