sábado, 12 de outubro de 2024

Gado é fogo: municípios com maior rebanho bovino do Brasil são os mais incendiados em 2024

De janeiro a setembro deste ano, um milhão de hectares pegaram fogo em São Félix do Xingu (PA), colocando o município em primeiro lugar entre os que mais queimaram em 2024. Em segundo lugar, está Corumbá (MS), com 741 mil hectares incendiados. Os dados são da plataforma Monitor do Fogo, uma parceria entre o Mapbiomas e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). No Brasil, os incêndios consumiram uma área do tamanho do estado de Roraima entre janeiro e dezembro deste ano, o que representa um aumento de 150% em comparação a 2023. 

Além do fogo, os dois municípios mais incendiados compartilham outro dado. Nesses lugares, estão os maiores rebanhos bovinos do país. Em Corumbá, onde vivem cerca de 96 mil pessoas, o rebanho conta com 1,9 milhão de cabeças, o que dá 20 bois por habitante. Já em São Félix do Xingu, são mais de 2,5 milhões de cabeças de gado, cerca de 38 bois por pessoa, considerando a população de 65 mil habitantes.  

O uso do fogo é comum nas práticas agropecuárias, como explica Ane Alencar, diretora de Ciências do Ipam e coordenadora do Mapbiomas Fogo. "E o uso do fogo na prática agropecuária no ano muito seco significa que aumenta muito o potencial desse fogo escapar e virar incêndio. E foi o que aconteceu", diz.  

Em setembro, agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) multaram dois fazendeiros acusados de incendiar uma área de aproximadamente 333 mil hectares em Corumbá. O território incendiado tem o dobro do tamanho da cidade de São Paulo e a multa aplicada foi no valor de R$ 50 milhões para Ademir Aparecido de Jesus e outros R$ 50 milhões para Luiz Gustavo Battaglin Maciel.  

Nesta quinta-feira (10), a Polícia Federal (PF) deflagrou a Operação Arraial São João para investigar os incêndios criminosos no município. Durante as investigações, os dados coletados revelaram que a área queimada é alvo reiterado deste tipo de crime ambiental e também de grilagem das áreas com a realização de fraudes junto aos órgãos governamentais. 

<><> Diferentes biomas 

Em São Félix do Xingu, no bioma amazônico, quase 25% do território é ocupado por pastagens. O fogo, no entanto, avança para a mata nativa. Em 2024, 50% da área queimada no município é de floresta. Em segundo lugar, ficam as pastagens, que correspondem a 38% dos incêndios registrados no município entre janeiro e setembro. São Félix do Xingu está na lista dos municípios que concentram altos índices de desmatamento da Amazônia, segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

No caso de Corumbá, município que mais perdeu superfície de água em 2023, a maior parte das chamas consumiu as áreas de planícies alagáveis. Com a seca histórica do Pantanal, essas regiões se tornaram mais inflamáveis.  

Alencar ressalta que a ação humana alimenta um ciclo de secas e incêndios. "O fogo começou com a ação humana e se espalhou, mas por uma condição propiciada pelo clima". A seca, por sua vez, se agrava com as queimadas e o desmatamento.  

¨      Em ano recorde de queimadas, fogo já consumiu área do tamanho de Roraima

Entre janeiro e setembro de 2024, o fogo consumiu uma área de 22,38 milhões de hectares – o equivalente ao estado de Roraima. Isso corresponde a um aumento de 150% em comparação a 2023. Os dados são do mais recente levantamento do Monitor do Fogo, da plataforma Mapbiomas.  

Aproximadamente três em cada quatro hectares queimados foram de vegetação nativa, principalmente formações florestais, que correspondem a 21% da área queimada. Entre as áreas de uso agropecuário, os pastos se destacaram, com 4,6 milhões de hectares queimados entre janeiro e setembro deste ano. 

No mês de setembro, o bioma que mais pegou fogo foi a Amazônia, que soma mais da metade das áreas incendiadas no país no período.

Vera Arruda, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e coordenadora técnica do Mapbiomas Fogo, alerta que os incêndios nesse bioma são causado por ação humana. "Nessas regiões, como na Amazônia, por exemplo, o fogo não ocorre naturalmente. Então, na verdade, soa como um alerta, porque mostra como as mudanças climáticas têm impactado o clima, deixando a vegetação mais seca, mais suscetível", diz. 

<><> Três estados concentram incêndios 

Mais da metade da área incendiada no Brasil fica em apenas três estados: Mato Grosso, Pará e Tocantins.  Sozinho, o Mato Grosso responde por 25% do total: foram 5,5 milhões de hectares queimados entre janeiro e setembro. Pará fica em segundo lugar, com 4,5 milhões de hectares. Em terceiro, vem o Tocantins, com 2,6 milhões de hectares. O estado faz parte de uma das fronteiras de avanço da agropecuária no Cerrado, o Matopiba, que agrega também Maranhão, Piauí e Bahia. 

"Na região do Matopiba, que pega um pouco do Tocantins, a gente sabe que tem uma dinâmica muito forte em relação à abertura de novas áreas", explica Arruda. 

Ela ressalta que os dados do Monitor do Fogo servem de alerta para a necessidade do aumento de ações de fiscalização. “Principalmente relacionado ao desmatamento e às queimadas de forma ilegal. E a gente viu o tanto que isso impactou em grandes cidades, na qualidade do ar. Então, os impactos vão além do fogo que acontece na floresta”, diz.

¨      Em meio a incêndios, ruralistas buscam derrubar decreto antifogo do governo Lula no Congresso

Em meio à desaceleração dos trabalhos do Congresso Nacional neste período eleitoral, uma proposta apresentada recentemente passou despercebida aos holofotes: parlamentares da bancada ruralista querem suspender os efeitos do Decreto n.º 12.189/2024, que criou novas sanções para quem provocar incêndios florestais no país. Assinado pelo presidente Lula (PT) em setembro, o dispositivo estipula, por exemplo, multa de R$ 10 mil para quem gerar início de queimadas em florestas ou outras vegetações nativas, bem como multa de R$ 5 mil para ocorrências do tipo em florestas cultivadas.

A ideia de derrubar o decreto está expressa em pelo menos duas propostas assinadas por membros da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), sendo uma delas apresentada na Câmara dos Deputados e outra no Senado. Neste último tramita o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 353/2024, assinado pelo líder da oposição na Casa, o senador bolsonarista Marcos Rogerio (PL-RO). Já na Câmara foi protocolado o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 352/2024, de autoria do Zé Vitor (PL-MG).

Ambos foram apresentados entre o final de setembro e o começo de outubro e propõem a suspensão do Decreto 12.189, editado pelo governo como forma de responder à escalada do número de queimadas, que multiplicou os focos de calor no país ao longo de um ano. Dados do Instituto Espacial de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que, de janeiro até o começo de setembro deste ano, por exemplo, houve 159.411 focos de incêndios. Em 2023, foram 79.315 no mesmo período.

Ao justificar o pedido pela derrubada do decreto do governo, Marcos Rogério afirma que as mudanças trazidas pela norma seriam "abusivas" e que o decreto supostamente "comete ilegalidade ao tratar todo fogo em áreas rurais como ação criminosa, imputando responsabilidade, quase que exclusivamente, aos produtores rurais, e por confundir queimadas controladas e incêndios ilegais". Já no PDL 352/2024, o deputado Zé Vitor cita o Código Florestal (Lei 12.651/2012) e a Lei do Manejo Integrado do Fogo (Lei 14.944/2024) para argumentar que tais instrumentos seriam "suficientes para coibir o crime ambiental e imputar responsabilidade civil".

A afirmação contrasta com o que especialistas têm apontado em relação à realidade. O artigo 46 da Lei 14.944/2024, por exemplo, aponta que o descumprimento das regras previstas na norma sujeita os infratores às penalidades previstas na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), legislação que, na visão de organizações civis que acompanham o problema, tem se mostrado inócua.

O motivo tem sido o fato de as penalidades da lei resultarem, na prática, em sanções brandas, como é o caso do pagamento de cestas básicas, por exemplo, o que tem se mostrado incapaz de coibir o uso criminoso do fogo. Apesar do recorde de queimadas registradas neste ano, o Brasil tem apenas 373 pessoas presas por crimes ambientais, segundo informações oficiais da Secretaria Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça (MJ). O número inclui presos em regime fechado e semiaberto e representa 0,05% da população carcerária do país, onde há uma média de 645 mil detentos.

A iniciativa dos ruralistas surge no momento em que o governo Lula tem estudado um anteprojeto de lei que deverá propor um enrijecimento das sanções previstas na Lei de Crimes Ambientais. Diferentes propostas de alteração da legislação já tramitam no Congresso, mas a gestão deve encaminhar uma medida própria nas próximas semanas. O texto está em análise na Casa Civil. Em reportagem publicada no último dia 6, o Brasil de Fato mostrou que entidades civis do campo progressista também defendem o endurecimento penal para esse tipo de crime. 

<><> Tramitação

O PDL 353/2024, do senador Marcos Rogério, foi alvo de um despacho da mesa diretora do Senado na quinta-feira (10), quando foi remetido para análise na Comissão de Meio Ambiente. O projeto ainda não tem relator designado para cuidar da proposta. Já o PDL 352/2024, do deputado Zé Vitor, está na mesa diretora da Câmara, onde aguarda novas movimentações. As propostas ainda não têm data para votação.

Pelas regras, um PDL precisa ser avaliado pelas comissões legislativas e, caso trate de assunto relativo a mais de quatro comissões de mérito, o texto deve ser apreciado por uma comissão especial, tipo de colegiado criado para a análise de uma proposta específica. Alguns PDLs devem ser avaliados depois pelo plenário, enquanto outros podem ser conclusivos às comissões, o que significa que, eventualmente aprovados por estas, seguem diretamente para a outra casa legislativa.

Mas, na Câmara dos Deputados, por exemplo, a tendência nos últimos anos tem sido a apreciação de boa parte das proposições diretamente em plenário, o que é possível após a aprovação de um requerimento de urgência. Se isso vier a ocorrer, a proposta pode ser colocada em votação em qualquer data em que haja sessão deliberativa, a depender apenas de acordos entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e os líderes das bancadas.

 

¨      Na Europa, Caravana pela Ecologia Integral denuncia bancos que financiam transição energética nociva aos povos indígenas

Projetos de mineração custam caro e demandam financiamento. Conforme o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), empresas de mineração devem investir US$ 64,5 bilhões (ou R$ 319 bilhões) no país até 2028. Grande parte do montante é reunido com a ajuda de bancos espalhados pelo mundo, sobretudo na Europa, Estados Unidos e Canadá. As cifras vultosas se convertem em lucros simétricos: apenas em 2023, no Brasil, o setor faturou R$ 248, 2 bilhões.

O alto investimento, a alta lucratividade e a mineração alçada a setor estratégico para a transição energética, seja aqui ou na Europa, tornam o negócio, literalmente, uma mina de ouro – ou melhor, de lítio. Alguns bancos chegam a deter a propriedade das minas, caso do banco canadense Forbes & Manhattan. Conhecido por investidores pela sigla F&M, o banco é operador das mineradoras Belo Sun e Potássio do Brasil.

Ocorre que as regiões da América Latina ricas em minérios, sobretudo os críticos, caso do próprio lítio, um dos principais alvos da transição energética, estão em terras indígenas. Enquanto o europeu esclarecido acredita salvar o mundo com carros elétricos, povos indígenas perdem suas terras, lideranças são assassinadas e a depredação ambiental não cessa, revelando quem é o principal vilão: o modo de produção capitalista para atender ao modelo de consumo planetário.

A III Caravana Por La Ecologia Integral, que percorre a Europa entre os dias 16 de setembro e 12 de outubro, busca alertar a sociedade civil, governos e bancos da Espanha, Bélgica, França, Itália, Áustria e Alemanha que os bilhões despejados em projetos de mineração na América Latina sacrificam os mais pobres, os povos tradicionais e, mostrando como este modelo de transição energética não é sustentável, o meio ambiente.

Entre participações (shareholding) e compra de títulos de dívidas (bondholding), apenas cinco instituições financeiras mantêm investimentos na ordem de US$ 192 bilhões nos negócios da mineradora Vale S/A espalhados na América Latina, África e Ásia. Em Paris, integrantes da Caravana se reuniram com o setor de sustentabilidade de uma destas instituições financeiras, o banco Crédit Agricole Group.

<><> Investimento nas violações

O banco possui 13 participações junto à Vale, sendo duas em projetos da mineradora na Indonésia e 11 no Brasil, com ações ordinárias e Recibo Depositário Americano (ADR, na sigla em inglês),  além de 11 títulos de dívidas da empresa, todos envolvendo negócios no Brasil. O dinheiro investido pelo banco está associado de forma direta a impactos socioambientais gerados pela mineradora no Pará, Maranhão e Minas Gerais.

“São muitas as violências e violações que a Vale comete em nossos territórios. Em Minas Gerais, temos a situação do povo Krenak, que vive no rio Doce, totalmente impactado (pela lama liberada pelo rompimento da barragem de rejeitos do Fundão, em Mariana (MG), em 2015). O rio Doce não é só um rio para os indígenas, mas também um ente espiritual. Hoje as crianças não tomam mais banho no rio”, disse Ytaxaha Braz Pankararu aos representantes do banco.

A indígena do território Cinta Vermelha – Jundiba, localizado no Vale do Jequitinhonha, norted e Minas Gerais, lembrou do pajé Euclides Krenak, que se negou a deixar de tomar banho no rio após o rompimento da barragem, justamente pelo papel espiritual que o rio exerce na vida do povo, e acabou morrendo. “Pedi ao banco que faça uma caravana como a nossa nas áreas afetadas pela Vale para que vejam as consequências dos investimentos que fazem a partir da França”, ressaltou Ytaxaha.

Mesmo após o rompimento da barragem do Fundão, nada mudou para a Vale, apontou Ytaxaha aos representantes do Crédit Agricole Group. Em 2019, houve um novo rompimento de uma barragem de rejeitos da Vale, desta vez em Brumadinho (MG). “São ferrovias, pressões fundiárias, especulações imobiliárias, fuligem, barulho, poeira. A vida nestes territórios afetados se torna inviável. Não se trata de uma transição energética justa, uma solução”, frisou.

“O (cacique) Merong Kamakã morreu no território sem ter a terra demarcada. Muitos povos estão retomando e são esses territórios perseguidos pela Vale e seus apoiadores, investidores. Lembrei ao banco que perdemos Merong por conta dessa luta, dessa pressão. A Vale expulsa os povos de seus territórios e leva violência com reintegrações de posse. A pressão é enorme. As cidades próximas acham que a Vale leva desenvolvimento e a gente, atraso”, destacou Ytaxaha.

<><> Investimento na morte 

Para o cacique Railson Guajajara, da aldeia Maçaranduba, Terra Indígena Caru, no Maranhão, “o banco investe milhões de dólares, tem lucros imensos e é ciente do que a Vale faz. Eles disseram que a Vale, aqui no exterior, sofre vários processos e se mostra sensível. Então eles estão bem cientes do que a Vale faz, mas fecham os olhos”. Conforme o cacique, o banco se nega a encarar a realidade: eles investem na destruição ambiental e na morte de comunidades.

O indígena entende que o dinheiro dos bancos, por exemplo, financia grandes empreendimentos caso do Projeto Grão Pará-Maranhão, que envolve a construção do Terminal Portuário de Alcântara, cujas medidas tomarão 87% de território quilombola, e a Ferrovia EF-137, que cortará 22 municípios do Maranhão, passará por territórios indígenas, quilombolas e assentamentos da reforma agrária. Todo este aparato logístico atende aos interesses da mineração e do agronegócio em detrimento das comunidades e do meio ambiente, aponta Railson.

A opinião de Guilherme Cavalli, integrante da Iglesias Y Minería, organizadora da Caravana, vai ao encontro da observação do cacique Guajajara. “As representantes do banco nos disseram que a Vale está em um ‘relatório sensível’ da instituição, mas ao mesmo tempo eles seguem investindo mesmo sabendo de todas as tragédias e da reputação da Vale. Isso demonstra uma grave contradição do sistema financeiro mundial”, apontou.

Cavalli entende que os bancos lucram com as violações aos direitos humanos, não só no Brasil. “Questionamos como é o procedimento de revisão do banco das empresas que ele investe. As representantes nos disseram que o banco se baseia a partir das agências de sustentabilidade, que geram relatórios, mas sabemos que esses relatórios de ESG (Environmental, Social and Governance) são feitos com dados da própria empresa, são relatórios fraudulentos”, disse.

“Nunca vi ninguém nas aldeias fazendo pesquisa, produzindo relatório, nos perguntando a opinião. Nos disseram que enviarão documentos com nossas denúncias à direção do banco, do grupo que representa o banco no Brasil, mas espero que eles ouçam os atingidos pela Vale”, relatou o Guajajara.

Para Cavalli se trata de um dinheiro sujo, que segue alimentando violações de direitos humanos. “Um dinheiro marcado com sangue, um dinheiro que custa vidas, um dinheiro que lucra de uma forma neocolonial a partir dessas retiradas de minérios sem quaisquer cuidados com o meio ambiente, com as comunidades afetadas”. Os integrantes da Caravana solicitaram a presença dos povos e comunidades afetados pela Vale na reunião anual do banco que ocorre no Brasil.

<><> Puno: a nova Potosí  

Potosí, na Bolívia, foi o epicentro, há 500 anos, de uma transformação radical no capitalismo de então com a mineração da prata em montanhas nos Andes que receberam os nomes Sumaq Urqu – “morro bonito” – e Urqu P’utuqsi ou Qullqi Urqu – “morro de onde brota a prata”, em idioma quéchua. O colonizador espanhol deu ao local os nomes de Cerro Rico e morro de Potosí. Até o século XIX, a prata minerada na região alimentou o sistema financeiro mundial.

Com as milhares de toneladas de prata retiradas de Potosí, o Império Colonial Espanhol cunhava o “real de a ocho“. Seu uso se espalhou pela Ásia, Europa, África e América 25 anos após ter sido cunhada pela primeira vez, na década de 1570. Conhecido como dólar espanhol, a moeda estabeleceu completo domínio global sendo a moeda de reserva monetária de muitos países por três séculos. Depois dela, só houve a libra (século XIX) e o dólar (século XX).

A Europa se volta mais uma vez ao continente que vem dilapidando há mais de cinco séculos para achar uma solução para entraves atuais gerados a partir da Revolução Industrial, possibilitada pela exploração colonial na América Latina, África e Ásia.

“A Europa fala agora em transição energética. O mundo tem falado disso. Muito bem. Na região de Puno, dos 13 rios existentes, nove estão poluídos. As montanhas sagradas hoje são alvos da mineração de lítio e urânio. A transição energética é para o benefício da humanidade ou apenas para o benefício de poucos aqui no Norte global?”, questionou o indígena Vito Yuganson Calderón Villanueva.

Vito é do povo Aimara e coordena a comunicação do grupo Derechos Humanos e Medio Ambiente (DHUMA), que acompanha comunidades campesinas quechua e aimara na região de Puno, no Peru. Ele explica que empresas de mineração, financiadas e controladas por bancos internacionais, pretendem retirar mais de 9,5 milhões de toneladas de lítio de montanhas e vales desta região de presença tradicional dos povos Quechua e Aimara.

São dois projetos minerários envolvendo urânio e lítio: um está a 9 km e outro a 3 km da chamada Glacial, uma gigantesca massa de gelo que levou ao menos 30 mil anos para se formar. Em fase de estudos, o  início da exploração por uma empresa controlada por bancos dos Estados Unidos e da Europa está previsto para 2027. “O Lago Titicaca está totalmente poluído. Diversos estudos já confirmaram a presença de metais pesados em suas águas, tais como arsênio, cádmio, mercúrio, chumbo, entre outros”, apontou Vitor.

“As minas previstas terão primeiro o urânio sendo retirado e depois o lítio. Podem destruir 545 sítios arqueológicos com artes rupestres. Um Patrimônio Cultural do Peru  que pode desaparecer. A transição energética é uma mentira, uma jogada de marketing. O conforto aqui na Europa significará o desterro de comunidades, a destruição do patrimônio cultural e do meio ambiente na América Latina”, destacou Vitor.

O Aimara disse que os projetos não respeitaram a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Os povos afetados não foram consultados em momento algum. Há um flagrante desrespeito aos tratados internacionais. Como uma transição energética pode ser realizada nestes termos? Dizem que se trata de energia limpa, o que também é uma mentira: ela é tão suja quanto a matriz energética atual”, concluiu.

 

Fonte: Brasil de Fato/Cimi

 

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