segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Consumo excessivo de carne e uso de agrotóxicos agravam crise ambiental global

Os sistemas alimentares e agrícolas, considerados insustentáveis, estão no centro de uma crise global que ameaça o futuro da humanidade, alertam especialistas no recém-lançado livro “Regenerative Farming and Sustainable Diets”. Diante de uma agricultura intensiva que impulsiona a degradação ambiental, pesquisadores, fazendeiros e ativistas apontam para uma transformação urgente. Entre as soluções propostas estão dietas à base de plantas, práticas indígenas, pressão do consumidor e até a alimentação vegana para animais de estimação.

A realidade agrícola atual é impactante. Cientistas destacam que, em meio ao aumento do consumo de carne, a demanda por insumos químicos também cresceu, agravando a poluição do solo, ar e água, além de acelerar o desmatamento e a perda de biodiversidade. Tim Benton, um dos autores, argumenta que essa é uma das principais causas da crise planetária, e reforça que a transição para práticas mais sustentáveis deve ser uma prioridade global.

Por outro lado, a esperança surge de exemplos práticos e inovadores, como o do fazendeiro britânico David Finlay, que abandonou a agricultura intensiva em prol de uma produção mais compassiva. Em apenas oito anos, Finlay conseguiu reestruturar sua fazenda, mantendo os bezerros com suas mães por mais tempo, alimentando o gado com forragem natural e promovendo o aumento da biodiversidade local. Essa mudança resultou em uma produção “climaticamente positiva”, comprovando que é possível conciliar eficiência econômica com respeito ao meio ambiente.

A acadêmica indiana Vandana Shiva reforça a importância dos povos indígenas, que, apesar de ocuparem apenas 22% das terras, são responsáveis por proteger 80% da biodiversidade global. Ela destaca que práticas agrícolas ecológicas, como o uso maximizado da fotossíntese e a regeneração do solo, podem mitigar as emissões de carbono e combater a fome. Shiva ressalta que essas práticas devem ser implementadas imediatamente, sem adiamentos.

Além disso, dietas à base de plantas são apresentadas como uma estratégia central para melhorar a saúde humana e planetária. A médica Shireen Kassam cita evidências de que uma alimentação predominantemente vegetal pode reduzir mortes por doenças em mais de 60% e casos de câncer em até 40%. A dieta proposta pelo estudo EAT-Lancet, que sugere que 85% da energia humana venha de alimentos vegetais, é um dos modelos sugeridos.

No entanto, as discussões vão além dos humanos. Andrew Knight, outro pesquisador, propõe que cães e gatos também sejam alimentados com dietas veganas, argumentando que a produção de ração animal contribui significativamente para o impacto ambiental do setor pecuário. Knight calcula que, se todos os animais de estimação fossem alimentados dessa maneira, seria possível reduzir drasticamente o número de vertebrados mortos e economizar recursos suficientes para alimentar a população da União Europeia.

O papel dos consumidores e governos também é amplamente debatido. Henry Dimbleby, cofundador da rede de restaurantes Leon e consultor do governo britânico, enfatiza que a legislação deve ser o motor das mudanças necessárias. Ele acredita que tanto agricultores quanto consumidores não possuem incentivos suficientes para impulsionar a transformação de forma voluntária, especialmente quando se trata de produtos mais baratos e de origem animal.

Em contraponto, James Bailey, diretor executivo da Waitrose, defende que a mudança será impulsionada pelos consumidores. Segundo ele, o aumento de produtos veganos nas prateleiras de supermercados nos últimos anos reflete uma mudança nas prioridades dos compradores, que estão mais conscientes sobre a sustentabilidade dos alimentos que consomem.

Com abordagens diferentes, o consenso entre os autores do livro é claro: a transição para práticas regenerativas é urgente e possível. É necessário aprender com os métodos indígenas e ecológicos, reduzir o consumo de carne, repensar a alimentação animal e exigir de governos e indústrias uma reestruturação profunda dos sistemas alimentares. Somente assim será possível alimentar uma população crescente e, ao mesmo tempo, proteger o planeta e sua biodiversidade.

 

•        Rede social financiada pelo governo dos EUA ataca cientistas e jornalistas críticos do uso de agrotóxicos

Uma rede secreta financiada pelo governo dos EUA está sendo utilizada para descredibilizar críticos de pesticidas e promover interesses da indústria agroquímica global. Dados de figuras influentes, como pesquisadores da ONU e personalidades da mídia, são compilados em perfis detalhados e compartilhados em um portal restrito. Esses documentos revelam que, além de questionar o uso de pesticidas, as críticas à agricultura industrial e o apoio à agroecologia também são alvos frequentes.

Investigação liderada por veículos internacionais de mídia, como o The Guardian, em parceria com Lighthouse Reports e outras entidades, trouxe à tona a atuação de uma empresa norte-americana de “gestão de reputação” chamada v-Fluence. Contratada por gigantes do setor agroquímico, como Syngenta e Monsanto, a empresa tem como um de seus principais clientes o próprio governo dos EUA, por meio de contratos com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAid). A v-Fluence desempenha um papel central na criação e disseminação de perfis depreciativos sobre opositores dos interesses da indústria, a fim de neutralizar as críticas aos pesticidas e às culturas geneticamente modificadas (GM).

O portal de acesso restrito, criado pela v-Fluence e nomeado “Bonus Eventus”, não se limita a compartilhar informações públicas. Ele hospeda dados pessoais sensíveis de cientistas, jornalistas e ativistas, como endereços residenciais e até detalhes sobre a vida familiar. O jornalista de alimentação Michael Pollan e o escritor Mark Bittman estão entre as figuras midiáticas visadas, enquanto o portal inclui perfis de mais de 500 opositores aos pesticidas e às culturas GM, espalhados pelo mundo.

Esses esforços são amplamente vistos como uma tentativa de minar o crescente apoio global a métodos de agricultura sustentável e orgânica. Em resposta às revelações, muitos questionam o uso de recursos públicos para financiar o ataque a críticos. Especialistas da ONU, como Hilal Elver, apontam que o dinheiro destinado a essas ações poderia ter sido melhor investido em pesquisas sobre os impactos dos pesticidas na saúde humana e no meio ambiente.

A rede, que conta com mais de mil membros de diferentes setores, incluindo funcionários do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) e executivos das maiores corporações agroquímicas, foi criada sob o pretexto de combater a “ameaça” representada por movimentos agroecológicos e organizações que promovem a agricultura orgânica. Os contratos da v-Fluence com o governo dos EUA incluíam, entre outras atividades, a promoção de culturas GM na África e na Ásia, regiões onde a aceitação desse tipo de tecnologia enfrenta forte resistência local.

Enquanto a Syngenta nega qualquer ligação entre seu herbicida paraquat e a doença de Parkinson, a v-Fluence foi apontada como co-ré em processos judiciais que investigam as tentativas da empresa de ocultar os riscos relacionados a seus produtos. Jay Byrne, fundador da v-Fluence e ex-executivo da Monsanto, liderou essa empreitada para suprimir informações científicas desfavoráveis à indústria.

A oposição às culturas geneticamente modificadas tem sido particularmente intensa no Quênia, onde cerca de 40% da população trabalha no setor agrícola. Em 2019, uma conferência científica que discutiria os efeitos dos pesticidas foi minada por esforços de Byrne e sua equipe, que pressionaram patrocinadores a retirarem seu apoio financeiro ao evento.

Em um contexto em que os riscos à saúde associados ao uso de pesticidas são cada vez mais reconhecidos — como doenças neurodegenerativas, câncer e problemas reprodutivos —, as revelações sobre o envolvimento de órgãos estatais na promoção dos interesses da indústria agroquímica levantam sérias preocupações éticas e de saúde pública.

 

Fonte: eCycle

 

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