sábado, 12 de outubro de 2024

O Nordeste está endireitando?

Toda eleição é a mesma coisa. Visto como um reduto da esquerda, o Nordeste salva ou destrói o Brasil, a depender do espectro político de quem fala.

Agora, na eleição municipal, o resultado do primeiro turno nas capitais da região sinaliza certa vantagem para os candidatos de direita. Das quatro cidades que reelegeram prefeitos – Maceió, Recife, Salvador e São Luís –, apenas João Campos, do PSB, tinha o apoio do PT no Recife.

Em Teresina, é significativa a derrota do petista Fábio Novo, logo no primeiro turno, para Sílvio Mendes, do União Brasil, que apoiou abertamente Bolsonaro em 2022.

Nas outras capitais que terão segundo turno, a direita largou na frente em três – Fortaleza, Natal e Aracaju. Em João Pessoa, a esquerda não tem mais chance de vitória – os dois candidatos que disputam a vaga são de direita: Cícero Lucena, do PP, e o ex-ministro da saúde no governo Bolsonaro, Marcelo Queiroga, do PL.

A capital do Ceará merece destaque no contexto em que reproduz, no segundo turno, a acirrada disputa dos últimos anos entre esquerda e extrema direita, com o candidato André Fernandes, do PL, rivalizando com o petista Evandro Leitão.

Cada um deles tem cabos eleitorais populares atuando em suas campanhas – Nikolas Ferreira e Jair Bolsonaro, de um lado, e Lula e Camilo Santana, do outro. Um jogo de forças que antecipa o que está por vir em 2026.

Comparamos os dados das urnas no primeiro turno, em Fortaleza, com os dados de 2018, 2020 e 2022. Eles mostram que a direita ganhou terreno na comparação entre 2018 e 2022 e que os votos no PT na última eleição nacional não se repetiram, na mesma proporção, na eleição municipal deste ano.

Em 2018, Bolsonaro ganhou apenas em uma zona eleitoral de Fortaleza. Já em 2022, aumentou o número de votos em 12 das 17 zonas, um indicativo de que ampliou sua base eleitoral. Ao mesmo tempo, o PT também teve mais votos dois anos atrás, com Lula ganhando em todas as zonas eleitorais.

Este ano, o desempenho de André Fernandes nas urnas foi mais próximo do resultado que Bolsonaro obteve em Fortaleza em 2022, apesar de 11,2% menor. Já o petista Evandro Leitão ficou bem distante do apoio que Lula recebeu na capital há dois anos: sua votação foi 45,5% menor.

Diante dos resultados do primeiro turno,  o Nordeste está endireitando? E o que isso significa para as eleições de 2026?

Fizemos essas perguntas para o petista, historiador e ex-deputado estadual do Ceará, Acrísio Sena; para o analista político e professor do curso de direito da Universidade Regional do Cariri, Djamiro Acipreste; e para a pesquisadora e membro do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará, Monalisa Soares.

<><> Veja o que eles responderam:

•        O resultado do primeiro turno nas capitais do Nordeste mostra certa vantagem dos candidatos de direita. Das quatro cidades que reelegeram prefeitos, apenas João Campos, do Recife, tinha o apoio do PT. Nas quatro capitais que terão segundo turno, a direita largou em vantagem. O Nordeste está endireitando?

Monalisa Soares – Não há um crescimento tão maior do que o que já ocorreu em 2020. O que há, talvez, é um delineamento maior de forças vinculadas à extrema direita. Isso tem a ver com toda a organização que o ex-presidente Bolsonaro e o seu grupo político passaram a ter, visando a disputa deste ano. Eles se organizaram muito mais estrategicamente. O que temos, portanto, é a extrema direita ocupando maior espaço dentro desse crescimento da direita.

No caso do Nordeste, a reeleição dos prefeito de direita Eduardo Braide, em São Luís; JHC, em Maceió, e Bruno Reis, em Salvador, não representam um crescimento. É apenas uma renovação dos mandatos.

O fato é que há um crescimento da direita, mas ele não é tão estrondoso. Em alguns casos, ainda que haja uma afinidade dessas forças com o bolsonarismo, elas também têm histórias próprias, que muitas vezes dizem mais para o eleitor do que a relação com a extrema direita.

Em relação às capitais que terão segundo turno, temos Aracaju e Fortaleza, de fato, com candidaturas do PL à frente. O partido está mais organizado para fazer as disputas nessas cidades.

Acrísio Sena – O PT enfrenta, simultaneamente, três desafios históricos. O primeiro é avançar na reconstrução de suas bases populares e eleitorais, após um processo de perseguição política e judicial patrocinado pela elite brasileira que desejava banir o partido.

O segundo é realizar sua própria renovação política e organizativa e atualizar seu projeto de emancipação social, em um mundo capitalista que usa as novas tecnologias para tentar aniquilar o trabalho e reduzir  toda consciência social ao egoísmo centrado no consumo e no desejo de enriquecimento.

O terceiro é resgatar o Brasil dos escombros deixados pelo desgoverno neofascista de Bolsonaro e fazer isso sob fogo cerrado de uma elite que não admite que o programa eleito em 2022 seja aplicado.

Diante desse quadro complexo, não considero a evidente vitória da direita para decretar que o PT foi derrotado. O partido está muito melhor do que em 2016 e 2020. O governo do presidente Lula avança entre as dificuldades.

Djamiro Acipreste – Eu diria que o Nordeste está “centrando”. Os resultados dessa eleição na região são indicadores importantes, mas não são novos, nem determinantes. Já aconteceu vitória da direita em algumas capitais antes.

Nesse momento, a direita está tendo que avaliar o risco de se aliar à extrema direita. Se der errado, naturalmente, os votos vão migrar para a esquerda. Por outro lado, se ela se alia ao campo progressista, pode fazer o rompimento depois. A direita está em um pêndulo entre os dois extremos e tendo êxito em alguns pontos e derrotas em outros.

•        Em Fortaleza, André Fernandes começa o segundo turno em vantagem em relação a Evandro Leitão. Já em Sobral, reduto dos Ferreira Gomes, a candidata apoiada por Camilo Santana e Cid Gomes, Izolda Cela, perdeu para o bolsonarista Oscar Rodrigues. Em Juazeiro do Norte, Glêdson Bezerra se reelegeu, derrotando o candidato apoiado por Camilo. É possível identificar alguma mudança de pensamento ideológico dos eleitores cearenses? Como explicar a perda de espaço da esquerda em cidades importantes do estado?

Monalisa Soares – Fortaleza foi onde se viu uma organização muito efetiva do PL. Considerando a performance dos deputados do partido e do próprio Bolsonaro no segundo turno, em 2022, a capital do Ceará se transforma em uma arena estratégica de disputa para o PL, já que, no estado, o partido não ganhou nenhuma prefeitura.

Mas é importante pontuar que André Fernandes traz uma campanha fora dos termos da polarização, do léxico bolsonarista mais específico, em termos morais. Ele está articulando uma linguagem anti-sistêmica, anti-elite política cearense, explorando esse provável cansaço do eleitorado com a dominância do mesmo grupo há anos.

Quanto a Juazeiro do Norte e Sobral, as cidades têm dinâmicas locais próprias. Em Sobral, a população estava cansada do grupo político. E a oposição vinha muito bem organizada desde 2016. Mas, tanto lá, quanto em Juazeiro, os vitoriosos já sinalizaram que não têm interesse de disputar com o governo estadual do PT nem com o governo federal.

É verdade que aconteceram essas vitórias importantes, mas isso não necessariamente significa que há um alinhavo de um projeto oposicionista. Destaco que o PSB e o PT, juntos, conquistaram 111 dos 184 municípios cearenses nesta disputa.

Acrísio Sena – Ninguém governa por vários mandatos sem sofrer desgastes. A oposição soube se aproveitar disso e sofremos derrotas importantes.

Mas é preciso considerar que o PT do Ceará e seus aliados têm lideranças reconhecidas e testadas, que são capazes de identificar os desgastes conjunturais e recuperar os espaços, ajustar o projeto e reconquistar as bases perdidas.

Djamiro Acipreste — Ao longo dos anos de hegemonia dos Ferreira Gomes, eles englobaram alguns grupos políticos menores que, posteriormente, ficaram com musculatura forte. Isso levou a uma cisão fratricida, que teve alguns efeitos colaterais, como perder as suas principais referências do interior, a exemplo de Sobral.

Eu entendo que o PT teve derrotas importantes no Ceará muito mais em razão da cisão com os Ferreira Gomes. É um contexto mais complexo do que a mera oposição entre esquerda e direita, progressistas e conservadores, bolsonarismo e lulismo.

•        O que os resultados dessa eleição indicam para 2026? Será mais difícil para a esquerda contar com os votos do Nordeste?

Monalisa Soares – Do ponto de vista mais geral, é importante destacar que, no que o PT cresceu, foi especialmente no Nordeste. O partido aumentou de 183 para 248 prefeituras, sendo 168 delas no Nordeste. Ou seja, 67,7% da força municipalista do PT se encontra na região. O partido está cada vez mais fincado no Nordeste. A força de enraizamento e de interiorização ainda é muito forte aqui.

As eleições locais se tornam mais importantes principalmente para as eleições do parlamento. Partidos que saem fortes, agora, podem ter uma votação mais expressiva para deputados federais, que movimentam o jogo do financiamento partidário eleitoral.

Do ponto de vista presidencial, ainda vamos precisar analisar. Muitos desses partidos de direita que estão crescendo são partidos que possuem conexão com o governo federal, alguns deles têm ministérios. Nos estados, também há essa correlação muito íntima.

A gente vê, sim, o fortalecimento dos candidatos da extrema direita, mais vinculados ao bolsonarismo. Isso tem a ver com toda a atuação estratégica e de composição que eles fizeram para a disputa nestas eleições. Essa atuação estratégica nas capitais, nas grandes cidades, é um dado interessante para a gente observar.

No entanto, é complexo dizer que o eleitorado está mais à direita ou é mais de esquerda pelos dados das eleições municipais.

Acrísio Sena – Nada indica que 2026 será mais difícil para a esquerda do que foi a eleição passada. Em 2022, Lula tinha menos apoio de prefeituras do que tem hoje e venceu.

Creio que a polarização ainda será entre a extrema direita e o PT com seus aliados, que continuam tendo todas as condições para vencer.

O Centrão se fortaleceu, transformando as emendas parlamentares em verbas de financiamento eleitoral. Tem grande representação, mas sua identidade é o fisiologismo e os negócios privados com dinheiro público. Isso não é um bom passaporte para o Planalto.

Djamiro Acipreste – Se eleição de 2026 tiver Lula candidato, se repete, sim, a região Nordeste ser essa referência de voto do PT. Eu acho que é um desenho melhor do que foi em 2022.

Precisaria, primeiro, ter um grande candidato fora do PT e do Lula que mexesse com o Nordeste. Eu acho pouco provável uma candidatura de nordestino contra o Lula. E, se for, é um candidato inexpressivo. Sem o Lula candidato, é um contexto totalmente diferente.

Importante dizer que o MDB e o PSD fizeram 30% das prefeituras do Brasil. Então, esses partidos têm muita força nesse processo. Lembrando que o PSD, hoje, é base do governo Lula e é o principal aliado de Tarcísio Freitas em São Paulo. Esse é um partido extremamente estratégico nesses próximos dois anos para a candidatura de 2026.

 

•        Minas: como a política mudou. Por Rudá Ricci

Minas Gerais jogou fora a sua marca na política e gestão pública.

A primeira grande mudança vem na concepção mineira sobre o papel do Estado. Minas aliou uma visão liberal-conservadora com um conceito desenvolvimentista muito particular. O pêndulo PSD-UDN pode ter sido a costura desta simbiose

JK e Tancredo Neves foram os dois ícones desta tradição em que o Estado tinha uma função nítida como alicerce do desenvolvimento industrial. Não eram exatamente keynesianos, mas não eram ultraliberais ou cooptados pelo agro.

JK foi muito criticado por um viés que na época se denominou de “entreguista” ao abrir espaço para indústrias de bens de consumo durável estrangeiras. Brasileiros passaram a consumir geladeiras, carros e até dentifrícios com marcas não nacionais.

É fato que JK atraiu capital estrangeiro, como destaca Maria Victória Benevides, mais de 2 milhões de dólares. Acontece que menos de 5% foi destinado a áreas fora das prioridades do governo e se concentraram na indústria automobilística, transportes aéreos e estradas de ferro, eletricidade e aço.

Contudo, é bom lembrar que o seu Plano de Metas era um programa governamental elaborado por órgãos estatais como o BNDE (na época, sem o S de agora), a SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito) e a CACEX (Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil)

Tancredo nunca esqueceu de ter sido Primeiro-Ministro e era mais conservador que liberal. Contudo, tinha uma nítida noção do papel do Estado. O fato é que seu pacto de elites, a Nova República, perdura até hoje, a despeito do tranco que Bolsonaro e golpistas tentaram dar neste acordo.

Minas Gerais formou planejadores do desenvolvimento a partir do Estado. A extensão rural nasceu em MG, logo após a Segunda Guerra Mundial. O Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais foi criado em 1962, e atuou como formulador e impulsionador de projetos de desenvolvimento regional.

A partir do governo Newton Cardoso, já no final do Século 20, toda esta cultura desenvolvimentista mineira foi se desfazendo. E Aécio Neves completou esta mudança que sai de um lugar, mas não consegue chegar em outro. Minas ficou órfã de formulações.

As eleições municipais não são propriamente pleitos em que se discutem projetos nacionais. Mas, nessas eleições de 2024, vimos muitos candidatos fazerem diagnósticos superficiais e propostas sem fundamento para, então, cravar no que lhes interessava: o ataque às biografias dos adversários

Os políticos mineiros de hoje são menores. Não têm um olhar sobre os desafios do Estado. Não enfrentam a nítida necessidade de reconverter a paisagem produtiva do Estado, limitada à produção de commodities que jogam a média salarial para baixo, dado que não demandam qualificação profissional

A fonte de formuladores de Minas Gerais secou. E as características políticas estaduais – próximas de certo intimismo português – estão dando lugar ao estilo paulista – próximo do estilo do EUA.

Quem poderia imaginar que políticos como Engler ou Nikolas Ferreira teriam destaque como representantes das tradições mineiras. Um deles colocou peruca e subiu numa tribuna para fazer chacota e outro chamou eleitor da oposição de vagabundo. Isso parece com a identidade mineira?

Dizem que Minas Gerais é um termômetro da vida política nacional. Se continua sendo, é possível sugerir que o estilo arrogante e extremamente agressivo dos paulistas tende a dominar o país. Porque por aqui, das Minas às Gerais, este estilo já domina.

 

Fonte: Por Nayara Felizardo, em The Intercept/Outras Palavras

 

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