sábado, 12 de outubro de 2024

Jeferson Miola: ‘Múcio, ventríloquo dos militares’

Num discurso ideologizado proferido em evento na Confederação Nacional da Indústria/CNI [8/10], o ministro da Defesa José Múcio Monteiro disparou ataques e críticas ao governo. Nele, o ministro afrontou diretamente a autoridade do Presidente da República.

Múcio criticou o posicionamento diplomático brasileiro em relação ao holocausto em Gaza e à guerra na Ucrânia. Reclamou que “a questão diplomática interfere na defesa”, como se a definição da estratégia de defesa nacional devesse ser prerrogativa dos militares, e não uma atribuição do poder político e da sociedade civil com especialistas civis da área.

Ele exemplificou que “houve agora uma concorrência, uma licitação, venceram os judeus, o povo de Israel [sic]. Mas, por questões da guerra, do Hamas, dos grupos políticos, nós estamos com esta licitação pronta, mas por questões ideológicas nós não podemos aprovar”.

O ministro também acusou que por “embaraço diplomático” as Forças Armadas não puderam realizar “um grande negócio” de venda de munição à Alemanha, porque “senão o alemão [sic] vai mandar pra Ucrânia e a Ucrânia vai usar contra a Rússia e a Rússia vai mexer nos nossos acordos de fertilizantes”.

Múcio culpou, ainda, a área econômica do governo. Disse que “não temos previsibilidade orçamentária”, e por isso o país não consegue fazer investimentos em defesa. E acusou o governo de reduzir 47% dos investimentos das Forças Armadas “por componentes ideológicos, por queixas políticas, por variações programáticas”.

Esta afirmação, além de inverossímil, esconde o baixo padrão histórico de investimentos na modernização e aperfeiçoamento das Forças Armadas porque quase 90% do orçamento é sugado para pagar pessoal, sendo a maior rubrica o pagamento da “família militar” na reserva e as indecentes pensões vitalícias, que beneficiam inclusive filhas de militares pela vida inteira, deixando menos de 5% do orçamento para investimentos em tecnologias, equipamentos e capacidade de defesa.

No discurso, o ministro não esqueceu de atacar, também, a Constituição brasileira. Na visão dele, a Constituição proíbe, “por questões ideológicas”, a exploração do potássio –pretendida, presumivelmente, por grupos multinacionais em associação com militares vendilhões– que “está embaixo da terra dos índios [sic]”.

Múcio também agrediu a história do país. Ele disse: “Se muita gente debita às Forças Armadas o golpe de 64, precisava ter creditado às Forças Armadas não ter havido golpe em 2023. Foram as Forças Armadas que preservaram e seguraram a nossa democracia”.

Esta abordagem sobre o “heroísmo militar” no salvamento da democracia não é genuína do próprio Múcio. Na verdade, é a explicação falaciosa difundida pelas cúpulas partidarizadas das Forças Armadas.

É sabido hoje que o Alto Comando do Exército se dividiu e não avançou o golpe porque o governo dos EUA não autorizou as cúpulas militares a perpetrarem, novamente, outro ataque mortal à democracia brasileira, como em 1964.

Além disso, quando a voz de Múcio diz que “foram as Forças Armadas que preservaram e seguraram a nossa democracia”, na prática está reproduzindo a visão dos donos da voz dele, que desde o nascimento da República se atribuem como missão tutelar a democracia e o sistema político.

Múcio é um ventríloquo dos militares. O conteúdo do discurso dele na CNI segue fielmente o manual ideológico dos militares. E o momento do discurso, no imediato pós-eleição que consagrou a vitória direita e a extrema-direita nas urnas, soa como aproveitamento duma conjuntura política desfavorável para o governo.

A continuidade do Múcio no ministério é insustentável. Mas é de se perguntar, contudo, se os ataques ao presidente Lula e ao governo não tinham exatamente o propósito de provocar sua demissão, para causar uma crise conveniente para os militares.

 

•        Múcio expõe dilemas de Lula. Por Miguel Domingos Neto

Lula considerou Múcio Monteiro o mais hábil dos ministros da Defesa. Referia-se ao cumprimento do papel que lhe atribuíra, de apaziguar a caserna excitada.

Político de direita, apoiador da Ditadura, defensor de golpistas acampados em torno de quartéis, jejuno em assuntos da pasta, Múcio empenhou-se em demonstrar aos comandantes a boa vontade do Presidente para com as fileiras. Não assumiu de fato a posição que lhe competia, de formulador e condutor de política pública: agiu como porta-voz das corporações.

Essa semana Múcio desautorizou a política externa de Lula posto que prejudicaria a Defesa. Reagiu à decisão presidencial de suspender provisoriamente a compra de material de artilharia da empresa Elbit Systems, sediada em Israel. Insinuou, apelativamente, que essa posição discriminaria o “povo judeu”.

Desde quando a Defesa pode prevalecer sobre a política externa? Força militar existe para amparar decisões da chefia de Estado.

Para ser eficaz, a Defesa Nacional precisaria conjugar-se às variadas funções públicas. Em abrangência e complexidade, talvez a Defesa rivalize apenas com a Política Cultural, que responde em boa dose pelo amor-próprio de uma ampla e diversificada coletividade. Defesa não deve ser conduzida por comandantes guiados por viés corporativo.

Múcio considera que a diplomacia deve subordinar-se ao quartel. Assim, afronta o Chefe de Estado, que define a política externa.

O Ministro exprimiu a chateação de oficiais dedicados, durante anos, a preparar a licitação que resultou na escolha do obuseiro Atmos 155/52, montado sobre um veículo tcheco e apto para usar munição produzida por países da Otan.

A empresa brasileira Ares Aeroespacial e Defesa foi definida como montadora das peças e responsável pela manutenção técnica.

Ao preparar a compra do obuseiro, o Exército não levou em conta a possibilidade de o Brasil desvencilhar-se do esquema militar comandado por Washington. Desde a Segunda Guerra, a Defesa brasileira nunca foi objetivamente pensada para atuar fora do arco da Otan.

Os comandos sempre arguiram fantasiosa isenção ideológica. Imaginam-se portadores de racionalidade técnica refratária às paixões, tidas como abomináveis. Incorporaram o discurso conservador, usando o termo “ideologia” para carimbar proposições estabelecidas na Constituição e na legislação internacional endossada pelo Estado brasileiro.

Negociar armas com beligerantes é sempre decisão estratégica ideologicamente calcada. Postura sem cabimento seria reforçar a indústria de guerra de Israel e enviar socorro humanitário para suas vítimas.

O Estado israelita é acusado de crime hediondo. Temendo processos na Corte Internacional, a Alemanha, recentemente, suspendeu vendas de material de guerra para Israel. Negociar armas com Telavive é contribuir para aumentar a poça de sangue.

A bem da verdade, os obuseiros objeto de licitação recebem componentes de diversos países. Não são armas puramente israelitas. No Ocidente, a indústria de armamento é fortemente internacionalizada. O avião de carga Embraer C-390 Millennium, orgulho nacional, usa componentes de diversos países, inclusive de Israel.

A decisão sobre compras de material de guerra é essencialmente política. Jamais pode ser resumida ao exame dito técnico. Implica definição de aliados estratégicos. Ninguém negocia armas com potenciais inimigos. A compra suprime a capacidade de decisão do cliente e poderia seria inútil em decorrência dos problemas de manutenção.

Repito o que escrevi muitas vezes: comprador de armas estrangeiras vende a alma ao diabo. Foi Maquiavel o primeiro a mostrar a fragilidade do Príncipe equipado com armas alheias.

A manifestação de Múcio bateu de frente com a orientação de Lula, que condena a chacina de palestinos em Gaza e as bestialidades do governo israelense no Líbano. Telavive classificou Lula como “persona non grata”. Se Lula abonasse a compra dos obuseiros incorreria, no mínimo, em falta de zelo com a dignidade brasileira. Absurda, portanto, a manifestação de Múcio.

Diante do desalinhamento explícito do ministro, alguns acham que o presidente deveria demiti-lo. Seria forte recado às corporações e para ser consequente, caberia revisão da Defesa Nacional, algo distante de suas intenções.

Com justa razão, muitos se indignaram com as palavras de Múcio, que bateu também nas prescrições constitucionais relativas à proteção dos povos originários.

Observando com cuidado as declarações do ministro, ficou escancarada a dissonância da Defesa com a orientação governamental. A gravidade desse desacordo se amplia em virtude do clima de guerra reinante na cena internacional. Revela o despreparo do Estado para defender a sociedade brasileira.

 

•        Múcio, o quinta coluna. Por Francisco Calmon

O ministro Múcio, representante das Forças Armadas no governo, credita o golpe de 64 aos militares, assim como credita a eles o impedimento da intentona de 8 de janeiro.

Ou seja: Múcio coloca a democracia sob dependência das FFAA, seja para golpeá-la, seja para sua sobrevivência (lembrar que o comandante da Marinha quis dar o golpe).

Sua interpretação dos fatos é um ridículo sofisma. Ele é um negacionista da história.

O golpe de 8 de janeiro de 2023 não se concretizou porque Lula não seguiu a sugestão dele de usar a GLO – Garantia da Lei e da Ordem, passando, na prática, aos militares o comando da nação. Se decretasse a GLO, o golpe seria legal. Era isso que eles esperavam para aderir.

Diriam “o governo não tem condições de dar segurança ao povo, as Forças Armadas assumem essa atribuição e convocam nova eleição”, sabe-se lá para quando.

Lula não embarcou nessa porque sua esposa, Janja, alertou que GLO era golpe.

Esse ministro é golpista, bolsonarista, nunca foi um representante do governo junto às três armas. 

Onde já se viu adjetivar outros ministérios como ideológicos (de esquerda)!?

As relações comerciais e políticas externas não cabem ao ministro da Defesa.

É o Itamaraty, e em última instância a Presidência da República, que orienta e decide relações com outros países.

Lula já cedeu demais. Não esquecemos do acordo que fez para que os 60 anos do golpe não fossem rememorados, com censura prévia aos seus subordinados e militantes lulistas.  

Múcio vive engabelando o presidente, com falsidades e sutis chantagens.

O que cabe ao M. da Defesa é fazer com que os militares cumpram as ordens emanadas do comandante-em-chefe de todas as armas, o presidente da República.

A causa maior disso tudo tem sido a benevolência e a morosidade da Justiça quanto a denúncia pela PGR do Bolsonaro.

Por ínfimos delitos, como injúria, calunia, difamação, ao ministro Alexandre de Mores, tem gente presa e condenada.

Lula está cercado por fora e minado por dentro, e ainda não elaborou uma estratégia para romper e governar conforme suas promessas e compromissos eleitorais. 

Só há um caminho e força capaz de se contrapor a esse cerco e minação, o povo organizado e uma reforma urgente do seu ministério.

Frouxidão, tibieza e boas maneiras com inimigos da democracia não surtem efeito. Ao contrário, os fortalece. 

Por que os golpistas elegeram o Xandão como o inimigo principal? Por causa de sua firmeza. 

A democracia não pode depender de um ministro da Corte Suprema!

Esse cronograma político de esperar as eleições municipais e as dos EUA para indiciar e prender o Bolsonaro está errado. Quanto mais demorar, mais eles afiam as garras golpistas.

 

•        Demissão de Múcio, por ora, está descartada por Lula

Após declarações do ministro da Defesa, José Múcio, durante um evento com empresários nesta semana, o governo se viu novamente em meio a uma polêmica interna. Múcio criticou as "questões ideológicas" que, segundo ele, estariam impedindo o progresso da negociação para a compra de veículos blindados de Israel pelo Exército brasileiro. A informação foi inicialmente divulgada pelo jornal Estado de S. Paulo, e, desde então, setores do Partido dos Trabalhadores (PT) intensificaram as pressões por sua saída. No entanto, segundo fontes próximas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a demissão do ministro está fora do radar, pelo menos por enquanto.

Fontes do Planalto indicam que Lula e Múcio já discutiram o episódio. A insatisfação do ministro sobre o tema não foi uma surpresa para o presidente, já que Múcio o havia procurado previamente para propor uma solução intermediária, com o objetivo de destravar a compra dos obuseiros 155 mm. Além disso, o ministro discutiu as objeções levantadas pelo Ministério da Defesa ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Em abril, a empresa israelense Elbit Systems venceu uma licitação para fornecer 36 veículos blindados ao Brasil. No entanto, o negócio esbarrou em obstáculos internos. Um deles foi a resistência de Celso Amorim, assessor-chefe de Assuntos Internacionais da Presidência, que argumentou que a aquisição de equipamentos militares de Israel seria incoerente com a postura crítica de Lula às ações israelenses na Faixa de Gaza e contra o Líbano.

Em resposta às críticas de Múcio, o TCU esclareceu que não há impedimentos legais no Brasil para que as Forças Armadas adquiram material de empresas de países em guerra, e que não existem tratados internacionais que impeçam tais transações. Múcio também afirmou que a Corte de Contas não autorizou que o contrato fosse transferido para a segunda colocada no processo licitatório, a empresa tcheca Excalibur.

Nos últimos dias, surgiram especulações na Esplanada dos Ministérios de que a fala pública de Múcio teria como objetivo “provocar” sua própria demissão, já que ele estaria cansado dos embates que têm permeado sua gestão. Contudo, fontes próximas ao ministro afirmam que essa não é sua forma de agir. Se Múcio decidir deixar o governo, Lula será o primeiro a ser comunicado, segundo seus aliados, como informa a jornalista Roseann Kennedy.

 

Fonte: Brasil 247

 

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