sábado, 12 de outubro de 2024

Marconi Moura de Lima Burum: ‘Israel criou a ONU! E Israel destruirá a ONU!’

O título parece equivocado do ponto de vista de uma verdade histórica. Mas não é! Muito embora necessitemos colocar os devidos “pingos nos ‘is’” para ser verossímil o trabalho. Senão, vejamos.

Não foi o Estado de Israel que criou a Organização das Nações Unidas, primeiramente porque sequer existia Israel como Estado. Segundo, porque nenhum Estado sozinho seria capaz de criar um organismo tão pujante a representar o processo de mediação global da geopolítica e da diplomacia multipolar. Contudo, dois eventos envolvem Israel diretamente como eventos simbólicos (e concretos) para que a ONU existisse como ONU. O primeiro deles é que é o assassinato frio e cruel de 6 milhões de judeus (àquele tempo dispersos por dezenas de nações mundo afora), genocídio este praticado pelo regime nazista de Adolf Hitler. E o derradeiro fato a caracterizar a dimensão de uma nova ordem mundial que tem a ONU como grande hub, é (agora sim) a criação do Estado de Israel, em 1948.

Estes elementos históricos denotam a construção de uma simbiose (geo) política quanto ao excerto sugerido para a primeira parte do título, isto é, Israel é uma mola propulsora que, de alguma forma, justifica a criação da ONU ali no apagar das luzes dos salões de poder da 2ª Guerra Mundial. Contudo, há outra premissa que se vigora válida: quase 80 anos depois da aprovação dos Estados de seu organismo motriz para, entre outras dimensões, a mediação de altos conflitos e violação de direitos humanos, é o mesmo Israel que está provando o atual fracasso da ONU, logo, é também a nação a colocar a primeira pá de cal na organização.

Perguntaremos: e como isso se dá? Também não temos resposta fácil. É um evento sofisticado da geopolítica. A teimosia dos impérios, em especial, os EUA em não aceitar a multipolaridade do mundo, isto é, um esforço a qualquer custo dos “ianques” para se manterem como “xerifes” dos outros Estados soberanos. A falácia e a hipocrisia destas nações imperiais que “protegem” à última gota de sangue de inocentes (árabes, em especial) é sua máxima chancelaria. Consequência? Tais países autorizam que Israel pratique contra os seus vizinhos, nesta quadra de destaque, o povo palestino e mais recentemente, o povo libanês, um verdadeiro genocídio, igualzinho – e até pior, em certos tons – aos crimes mais cruentes que Hitler praticou contra os judeus na primeira metade do século XX.

E como confirmar a premissa de que a ONU não sobreviverá, isto é, que sucumbe a cada novo míssil lançado contra uma escola, ou um hospital cheio de crianças inocentes que não sejam da “raça pura” judia? O fato é que a Assembleia Geral é um mero teatro de discursos dos maiores líderes do globo terrestre. Mas não passa disso: discursos! Na prática, zero é a solução, ou mesmo influência para frear a sanha assassina do Chefe de Governo de Israel. O Conselho de Segurança é uma zona de egos soberanos. Um lugar de lugar algum. Um labirinto sem saída. Apenas cinco nações decidem o destino do mundo. Contudo, o destino que escolhem é vetado por qualquer uma delas. Logo, não há destino possível a brotar como solução de paz por meio daquele órgão.

Em síntese: como Israel é a “criança mimada” que grita e rola no chão para ganhar seu pirulito (metáfora para mais armas e mais colonialismo a partir das margens da “Terra Prometida”; e o “pai”, os EUA não conseguem se impor sobre os caprichos do filho, estes sempre vetarão qualquer “barulho” que incomode Israel. E mesmo que aceite alguma Resolução que mitigue o conflito, a variável da derrota da ONU caminha por dois outros trieiros inevitáveis:

i)            a soberania de todo Estado – que impede concretamente a imposição do fim de um genocídio praticado por Israel, por exemplo; e

ii)           o interesse econômico dos países que não querem sancionar Israel para salvar crianças assassinadas brutalmente.

Neste último evento, falamos da venda de armas, por exemplo, entretanto, toda a motriz capitalista que dá as reais cartas do que se pode ou não se pode fazer; se aplicam ou não se aplicam sanções e a quem são direcionadas seletivamente pelo jogo do Mercado. Em síntese: um projétil israelense é lançado a 11 mil km de distância da sede da ONU para atingir mais uma vítima árabe. Atinge-a, mata-a, entretanto, acerta também o coração do organismo que criou o Estado de Israel.

Logo, logo, não sobrará uma “vidraça” sequer daquela estrutura em pé. Ironicamente, a mesma ONU que tanto protegeu o povo judeu, é a mesma que será destruída por ele...

 

¨      Scott Ritter: ‘A queda de Israel’

Escrevi anteriormente sobre o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, chamando-o de “o ataque militar mais bem sucedido deste século”. Descrevi a ação do Hamas como uma operação militar, enquanto Israel e seus aliados chamaram-na de uma ação terrorista na escala do que aconteceu contra os Estados Unidos em 11 de setembro de 2001.

“A diferença entre os dois termos”, observei, “é que, ao rotular, noite e dia, os eventos de 7 de outubro como atos de terrorismo, Israel transfere a culpa pelas enormes perdas de seus serviços militares, de segurança e de inteligência para o Hamas. No entanto, se Israel reconhecesse que o que o Hamas fez foi de fato um ataque – uma operação militar –, então a competência dos serviços militares, de segurança e de inteligência israelenses seria questionada, assim como a liderança política responsável pela supervisão e direção de suas operações”.

O terrorismo emprega estratégias que procuram a vitória através de atrito e intimidação – para desgastar o inimigo e criar um sentimento de impotência por parte dele. Os terroristas, por natureza, evitam um conflito existencial decisivo, optando antes por uma batalha assimétrica que coloca seus pontos fortes contra os pontos fracos de seus inimigos.

A guerra que se abateu sobre o Levante desde 7 de outubro de 2023 não é uma operação antiterrorista tradicional. O conflito Hamas-Israel transformou-se num conflito entre Israel e o chamado eixo da resistência, que envolve o Hamas, o Hezbollah, o Ansarullah (os Houthis do Iêmen), as Forças de Mobilização Popular, ou seja, as milícias do Iraque, Síria e Irã. É uma guerra regional em todos os sentidos e deve ser avaliada como tal.

O estrategista prussiano Carl von Clausewitz observou na sua obra clássica, Sobre a guerra, que “a guerra não é meramente um ato político, mas um verdadeiro instrumento político, uma continuação das relações políticas, uma realização destas por outros meios”. De uma perspectiva puramente militar, o ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro de 2023, foi um combate relativamente pequeno, envolvendo alguns milhares de combatentes de cada lado. No entanto, como um acontecimento geopolítico global, não tem equivalente na atualidade.

O ataque do Hamas desencadeou uma série de respostas variadas, algumas das quais intencionalmente, como atrair as Forças de Defesa de Israel para Gaza, onde ficariam presas numa guerra eterna que não poderiam vencer, desencadeando, assim, as doutrinas israelenses duais que regem a resposta militar à tomada de reféns, a “Doutrina Hannibal”, e a prática israelense de punição coletiva, a “Doutrina Dahiya”. Ambas as doutrinas exibem as Forças de Defesa de Israel ao mundo como a antítese do “exército mais moral do mundo”, expondo a intenção assassina entranhada no DNA das Forças de Defesa de Israel, uma propensão para a violência contra inocentes que define o modo de guerra israelense e, por extensão, a nação israelense.

Antes de 7 de outubro de 2023, Israel era capaz de disfarçar seu verdadeiro caráter para o mundo exterior, convencendo todos, exceto um punhado de ativistas, de que suas ações para atingir os “terroristas” eram proporcionais e humanas. Hoje, o mundo conhece Israel como o genocida Estado de apartheid que realmente é. As consequências deste novo esclarecimento global são evidentes.

·        Mudando a “face do Oriente Médio”

O presidente Joe Biden, em 9 de setembro de 2023, durante a cúpula do G20 na Índia, anunciou uma importante iniciativa política, o Corredor econômico Índia-Oriente Médio-Europa, ou IMEC, uma proposta de corredor ferroviário, marítimo, de oleodutos e de cabos digitais conectando Europa, Oriente Médio e Índia.

Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro israelense, comentando o anúncio de Biden, classificou o IMEC como “um projeto de cooperação que é o maior da nossa história” que “nos conduz a uma nova era de integração e cooperação regional e global, sem precedentes e única em sua abrangência”, acrescentando que “levará a bom termo uma visão de longo prazo que mudará a face do Oriente Médio e de Israel”.

Mas, como o mundo agora vê Israel como uma empresa criminosa, o IMEC parece, para todos os efeitos, não existir mais – o maior projeto de cooperação da história de Israel, que teria mudado o Oriente Médio, provavelmente nunca se concretizará. Para começar, a Arábia Saudita, um ator chave do projeto, tendo investido 20 bilhões de dólares, diz que não normalizará as relações com Israel, necessárias para o projeto, até que as guerras terminem e um Estado palestino seja reconhecido por Israel, algo que o Knesset votou no início deste ano e que nunca acontecerá.

O desaparecimento do IMEC é apenas uma parte do golpe econômico de 67 bilhões de dólares que Israel sofreu desde o início do conflito em Gaza. O turismo registrou uma queda de 80%. O porto de Eilat, no sul do país, deixou de funcionar devido à campanha antinavios realizada pelos Houthis no Mar Vermelho e no Golfo de Aden. A estabilidade da força de trabalho foi perturbada pelo deslocamento de dezenas de milhares de israelenses de suas casas devido aos ataques do Hamas e do Hezbollah, bem como pela mobilização de mais de 300.000 reservistas. Tudo isto se conjuga para criar uma tempestade perfeita de problemas que afetam a economia e atormentarão Israel enquanto o atual conflito se mantiver.

O resultado final é que, se não for controlado, Israel está à beira de um colapso econômico. Os investimentos estão em baixa, a economia está encolhendo e a confiança num futuro econômico evaporou-se. Em suma, Israel deixou de ser o local ideal para se aposentar, criar uma família, trabalhar… ou viver. A bíblica “terra que emana leite e mel”, se é que existiu alguma vez, já não existe mais. Este é um problema existencial para Israel.

Para que haja uma “pátria judaica” viável, a demografia dita que deve haver uma maioria judaica discernível em Israel. Há pouco menos de 10 milhões de pessoas vivendo em Israel. Cerca de 7,3 milhões são judeus; outros 2,1 milhões são árabes (os drusos e outras minorias não-árabes constituem o restante).

Há cerca de 5,1 milhões de palestinos sob ocupação, o que deixa uma divisão de cerca de 50-50 quando se olha para os totais combinados entre árabes e judeus. Estima-se que 350.000 israelenses tenham dupla nacionalidade em algum país da União Europeia, enquanto mais de 200.000 têm dupla nacionalidade nos Estados Unidos.

Do mesmo modo, muitos israelenses de ascendência europeia podem facilmente requerer um passaporte, bastando para isso demonstrar que eles próprios, seus pais ou mesmo seus avós residiram num país europeu. Outros 1,5 milhão de israelenses são de ascendência russa, muitos dos quais possuem passaportes russos válidos. Embora as principais razões para manter este estatuto de dupla cidadania sejam a conveniência e a economia, muitos veem o segundo passaporte como “uma apólice de seguro” – um lugar para onde fugir se a vida em Israel se tornar insustentável. A vida em Israel está prestes a tornar-se insustentável.

·        Fuga de Israel

Israel já sofria de um problema crescente de emigração derivado da insatisfação com as políticas do governo de Benjamin Netanyahu – cerca de 34.000 israelenses abandonaram permanentemente Israel entre julho e outubro de 2023, principalmente em protesto contra as reformas judiciais promulgadas por Benjamin Netanyahu. Embora tenha ocorrido um pico de emigração imediatamente após os ataques de 7 de outubro de 2023 (cerca de 12.300 israelenses emigraram permanentemente no mês seguinte ao ataque do Hamas), o número de emigrantes permanentes em 2024 foi de cerca de 30.000, uma queda em relação ao ano anterior.

Mas agora Israel está sendo bombardeado quase diariamente por drones de longo alcance, foguetes e mísseis disparados pelo Hezbollah, milícias no Iraque e Houthis no Iêmen. O ataque de mísseis balísticos iranianos de 1º. de outubro demonstrou vividamente a todos os israelenses a realidade de que não existe uma defesa viável contra estes ataques. Além disso, se o conflito entre Israel e Irã continuar escalando (e Israel prometeu uma retaliação de proporções imensas), o Irã indicou que destruirá as infraestruturas críticas de Israel – centrais elétricas, instalações de dessalinização da água, centros de produção e distribuição de energia – em suma, Israel deixará de poder funcionar como um Estado-nação moderno.

Nesse momento, as apólices de seguro serão trocadas por centenas de milhares de israelenses com passaportes duplos que expressam suas opiniões ficando ou deixando o país. A Rússia já disse aos seus cidadãos para irem embora. E se milhões de outros israelenses que têm direito a passaportes europeus decidirem exercer essa opção, Israel enfrentará seu derradeiro pesadelo – uma queda vertiginosa da população judaica, que inclina o equilíbrio demográfico decisivamente para os não-judeus, tornando discutível a noção de uma pátria exclusiva para os judeus. Israel está tornando-se rapidamente insustentável, tanto como conceito (o mundo está cansando rapidamente da realidade genocida do sionismo) como na prática (isto é, colapso econômico e demográfico).

·        A mudança de visão dos EUA

Esta é a realidade atual de Israel: em um ano, passou de “mudar a face do Oriente Médio” a ser um pária insustentável cuja única salvação é o fato de ter o apoio contínuo dos Estados Unidos para sua sustentação militar, econômica e diplomática. E aqui está o problema.

Aquilo que tornava Israel atrativo para os Estados Unidos – a vantagem estratégica de um enclave judeu pró-americano num mar de incerteza árabe – já não se mantém tão firmemente como antes. A Guerra Fria já passou há muito tempo e os benefícios geopolíticos resultantes da relação EUA-Israel já não são evidentes.

A era do unilateralismo americano está desaparecendo, sendo rapidamente substituída por uma multipolaridade com um centro de gravidade em Moscou, Pequim e Nova Deli. À medida que os Estados Unidos se adaptam a esta nova realidade, veem-se envolvidos numa luta pelos corações e mentes do “sul global” – o resto do mundo fora da União Europeia, da OTAN e de um punhado de nações pró-ocidentais do Pacífico. A clareza moral que a liderança americana procura trazer para a cena mundial é significativamente obscurecida por seu apoio permanente e inquestionável a Israel.

Israel, em suas ações após 7 de outubro de 2023, identificou-se como um Estado genocida totalmente incompatível com qualquer noção de direito internacional ou com os preceitos básicos da humanidade. Mesmo alguns sobreviventes do Holocausto reconhecem que o Israel moderno se tornou a manifestação viva do próprio mal que serviu de justificação para sua criação – a ideologia brutalmente racista da Alemanha nazista.

Israel é um anátema para tudo o que a civilização moderna representa. O mundo está despertando gradualmente para esta realidade. E os Estados Unidos também.

Por enquanto, o lobby pró-israelense está montando uma ação de retaguarda, apoiando candidatos numa tentativa desesperada de comprar o apoio contínuo de seus benfeitores americanos. Mas a realidade geopolítica dita que os Estados Unidos, no final, não cometerão suicídio em nome de um Estado israelense que perdeu toda a legitimidade moral aos olhos da maior parte do mundo.

Há consequências econômicas associadas ao apoio americano a Israel, especialmente no aumento da centralidade do fórum BRICS, cuja lista crescente de membros e daqueles que procuram aderir é um quem é quem de nações que se opõem fundamentalmente ao Estado israelense. A crise social e econômica que se aprofunda na América de hoje criará uma nova realidade política na qual os líderes americanos serão obrigados pelas realidades eleitorais a resolver os problemas que se manifestam em solo americano.

Os dias em que o Congresso pode alocar bilhões de dólares, sem questionamentos, a guerras distantes, incluindo as que envolvem Israel, estão chegando ao fim. O famoso adágio do agente político James Carville, “É a economia, estúpido”, ressoa tão fortemente hoje como quando ele o escreveu em 1992. Para sobreviver economicamente, a América terá que ajustar suas prioridades domésticas e internacionais, exigindo conformidade não apenas com a vontade do povo americano, mas também com uma nova ordem internacional baseada na lei, a qual rejeita largamente o genocídio israelense em curso.

Com exceção dos sionistas obstinados que se manterão no establishment não eleito do funcionalismo público, do meio acadêmico e dos meios de comunicação, os americanos gravitarão em torno de uma nova realidade política em que o apoio inquestionável a Israel deixará de ser aceito. Esta será a gota d’água para Israel.

A tempestade perfeita da rejeição global do genocídio, a resistência sustentada por parte do “eixo de resistência” liderado pelo Irã, o colapso econômico e o realinhamento das prioridades americanas resultarão na anulação de Israel como entidade política viável. O calendário para esta anulação é ditado pelo ritmo do colapso da sociedade israelense – pode acontecer em um ano, ou pode desenrolar-se ao longo da próxima década.

Mas vai acontecer. O fim de Israel. E tudo começou em 7 de outubro de 2023 – o dia que mudou o mundo.

 

Fonte: A Terra é Redonda

 

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