Consumo excessivo de carne e uso de
agrotóxicos agravam crise ambiental global
Os sistemas
alimentares e agrícolas, considerados insustentáveis, estão no centro de uma
crise global que ameaça o futuro da humanidade, alertam especialistas no
recém-lançado livro “Regenerative Farming and Sustainable Diets”. Diante de uma
agricultura intensiva que impulsiona a degradação ambiental, pesquisadores,
fazendeiros e ativistas apontam para uma transformação urgente. Entre as
soluções propostas estão dietas à base de plantas, práticas indígenas, pressão
do consumidor e até a alimentação vegana para animais de estimação.
A realidade agrícola
atual é impactante. Cientistas destacam que, em meio ao aumento do consumo de
carne, a demanda por insumos químicos também cresceu, agravando a poluição do
solo, ar e água, além de acelerar o desmatamento e a perda de biodiversidade.
Tim Benton, um dos autores, argumenta que essa é uma das principais causas da
crise planetária, e reforça que a transição para práticas mais sustentáveis
deve ser uma prioridade global.
Por outro lado, a
esperança surge de exemplos práticos e inovadores, como o do fazendeiro
britânico David Finlay, que abandonou a agricultura intensiva em prol de uma
produção mais compassiva. Em apenas oito anos, Finlay conseguiu reestruturar
sua fazenda, mantendo os bezerros com suas mães por mais tempo, alimentando o
gado com forragem natural e promovendo o aumento da biodiversidade local. Essa
mudança resultou em uma produção “climaticamente positiva”, comprovando que é
possível conciliar eficiência econômica com respeito ao meio ambiente.
A acadêmica indiana
Vandana Shiva reforça a importância dos povos indígenas, que, apesar de
ocuparem apenas 22% das terras, são responsáveis por proteger 80% da
biodiversidade global. Ela destaca que práticas agrícolas ecológicas, como o
uso maximizado da fotossíntese e a regeneração do solo, podem mitigar as
emissões de carbono e combater a fome. Shiva ressalta que essas práticas devem
ser implementadas imediatamente, sem adiamentos.
Além disso, dietas à
base de plantas são apresentadas como uma estratégia central para melhorar a
saúde humana e planetária. A médica Shireen Kassam cita evidências de que uma
alimentação predominantemente vegetal pode reduzir mortes por doenças em mais de
60% e casos de câncer em até 40%. A dieta proposta pelo estudo EAT-Lancet, que
sugere que 85% da energia humana venha de alimentos vegetais, é um dos modelos
sugeridos.
No entanto, as
discussões vão além dos humanos. Andrew Knight, outro pesquisador, propõe que
cães e gatos também sejam alimentados com dietas veganas, argumentando que a
produção de ração animal contribui significativamente para o impacto ambiental
do setor pecuário. Knight calcula que, se todos os animais de estimação fossem
alimentados dessa maneira, seria possível reduzir drasticamente o número de
vertebrados mortos e economizar recursos suficientes para alimentar a população
da União Europeia.
O papel dos
consumidores e governos também é amplamente debatido. Henry Dimbleby,
cofundador da rede de restaurantes Leon e consultor do governo britânico,
enfatiza que a legislação deve ser o motor das mudanças necessárias. Ele
acredita que tanto agricultores quanto consumidores não possuem incentivos
suficientes para impulsionar a transformação de forma voluntária, especialmente
quando se trata de produtos mais baratos e de origem animal.
Em contraponto, James
Bailey, diretor executivo da Waitrose, defende que a mudança será impulsionada
pelos consumidores. Segundo ele, o aumento de produtos veganos nas prateleiras
de supermercados nos últimos anos reflete uma mudança nas prioridades dos compradores,
que estão mais conscientes sobre a sustentabilidade dos alimentos que consomem.
Com abordagens
diferentes, o consenso entre os autores do livro é claro: a transição para
práticas regenerativas é urgente e possível. É necessário aprender com os
métodos indígenas e ecológicos, reduzir o consumo de carne, repensar a
alimentação animal e exigir de governos e indústrias uma reestruturação
profunda dos sistemas alimentares. Somente assim será possível alimentar uma
população crescente e, ao mesmo tempo, proteger o planeta e sua biodiversidade.
• Rede social financiada pelo governo dos
EUA ataca cientistas e jornalistas críticos do uso de agrotóxicos
Uma rede secreta
financiada pelo governo dos EUA está sendo utilizada para descredibilizar
críticos de pesticidas e promover interesses da indústria agroquímica global.
Dados de figuras influentes, como pesquisadores da ONU e personalidades da
mídia, são compilados em perfis detalhados e compartilhados em um portal
restrito. Esses documentos revelam que, além de questionar o uso de pesticidas,
as críticas à agricultura industrial e o apoio à agroecologia também são alvos
frequentes.
Investigação liderada
por veículos internacionais de mídia, como o The Guardian, em parceria com
Lighthouse Reports e outras entidades, trouxe à tona a atuação de uma empresa
norte-americana de “gestão de reputação” chamada v-Fluence. Contratada por gigantes
do setor agroquímico, como Syngenta e Monsanto, a empresa tem como um de seus
principais clientes o próprio governo dos EUA, por meio de contratos com a
Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAid). A
v-Fluence desempenha um papel central na criação e disseminação de perfis
depreciativos sobre opositores dos interesses da indústria, a fim de
neutralizar as críticas aos pesticidas e às culturas geneticamente modificadas
(GM).
O portal de acesso
restrito, criado pela v-Fluence e nomeado “Bonus Eventus”, não se limita a
compartilhar informações públicas. Ele hospeda dados pessoais sensíveis de
cientistas, jornalistas e ativistas, como endereços residenciais e até detalhes
sobre a vida familiar. O jornalista de alimentação Michael Pollan e o escritor
Mark Bittman estão entre as figuras midiáticas visadas, enquanto o portal
inclui perfis de mais de 500 opositores aos pesticidas e às culturas GM,
espalhados pelo mundo.
Esses esforços são
amplamente vistos como uma tentativa de minar o crescente apoio global a
métodos de agricultura sustentável e orgânica. Em resposta às revelações,
muitos questionam o uso de recursos públicos para financiar o ataque a
críticos. Especialistas da ONU, como Hilal Elver, apontam que o dinheiro
destinado a essas ações poderia ter sido melhor investido em pesquisas sobre os
impactos dos pesticidas na saúde humana e no meio ambiente.
A rede, que conta com
mais de mil membros de diferentes setores, incluindo funcionários do
Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) e executivos das maiores corporações
agroquímicas, foi criada sob o pretexto de combater a “ameaça” representada por
movimentos agroecológicos e organizações que promovem a agricultura orgânica.
Os contratos da v-Fluence com o governo dos EUA incluíam, entre outras
atividades, a promoção de culturas GM na África e na Ásia, regiões onde a
aceitação desse tipo de tecnologia enfrenta forte resistência local.
Enquanto a Syngenta
nega qualquer ligação entre seu herbicida paraquat e a doença de Parkinson, a
v-Fluence foi apontada como co-ré em processos judiciais que investigam as
tentativas da empresa de ocultar os riscos relacionados a seus produtos. Jay
Byrne, fundador da v-Fluence e ex-executivo da Monsanto, liderou essa
empreitada para suprimir informações científicas desfavoráveis à indústria.
A oposição às culturas
geneticamente modificadas tem sido particularmente intensa no Quênia, onde
cerca de 40% da população trabalha no setor agrícola. Em 2019, uma conferência
científica que discutiria os efeitos dos pesticidas foi minada por esforços de
Byrne e sua equipe, que pressionaram patrocinadores a retirarem seu apoio
financeiro ao evento.
Em um contexto em que
os riscos à saúde associados ao uso de pesticidas são cada vez mais
reconhecidos — como doenças neurodegenerativas, câncer e problemas reprodutivos
—, as revelações sobre o envolvimento de órgãos estatais na promoção dos
interesses da indústria agroquímica levantam sérias preocupações éticas e de
saúde pública.
Fonte: eCycle
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