sábado, 12 de outubro de 2024

EUA lançam mão de lawfare ao exigir informações sobre compra de caças suecos pelo Brasil

O Departamento de Justiça dos EUA intimou a fabricante sueca de aeronaves Saab a conceder informações sobre a compra de 36 caças Gripen pelo Brasil em 2014. Para analistas, a ocasião se trata de mais uma prática de uso do aparato jurídico por parte dos norte-americanos, a fim de interferir em assuntos de outros Estados.

A empresa sueca informou, na quinta-feira (10), a respeito da solicitação feita pelo Departamento de Justiça quanto à negociação firmada com o Brasil em 2014, ainda sob o governo Dilma Rousseff. O acordo representa a maior aquisição militar da história recente da América Latina.

Em nota, a Saab informou que vai colaborar com o pedido norte-americano e afirmou que autoridades brasileiras e suecas investigaram partes do processo de concorrência. As investigações foram encerradas sem indicação de quaisquer irregularidades por parte da companhia.

Para analistas ouvidos pela Sputnik Brasil, a prática configura, mais uma vez, o uso do lawfare por parte dos EUA, que consiste em utilizar o aparato jurídico para interferir em assuntos de outros Estados — em outras palavras, fazer uso da legislação como arma de combate.

"Eu vejo mais como uma tentativa de estabelecer esse lawfare, que é sempre uma guerra judicial, mas essa guerra judicial tem dimensões econômicas, políticas e ideológicas. No caso do Brasil, o país deve se comportar à altura da sua soberania, ou seja, deve continuar mantendo as relações com a Suécia", diz Eurico de Lima Figueiredo, professor e fundador do Instituto de Estudos Estratégicos (Inest), da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Para Erick Andrade, doutorando em ciências militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e pesquisador convidado do Instituto Nórdico de Estudos Latino-Americanos (NILAS, na sigla em inglês), o uso do lawfare por parte dos Estados Unidos "não busca apenas justiça, combate a desvios de verba ou irregularidades, mas sim minar a concorrência no campo da indústria de defesa por meios 'legais'".

Segundo ele, uma pequena amostra disso é o fato de as ações da Saab terem caído 6,38%, conforme noticiado por alguns meios de comunicação.

"A ação do Departamento de Justiça abre margem para suposições de que, na verdade, os Estados Unidos estão tentando proteger suas indústrias de defesa da competição com os concorrentes globais, haja vista que as justiças da Suécia e do Brasil já haviam investigado e não encontraram irregularidades", acrescenta o especialista.

O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista concedida nesta sexta-feira (11) à rádio CBN/O Povo, de Fortaleza, rebateu o pedido norte-americano e classificou a ação como "intromissão".

"Eu, sinceramente, acho que um pedido de informação dos Estados Unidos é intromissão dos Estados Unidos em uma coisa de outro país. É descabida essa informação."

Em 2016, promotores brasileiros acusaram formalmente Luiz Inácio Lula da Silva — ex-presidente do Brasil na época e atualmente presidente em exercício — de usar sua influência, a fim de ajudar a Saab a vencer a licitação para 36 caças no valor de US$ 5,4 bilhões (R$ 30,2 bilhões). Os advogados de Lula disseram que o caso equivalia a "perseguição política".

•        Por que os EUA se 'intrometem' na soberania de outros países?

De acordo com Figueiredo, o caso demonstra, mais uma vez, uma situação em que os EUA desejam defender seus interesses e lançam mão de um instrumento que classificam como legítimo.

"É mais uma tentativa dos Estados Unidos de, por um lado, sufocar a vontade brasileira de ter o seu protagonismo próprio nas relações internacionais, no que diz respeito à sua defesa nacional, e a sua inserção na vida da segurança internacional", avalia.

José Augusto Zague, pesquisador do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas e do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional da Universidade Estadual Paulista (Gedes/Unesp), explica que os EUA fazem isso a partir de um conjunto de regras legais que impedem a transferência de determinadas tecnologias e a venda de certos componentes para determinados países.

Exemplo disso, cita o pesquisador, são os Regulamentos sobre o Tráfico Internacional de Armas (ITAR, na sigla em inglês), um conjunto de regulamentos do Departamento de Justiça dos EUA que controla a exportação de tecnologias militares e de defesa.

Essa intervenção, de acordo com o pesquisador, acontece em "países que têm algum tipo de contencioso com os Estados Unidos ou então quando os Estados Unidos consideram, mesmo que seja um país com o qual eles tenham boas relações, e que aquele componente ou aquela parte pode criar algum tipo de distorção regional, ou que aquele país possa utilizar o componente para uso civil ou para uso militar".

Como o Brasil não participa de um modelo que o pesquisador denomina como cadeia de difusão da tecnologia militar globalizada, ou seja, não possui autonomia no setor e precisa cooperar para produzir seus armamentos, isso faz com que haja interdependência.

"Como o Brasil não participa dessa cadeia, fica sujeito porque é dependente às restrições. Então os Estados Unidos podem encontrar um meio de restringir mesmo essa transferência de tecnologia pra projetar e desenvolver as aeronaves", explica Zague.

•        EUA investigam empresa sueca por venda de caças ao Brasil

Em uma ação que expõe novamente a prática do lawfare em disputas econômicas internacionais, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) anunciou uma investigação contra a Saab, fabricante sueca de aeronaves, em relação ao contrato fechado com o governo brasileiro em 2014, segundo informa o blog do jornalista Fausto Macedo. O acordo, avaliado em US$ 4,5 bilhões, envolveu a compra de 36 caças Gripen para a Força Aérea Brasileira, no contexto do Projeto FX-2, a maior aquisição militar da história recente da América Latina. O movimento levanta suspeitas sobre as intenções dos Estados Unidos e expõe os riscos e desafios enfrentados por empresas que competem em mercados estratégicos dominados por interesses norte-americanos.

A Saab, por meio de comunicado oficial divulgado na última quinta-feira, 10, informou que foi intimada a prestar esclarecimentos ao DOJ e garantiu que colaborará com as investigações, fornecendo todas as informações requisitadas. “Autoridades brasileiras e suecas já investigaram partes do processo de aquisição dos caças. As investigações foram encerradas sem indicar qualquer irregularidade por parte da Saab”, declarou a empresa, em uma tentativa de tranquilizar acionistas e parceiros internacionais.

<><> O que é lawfare e por que ele importa?

O termo lawfare se refere ao uso estratégico de ações judiciais e investigações legais como ferramentas de guerra e manipulação política ou econômica. O conceito combina as palavras "law" (lei) e "warfare" (guerra), e vem sendo cada vez mais utilizado para descrever situações em que governos ou instituições se valem de processos judiciais ou investigações para intimidar, coagir ou constranger adversários. O objetivo, muitas vezes, não é apenas buscar justiça ou combater irregularidades, mas sim enfraquecer ou eliminar a concorrência de maneira legalmente sancionada.

No caso em questão, a ação do DOJ contra a Saab levanta suspeitas de que os Estados Unidos estão, mais uma vez, instrumentalizando suas instituições judiciais para proteger os interesses de suas indústrias de defesa, que concorrem diretamente com empresas europeias em mercados globais. Ao lançar investigações que colocam sob suspeita contratos legítimos firmados por empresas estrangeiras, o DOJ cria um clima de incerteza que, em última instância, beneficia suas próprias corporações, muitas das quais foram derrotadas pela Saab no processo de licitação do Projeto FX-<><> Histórico e interesses norte-americanos

O contrato firmado pelo Brasil em 2014 foi o resultado de um longo processo de avaliação e negociação iniciado em 2008, que contou com a participação de diversos concorrentes internacionais, incluindo empresas dos Estados Unidos. A escolha pelo caça sueco Gripen, em detrimento de outros modelos, foi amplamente elogiada na época por especialistas militares e econômicos brasileiros, que destacaram o custo-benefício e a transferência de tecnologia proporcionada pela Saab como fatores decisivos para a decisão.

No entanto, o histórico de ações judiciais promovidas pelos EUA contra empresas estrangeiras que competem em mercados estratégicos não é novo. Em diversas ocasiões, os Estados Unidos já recorreram ao lawfare para impor sanções, multar ou simplesmente intimidar empresas de outros países que representam concorrência direta para suas gigantes industriais. Essas ações judiciais têm um duplo efeito: não só impõem custos financeiros e legais às empresas visadas, como também geram incertezas e danos reputacionais que podem afastar outros governos e clientes.

<><> Repercussão no Brasil e na Europa

No Brasil, o processo de aquisição dos caças Gripen já foi alvo de investigações anteriores por autoridades brasileiras e suecas, todas encerradas sem indícios de irregularidades. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, foi alvo de denúncias no passado sobre suposto tráfico de influência relacionado ao contrato, mas sempre negou envolvimento direto nas negociações. Na época, a defesa do presidente argumentou que as investigações ocorreram de maneira oculta, uma crítica comum entre aqueles que denunciam o uso de lawfare.

Na Europa, a investigação do DOJ é vista com desconfiança por analistas e políticos que acompanham as disputas comerciais entre as potências. Muitos argumentam que a ofensiva jurídica norte-americana contra a Saab é um exemplo claro de abuso de poder, com o intuito de minar a competitividade de empresas que não se alinham aos interesses dos EUA. Essa postura é criticada por prejudicar as relações comerciais internacionais e questionar a legitimidade dos processos de licitação em que os Estados Unidos não saem vitoriosos.

<><> Reflexões sobre o impacto do lawfare internacional

O impacto do lawfare na economia global é profundo, especialmente quando praticado por potências econômicas que utilizam seu aparato legal para interferir em mercados estratégicos. Quando um país como os Estados Unidos recorre ao lawfare, a mensagem que fica é de que os mercados não são tão livres quanto aparentam ser, e que há um preço a ser pago por empresas que ousam desafiar a hegemonia das indústrias norte-americanas.No caso da Saab, resta saber até que ponto a investigação do DOJ irá prosseguir e quais serão suas consequências para a fabricante sueca e para o Brasil, que apostou na parceria tecnológica e militar como uma forma de modernizar suas forças armadas e desenvolver sua indústria de defesa. Para analistas e críticos do lawfare, a ação do DOJ não é apenas um ataque à Saab, mas um aviso a todas as empresas internacionais: competir em mercados estratégicos, mesmo que seguindo todas as regras, pode atrair consequências judiciais.

•        Lula rebate pedido de informação dos EUA sobre compra de caças Gripen pelo Brasil: 'Intromissão'

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos solicitou informações de uma subsidiária da Saab sobre a compra de 36 caças Gripen pelo Brasil em 2014, disse a empresa sueca na quinta-feira (11).

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu nesta sexta-feira (11), e classificou a ação do governo norte-americano como "uma intromissão".

"Eu acho que um pedido de informações dos Estados Unidos é intromissão dos Estados Unidos em uma coisa de outro país. É descabida essa informação", disse Lula em entrevista à rádio CBN/O Povo, de Fortaleza, citada pelo portal Terra.

Lula acrescentou que "não sei a informação que ele está pedindo, também não quero fazer julgamento precipitado. Mas não tem sentido pedir informação de um avião que um país comprou, de um carro que um país comprou".

O processo de compra dos caças foi iniciado no governo Lula, mas foi finalizado por sua sucessora, Dilma Rousseff.

"Eu, na verdade, não tenho conhecimento de como foi comprado o avião. O que eu sei é que a companheira Dilma [Rousseff, ex-presidente] comprou o avião que era o mais econômico, me parece que era o mais barato e custava menos. É um avião de um conjunto de países, é um sueco que tem participação da Inglaterra e de vários outros países", disse Lula.

"Os americanos não gostaram quando eu disse que ia comprar o Rafale, queriam que eu comprasse os aviões deles. E certamente não gostaram quando a Dilma comprou o sueco", afirmou o presidente, segundo o portal.

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos solicitou informações de uma subsidiária da Saab sobre a compra de 36 caças Gripen pelo Brasil em 2014, disse a Saab na quinta-feira (11).

Em comunicado, a empresa disse que as investigações das autoridades brasileiras e suecas sobre o processo de aquisição de caças foram encerradas sem indicar nenhuma irregularidade por parte da empresa, mas que vai cooperar com as solicitações feitas pelos EUA.

"Tanto autoridades brasileiras quanto suecas investigaram anteriormente partes do processo de concorrência do Brasil. Essas investigações foram encerradas sem indicar quaisquer irregularidades por parte da Saab […]. A Saab pretende atender à solicitação de fornecimento de informações e cooperar com o Departamento de Justiça neste assunto", disse a empresa sobre as consultas dos EUA, segundo a Reuters.

A concorrência para compra de caças para a Força Aérea Brasileira (FAB), conhecida como programa FX-2, aconteceu entre 2008 e 2014 e teve a Saab como vencedora. Na ocasião, a norte-americana Boeing também participou da disputa, relembrou o G1.

Em 2016, promotores brasileiros acusaram formalmente Lula – ex-presidente do Brasil na época e agora presidente em exercício – de usar sua influência para ajudar a Saab a vencer a licitação para 36 caças no valor de US$ 5,4 bilhões (R$ 30,2 bilhões). Os advogados de Lula disseram que o caso equivalia a "perseguição política".

O acordo com a Saab também permite que os Gripen sejam produzidos no Brasil no futuro. As primeiras aeronaves já foram entregues ao Brasil e as demais devem ser entregues até 2027.

 

Fonte: Sputnik Brasil/Brasil 247

 

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