sábado, 12 de outubro de 2024

Presidência do Brasil no BRICS terá taxação de super-rico e combate à pobreza, diz membro da Fazenda

Rússia se prepara para passar o bastão da presidência do BRICS para o Brasil na área econômica durante a Reunião de Ministros de Finanças e Presidentes dos Bancos Centrais do BRICS em Moscou. O representante do Ministério da Fazenda no evento, Antonio Freitas, revelou quais serão as prioridades econômicas da presidência brasileira do bloco.

Nesta sexta-feira (18), Moscou celebra a Reunião de Ministros de Finanças e Presidentes dos Bancos Centrais dos BRICS, para consolidar os resultados da presidência russa do bloco no setor econômico-financeiro. A Sputnik Brasil conversou com o subsecretário de finanças internacionais e cooperação econômica do Ministério da Fazenda, Antonio Freitas, sobre as expectativas do Brasil para o encontro.

A reunião conta com a presença do ministro das Finanças da Rússia, Anton Siluanov, e a presidente do Banco Central, Elvira Nabiullina, para debater temas como melhoria do sistema monetário e financeiro internacional, segurança da informação e o aprimoramento do Acordo Contingente de Reservas do BRICS.

"Hoje atingimos o ápice do processo negociador do BRICS na área econômico-financeira durante a presidência russa nesse ano", disse o subsecretário Antonio Freitas à Sputnik Brasil. "Temos um comunicado conjunto que já está encaminhado para aprovação e um relatório que será transmitido aos líderes durante a Cúpula [de Chefes de Estado] do BRICS em Kazan."

A presença do Ministério da Fazenda no evento é particularmente importante, já o Brasil assumirá a presidência do BRICS para o ano de 2025. De acordo com o representante da pasta, Antonio Freitas, o Brasil aproveitará a sua experiência de 2024 na presidência do G20 para trazer temas como combate à fome e à pobreza, de cooperação em tributação internacional e financiamento sustentável para o BRICS.

"Pretendemos carregar um pouco da agenda do G20 para o BRICS, aproveitando as experiências e relações que construímos durante esse ano [de 2024]", declarou Freitas. "Queremos negociações internacionais que beneficiem a população, que se traduzam em melhorias concretas das condições de vida."

Nesse contexto, o debate sobre a taxação dos super-ricos pode migrar da presidência do Brasil do G20 para o BRICS, acredita Freitas. Apesar de ser atribuição dos Estados, o estabelecimento de um sistema de taxação mais justo e progressivo depende da cooperação internacional.

"Temos uma fração muito minoritária da população mundial que acumula uma fortuna absolutamente desproporcional, por meio de variações de preços de ativos no mercado financeiro. [...] temos empresas que montam sede em países com tributação mais favorecida, lucram bilhões, mas pagam muito poucos impostos", explicou Freitas. "Queremos criar padrões mínimos para uma tributação mais justa e progressiva."

O subsecretário do Ministério da Fazenda acredita que essa pauta encontrará eco no BRICS, ainda que "o tempo de maturação [das negociações] no plano internacional não é igual ao do nosso cotidiano".

"É um trabalho de construção de consensos e conscientização para que a economia global funcione de maneira mais equilibrada", disse Freitas. "E para que os recursos arrecadados sejam canalizados para o combate à fome e às mudanças do clima, que são urgências muito importantes que enfrentamos."

A construção de consensos sempre foi um diferencial do BRICS, grupo de economias com interesses convergentes na arena internacional. No entanto, a reunião de ministros da Economia e presidentes de Bancos Centrais desta sexta-feira (11) em Moscou é a primeira com a presença dos novos membros do grupo, como Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Irã.

"A presença dos novos membros ajuda [o Brasil a atingir as suas metas econômico-financeiras], aumenta a relevância política e capacidade de articulação do grupo. Por outro lado, se torna um pouco mais desafiador atingir consensos", asseverou Freitas. "Os membros do grupo são todos países com autonomia e independência, [...] então temos um desafio um pouco maior nas negociações."

No entanto, a tarefa de negociar com tantos países diferentes está à altura do Brasil, acredita Freitas. Segundo ele, "o Brasil é um país com uma capacidade de diálogo muito forte", reforçada pela liderança do presidente Lula, "que gosta de operar no tabuleiro multilateral".

Lula, Xi Jinping, Cyril Ramaphosa, Narendra Modi, e Sergei Lavrov posam para uma foto do grupo BRICS durante a Cúpula do BRICS de 2023, no Centro de Convenções de Sandton em Joanesburgo. África do Sul, 23 de agosto de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 11.10.2024

Lula, Xi Jinping, Cyril Ramaphosa, Narendra Modi, e Sergei Lavrov posam para uma foto do grupo BRICS durante a Cúpula do BRICS de 2023, no Centro de Convenções de Sandton em Joanesburgo. África do Sul, 23 de agosto de 2023

© AP Photo / Gianluigi Guercia

"O Brasil tem uma tradição multilateral forte e estabelecida. Então, embora os desafios [no BRICS] sejam evidentemente maiores com nove países do que com cinco, eu confio muito na capacidade brasileira de trazer os membros para objetivos comuns", disse Freitas.

O Ministério da Fazenda também planeja manter as pautas econômico-financeiras tradicionais do BRICS, centradas na construção de soluções financeiras alternativas para países do Sul Global. Temas como o comércio e investimentos em moeda local serão mantidos, confirmou Freitas.

"O Brasil vai impulsionar esses temas, que têm um fluxo já quase espontâneo [no âmbito do BRICS]. Queremos também criar mecanismos de direcionamento das reservas dos países emergentes para outros emergentes", apontou o representante do Ministério da Fazenda. "A maior diversificação das relações não apenas comerciais, mas econômico-financeiras, não é somente algo positivo, mas também garante estabilidade para a economia internacional como um todo."

Os resultados da reunião de Ministros das Finanças e Presidentes dos Bancos Centrais do BRICS serão apresentados aos chefes de Estado do bloco durante a Cúpula de Kazan, a ser realizada entre os dias 22 e 23 de outubro na Rússia. Além da presença confirmada do presidente Lula e demais chefes de Estado do bloco, líderes como o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, também confirmaram sua presença.

Representantes dos Ministérios da Economia e Banco Centrais dos BRICS reunidos em Moscou para reunião em 11 de outubro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 11.10.2024

Representantes dos Ministérios da Economia e Banco Centrais dos BRICS reunidos em Moscou para reunião em 11 de outubro de 2024

© Sputnik / Pelagia Tikhonova

De acordo com o assessor para assuntos internacionais da presidência da Rússia, Yuri Ushakov, delegações de 32 países já confirmaram presença em Kazan, além do secretário geral da ONU, Antonio Gutierrez, no que poderá ser um dos maiores eventos em número de chefes de Estado realizados na história da Rússia contemporânea.

¨      BRICS: secretário da Saúde diz à Sputnik que Brasil lidera debate no desenvolvimento global 

a 4ª Reunião entre Ministros da Saúde do BRICS, que acontece hoje (9) e amanhã (10), em evento que marca a expansão do bloco para dez países, o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (SECTICS), Carlos Augusto Grabois, destacou à Sputnik Brasil a importância da cooperação internacional no setor.

"Esta reunião do BRICS é uma reunião que é revestida de um marco muito importante. É a primeira reunião que contempla o BRICS ampliado, agora com dez países", afirmou Gadelha. Para ele, essa ampliação reforça o compromisso do Brasil, sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ministra Nísia Trindade Lima, em consolidar a saúde global como prioridade central.

O evento também foi marcado pelo lançamento da primeira revista científica do bloco, chamada BRICS Health Journal, na qual o Brasil foi responsável por assinar o artigo inaugural.

"Nós pudemos apresentar o primeiro artigo. O primeiro artigo […] que abre a revista é uma contribuição do Brasil", explicou o secretário, frisando a importância de entender a saúde como um vetor de desenvolvimento.

<><> Saúde no BRICS: desafios e oportunidades

À Sputnik, Gadelha ainda ressaltou os desafios e as oportunidades de cooperação no combate a doenças, como a tuberculose e a resistência antimicrobiana — problemas que afetam milhões de pessoas anualmente.

"A gente sabe que o uso desmedido na saúde humana e animal de antibióticos está levando a um problema seríssimo, com mais de 5 milhões de mortes por ano no caso de pessoas onde o antibiótico e onde os antimicrobianos deixam de fazer efeito", pontuou.

Além das doenças, o secretário enfatizou a necessidade de um sistema global de vigilância epidemiológica mais robusto, para prevenir futuras pandemias e emergências sanitárias. "A pandemia mostrou, de modo muito perverso, que quem não tem tecnologia e inovação não cuida de sua gente, não cuida do planeta", alertou.

Ele sugeriu que, por meio da cooperação no BRICS, é possível reduzir a dependência tecnológica dos países em desenvolvimento, promovendo mais autonomia e acesso a bens essenciais, como vacinas e medicamentos.

O secretário também mencionou a visão de sustentabilidade, reforçando que a inovação deve estar a serviço da qualidade de vida das pessoas e da preservação ambiental.

"Saúde é bem-estar social, saúde é desenvolvimento econômico e saúde é desenvolvimento sustentável", afirmou, defendendo que a agenda de saúde do BRICS deve estar alinhada a esses princípios.

Segundo Gadelha, o Brasil traz ao BRICS uma proposta de desenvolvimento econômico que se integra à sustentabilidade ambiental e ao bem-estar social. Ainda, afirmou que a saúde é, além de tudo, uma "agenda de solidariedade internacional", citando o apoio humanitário que o Brasil oferece a países em crise, como Gaza e o Líbano.

Carlos Gadelha sintetizou a visão do Brasil para a cooperação internacional no setor da saúde: "Saúde é desenvolvimento, saúde é bem-estar, saúde é crescimento econômico, saúde é sustentabilidade ambiental e, principalmente, saúde, produção e inovação só se justificam se for para cuidar de você, para cuidar das pessoas".

 

¨      Índia busca lugar ao sol num Brics dominado pela China

Com a cúpula do Brics em Kazan, no sudoeste da Rússia, marcada para o fim de outubro, a Índia parece ocupar uma posição única dentro do bloco de nações emergentes. O acrônimo originalmente se referia ao Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, mas em janeiro de 2024 o grupo passou a incluir a Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã, e esse será seu primeiro encontro integral.

De um lado estão os chineses, russos e iranianos, com posições basicamente anti-Ocidente; enquanto egípcios, emiradenses e sauditas mantêm um equilíbrio delicado entre suas parcerias ocidentais e os fortes laços econômicos com Pequim. Por exemplo: todos os membros do Brics, exceto Índia e Brasil, fazem parte da Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative).

Até mesmo este último, apesar de não integrar a iniciativa, está sendo cortejado pela China, que compra um terço das exportações brasileiras. Por sua vez, a Índia é o único membro do Brics com laços econômicos crescentes com o Ocidente e relações cada vez mais tensas com Pequim.

A rivalidade entre os dois gigantes asiáticos se deve sobretudo às tensões latentes ao longo de sua fronteira de facto, denominada Linha de Controle Real (LAC, na sigla em inglês), cuja extensão, segundo os indianos, seria de 3.488 quilômetros, mais do que lhe atribuem os chineses.

  • Brics em processo de transição

A Índia está a caminho de se transformar na terceira maior economia, depois dos Estados Unidos e da China. Enquanto isso, a África do Sul e o Brasil são atualmente "economias em dificuldades", afirma Harsh Pant, vice-presidente do think tank indiano Observer Research Foundation.

"Então, os contornos entre os cinco membros originais também mudaram. E o ingresso de novos atores está tornando o bloco ainda mais caótico", uma vez que a agenda do grupo se desvia para discussões extensas sem produzir resultados significativos.

Nova Déli é agora parceira de alianças estratégicas com o Ocidente com o fim de se contrapor à China no Indo-Pacífico – como o grupo Quad, completado pela Austrália, Estados Unidos e Japão. "O desafio é o que fazer com uma plataforma como o Brics, pois há contradições bastante evidentes, e não acho que possam ser ocultadas", prossegue Pant.

Sreeram Chaulia, decano da Jindal School of International Affairs, também vê o bloco dos emergentes em processo de transição: "Se não tivesse ocorrido essa ampliação, seria só um clube de bate-papo, sem muito valor para a Índia, nem estratégico nem econômico. Mas agora que houve a expansão, há uma competição, e não queremos ceder esse espaço para a China."

As nações do Brics ampliado são responsáveis por mais de 37% do PIB global, mais do que o dobro do que o da União Europeia. Tanto o bloco europeu quanto os EUA veem, na aposta chinesa de ampliar o círculo inicial de cinco países, parte de uma campanha por maior influência global.

"A China está definitivamente considerando o Brics+ como um veículo para atingir o Ocidente, e é o que vem tentando. Mas nesta rodada de expansão, ela não teve a última palavra", explica Chaulia. Mais recentemente, Pequim também acolheu a candidatura do Paquistão, com rápido apoio pela Rússia. Porém, segundo observadores, as chances de o arqui-inimigo da Índia ser aceito no heterogêneo bloco são mínimas.

"O que é que países altamente endividados, resgatados várias vezes pelo FMI, vão poder contribuir para o Brics? Ele vai se transformar num clube de mendigos, em vez de um clube dos capazes de ajudar aos outros", critica Chaulia. "Acho que o Brics vai ser contestado, e para a China não será fácil conduzi-lo ou dominá-lo, mas ela tem, de fato, muitos trunfos."

Uma pesquisa da Universidade de Stanford indicou que a potência asiática é a maior credora do mundo, com a maioria dos empréstimos indo para países em desenvolvimento. Por outro lado, apesar de ter cerca de um quinto do tamanho da China, a Índia possui tanto a grande economia que cresce mais rápido, quanto a maior população jovem. Ela vem defendendo um mecanismo para incluir mais parceiros no Brics – um tópico que provavelmente será decidido na cúpula de Kazan.

  • Índia buscando vantagens num mundo multipolar

Segundo certos especialistas, a Rússia é um outro ponto focal para a Índia: esta tem laços profundos com Moscou em defesa e tecnologia, setores em que vê a necessidade de contrabalançar a influência de Pequim.

"A China forneceu aos russos um baluarte contra a Ocidente que a Índia não é capaz, nem gostaria de dar", analisa Pant. "O desafio para a Índia aqui é manter uma relação com a Rússia que sirva a seus interesses básicos, seja defesa, a Ásia Central ou energia."

Não obstante, o ex-secretário de Relações Econômicas do Ministério do Exterior indiano Rahul Chhabra sugere que Moscou talvez não esteja sempre alinhada com Pequim: "A China não é um ponto cego para a Rússia, elas têm as suas questões entre si, que possivelmente não vêm à tona a toda vez, mas que estão lá."

O político – que esteve presente na cúpula do Brics de 2010, quando a África do Sul foi admitida – lembra que o bloco não pode ser visto isoladamente de outras plataformas disponíveis para Nova Déli. Assim, a nova ampliação também significaria para o país outras possibilidades de avançar seus próprios interesses econômicos.

Além disso, o Brics seria único por abarcar tanto grandes produtores quanto grandes consumidores de petróleo – enquanto até mesmo a Opep é apenas um grupo de produtores: "Com o Irã, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes agora na jogada, cerca de 40% do petróleo está nas mãos desse grupo", enfatiza Chhabra.

"Se eles conseguirem usar os mecanismos do Brics de pagamento e outros para saldar as contas, o impacto será grande." Quanto ao atual debate sobre a dolarização dentro do bloco, isso "certamente beneficiará a China e também a Índia".

Atualmente o país depende profundamente da Rússia e do Irã para cobrir sua demanda energética. O ex-secretário ministerial indiano reitera que toda plataforma é importante num mundo multipolar onde a Índia está tratando de cuidar dos próprios interesses, "e esta é uma plataforma onde estamos ditando as regras, como parte dos cinco pioneiros": "É uma tela em branco, o que quer que a gente desenhe, é o que se poderá fazer dela."

 

Fonte: Sputnik Brasil/DW Brasil

 

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