sábado, 12 de outubro de 2024

Venezuela é o único país capaz de conter choque do petróleo frente à crise no Oriente Médio

Analistas apontam que se não fossem as sanções ocidentais que contribuem para deteriorar a estrutura de produção do país, a Venezuela poderia blindar o mundo de uma crise nos preços do petróleo desencadeada por um eventual fechamento do estreito de Ormuz por conta dos conflitos na região.

A escalada de violência no Oriente Médio envolvendo Israel, Palestina, Líbano e Irã colocou em risco a navegação por meio do estreito de Ormuz, canal que conecta o golfo Pérsico ao oceano Índico. O estreito é considerado a artéria do fornecimento global de petróleo, sendo rota diária de cerca de 20 milhões de barris.

Analistas apontam que os conflitos vigentes podem levar ao fechamento do estreito pelo Irã, que controla estrategicamente a passagem. Um eventual fechamento do estreito de Ormuz tem potencial para gerar um choque global na oferta de petróleo.

Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam qual seria a alternativa global para o consumo de petróleo, caso o estreito seja fechado e se a Venezuela, único país latino-americano na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), poderia se tornar uma opção para a exportação da commodity.

Juliane Furno, professora de economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), enfatiza que a Venezuela é o primeiro país no mundo em termos de reservas petrolíferas comprovadas, embora não seja a maior produtora por problemas de estrutura de extração e pelos embargos que sofre dos EUA e de parte da União Europeia (UE).

No entanto, ela avalia que, em termos de possibilidades, "a Venezuela é o único país que pode contrabalancear uma crise no Oriente Médio e manter o nível de oferta global próximo ao atual".

"Isso vai exigir, no entanto, um ajuste final na estratégia imperialista de sufocar a revolução bolivariana através de embargos e sanções. Meu chute é que isso vai ocorrer, já que existe um grande paradoxo entre quem sanciona e quem é sancionado. Às vezes acontece de que o país que sanciona sofre tanto quanto o país sancionado, tanto em matéria de impacto econômico quanto em custo político", explica.

Ela ressalta que um eventual fechamento do estreito de Ormuz, somado à manutenção do embargo ao petróleo venezuelano, "significarão um choque nos preços dos derivados", que teria forte impacto nos EUA em pleno período de eleição presidencial.

"Os EUA, mesmo que sejam produtores de petróleo e também produzam gás de xisto, também são importadores. Dessa forma, a escalada dos preços e os problemas de oferta impactarão na aceleração da inflação e no risco do desabastecimento. Nenhum governo quer isso, porque mina a sua popularidade, sobretudo em tempos de eleições. Além do mais, os sócios minoritários do imperialismo estadunidense na Europa Ocidental tendem a sofrer do mesmo impacto, tal como foi quando houve as sanções contra o gás russo. Isso cria muita tensão entre as principais potências capitalistas."

Nesse contexto, ela afirma que quem ganha é a Venezuela, "que não precisou fazer concessão alguma para retomar sua capacidade de exportação".

"E quem perde são os EUA, que deixam explícito que suas medidas antidemocráticas e antidireitos humanos [as sanções] nada têm de defesa demagógica de 'democracia', mas tão somente uma jogada de isolamento e criminalização da experiência da Venezuela."

O professor Troner Assenheimer de Souza, coordenador do curso de engenharia de petróleo da Universidade Federal Fluminense (UFF), avalia que, em caso de fechamento do canal, o impacto seria imediato.

"Países como EUA, Canadá e Brasil poderiam tentar aumentar a produção, mas isso levaria tempo. Além disso, crises assim tendem a acelerar o interesse por fontes renováveis e maior eficiência energética", afirma.

Souza pontua que a Venezuela "tem grandes reservas de petróleo e, teoricamente, poderia ser uma alternativa". No entanto, ele frisa que Caracas não poderia atender à demanda imediata que seria gerada em caso de fechamento do estreito de Ormuz. Isso porque a produção do país está muito limitada por questões internas e sanções impostas pelos EUA e por alguns países europeus.

"Para realmente contribuir, seria necessário grande esforço de recuperação de sua infraestrutura que está deteriorada, algo que não parece viável no curto prazo."

Ele acrescenta que se o Irã decidir entrar profundamente no conflito, "é provável que o mercado sinta uma escassez de oferta, o que levaria a uma alta considerável dos preços".

"Isso afetaria economias em todo o mundo, criando pressão inflacionária e incertezas, pois 80% do petróleo produzido pelo Irã é consumido pela China, o que levaria a China a buscar outros países produtores", destaca.

Como o Brasil poderia ser afetado?

Furno avalia que em uma eventual crise gerada pelo fechamento do estreito de Ormuz, o Brasil tende a ser menos afetado, embora possa sofrer impactos por conta da atual política de preços da Petrobras.

"Muito embora [a política de preços] não seja mais a de paridade com os preços de importação, ela segue tendo no preço internacional um dos seus elementos de composição. Então, para nós, os combustíveis ficarão mais elevados, o que impactará na inflação. E se a visão do Banco Central seguir a mesma, isso significará a continuidade deletéria de elevações na taxa básica de juros."

Por outro lado, ela aponta que o Brasil não é importador líquido de combustíveis e pode, inclusive, ampliar a produção e a parcela exportada, o que significa que há tendência de elevação das receitas da Petrobras, o que "poderia até ser usado como um colchão emergencial para amortecer a escalada dos preços".

Souza também destaca que, no recorte do Brasil, uma eventual crise gerada pelo fechamento do estreito de Ormuz teria como principal impacto o aumento da inflação, do preço da energia e dos transportes, mas que, ao mesmo tempo, o Brasil também poderia se beneficiar financeiramente com a alta no mercado internacional.

"Contudo, para aproveitar isso, seria necessário aumento na produção e exportação, o que depende de fatores internos. Mais um ponto que pode contribuir na busca por fontes renováveis, o que aceleraria termos outras fontes energéticas, contribuindo ainda mais para a descarbonização. Em resumo, pode ser uma oportunidade para outras matrizes energéticas", afirma.

<><> Venezuela, OPEP e BRICS+: uma aliança que poderia desafiar a hegemonia energética do Ocidente?

No âmbito da visita oficial do secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), Haitham al-Ghais, à Venezuela, o governo venezuelano intensificou o seu compromisso com o fortalecimento da cooperação energética internacional. A Sputnik conversou com um especialista para compreender melhor seus reflexos para o país.

A ministra do Petróleo da Venezuela, Delcy Rodríguez, juntamente com al-Ghais, liderou uma reunião importante com a classe trabalhadora da indústria petrolífera, destacando a importância desta abordagem para consolidar estratégias comuns que fortaleçam a estabilidade do mercado petrolífero global.

Para o doutor em Segurança, Defesa e Desenvolvimento Integral, Vladimir Adrianza Salas, em entrevista à Sputnik, destacou que o eixo principal da visita de al-Ghais à Venezuela girou em torno da estabilidade do mercado de petróleo, questão crucial para a OPEP em meio a uma crise global marcada pela incerteza.

"De acordo com a informação divulgada por alguns meios de comunicação social, o tema central do encontro tem sido a estabilidade do mercado petrolífero e o reforço da cooperação entre os membros da OPEP, diante dos desafios que o mercado internacional apresenta nestes momentos. Ambas as partes manifestaram seu compromisso com ambas as questões", explicou Adrianza.

Além destes pontos, Adrianza considera que há temas de grande interesse que certamente farão parte da agenda de trabalho conjunto, como o impacto das sanções ocidentais na produção petrolífera nacional, o papel da empresa ExxonMobil na fachada atlântica venezuelana, bem como "a política tradicional em defesa dos níveis de produção e da evolução do mercado energético global".

O especialista também enfatizou o papel dos Estados Unidos na criação do caos global para preservar a sua hegemonia, referindo-se aos conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio, bem como às tensões na Ásia e alertou — sobretudo no contexto da guerra de Israel contra o Hamas e o Hezbollah — sobre as possíveis repercussões nos preços do petróleo bruto. "Se o conflito no Oriente Médio se espalhar, poderá afetar significativamente os preços do petróleo", afirmou.

Diante de um eventual aumento, ele também alertou que a Venezuela, sob as atuais sanções, poderá ficar limitada. Em suas palavras, "para que a Venezuela 'tirasse vantagem' de uma potencial crise no Oriente Médio ou na Ásia Ocidental, teria de ser sujeita a uma suspensão total das medidas coercitivas unilaterais".

Um dos grandes desafios para a Venezuela continua sendo as sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia (UE), que limitaram severamente a capacidade do país de comercializar o seu petróleo nos mercados internacionais. No entanto, Adrianza destacou que, apesar das dificuldades, o país tem conseguido manter algumas vendas graças aos seus instrumentos legais, como a Lei Antibloqueio.

Adrianza considerou que os Estados Unidos manteriam o seu interesse no petróleo bruto venezuelano porque embora fosse possível "que a produção de óleo de xisto naquele país pudesse atingir um aumento nos seus níveis para os anos 2025 a 2027", em Washington estão cientes de que "os padrões de refino de muitas refinarias nos Estados Unidos estão focados no processamento de petróleo bruto venezuelano médio e pesado". Aqui, considera o especialista, está a ação do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC, na sigla em inglês) de conceder à Chevron "a prorrogação da licença para continuar a extrair petróleo bruto venezuelano até abril de 2025".

O especialista observou ainda que não é esperada uma mudança na política de sanções ocidental no curto prazo, dado que as recentes tensões políticas relacionadas com as eleições na Venezuela reforçaram a posição de Washington e Bruxelas contra Caracas.

No entanto, segundo Adrianza, a potencial incorporação da Venezuela ao bloco BRICS+ poderá alterar significativamente o equilíbrio energético global, especialmente no que diz respeito à hegemonia dos EUA no controle do mercado petrolífero.

O fato de países como a Arábia Saudita terem começado a reconsiderar o comércio de petróleo em moedas diferentes do dólar americano reforça a importância dos BRICS+ na nova geopolítica energética.

"Há alguns meses, o reino da Arábia Saudita anunciou que não renovaria o acordo do Petrodólar com os Estados Unidos, o que poderia encorajar a Venezuela a optar também por valorizar o seu petróleo bruto em outras moedas", explicou Adrianza. Esta dinâmica, somada à possibilidade de exportação de outros recursos estratégicos como gás e minerais, poderá consolidar uma maior independência econômica da Venezuela, rompendo com a sua dependência histórica do mercado norte-americano.

Em um contexto de sanções e tensões geopolíticas, o especialista conclui que a Venezuela deve procurar se posicionar em um cenário internacional em transformação, onde a cooperação com blocos emergentes e alianças estratégicas será fundamental para garantir a sua estabilidade e desenvolvimento a longo prazo.

<><> Maduro se encontra com secretário-geral da OPEP para fortalecer cooperação no setor do petróleo

O presidente venezuelano Nicolás Maduro reuniu-se na terça-feira (8) com o secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), Haitham al-Ghais, para reforçar a cooperação na área petrolífera.

"Muito grato pelo encontro com o querido Haitham Faisal al-Ghais, secretário-geral da OPEP, amigo da Venezuela. Estou muito atento aos boletins da organização, às suas declarações e visitas aos países europeus e aos bons mecanismos de coordenação", expressou Maduro através de sua conta em uma rede social.

Al-Ghais chegou a Caracas na segunda-feira para cumprir uma agenda de trabalho.

Neste sentido, o líder da OPEP reuniu-se com a vice-presidente e ministra dos Petróleos, Delcy Rodríguez, com quem discutiu a demanda energética mundial e a sua projeção para 2050.

Da mesma forma, analisaram a situação atual do mercado energético internacional, o funcionamento dos estatutos da OPEP+ e as perspectivas futuras do mercado de hidrocarbonetos.

Além disso, Al-Ghais e Rodríguez participaram de uma assembleia com petroleiros, petroquímica e trabalhadores do setor de gás da Venezuela, onde destacaram a contribuição para a "energia global" da estatal Petróleos de Venezuela S.A.

A visita do secretário-geral da organização ocorre uma semana depois da reunião virtual do 56º comitê ministerial de acompanhamento da OPEP, na qual o governo venezuelano destacou a importância do seu país no mercado energético mundial devido às suas grandes reservas de petróleo bruto.

Além disso, a aliança OPEP+ concordou em manter o seu plano de aumentar gradualmente a oferta de petróleo bruto a partir do dia 1º de dezembro.

¨      Países do BRICS+ lançam plataforma de diálogo sobre indústria do diamante

Os países do BRICS+, agora sob a presidência da Rússia, discutiram nesta quarta-feira (9) o fortalecimento de laços comerciais voltados para a indústria do diamante, em uma reunião híbrida, de acordo com o Ministério de Finanças russo.

"No âmbito da presidência russa do BRICS, a reunião inaugural da plataforma de diálogo informal sobre cooperação na indústria do diamante foi realizada em Moscou no dia 9 de outubro, em formato híbrido, durante a reunião dos ministros de Finanças e banqueiros centrais do BRICS", afirmou a pasta em um comunicado após o encontro.

A reunião ocorreu com base nos acordos alcançados nos eventos da presidência russa do BRICS e com o apoio da iniciativa da Associação dos Países Produtores de Diamantes da África, segundo o informe.

"O lançamento de uma plataforma de diálogo sobre diamantes no formato BRICS+ com a participação de países produtores de diamantes da África ajudará a fortalecer os laços comerciais e empresariais entre nossos países, criar novas formas de cooperação e desenvolver uma posição comum dos representantes de todos os segmentos da 'cadeia do diamante', desde a mineração até o varejo, no interesse comum do desenvolvimento estável da indústria", disse o vice-ministro das Finanças da Rússia, Aleksei Moiseyev, citado no texto.

A reunião concordou em quatro áreas-chave: criação de valor agregado nas cadeias de suprimento; apoio a programas de marketing genérico para diamantes lapidados nos mercados do BRICS; garantia de padrões comuns para mineração e comércio responsáveis de diamantes; e compartilhamento de melhores práticas.

A África é um dos maiores produtores de diamantes do mundo, mas a influência dos países africanos na definição dos preços globais é mínima. Dos 70 países participantes do Processo de Kimberley, que regulamenta o comércio de diamantes para evitar a venda de pedras oriundas de áreas de conflito, apenas 13 são africanos, e esses têm pouca ou nenhuma capacidade de influenciar os valores. No encontro, os países do continente que fazem parte do BRICS discutiram estratégias para mudar esse panorama.

<><> BRICS+

O BRICS+ é uma extensão do grupo original BRICS, antes composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O "+" indica a inclusão de outros países ou economias em desenvolvimento que desejam cooperar com os membros do BRICS em várias áreas, como economia, política e cultura.

Após a cúpula do BRICS de 2023, Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã foram convidados a entrar no agrupamento. Todos eles, menos a Argentina, passaram a integrar o grupo em 2024, depois que o governo pró-ocidental de Javier Milei entrou em vigor, em dezembro de 2023.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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